Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 584/2015-T
Data da decisão: 2016-02-28  Selo  
Valor do pedido: € 76.226,10
Tema: Imposto do Selo - Terrenos para construção, juros indemnizatórios
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.                  Em 7 de setembro de 2015, a A…- …, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na…, …-… Seixal, doravante designada por Requerente, apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante o RJAT), e do artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos n.os 1 e 2 alínea d) do artigo 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à apreciação da legalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo praticados pela Autoridade Tributária (doravante a AT ou a Requerida) que recaíram sobre prédios de que é proprietária.

 

2.                  Embora a Requerente no seu pedido haja indicado como objeto do litígio o pedido de apreciação das liquidações relativas aos anos de 2012 e 2013, certo é que está excluída a apreciação das liquidações das primeiras prestações de 2013, uma vez que o CAAD já o fez, por decisão de 27 de maio de 2015, proferida no âmbito do processo n.º 829/2014-T, que lhe reconheceu razão.

 

3.                  No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro, o mesmo sucedendo com a Autoridade Tributária (doravante a Requerida ou a AT), pelo que, por despacho de 5 de novembro de 2015, do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, foram designados árbitros: o Desembargador Manuel Luís Macaísta (Presidente); o Dr. Nuno Pombo e o Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira.

 

4.                  O Tribunal ficou constituído a 20 de novembro de 2015.

 

5.                  A Requerida apresentou a sua resposta no dia 4 de janeiro de 2016.

 

6.                  Por despacho de 11 de janeiro de 2016, o Tribunal considerou dispensável a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, em virtude de estarem em causa unicamente questões de direito, e marcou para 28 de fevereiro a data da prolação da decisão.

 

II – POSIÇÃO DAS PARTES

 

A) A Requerente sustenta o seguinte:

 

1.                  É a proprietária dos seguintes “lotes de terrenos para construção” na União de Freguesias do…, … e …:

 

·         prédio com o artigo matricial…, descrito na Conservatória do Registo Predial do … (CRP …) sob o registo n.º…, o qual teve origem no artigo n.º…, tendo sido apurado um valor patrimonial de € 2.032.711,50, determinado no ano de 2011;

·         prédio com o artigo matricial…, descrito na CRP … sob o registo n.º …, o qual teve origem no artigo n.º…, tendo sido apurado um valor patrimonial de € 1.016.355,75, determinado no ano de 2011;

·         prédio com o artigo matricial…, descrito na CRP … sob o registo n.º …, o qual teve origem no artigo n.º…, tendo sido apurado um valor patrimonial de € 1.016.355,75, determinado, igualmente, no ano de 2011;

·         prédio com o artigo matricial…, descrito na CRP … sob o registo n.º …, o qual teve origem no artigo n.º…, tendo sido apurado um valor patrimonial de € 1.016.355,75, também, determinado no ano de 2011.

 

2.                  Foi notificada dos atos tributários em que se liquidava Imposto do Selo (“IS”) sobre os prédios identificados, por aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”) relativos aos anos de 2012 e 2013, constantes do seguinte quadro:

3.                  A Requerente, embora discordante, procedeu ao pagamento de todas as liquidações identificadas no número anterior, mas apresentou pedido de Revisão relativamente aos mesmos, bem como pedido de apreciação arbitral em relação às liquidações das primeiras prestações de 2013.

 

4.                  Considera a Requerente que a verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (vigente à data das liquidações) apenas se aplica aos “prédios urbanos com afectação habitacional”.

 

5.                  Alega que, no que ao IS se refere, o artigo 4.º da referida Lei, introduziu na TGIS a verba n.º 28, com a seguinte redação:

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %”

 

6.                  Que no caso sub judice está também em causa a aplicação do artigo 6.º da mesma Lei, a qual, por referência ao ano de 2012, previa a aplicação de uma taxa de 0,5% aos prédios com afetação habitacional. Sendo que, com referência ao ano de 2012, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, deveriam ser observadas as seguintes regras:

“a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%”;

 

7.                  Contesta o entendimento da AT de que os “terrenos para construção” que são propriedade da Requerente têm “afetação habitacional”, importando, consequentemente, averiguar qual o conceito de “prédio com afetação habitacional”.

 

8.                  Defende que o conceito de “afetação habitacional” não pode incluir “terrenos para construção”, porque aquele conceito pressupõe uma abordagem funcional para a determinação da afetação do terreno. Deverá ser avaliado se, de um ponto de vista funcional, um terreno para construção poderá ser, de per se, habitável. Ora, no caso em apreço, refere a Requerente, os prédios são meros terrenos para construção. Do ponto de vista funcional – e de afetação efetiva – é impossível conferir afetação habitacional aos prédios em causa, dada a impossibilidade, por inexistência de infraestruturas ou de quaisquer condições de habitabilidade. Ou seja, o conceito de “afetação habitacional” pressupõe a alocação/destinação dos prédios ao fim habitacional. Sendo que, por maioria de razão, os terrenos para construção, por definição, não são edifícios nem construções, pelo que não poderão ser considerados como afetos a qualquer outro fim.

 

9.                  Em defesa da sua tese, invoca a Requerente decisões do CAAD, nomeadamente as proferidas no âmbito dos processos n.º 202/2014-T, n.º 288/2013-T, n.º 49/2013-T, n.º 48/2013-T, n.º 42/2013-T, n.º 53/2013-T, n.º 75/2013-T, n.º 144/2013-T e n.º 158/2013-T.

 

10.              Mais diz, que o próprio Supremo Tribunal Administrativo (STA), na sua qualidade de órgão de cúpula dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tem, igualmente, reiterado entendimento, segundo o qual a verba n.º 28.1 da TGIS não incide sobre os “terrenos para construção”. De facto, o STA, com clareza, em Acórdão proferido em 09/04/2014, no âmbito do Proc. n.º 048/14, conclui que “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”. É este o repetido entendimento do STA sobre a (errónea) aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS aos “terrenos para construção” (vide, igualmente, os Acórdãos do STA, proferidos no âmbito dos Proc. 0676/14, datado de 09-07-2014 e Proc. 0271/14, datado de 23-04-2014).

 

11.              Note-se, ainda, diz a Requerente, que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, introduziu uma nova redação à verba n.º 28.1 da TGIS. De facto, a partir do ano de 2014, a taxa de 1% incide sobre valor patrimonial tributário do “prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”. Ora, tal redação, indubitavelmente, não se aplica aos factos ora em crise. É que, segundo a Requerente, a referida alteração não tem qualquer carácter interpretativo. Em sintonia com o STA (Proc. n.º 1870/13, datado de 09/04/2014) somos forçados a concluir que “Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”.

 

12.              Mesmo que assim não se entendesse, considera a Requerente ser de apreciar a constitucionalidade da verba 28.1 da TGIS. É que a mesma visa tributar, no caso dos “terrenos para construção”, uma “expectativa de riqueza”. Ora, tal entendimento não poderá, nunca, prevalecer, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva.

 

13.              A Requerente cita em abono da sua tese Sérgio Vasques (in Direito Fiscal, Almedina, 2011) para concluir que tributar uma mera “expectativa de riqueza”, e não a riqueza real, conforme pretende a AT com a aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, manifestamente, colide com o invocado princípio da capacidade contributiva.

14.              Nem sequer se poderá invocar que o princípio da capacidade contributiva não é aplicável aos impostos sobre o património, alega a Requerente, que cita de novo o autor e a obra identificados no número anterior.

 

15.              Sendo o princípio da capacidade contributiva um corolário do princípio da igualdade tributária, não pode a Requerente deixar de questionar a razão pela qual apenas estão sujeitos à verba 28 os prédios com afetação habitacional. Conforme se refere no Acórdão n.º 47/2010 do Tribunal Constitucional (“TC”), “(…) só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis”.

 

16.              Questiona depois a Requerente qual a razão subjacente ao facto da verba 28.1 não incidir sobre um prédio com afetação comercial e com um valor patrimonial tributário (VPT) superior a €1.000.000,00, mas, por outro lado, incidir sobre um prédio com afetação habitacional com igual VPT?

 

17.              E responde que a verdade é que não existe resposta conforme os ditames constitucionais, porquanto o legislador foi, pura e simplesmente, arbitrário na sua opção legislativa. Estamos, pois, perante norma que viola o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porquanto o tratamento fiscal (diferenciado) dos contribuintes não é baseado na sua real capacidade contributiva, mas, antes pelo contrário, é baseado em critério que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma diferente.

 

18.              A Requerente justifica o pedido de juros indemnizatórios em virtude de estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43º da LGT, uma vez que: pagou impostos superiores aos legalmente devidos, por serem ilegais as respetivas liquidações e que esse pagamento resultou de erro imputável aos serviços já que ao tempo das liquidações a AT era possuidora de toda a informação suscetível de evitar o cometimento desse erro.

 

B) A Requerida sustenta o seguinte:

 

1.                  É entendimento da AT que os prédios em apreço têm natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que os atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem uma correta interpretação da Verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

2.                  A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro veio alterar o art.º 1º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28.1. Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00.

 

3.                  Refere a Requerida que, na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 67.º do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro. Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba 28.1 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

4.                  Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros. Por seu turno, a classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI).

 

5.                  A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação. Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do n.º 2 do art.º 45.º do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41.º do CIMI.

 

6.                  Assim, conclui a AT, para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:

 

a.       Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art.º 9.º do Código Civil (CC), ex vi art.º 11.º da LGT.

b.      O n.º 2 do art.º 67.º do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.

c.       A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d.      A própria verba 28.1 TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

 

7.                  Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma. Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

 

8.                  Sendo certo que a única referência à “afetação” dos prédios urbanos surge no capítulo relativo à determinação do VPT dos prédios urbanos - cf. art.º 37.º a 46.º do CIMI -, resultando do artigo 38.º do CIMI que o VPT dos prédios urbanos para habitação é determinado pela aplicação de uma fórmula que integra diversos fatores, sendo um deles o coeficiente de afetação.

 

9.                  No que aos terrenos para construção diz respeito, o VPT corresponde, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 45.º do CIMI, ao «somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.». Esclarecendo o n.º 2 deste preceito que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

10.              Deste modo, afirma a AT, resulta claro que na avaliação do terreno para construção, atende-se necessariamente à área a construir autorizada e à utilização a ser dada a essa construção, ou seja, às características do prédio urbano que nele se vai construir. Assim, a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, para o que se deve, nos termos disposto no art.º 38° do CIMI, atender à afetação dessas mesmas edificações.

 

11.              Em consonância, resultando clara a aplicação do coeficiente de afetação para efeitos de apuramento do VPT dos terrenos para construção, é sintomático que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS (na redação anterior) não pode ser ignorada. Só se concebe que pudesse ser de outro modo, o que por mero exercício académico se concede, se o legislador, na redação original da aludida verba, tivesse adotado a definição prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.o do CIMI (“prédios urbanos habitacionais”), em vez de se referir a “prédios urbanos com afetação habitacional", expressão distinta e mais ampla, reveladora da intenção de integrar, na norma de incidência objetiva, outras realidades, para além daquela.

 

12.              Aliás, continua a Requerida, veja-se que a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante naquele artigo 45º do CIMI, que ordena separar as duas partes do terreno. De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro, a área de terreno livre, apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efetivada. Quanto ao valor do terreno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.

 

13.              A legislação urbanística, chamada à colação pela Requerente, não tem, para efeitos de determinação do conceito de prédio urbano com afetação habitacional, qualquer aplicação, porquanto a classificação fiscal dos prédios urbanos não está vinculada ao respetivo licenciamento. E ainda que o art.º 77.º do RJUE contenha especificações obrigatórias, desde logo para os alvarás de operação de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção, também os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas. Integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional e estabelece o modelo de organização espacial do território municipal. Nestes termos, muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.

 

14.              Relativamente à invocada inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, defende a AT que o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no art.º 13 da CRP. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no art.º 266, n.º 2 do diploma fundamental.

 

15.              Porém, diz a AT, no que respeita ao n.º 3 do art.º 104.º da CRP previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património. A Requerida cita em defesa da sua posição Américo Brás Carlos, Xavier de Basto e Casalta Nabais.

 

16.              Alega mais a AT que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Neste sentido o princípio da igualdade concretiza-se e possui, assim, diversas dimensões, como sejam (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação. No caso sub judice a Requerente suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais. A propósito desta dimensão, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 563/96, de 16 de Maio, citando ainda a Requerida o in Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5 de Abril.

 

17.              A verba 28 é uma norma conforme à Constituição da República Portuguesa, que incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel. O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto.

 

18.              Veja-se, defende a Requerida, que a diminuição de desigualdades presidiu à apresentação da Proposta de Lei n.° 96/XII (2ª); com ela pretendeu o legislador distribuir os sacrifícios impostos pela austeridade por todos, permitindo a discriminação de patrimónios, sem que tal, como pretende a Requerente, ofenda disposições constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade, quer de per se, quer na sua vertente da capacidade contributiva, pois que daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, já que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele princípio constitucional.

 

19.              Ou seja, o facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial, que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.

 

20.              Com efeito, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

 

21.              Continua a Requerida, alegando que a verba 28.1 TGIS surgiu num contexto excecional e de evidentes dificuldades que o País, em especial as contas públicas, enfrentava no decorrer do cumprimento do programa de ajustamento a que a República Portuguesa se obrigou e que teve como documento orientador o Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio de 2011. Não podemos, de todo, ignorar que o ano de 2012 ficou marcado como um ano particularmente gravoso em termos de medidas de contenção orçamental, visando os titulares de rendimento do trabalho, o que esteve indubitavelmente na origem não só da criação da Verba 28.1 TGIS, como da previsão de um facto tributário adicional, como forma de repartição equitativa dos sacrifícios.

 

22.              Contexto que obrigou a medidas extraordinárias de arrecadação de mais receita fiscal e, onde, o legislador, sem que aqui se deva discutir sobre a bondade da medida legislativa e do seu alcance, mas tão só a sua manifesta conformação constitucional, decidiu chamar ao esforço coletivo franjas da sociedade que antes estavam ao largo do espectro fiscal. Veja-se a esse propósito a Proposta de Lei n.° 96/XII (2.a), que esteve na origem da aprovação destas novas medidas fiscais, em especial, da criação deste novo tributo sobre os prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional.

 

23.              A Requerida procede depois à transcrição de palavras do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais aquando da defesa da Lei que introduziu a verba 18.1 da TGIS, bem como de excertos do Relatório que acompanhou a Proposta de Orçamento para o ano de 2013, para concluir que advém, assim, da exposição de motivos transcrita, das declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e do Relatório que acompanhou a Proposta de Orçamento de Estado para o ano de 2013, a intenção, inequívoca, do legislador integrar no esforço coletivo de combate ao défice orçamental e de cumprimento do programa de ajustamento, os setores da sociedade portuguesa que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a €1.000.000, abrangendo assim equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa, i.e., grupos, habitualmente desonerados destes encargos, que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a €1.000.000,00 dado que «não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais».

 

24.              Para o legislador, diz a AT, a verba 28.1 da TGIS visava, reequilibrar a repartição dos sacrifícios, de modo a que estes não incidissem apenas sobre «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho» (o que, evidentemente, tinha em mente as medidas concretizadas em sede de IRS quanto à alteração da estrutura de taxas e de escalões do IRS, à sobretaxa de 3,5%, e à taxa adicional de solidariedade).

 

25.              Do expendido, é então claro que o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só). Aliás, é certo que a capacidade contributiva para além do rendimento e da utilização de bens também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património (cf. n.º 1, do art.º 4.° da LGT).

 

26.              A tributação em sede de imposto do selo está sujeita ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afetação habitacional de elevado valor e surge num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.

 

27.              Considera a Requerida que deste modo está legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a €1.000.000,00 incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

 

28.              Pretendeu-se, pois, configurar uma tributação que incidisse, de modo específico, sobre componentes prediais individuais do património do contribuinte que se reputassem de luxo (não sobre o próprio património globalmente considerado), por se entender que a titularidade de tais bens imobiliários habitacionais de elevado valor refletia uma capacidade contributiva acrescida susceptível de explicar a contribuição reforçada dos respectivos titulares para o esforço comum de consolidação orçamental. Efetivamente a realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afetação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos.

 

29.              Por seu turno, a referência ao prédio individualmente considerado resulta axiomaticamente do recorte e do conteúdo jurídicos próprios desta regulação objeto da verba 28.1 da TGIS, de onde logo se observa que se trata de uma tributação analítica sobre certos e determinados prédios urbanos cuja matéria coletável é dada pelo valor patrimonial tributário de cada prédio. Isso resulta desde logo:

 

        i.       da referência dessa verba 28.1 TGIS a “por prédio com afetação habitacional’’;

      ii.       evidencia-se ainda pelo disposto no n.º 7 do art.º 23.º do CIS que estabelece que o “imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral’’ “é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira’’;

    iii.       confirma-se, por fim, com a remissão, determinada pelo n.º 2 do art.º 67.º do CIS, para o disposto no CIMI, sabido que o “imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português’’ (cf. art.º 1.º e art.º 2.° do CIMI) e que “o imposto é devido pelo proprietário do prédio’’ (art.º 8.º, n.º 1 do CIMI, sem prejuízo do disposto no n.º 2 quanto ao usufrutuário e superficiário).

 

30.              No que concerne à opção legislativa de não incluir na incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios urbanos destinados a outros fins que não os habitacionais, rectius, sem afetação habitacional (bem como, aliás, de não abranger os prédios rústicos) principia-se por assinalar que está aqui em jogo uma diferenciação com fundamento material amplamente reconhecido pelo legislador. Basta recordar que o CIMI, cuja disciplina é objeto de uma remissão geral pelo n.º 2 do art.º 67.º do CIS.

 

31.               Assim o CIS enuncia no seu art.º 6.º, n.º 1 como "espécies de prédios urbanos’’ os prédios

"a) Habitacionais;

            b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros’’,

diferenciando, pois, inteiramente, como categorias autónomas, por um lado, os edifícios ou construções habitacionais e, por outro lado, os edifícios ou construções comerciais, industriais ou para serviços, bem como os terrenos para construção e a espécie indeterminada dos "outros”, diferença essa que se manifesta nas diferentes regulações objeto dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do art.º 40.º-A e dos arts. 41.º e 45.º do CIMI. Pelo que, ao contrário do que pretende a Requerente, não se pode sequer admitir que essas situações devam ser objeto da mesma espécie de regulação, sendo certo que se diferenciam em substância, pelo que é imperativo tratar de maneira desigual aquilo que não é igual, dando cabal cumprimento ao dispositivo constitucional da igualdade.

 

32.              Aliás, afirma, a não inclusão dos prédios comerciais, industriais ou para serviços, é intuitiva em face das circunstâncias históricas, políticas, sociais e económica que envolveram a criação da verba 28.1, pois que sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.

 

33.              Conclui a Requerida ser inquestionável que não constitui solução absolutamente desrazoável, que, no contexto conjuntural particular de uma grave crise económica e financeira, de desequilíbrio orçamental e de degradação das finanças públicas, se faça incidir um esforço tributário adicional sobre os proprietários de prédios habitacionais de luxo, sem abranger igualmente os proprietários de prédios com afetações não habitacionais, que se encontram destinados ao desenvolvimento de atividades económicas.

 

34.              Quanto à sub-dimensão do princípio da igualdade, i.e., da proporcionalidade (ou igualdade proporcional parafraseando o Tribunal Constitucional) diz a AT que já se pronunciou diversas vezes aquela instância, pelo que volta a chamar à colação, de entre vários, o acórdão n.º 183/2013, de que transcreve um excerto.

 

35.              Concluindo, que decorre indiscutivelmente que, se a afetação do imóvel e a respetiva função social são diferentes, pode – e deve- a situação ser tratada de forma diferente, como aliás, impõe o próprio princípio da igualdade.

 

36.              Em relação à propriedade total, refere a AT que tanto para efeitos de IMI, como para efeitos de sujeição à verba 28 da TGIS, o prédio em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente (propriedade dita vertical) e o prédio em regime de propriedade horizontal assumem-se como realidades distintas, uma vez que uma fração autónoma, mercê da sua autonomia em termos de direito de plena propriedade, integra, para efeitos de IMI e consequentemente para efeitos de IS, o conceito de prédio previsto no art.º 2, n.º 1 do CIMI (cf. n.º 4 do aludido art.º 2.º do CIMI).

 

37.              A este respeito, refere a AT, que a circunstância de cada andar ou divisão de prédio suscetível de utilização independente constar separadamente na inscrição matricial com o respetivo valor patrimonial de cada uma delas, apenas releva para efeitos fiscais face ao conceito de matriz predial constante do n.º 3 do artigo 12.º do CIMI e na matéria regulada no mesmo Código para a organização das matrizes. Deste modo, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o seu VPT determina-se pela forma prevista na alínea b), do n.º 2 do art.º 7.º do CIMI, isto é, calcula-se o VPT do prédio o conceito de prédio previsto no n.º 4, do artigo 2.º daquele Código. Trata-se, portanto, de uma exceção à regra geral, dado que a cada fração autónoma de um edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal corresponde um direito propriedade, existindo tantos direitos de propriedade quantas as frações autónomas.

 

38.              Já relativamente à propriedade total (vertical), reconhecendo embora ser assunto alheio ao que nos cumpre apreciar, continua a Requerida, ainda que o prédio tenha partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, o conceito jurídico-tributário é de que este tipo de prédio constitui uma única unidade, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário. A este respeito importa salientar que o facto de cada andar ou divisão de prédio suscetível de utilização independente constar separadamente na inscrição matricial com o respetivo valor patrimonial de cada uma delas, apenas releva, para efeitos fiscais, face ao conceito de matriz predial constante do n.º 3, do artigo 12.º do CIMI e na matéria regulada no mesmo Código, para a organização das matrizes. Deste modo, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o seu VPT determina-se pela forma prevista na alínea b), do n.º 2 do art.º 7.º do CIMI, isto é, calcula-se o VPT do prédio somando-se os diversos valores patrimoniais tributários, relativos a cada parte para efeito de IMI.

 

39.              Acrescenta ainda a Requerida que, relativamente a este tipo de prédios (em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente), o seu VPT determina-se pela forma prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 7.º do CIMI, ou seja, calcula-se o VPT do prédio somando-se os diversos valores patrimoniais tributários, relativos a cada parte, utilizados para efeito de IMI. Esta autonomização justifica-se porque no mesmo prédio pode ocorrer a utilização para comércio ou habitação, com ou sem arrendamento, o que é determinante (já assim era nos anteriores impostos em que o valor patrimonial era determinado pelo valor da renda ou valor locativo) nas regras da avaliação fiscal no âmbito do CIMI, face aos diferentes coeficientes de afetação.

 

40.              Na verba 28.1 da TGIS, a sujeição é feita, conforme expressão literal aí constante, e que já referimos, ao "prédio", pelo que, por um lado, não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador não o faz, e por outro, relembrar que a disciplina relativa à incidência tributária está sujeita ao princípio da legalidade tributária, conforme ao disposto no artigo 8.° da LGT. Tendo-se sempre presente o enunciado no artigo 9.º do CC e no artigo 11.º da LGT, e sem fazer tábua rasa do disposto do artigo 2.º do CIMI, retirando-lhe o seu sentido útil, há que presumir que o legislador, sobre esta matéria, consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ao diferenciar o regime da propriedade total (dita vertical), com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, em que o todo vale “como um só prédio”, do regime da propriedade horizontal, em que cada fração autónoma é tida como “um prédio" para efeitos de tributação, quer em sede de IMI, quer em sede de Imposto do Selo.

 

41.              Assim sendo, e integrando o edifício em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente (propriedade dita vertical) o conceito jurídico- tributário de "prédio", ou seja, uma única unidade, o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afetação habitacional, e, sendo este igual ou superior a € 1.000.000,00, há sujeição ao Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS.

 

42.              Portanto, entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP. Com efeito, a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

 

43.              A Requerida convoca depois o Acórdão do Tribunal Constitucional prolatado a 11 de Novembro de 2015, no âmbito do processo n.º 542/14, que já se refere às alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/20123 de 31 de Dezembro, que decidiu: «(…) Não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00».

 

44.              Efetivamente, conclui a AT, não se lobriga qualquer violação do princípio da proporcionalidade. Para se poder afirmar que a criação da verba 28, (entendida claramente pelo legislador como medida de prossecução do interesse público, traduzido no cumprimento do programa de ajustamento e no combate ao défice orçamental), viola o princípio da proporcionalidade fiscal teria de se verificar uma manifesta desadequação entre a legislação aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, os meios empregues nessa prossecução e os objetivos de receita que se visavam alcançar, ou seja, teria de se verificar a existência de um erro manifesto na análise feita pelo legislador que, no âmbito da sua liberdade conformadora, não haveria ponderado devidamente, e em concreto, a relação custo/benefício desta medida legal.

 

45.              Encontra-se, pois, legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade se resultasse manifestamente indefensável. O que não se verifica porquanto tal medida é de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a €1.000.000,00.

 

46.              Acerca do pedido de juros indemnizatórios, defende a Requerida que não se verificando erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT. Com efeito, sempre se dirá que considerando a parte da liquidação que foi corretamente liquidada sobre a proporção da afetação habitacional, inexiste qualquer erro imputável aos serviços, na medida em que a prestação é devida nos exatíssimos termos da lei.

 

47.              Exige-se, afirma, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços. Ora, a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre diretamente da aplicação da lei.

 

48.              O padrão normativo de referência da atuação da AT é a lei estando-lhe vedada a possibilidade de afastar a aplicação de disposições legais com fundamento numa qualquer em inconstitucionalidade, a qual aliás, no nosso entender não se verifica no caso em apreço. Nem lhe compete, no exercício das suas funções fazer juízos acerca da inconstitucionalidade ou constitucionalidade das normas invocadas, retirando daí as necessárias consequências em promovendo ou anulando os atos tributários cuja execução lhe está cominada por forma de lei. Ou seja, à Administração está vedado, desaplicar, em certo ato administrativo que pratique, uma norma legal com fundamento na sua inconstitucionalidade (cf. Acórdão do TC n.º 440/94 de 7 de Junho in BMJ n.º 438, 9. 90, Pareceres do Centro de Estudos Fiscais n.ºs 58/2006 de 2 de Junho, e Parecer 31/02).

 

49.              Assim, face ao exposto e repisando, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido - uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu. Fica assim afastada a aplicação do artigo 43.º da LGT improcedendo o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pois não se verifica qualquer erro na atuação da entidade requerida, muito menos um erro imputável aos serviços.

 

III – SANEAMENTO

 

1.                  O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

 

2.                  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, em conformidade com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

3.                  Não foram invocadas nem identificadas nulidades no processo.

 

4.                  A Requerente suscitou uma questão prévia, alegando a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS.

 

IV – MATÉRIA DE FACTO

 

1.                  Factos Provados

 

O Tribunal considera provados os seguintes factos:

 

1.1.            A Requerente é a proprietária dos prédios supra identificados em II. A) 1;

 

1.2.            Sobre os prédios referidos no número anterior a AT liquidou imposto do selo, relativo aos anos de 2012 e 2013, aplicando a norma prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, num total de €76.226,10, conforme quadro supra transcrito em II. A) 2;

 

1.3.            A Requerente procedeu ao pagamento de todas as prestações que lhe foram liquidadas;

 

1.4.            A Requerente requereu a apreciação arbitral das liquidações relativas às primeiras prestações de 2013.

 

2.                  Factos não provados

 

Com relevo para a decisão, o Tribunal considera não existirem factos que devam considerar-se como não provados

 

V – MATÉRIA DE DIREITO

 

1.                  Questões a decidir

 

Nestes autos, a questão central sob apreciação deste tribunal arbitral coletivo consiste em saber se o âmbito de incidência do Imposto do Selo (IS) a que se refere a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, comporta ou não os denominados “terrenos para construção”.

 

Ou seja, se para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie são suscetíveis de serem considerados, ou não, “prédios urbanos com afetação habitacional” e, em caso de resposta afirmativa, aferir da conformidade constitucional de tal normativo à luz do princípio da capacidade contributiva.

 

As questões que se colocam ao Tribunal são assim apenas atinentes à interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, dado que quanto aos factos, Requerente e Requerida não mostraram divergir.

 

Tendo em atenção o disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 124º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do DL 10/2011, de 20 de Janeiro, o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), iniciar-se-á a apreciação pela questão da incidência da verba 28.1. da TGIS relativamente aos “terrenos para construção”, a qual, em caso de procedência da alegada não incidência sobre tal realidade imobiliária, garantirá uma tutela mais estável e eficaz dos interesses da Requerente

 

2.                  Da aplicabilidade aos prédios urbanos de tipologia terrenos para construção da norma constante da Verba 28.1. da TGIS do CIS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28.1. à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

 

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);”

 

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

 

O normativo de incidência refere-se a prédios urbanos com afetação habitacional, cujo conceito-base de prédio radica do disposto no artigo 2º do CIMI, segundo o qual:

“Artigo 2.º

Conceito de prédio

 1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

 

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.

 

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

 

4 - Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

 

Por seu turno, o artigo 6º do Código do IMI elenca as seguintes espécies de prédios urbanos:

 

“Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

 

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos. (Redação da Lei n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro)

 

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) Última atualização: Leis 82-B/2014 e 82-D/2014, ambas de 31/12 26 licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”

 

Resulta da leitura concatenada dos normativos legais supra citados que o imóvel em causa se enquadra no conceito de prédio urbano para efeitos de CIMI e, consequentemente, para efeitos de CIS, integrando-se na subespécie “terreno para construção”.

 

Pelo que a este respeito, os terrenos para construção na titularidade da Requerente subsumem-se na previsão constante da Verba 28.1. da TGIS, no segmento em que esta delimita a incidência a todos os prédios urbanos.

 

Mas tal exercício de subsunção à norma pela realidade imobiliária em apreço carece de ser densificado, na medida em que o legislador refere expressamente que apenas os prédios urbanos com afetação habitacional (com VPT superior a € 1.000.000,00) estão sujeitos a tal tributação em sede de IS.

 

A questão passa assim e agora por perceber se os terrenos para construção se devem ter por integrados no conceito de afetação habitacional a que se refere o legislador na supra citada norma.

 

Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.

 

A norma de incidência do Imposto do Selo ora em análise refere-se a prédios urbanos com "afetação habitacional", sem que seja estabelecido no Código do Imposto do Selo qualquer conceito específico para o efeito, sendo que não resulta do elemento literal da expressão que esta se refira à potencialidade futura.

 

Pelo contrário, afigura-se-nos que da expressão "com afetação habitacional" transparece uma noção de funcionalidade real, efetiva e presente da realidade imobiliária subjacente.

 

De resto, não é possível extrair da menção constante da verba 28.1 da TGIS um qualquer desiderato legislativo que permita interpretar aquela como se referindo a outras realidades imobiliárias que extravasem a nomenclatura e distinção de prédios urbanos efetuada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.

 

Apelando aos princípios de interpretação das normas, como seja o constante do artigo 11º do Código Civil, não se afigura possível inferir e concluir que o legislador tenha pretendido na Verba 28.1. da TGIS referir-se à afetação habitacional em moldes não coincidentes com a distinção tipológica constante do artigo 6º do CIMI.

E assim sendo, não pode deixar de se assentar que: afetação habitacional apenas têm os prédios urbanos a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 6º do CIMI, com a definição que é conferida pelo n.º 2 do versado preceito legal.

 

Estando como estão, os terrenos para construção previstos na al. c) e com a (distinta) definição que se colhe do n.º 3 e sem que dessa mesma definição decorra enquanto elemento caraterizador, qualquer afetação habitacional presente e efetiva, não se vislumbra, ao contrário do que sustenta a Requerida AT, como possam os “terrenos para construção” integrar a norma de incidência da Verba 28.1. da TGIS, a qual pressupõe sempre que o prédio urbano a tributar tenha afetação habitacional.

 

Caraterística essa, que os terrenos para construção, seja por via da definição legal, seja pela sua própria natureza material ou substantiva imobiliária, não revestem.

 

Questão similar à aqui em apreço foi já oportunamente suscitada junto do Supremo Tribunal Administrativo, o qual tem vindo a entender pela inaplicabilidade da Verba 28.1. da TGIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro sobre os “terrenos para construção”, tendo este tribunal superior vindo, em síntese, a decidir nos seguintes termos:

 

“Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 2014, no âmbito do processo n.º 0272/14.

 

Entendimento jurisprudencial este, que integralmente acompanhamos.

 

Por último e apelando à própria sucessão legislativa que a redação do ainda recente preceito legal já conheceu desde a sua génese, não podemos deixar de confirmar a conclusão que supra vimos consolidando.

 

Senão vejamos, se o legislador tivesse por fito inicial a inclusão dos “terrenos para construção” na norma de incidência da Verba 28.1. da TGIS seria expectável que o fizesse nos moldes e termos literais que acabaram por ter lugar apenas com a alteração legislativa trazida pela Lei 83-C/2013, de 31.12, segundo a qual:

 

“28.1. Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.”

 

Neste conspecto, a própria sucessão de redação conferida à Verba 28.1. da TGIS deixa patente o entendimento ora vindo de explanar, isto é o de que o conceito de “afetação habitacional” se há-de definir segundo as regras estabelecidas no âmbito do Código do IMI e mais especificamente no que esse mesmo compêndio legal prevê em matéria de conceito e definição das diversas espécies de prédios urbanos – artigo 6º do CIMI.

 

Por último, cumpre relevar que in casu, não se coloca a questão da aplicabilidade às liquidações de Imposto do Selo em análise na presente instância arbitral e na redação trazida pela Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, devendo entender-se que a alteração legislativa trazida pela Lei do Orçamento de Estado para 2014 é destituída de relevância, visto tal lei não ter natureza interpretativa, tal como se colhe desse mesmo diploma segundo o qual a norma apenas entrou em vigor a 01 de janeiro de 2014, sendo que os atos tributários objeto destes autos se reportam a períodos temporais anteriores.

 

Em todo o caso, pela sua precisão e relevância para o caso sub judice, não se deixará de aqui parcialmente citar o acordado pelo Supremo Tribunal Administrativo, o qual, chamado a decidir sobre idêntica questão à erigida pela Requerente nos presentes autos, no âmbito do processo n.º 1870/13, de 9 de Abril de 2014, fundamentou a sua decisão nos termos seguintes:

 

“A questão a dirimir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (no regime transitório que lhe foi definido para o ano de 2012 pelo artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), ao julgar que os terrenos para construção não são subsumíveis no conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, conceito este que é utilizado no corpo e n.º 1 da nova verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo para definir a incidência objectiva do (novo) imposto sobre a propriedade criado pela Lei n.º 55-A/2012.
O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. 

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
(…)

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” – grifados nossos.

 

Destarte, sob pena de violação do princípio da não aplicação retroativa da lei fiscal em matéria de incidência tributária, a questão atinente à incidência tributária terá de ser aferida pela redação da Verba 28.1. da TGIS conferida pela Lei 55-A/2012, de 29.10, conforme o foi no caso supra.

 

Em face do vindo de expor, conclui-se pela desconformidade legal da aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) da Verba 28.1. da TGIS relativamente aos prédios urbanos (“terrenos para construção”) melhor identificados na tabela constante no ponto 2 do capítulo II do presente aresto, não podendo deixar tal juízo de censura de determinar, em consequência, a anulação desses mesmos atos tributários – liquidações de Imposto do Selo.

 

3.                  Da restituição das prestações efetuadas com os atos tributários e do direito a juros indemnizatórios

 

Peticiona ainda a Requerente a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante de € 76.226,10, bem como dos respetivos juros indemnizatórios.

 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010). Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), deverá entender-se que se compreende nessa competência os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

Por outro lado, determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

Dispondo o n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”[1] ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”[2] e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”[3].

 

No caso em apreço, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento até ao processamento das notas de crédito, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como assim o direito da Requerente à restituição do Imposto do Selo pago, no montante de € 76.226,10.

 

4.                  Questões de conhecimento prejudicado

 

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Em face da solução de inaplicabilidade da norma de incidência tributária - Verba 28.1 da TGIS - ao caso vertente, ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente e à restituição do imposto por esta indevidamente pago, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios apontados pela Requerente, designadamente os referentes à inconstitucionalidade da referida norma de incidência tributária.

 

VI – DECISÃO

 

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e nos termos do artigo 2.º do RJAT, acorda-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

 

a)      Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objeto dos presentes autos, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;

b)      Condenar a Requerida AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo referentes às liquidações melhor identificadas na tabela constante no ponto 2 do capítulo II deste acórdão, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

VII – VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 76.226,10.

 

VIII – CUSTAS

Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2.448,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe e notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2016.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

 

 

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros – Presidente

 

 

Nuno Pombo

 

Luís Ricardo Farinha Sequeira

 



[1] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado”, I

[2] Idem, ibidem

[3] CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.