Decisão Arbitral
A…, nif … com residência na Rua da … nº …- … Esq.º, …-… Porto, veio ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 2º, e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que havia interposto em 2013/08/16, com referência ao IRS - exercício de 2010, bem como da declaração de ilegalidade da respetiva Nota de Liquidação, em que foi apurado o reembolso parcial do valor da liquidação, no montante de 233,21€.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
Por despacho de 11/09/2015, foi aceite o pedido de constituição do tribunal arbitral pelo Senhor Presidente do CAAD, que foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23/09/2015.
A Requerente prescindiu do direito de nomear árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário do presente acórdão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 20/11/2015 foram as partes devidamente notificadas da constituição do Tribunal Arbitral, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, tendo em conta o estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal ficou constituído em 20/11/2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defende a improcedência dos pedidos formulados na presente ação, que respeitam à liquidação do IRS de 2010.
Por despacho de 2016/01/07, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, apesar de notificadas para o fazerem, as partes não apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artºs 4º e art.º10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.º 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades nem há qualquer exceção a considerar.
Matéria de facto
a) A Requerente apresentou tempestivamente a sua declaração Mod. 3 de IRS relativa aos rendimentos auferidos em 2010, em 29/04/2011, sem que nela tivesse mencionado qualquer referência à sua situação de possuidora de incapacidade permanente.
b) Em 29/04/2012, entregou, com referência ao mesmo exercício, uma declaração Mod. 3 de substituição, na qual fez constar que era possuidora de uma deficiência/incapacidade com grau de 60%.
c) Em 16/08/2013, interpôs pedido de “revisão oficiosa da declaração de IRS, arguindo a necessidade de ser considerada a dedução prevista no art.º 87º, nº 1 do CIRS, para feitos do apuramento do seu IRS, atendendo à sua incapacidade/deficiência devidamente reconhecida por atestado médico de incapacidade multiuso”;
d) A Requerente juntou ao pedido de constituição do Tribunal arbitral uma cópia do mencionado atestado, emitido em 17/01/2012, que certifica que a mesma é possuidora de um grau de invalidez permanente de 60%, e que essa invalidez já existia desde 2010, a reavaliar em 2015.
e) O pedido de revisão oficiosa foi indeferido, e é esse indeferimento que a Requerente pretende ver sindicado pelo tribunal arbitral, porque, segundo alega, a ilegalidade emergente do Despacho, ao não permitir a dedução que é decorrente do grau de deficiência de que é possuidora, de conformidade com art.º 87º nº 1 do CIRS, reflete-se na liquidação nº 2011…;
f) Isto é, considerada que fosse a dedução nos termos do art.º 87º citado, relativa ao grau de deficiência no recálculo do IRS de 2010, haveria que reembolsar a Requerente num valor adicional de 1 667,88€.
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A impugnante, apresentou tempestivamente a sua declaração de rendimentos sujeitos a IRS (29/04/2011) respeitante ao exercício de 2010, sem qualquer referência à sua situação de incapacidade;
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Essa declaração deu origem à liquidação nº 2011…, cujo resultado final foi o apuramento de 233,21€ de reembolso, sem a consideração de qualquer circunstância relacionada com incapacidades físicas.
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Em 29/04/2012, a ora impugnante apresentou nova declaração de rendimentos, desta vez de substituição, a qual só é diferenciada da anterior porque fez constar no Quadro 3, campo 03-A, a qualidade de sujeito passivo com deficiência com o Grau de 60%, isto porque, segundo alega,
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Em 17/01/2012, havia sido emitido um atestado médico de incapacidade multiuso pela Junta Médica da ARS-Norte -…, no qual se certifica que a impugnante era portadora de uma “incapacidade física permanente de 60%, desde 2010, a ser reavaliada em 2015”.
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A declaração de substituição entregue em 29/04/2012 foi validada pela AT no sistema informático, mas considerada como não liquidável.
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Em 16/08/2013, a requerente apresentou um pedido de revisão da liquidação do IRS de 2010, com o nº 2011…, com fundamento no nº 4 do art.º 78º da Lei Geral Tributária (LGT), reclamando que a matéria tributável fosse revista, agora tendo em conta a circunstância de incapacidade mencionada na declaração de substituição.
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É a decisão de indeferimento proferida neste procedimento, aberto ao abrigo do citado art.º 78º da LGT, que vem impugnada.
Factos provados e não provados
Os factos são dados como provados com base nos documentos juntos com a petição inicial, por sua vez todos confirmados no processo administrativo.
Não se considera provada nenhuma das circunstâncias ou causas relacionadas com a data na qual a Requerente providenciou a obtenção da declaração de incapacidade (Atestado) nem em que data entrou na posse do dito documento, nem existem outros factos relevantes para a apreciação da matéria do pedido de pronúncia arbitral que devessem ser considerados provados ou não provados.
Do direito
I - A Requerente vem solicitar ao tribunal a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão interposto a propósito da ilegalidade, no seu entender, da liquidação do IRS do ano de 2010, exigindo, na prática, o consequente tratamento da declaração de substituição que contém a menção de deficiência em grau de 60%, para o que alega, em suma, o seguinte:
1. Apresentou declaração Modelo 3 de IRS de 2010, da qual resultou a liquidação nº 2011… com o reembolso no valor de € 233,21.
2. Nessa declaração não preencheu o campo 03 do Quadro 3-A.
3. No final de 2011, reduzidos os efeitos do tratamento médico a que foi submetida, segundo alega, a Requerente deslocou-se a uma Junta médica, tendo sido emitido em 17/01/2012, atestado médico de incapacidade multiuso, o qual lhe atribui “incapacidade permanente global de 60%, desde 2010, a ser reavaliada em 2015”.
4. Em 29 de Abril de 2012 a Requerente submeteu, então, declaração Modelo 3 de IRS de substituição, relativa ao exercício de 2010, onde registou no referido campo 03 do Quadro 3-A, o seu grau de invalidez de 60%.
5. A declaração em apreço foi considerada certa pelos Serviços Centrais, mas não gerou a correção da liquidação constante da Nota de Liquidação do IRS que lhe fora anteriormente notificada.
6. Por esse facto, a 16 de Agosto de 2013, interpôs pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS referente a 2010, arguindo a necessidade de ser considerada a dedução prevista no art.º 87º, nº 1, do código do IRS, atendendo à sua incapacidade/deficiência devidamente reconhecida por atestado médico de incapacidade multiuso.
7. A Direção de Serviços do IRS, entretanto, notificou a Requerente do projeto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em apreço, acabando os argumentos por si aduzidos em sede de audição prévia por serem desconsiderados, e, consequentemente, a ora Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
8. Após o que, a Requerente, com base no exposto entende ser forçoso concluir que a liquidação de IRS n.º 2011…, porque não considera a dedução prevista no art.º 87º do Código do IRS, é ilegal.
9. A sua invalidez, na percentagem de 60%, com início a 01 de Janeiro de 2010, está validada pela AT, e consta da informação incluída nos "dados gerais" da Requerente, na sua página do Portal das Finanças.
10. A Requerente defende que o pedido de revisão oficiosa é admissível à luz do disposto no art.º 78º, nº 4 da LGT, mas também o é à luz do art.º 74º, nº l da LGT, pelo que deve ser processada nova nota de liquidação de IRS relativa a 2010, da qual resultará, após acertos, IRS a seu favor no montante de € 1.677,60.
11. Alega quanto ao nº 4 do art.º 78º, que apresentou o pedido de revisão antes do decurso dos três anos referidos no nº 4 do citado art.º 78º, pois a liquidação foi realizada em 2011 e a petição deu entrada nos Serviços em 2013, pelo que se não coloca o problema da tempestividade do pedido de revisão.
12. Por outro lado, defende que não há dúvida da verificação, no seu caso, de injustiça grave ou notória em sede de tributação em IRS com referência ao ano de 2010, porque a mesma liquidação for mantida não considera a invalidez/incapacidade certificada por atestado médico já reconhecido pela AT, como consta sistema informático;
13. A Requerente respalda a sua tese de verificação do pressuposto de injustiça grave ou notória em jurisprudência e em doutrina administrativa da própria AT, concluindo que “…está em causa a tributação de um sujeito passivo com incapacidade física permanente de 60%. Ora, a não consideração desta dedução – artº87º do código IRS - para efeitos do apuramento do IRS da Requerente de 2010, resultaria na sua tributação como se tratasse de um sujeito passivo sem deficiência alguma, o que não corresponde à verdade”.
14. Quanto à questão da inexistência de comportamento negligente, a Requerente exprime a opinião de que a declaração, embora atestando a existência da incapacidade desde 2010, apenas foi emitida em 17/01/2012 e que, obtido o atestado, imediatamente foi submetida declaração de substituição modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2010 e, posteriormente, apresentado o pedido de revisão oficiosa em apreço,
15. Pelo que não há, portanto, negligência alguma que possa ser imputável à Requerente, existindo obviamente inequívoca e evidente injustiça grave na tributação do IRS relativo ao exercício de 2010 da Requerente, caso não seja considerada a sua incapacidade para efeitos do imposto a pagar.
16. Entende ainda a Requerente, caso não se concorde com a verificação dos pressupostos previstos no nº 4 do art.º 78º da LGT, que, ainda assim, o pedido de revisão deveria ter sido deferido ao abrigo do nº 1 do mesmo preceito.
17. Na verdade, a Requerente disporia sempre do prazo geral de contestação dum ato tributário ilegal segundo o regime previsto no nº 1 do mesmo artigo 78º da LGT, isto é, quatro anos, uma vez que o contribuinte pode pedir a revisão oficiosa no prazo que a lei concede à Administração para o fazer, como resulta do entendimento sufragado pelo STA no âmbito do Processo nº 945/03, de 2/07.
18. Conclui, assim, que está demonstrada a legalidade e a tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS relativa ao exercício de 2010 nos termos supra enunciados.
II - Notificada para se pronunciar sobre a petição, veio a AT apresentar Resposta, da qual, em resumo, podemos concluir o seguinte:
1. O pedido não merece acolhimento porquanto não estão reunidas as condições impostas pelo nº 4 do art.º 78º da LGT para que o sujeito passivo se possa socorrer do procedimento de revisão aí previsto, tendo como fim a correção da liquidação do IRS de 2010.
2. Efetivamente, o art.º 87º do CIRS prevê uma dedução a pessoas possuidoras de invalidez/deficiência permanente, devidamente comprovada por atestado multiuso, quando igual ou superior a 60%;
3. Por outro lado, o CIRS estabelece no nº 7 do art.º 13º que a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para feitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano do imposto;
4. Sucede que a requerente não juntou à data do pedido de revisão qualquer atestado médico, pelo que não foi possível aferir, para decisão desse pedido de revisão, se em 31/12/2010 o atestado já existia, tendo em vista a verificação de que nessa data a requerente já reunia as condições do art.º 87º;
5. A Requerente só juntou o falado atestado médico multiusos no momento em que exerceu o direito de audição prévia, antes da decisão, “mas não cuidou de demonstrar, como era seu ónus, que o erro invocado não poderia ser imputável a um comportamento negligente seu”, isto porque o nº 4 do art.º 78º da LGT estabelece a possibilidade de “revisão da matéria coletável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
6. Por outro lado, “...o mecanismo da revisão apenas prevê a possibilidade de revisão da matéria coletável, não estando por isso abrangida a possibilidade de revisão de outros parâmetros da liquidação de IRS, tais como as taxas ou as deduções à coleta (designadamente previstas no art.º 87º do CIRS). Como tal, a eventual injustiça grave ou notória no apuramento desta dedução não cabe no âmbito de aplicação daquele normativo”.
7. Segundo a AT, “ainda que assim não se entenda, cumpre salientar que a injustiça grave ou notória a que alude aquele normativo legal só é suscetível de fundamentar a revisão oficiosa excecional quando "o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte".
8. Ora, quanto a este respeito a requerente alega apenas que tentou corrigir a situação assim que obteve o atestado, nada dizendo que permita dar por demonstrado que a não obtenção atempada do atestado, num ano, em que, de acordo com a requerente, a incapacidade já era manifesta, não pode ser imputável ao seu comportamento negligente.
9. Quanto à alegada injustiça na tributação vigente sobre os rendimentos de 2010, é de reiterar o facto de a mesma ter sido apurada tendo em consideração os pressupostos existentes à data dos factos tributários, de entre os quais não constava qualquer grau de incapacidade reconhecido, nos termos legalmente exigidos para o efeito, sendo certo, aliás, que a requerente só no ano de 2012, com a obtenção do atestado de incapacidade, reuniu as condições legais necessárias para que a sua incapacidade fosse fiscalmente relevante.
10. Conforme supra referimos, o artigo 74°, nº 1 da LGT prescreve que "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
11. Também o artigo 342º do Código Civil determina no seu nº 1 que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”: determinando o n.° 2 do mesmo artigo que “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocados compete àquele contra quem a invocação é feita”.
12. Assim, forçoso é concluir que não merece qualquer censura o despacho de indeferimento da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pois que não se encontram reunidos os pressupostos legais expressamente determinados no art.º 78º nº 4 da LGT, e consequentemente o ato de liquidação ora posto em crise não padece de qualquer ilegalidade”.
13. Posto o que vem explanado, entende a AT que os atos ou fatos alegados não são suscetíveis de fundamentar a imputação de qualquer erro à AT na apreciação do facto e consequente aplicação de direito solicitado.
14. Por fim, defende a AT que ao caso também não pode ser aplicada a permissão do nº 1 do art.º 78º porque “… na situação em análise verifica-se que a liquidação sub judice foi emitida pela Autoridade Tributária, com base na informação que então lhe foi comunicada e declarada pela ora Requerente, pelo que a omissão da informação relativa à incapacidade agora invocada, não pode ser considerada como um erro da requerida nem, por conseguinte, um erro passível de correção com fundamento na parte final do nº 1 do artigo 78.° da LGT”.
15. Pelo que há que concluir que o despacho sub judice, exarado na informação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, não merece qualquer censura.”
Quadro normativo
No presente processo está em causa, embora a primeira pareça ter sido feita marginalmente, duas questões que podem influenciar a ilegalidade do despacho de indeferimento, e, por consequência, a liquidação que se quer ver revista.
A primeira respeita à (i) entrega de uma declaração de substituição que não mereceu o tratamento por parte da AT, embora conste do sistema informático, em razão da qual poderia resultar uma eventual correção da liquidação originada pela declaração anterior, e, a segunda, em face da constatação desse facto, (ii) a apresentação de um pedido de revisão nos termos do art.º 78º da LGT.
I – Sobre a matéria atinente às declarações de substituição rege o art.º 59º do CPPT que define o conjunto de passos necessários ao início do procedimento tributário que deva ter por base declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes.
A par da declaração normal de rendimentos, no mesmo preceito admite-se a possibilidade de, através da entrega de declarações de substituição, se providenciar a correção das liquidações originadas nessas declarações porque nelas foram praticados erros ou omissões declarativas.
Tendo como pressuposto o âmbito de influência das declarações de substituição nas liquidações efetuadas ou a efetuar, o art.º 59º do CPPT diz que:
“Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:
1-…;
2-…;
3-…;
a)-…;
b)-
I…;
II-Até ao termo do prazo legal da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação, para a correção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte um imposto inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;
III -…
…”
Assim, a apresentação da declaração de substituição pela impugnante em 29/04/2012, na qual se fez constar a existência de uma incapacidade superior a 60%, que permitiria o benefício previsto no art.º 87º do CIRS, para além de gerar imposto a liquidar inferior, aconteceu para além do prazo legal da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação originário como está provado nos autos.
Em face desta factualidade, a entrega de declaração de substituição não pode ser o procedimento idóneo para obter a revisão da liquidação, sabendo-se, ainda, que o erro ou omissão na primeira declaração não é imputável à administração.
A AT não tinha obrigação legal de tratar a declaração de substituição apresentada em face do decurso do prazo legalmente previsto para o efeito. Portanto, para se obter a correção da liquidação, teria a contribuinte de socorrer-se de outra via. O que na realidade aconteceu mediante a apresentação de um pedido de revisão do ato tributário ao abrigo do art.º 78º da LGT.
II - Estabelece o art.º 78º da Lei Geral Tributária o seguinte:
Artigo 78.º
Revisão dos atos tributários
1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 - A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte[1] (Red. da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12 - Anterior n.º 3.)
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
Nos termos deste preceito, podem ser objeto de revisão os atos tributários de liquidação[2] e os atos tributários de fixação de matéria coletável.
· O ato tributário de liquidação, segundo a epígrafe do artº 78º da LGT, pode ser revisto a pedido do contribuinte ou por iniciativa da administração tributária.
A. Se o fundamento para a revisão assentar em “qualquer ilegalidade”, a iniciativa para a revisão só pode ser requerida dentro do prazo da reclamação administrativa.[3]
B. Se o fundamento assentar em erro imputável aos serviços, a iniciativa da revisão da liquidação pode partir da administração tributária ou de pedido do contribuinte – o pedido de revisão pode ocorrer no prazo quatro anos após a realização do ato tributário respetivo ou a todo o tempo se o tributo não estiver ainda pago.
C. Se houver duplicação de coleta - seja qual for o fundamento – o prazo para apresentação do pedido é de quatro anos para a revisão, tanto por iniciativa da AT como do contribuinte.
· A revisão da matéria coletável também pode ser autorizada, excecionalmente, com fundamento em injustiça grave ou notória, se o erro não for imputável a conduta negligente do contribuinte – prazo 3 anos.
Nos autos, o que está em causa é um pedido de revisão apresentado após o não tratamento de uma declaração de substituição que, em termos normais, segundo impugnante, deveria produzir uma liquidação corretiva da liquidação anterior, com fundamento na incapacidade/deficiência certificada em atestado médico e, paralelamente, saber se o erro daí resultante é imputável à AT.
É esta realidade que deverá ser subsumida na lei, por forma a saber ou determinar se estão preenchidos os pressupostos do art.º 78º da LGT para a obrigatoriedade de revisão da liquidação de IRS que resultaria, já não da omissão de tratamento da declaração de substituição, mas antes da constatação de que existirá injustiça grave ou notória no apuramento da matéria coletável sujeita a IRS pela não consideração da incapacidade/deficiência certificada do atestado médico multiusos apresentado, que conferiria à impugnante a dedução à coleta prevista no art.º 87º do CIRS e, consequentemente, um reembolso maior do que aquele que foi apurada com a entrega de declaração inicial de IRS em 2011.
Nesta análise, convém ter em conta o facto de que, como já ficou dito, o nº 4 (anterior nº 3) do art.º 78º foi alterado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12 (com entrada em vigor em 1/1/2006) que lhe aditou a expressão “desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”. A alteração não é despicienda porque, se até aí bastava a verificação de injustiça grave ou notória no apuramento da matéria coletável, depois passou a exigir-se, cumulativamente, que o erro gerador da comprovada injustiça grave ou notória não seja devido a uma condição subjetiva relacionada com o comportamento do contribuinte.
Adicionada uma condição subjetiva, passou a ter fulcral importância a matéria respeitante ao ónus da prova dos direitos, dado que está em causa um comportamento subjetivo, e daí que o direito do contribuinte à decisão favorável só pode ser aceite mediante prova, isto é, de conformidade com o art.º 74º da LGT, “o ónus da prova de factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
O instituto jurídico da revisão consagrado no art.º 78º da LGT mais não é do que o dever da administração de concretizar a revisão de atos tributários a favor do contribuinte, uma vez que os princípios da justiça, igualdade e legalidade que a administração tributária tem que observar na globalidade da sua atividade impõem que sejam oficiosamente corrigidos erros praticados nas liquidaçõs sempre que sejam ou tenham sido arrecadados tributos superiores aos devidos. Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar atos ilegais.[4]
Contudo, este dever sofre de limitações, justificadas por necessidade de segurança jurídica, pelo que, além do quadro de pressupostos e requisitos fixados na lei, houve necessidade de introduzir limites temporais.
No campo dos pressupostos, a Requerente alega que estarmos perante um caso de injustiça grave ou notória no apuramento da matéria coletável e que só obteve o atestado confirmativo em 2012 a considerá-la deficiente desde 2010, pelo que, só após essa data pôde entregar a declaração de substituição que lhe daria direito a beneficiar no IRS do estatuto jurídico dos contribuintes com deficiência.
Por seu turno, a administração fiscal, não pondo em causa a verificação documentada da deficiência em grau enquadrável no art.º 87º do CIRS, tanto que a inscreveu no sistema informático, e não pondo também em causa a possibilidade de obtenção da revisão da liquidação por força dos art.º 93º do CIRS e art.º 78º da LGT, todavia, pede a improcedência do pedido por falta de prova produzida a respeito da negligência a que se refere o nº 4, parte final, do mencionado art.º 78º. Em seu entender não estão verificados os pressupostos estabelecidos na lei.
Ainda assim, e alargando o âmbito, veio a Requerente protestar que o pedido tem enquadramento não só no nº1 do art.º 78º da LGT, como também, e originariamente, no nº 4 do mesmo preceito, porque existe erro e o mesmo foi tempestivamente apresentado.
Não se questiona essa possibilidade só que, em ambos, a lei faz depender ou a tempestividade do pedido ou a respetiva procedência de prova da cumulativa da verificação da imputabilidade do erro à administração fiscal, ou de que, nos casos de injustiça grave ou notória, o erro não é devido a comportamento negligente do contribuinte.
Ou o fundamento para a revisão é o erro no ato tributário imputável à administração tributária e o pedido pode ser apresentado em quatro anos após a realização do ato de que se pretende a revisão, ou há injustiça grave e notória na determinação do rendimento coletável e o ato pode ser revisto em três anos desde que o erro não seja devido a nenhum comportamento negligente do contribuinte. A contrario, temos que entender que se houver comportamento negligente do sujeito passivo na formação da injustiça grave ou notória o ato já não pode ser revisto.
Do que não há dúvidas é que a AT efetuou a liquidação impugnada com base nos elementos declarados em 2011. Por outro lado, também não há dúvidas de que a requerente foi declarada incapaz em 60% com efeitos reportados a 2010 e que, se essa circunstância tivesse constado na declaração a liquidação poderia gerar um reembolso de mais 1 667,88€.
Todavia não existe nos autos conhecimento das razões que motivaram a obtenção do atestado médico só em 2012 - referindo este a existência de incapacidade elegível para efeitos do art.º 87º do CIRS desde 2010-, e que justificaram que o mesmo não podia ter sido obtido antes, pelo menos, até à data da entrega da declaração em Mod.3
A Requerente aporta em sua defesa alguma jurisprudência do STA, TCA e CAAD para fundamentar a tempestividade do pedido, tanto no âmbito do nº 1 como do nº 4, ambos do art.º 78º da LGT, e também a verificação da injustiça grave e notória, bem como da obrigação da AT de anular atos injustos. Ainda assim, é conveniente recordar que a jurisprudência que vem citada pela Requerente diz respeito a factos tributários verificados antes da data da alteração do nº 4 do art.º 78º, conforme nota acima expressa. Porém, não existe ainda pronúncia (mesmo em acórdãos conhecidos de 2014 ou 2015) sobre a questão da existência de comportamento negligente a que se refere o nº 4, nem sobre a sua interferência na possibilidade de aceitação ou não do pedido de revisão.
A jurisprudência dá razão à impugnante quanto à verificação da necessidade de revisão de atos injustos mas sempre com a salvaguarda de se acharem verificados os requisitos previstos na lei.
Noutra perspetiva, é pacífico na jurisprudência e na doutrina que o erro a que a lei se refere quer no nº 1 quer no nº 4 do art.º 78º, pode ser o erro de facto ou o erro de direito. Ainda assim, e em ambos os casos, se o fundamento do pedido de revisão for a verificação de erro, a lei faz depender, para além da respetiva existência que esse erro, nos termos do nº 1, seja sempre imputável à administração tributária e no caso do nº 2 que o erro (que dá origem a injustiça grave ou notória) não seja devido a comportamento negligente do contribuinte, ou seja, o erro pode ser do contribuinte ou da administração, o que não pode é ser um erro imputável a conduta negligente do sujeito passivo.
Pode-se admitir a existência de erro na definição da situação tributária do IRS da Requerente relativo ano de 2010, depois da certificação médica na medida em que a liquidação não considerou a condição de incapacidade/deficiência, num grau de 60%, que, todavia, não era conhecida à data da liquidação. Poderia, em tese, admitir-se existir uma ilegalidade nessa liquidação motivada pela verificação de erro nos pressupostos de fato, enquadrável tanto no nº 1 como no nº 4 do art.º 78º da LGT, porque não foi observado o art.º 87º do CIRS que manda deduzir à coleta apurada um determinado montante.
Do mesmo modo, não haveria igualmente dificuldade em reconhecer que se encontra verificado o pressuposto da tempestividade do pedido regulamentado no art.º 78º, quer o enquadramento se faça no âmbito do nº 1, porque ainda não tinham transcorrido quatro anos desde a ocorrência do ato de que se pede a revisão, quer o enquadramento deva ser incluído no nº 3, porque também ainda não tinham passado os 3 anos ali mencionados.
Porém, em todos os casos previstos, salvo a revisão por duplicação de coleta, a lei exige sempre e cumulativamente que o erro seja imputável à administração ou que, pelo menos, o erro ou omissão não seja devido a conduta negligente do contribuinte, mas cuja prova negativa da negligência cabe, por força do art.º 74º da LGT, ao contribuinte.
A contribuinte justifica a petição arbitral no facto de que entregou uma declaração de substituição fazendo constar que era deficiente, embora decorrido mais de um ano após a entrega da declaração Mod 3 inicial e que deu origem à liquidação, invocando apenas que entregou a declaração de substituição assim que obteve o atestado. Ainda assim, deve assinalar-se que entre a data do atestado (17/01/2012) e a data da entrega da Mod 3 de substituição (29/04/2012), decorreram cerca três meses.
Ou seja, apesar de instada a apresentar essa justificação aquando da notificação para exercer o direito de audição prévia antes da decisão do pedido de revisão, conforme as provas que estão juntas aos autos, a requerente nada disse sobre o assunto limitando-se, nessa data, a entregar cópia do mencionado atestado.
Por isso, e salvo o devido respeito, é possível concluir que a Requerente poderá até não ter tido na devida conta, no mínimo, o dever de colaboração previsto no art.º 59º, nº 4, da LGT, tanto mais que o sucesso do pedido que apresentara ao abrigo no nº 4 do art.º 78º da LGT estava dependente da prova de que a sua conduta na verificação do erro não enfermava de qualquer negligência da sua parte.
Complementarmente, apesar de invocado o enquadramento no art.º 78º, nº1, em alternativa ou cumulativamente ao nº 4, era necessário provar sempre, atento o disposto no art.º 74º da LGT, que o erro na liquidação ou da determinação da matéria coletável era imputável aos serviços, o que de acordo com a prova produzida, também não logrou conseguir.
Atento o disposto, à data da liquidação, a AT não era obrigada a saber que a Requerente tinha um grau de incapacidade/deficiência de 60%, que lhe conferiria o direito a beneficiar de uma dedução à coleta;
Não estão, portanto, verificados os requisitos de prova a que a Requerente devia efetuar e, consequentemente, a AT não está obrigada a rever o ato tributário de liquidação do IRS de 2010 atrás identificado.
Por tudo isto, não fica provada que, nem num caso nem no outro, a verificação do erro seja imputável à AT nem que “o erro não é imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
Improcede, portanto, a presente impugnação.
Dado o exposto, encontra-se prejudicado conhecimento da questão de saber, conforme alega a AT, se o caso em concreto era ou não enquadrável do nº 4 do art.º 78º da AT por se tratar de uma dedução à coleta e não um erro na fixação da matéria coletável, na qual se verificará injustiça grave ou notória.
Decisão
Com os fundamentos expostos:
· julgam-se improcedentes os pedidos formulados pela requerente, decidindo-se manter na ordem jurídica o ato de liquidação de IRS de 2010, por não enfermar de qualquer ilegalidade.
· fixa-se o valor da ação em 1 667,88 euros (nº 2 do regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, art.º 97º-A do CPPT e art.º 306º do CPC).
Custas a cargo da Requerente.
De acordo com os termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante da taxa de arbitragem em 306,00€.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 26/02/2016
O Árbitro
(José Ramos Alexandre)
[1] Redação anterior: “4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória. (redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro que vigorou até 31/12/2005)
[2] Ver também os art.º 93º do CIRS ou art.º103º do CIRC, quanto ao ato de liquidação, e artº 62º do CIRC quanto à matéria coletável.
[3] Há quem entenda que o “facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impede o contribuinte de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta” (Ver nota 4, em anotação ao art.º 78º da “Lei Geral Tributária-Anotada e comentada”- 4ª Edição, de Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, pág. 706, e jurisprudência do STA aí citada).
[4] Neste sentido, “Lei Geral Tributária-Anotada e comentada” - 4ª Edição, de Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa.