Decisão Arbitral
Autora / Requerente: A…–…, representado por B…– …, S.A.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante A.T.A.)
1. Relatório
Em 16-09-2015, o A…–…, com o número de identificação fiscal…, com sede na Avenida…, n.º…, …-… Lisboa, e representado pela sociedade gestora B…–…, S.A., pessoa coletiva n.º…, e com sede na Avenida…, n.º…, …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, e de forma mediata, à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), referente ao ano de 2012 e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da união das freguesias de … e …, concelho de Mafra, com o valor patrimonial tributário de 1.074.362,38 €.
A Requerente alega que o imóvel a que se refere a liquidação de Imposto de Selo é um terreno para construção, e por isso, não tem afetação habitacional, pelo que a liquidação em causa é ilegal. E refere os seguintes acórdãos do CAAD que já se pronunciaram sobre esta questão: 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T, 75/2013-T, 288/2013-T e 310/2013-T.
A título subsidiário, a Requerente refere que a tributação especial prevista na verba 28 da TGIS é contrária ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104º n.º 3 da CRP.
Por fim, a Requerente requer o reembolso do Imposto de Selo pago, acrescido de juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).
Foi designada como árbitro único, em 13-11-2015, Suzana Fernandes da Costa.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30-11-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 21-12-2015 (dentro do prazo legal para o efeito).
A A.T.A. defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida deveria ser julgado improcedente, uma vez que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido prédio tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional.
A A.T.A. requereu ainda, na mesma data, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária, assim como a dispensa de alegações.
Notificada a Requerente sobre este pedido da A.T.A., a mesma veio informar, em 07-01-2016, que nada tinha a opor à dispensa da realização da reunião e à dispensa de alegações.
Em 11-01-2016, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e a dispensar alegações, atendendo à posição das partes e uma vez que não existiam exceções a apreciar. Neste despacho designou-se ainda como data para a prolação da decisão o dia 05-02-2016, e advertiu-se a Requerente para até essa data proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
2. Matéria de facto
2. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da união das freguesias de … e …, concelho de Mafra, descrito como terreno para construção e com um valor patrimonial tributário de 1.074.362,38 €, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 5.
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A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto de Selo n.º 2013…, no valor de 10.743,62 €, relativa ao artigo urbano identificado no ponto anterior, a pagar em três prestações: uma até 30-04-2013, outra até 31-07-2013 e outra até 30-11-2013, conforme liquidação e documentos de cobrança juntos ao pedido arbitral como documentos 1 a 3.
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A Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa da liquidação de Imposto de Selo em causa nos presentes autos.
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O Pedido de Revisão Oficiosa da referida liquidação de Imposto de Selo foi expressamente indeferido, tendo sido a Requerente notificada do seu indeferimento por carta registada com aviso de receção em 19-06-2015, conforme cópia da decisão junta ao pedido arbitral como documento 1.
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A requerente procedeu ao pagamento do Imposto de Selo constante das notas de cobrança juntas ao pedido arbitral.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.
3. Matéria de direito:
3.1.Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto da liquidação de Imposto de Selo, sendo um terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).
Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 284/2013-T, 288/2013-T, 310/2013-T, 12/2014-T, 151/2014-T, 202/2014-T, 210/2014-T, 276/2014-T, 514/2014-T, 516/2014-T, 523/2014-T, 599/2014-T e 663/2014-T.
O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre esta questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 048/14 de 09-04-2014, 07/14 de 02-07-2014, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014, n.º 046/14 de 14-05-2014, 01481/14 de 15-04-2015, 0764/14 de 15-04-2015, n.º 0279/15 de 22-04-2015, n.º 021/15 de 29-04-2015 e n.º 01479/14 de 17-06-2015. Como se lê no acórdão proferido no processo n.º 0676/14 de 09-07-2014: “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba n.º 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afetação habitacional.”
3.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS
3.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.
Vejamos:
3.2.2. Conceito de prédios utilizados no CIMI
No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º. Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.
A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito. Também não se encontra este conceito em qualquer outro diploma.
3.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional»
A verba 28.1 da TGIS referia-se em 2013 “prédio com afetação habitacional”.
A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».
Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T, em que foram árbitros o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira:
”é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.
São classificados como terrenos para construção, e atento o disposto no artigo 6º n.º 3 do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito. Neste sentido veja-se JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, página 97.
Note-se que na classificação como terreno para construção é irrelevante a afetação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial, industrial ou para serviços.
Por sua vez, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-07-2014, do processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“
Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relator Ascenção Lopes, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”
Podemos assim concluir que os “terrenos para construção”, não podem ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
Proibição da analogia e da interpretação da extensiva
Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual:
“4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”
Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.
Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.
Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.
Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.
Aplicação do regime à situação da Requerente
O prédio da Requerente é um terreno para construção. Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.
Por este facto, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
O supra exposto implica necessariamente que o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa interposto pela Requerente contra a liquidação de Imposto do Selo que é objeto destes autos, padeça igualmente de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que conduz também à declaração da sua ilegalidade e consequente anulação (cf. artigo 135.º do CPA).
A presente decisão vai, assim, no mesmo sentido que as decisões do CAAD dos processos n.º134/2015-T e n.º 111/2015-T, já que em todas elas se discutiu a legalidade das liquidações de Imposto de Selo de terrenos para construção do ano de 2012 e de 2013, na sequência de indeferimento expresso de pedido de revisão oficiosa.
4. Decisão
Em face do exposto, determina-se julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2012 n.º 2013… no valor de 10.743,62 €.
5. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 10.743,62 €.
6. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 € devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 02 de fevereiro de 2016.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.
O árbitro singular
Suzana Fernandes da Costa