Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2015-T
Data da decisão: 2016-02-10  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.904.500,00
Tema: IMT/IS – Reconhecimento de insenção – art.º 10.º, n.º 8, al. d) do Código do IMT e art.ºs 269.º e 270.º do CIRE
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            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa e Prof. Doutor Vasco Valdez, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-04-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A…, S.A, sociedade anónima com sede na Avenida…, Lote…, Fracção…, freguesia do…, …-… Lisboa, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de pessoa colectiva e matrícula … (doravante abreviadamente designada de “Requerente”), veio, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”) e 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”),requerer a constituição de tribunal arbitral colectivo para a pronúncia de decisão de anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.ºs Liquidações de IMT n.ºs…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …e ….

            A Requerente pede ainda a emissão de novas liquidações em que se aplique a isenção de IMT prevista no art.º 270.º, n.º 2, do CIRE.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 01-10--2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 13-11-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-11-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando as excepções de ineptidão da petição inicial por oposição entre o pedido e a causa de pedir, falta de objecto, impropriedade do meio processual empregue e incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e defendendo a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 13-01-2015 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou excepções que cumpre apreciar prioritariamente as questões prévias, pois constituem possíveis obstáculos ao conhecimento do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         A sociedade B…, S.A., … , matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede na Rua do…, n.º…, …andar, …-… Lisboa, era proprietária das seguintes fracções do prédio registado na matriz sob o artigo matricial…, da Freguesia de…, concelho de Lisboa:

(i). A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AW, AX, AY, AZ, BA, BB, BC, PH, PI, PJ, PK, PL, PM, PN, PO, PP, PQ, PR, PS, PT, PU, PW, PX, PY, PZ, QA, QB, QC, QD, QE, QF, QG, QH, QI, QJ, QK, QU, QV, QW, QX, QY, QZ, RA, RB, RC, RD, RE, RF, WB, WC, WD, AHB, AHC, AHD, AHE, AHF, AHG, AHH, AHI, AHJ, AHK, AHL, AHM, AHN, AHO, AHP, AHQ, AHR, AHS, AHT, AHU, AHV, AHW, AHX, AHY, AHZ, AIA, AIB, AIC, AID, AIH, AII, AIK, AIO, AIP, AIQ, AIR, AIS, AIT, AIU, AIV, AIW, AIX, AIY, AIZ, AJB, AJC, AJD, AJF, AJG, AJH, AJI, AJJ, AJK, AJL, AJM, AJN, AJO, AJP, AJQ, AJR, AKW, AKX, AKY, ALC, ALD, ALE, ALF, ALG, ALH, ALI, AMR, AMT, AMV, AMW, ANJ, ANL, ANM, ANP, ANQ, ANR, ANS, ANT, AYV, AYW, AYX, AYY, AYZ, AZA, AZB, AZC, AZD, AZE, AZF, AZG, AZH, AZI, AZJ, AZK, AZL, AZM, AZN, AZO, AZP, AZQ, AZR, AZS, AZT, AZU, AZV, AZW, AZX, AZY, AZZ, BAA, BAB, BAC, BAI, BAJ, BAK, BAL, BAM, BAN, BAO, BAP, BAQ, BAR, BAS, BAT, BAU, BAV, BAW, BAX, BAY, BAZ, BBA, BBB, BBC, BBD, BBE, BBF, BBG, BBH, BBI, BBJ, BBK, BBL, BBM, BBN, BBO, BCA, BCB, BCC, BCD, BCE, BCF, BCL, BCM, BCN, BCO, BCQ, BCR, BCS, BCT, BCU, BCW, BCX, BCY, BCZ, BDA, BDB, BFI, BFJ, BFK, BFL, BFO, BFQ, BFR, BFS, BRF, BRG, BRH, BRI, BRJ, BRK, BRL, BRM, BRN, BRO, BRP, BRQ, BRR, BRS, BRU, BRV, BRW, BRX, BRY, BSC, BSD, BSE, BSI, BSJ, BSN, BSO, BSP, BSQ, BSR, BSS, BST, BSU, BSV, BSW, BSX, BSY, BSZ, BTA, BTB, BTC, BTD, BTE, BTF, BTG, BTH, BTI, BTJ, BTL, BTM, BTN, BTO, BTQ, BTR, BTS, BTT, BTU, BTV, BUB, BUC, BUD, BUE, BVF, BVG, BVH, BVI, BVJ, BVK, BVL, BVX, BVY, BVZ, BWA, BWB, BXQ, BXR, BXS, BXT, BXX, BXY, BXZ, BYA e BYB

·         Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Instância Central – 1.ª Secção do Comércio - Juiz 5, um processo de insolvência da referida sociedade B…, S.A., com o n.º …/14…LSB (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         Por sentença de 11 de Dezembro de 2014, proferida no referido processo a referida sociedade B…, S.A. foi declarada insolvente (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         Enquanto credora da B…, S.A., a Requerente reclamou os seus créditos no referido processo, que foram reconhecidos pelo administrador da insolvência (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         No âmbito do processo de insolvência, foi decidida e ordenada a liquidação da massa insolvente (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         No quadro desta liquidação, a Requerente apresentou uma proposta de aquisição das referidas fracções, que lhe foram adjudicadas (documentos n.ºs 2 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·          A Requerente, para efeitos da realização da escritura de aquisição das fracções, apresentou ao Senhor Chefe de Serviço de Finanças de Lisboa … a declaração modelo 1 de IMT que consta dos documentos n.ºs 2 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que além do mais refere o seguinte:

7. Assim e para efeitos da realização da referida escritura, a Requerente, vem, nos termos do art.º 19.ºs, n.º 1 e 3 do Código do IMT e do art.º 23.º, n.º 4 do Código do Imposto do Selo apresentar a declaração Modelo 1 de IMT para efeitos de liquidação do IMT e do Imposto do Selo relativos à aquisição acima descrita;

8. Mais requerendo, nos termos do 10.º, n.º 8, al. d) do Código do IMT a aplicação da isenção de Imposto do Selo e de IMT, previstas nos art.ºs 269.º e 270.º do CIRE respetivamente, conforme interpretação veiculada pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos seus acórdãos de 30/05/2012 e 17-12-2014, proferidos nos processos n.ºs 0949/11 e 01085/13 respetivamente;

9. Caso assim não se entenda e no que ao IMT diz respeito, requer-se subsidiariamente a aplicação da isenção prevista no art.º 7.º, nos termos do 10.º, n.º 8, al. a) do Código do IMT.

 

·         Na sequência do requerimento referido na alínea anterior, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações n.ºs Liquidações de IMT n.ºs…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e…, juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que refere o valor € 0,00, e o «BENEFÍCIO ASSOCIADO AO SUJEITO PASSIVO 15 – Prédios par a revenda (artigo 7.º do CIMT)»;

·         Nas liquidações referidas, a Autoridade Tributária e Aduaneira incluiu «Observações» com o seguinte teor:

Observações: Proc. de insolvência n.º …/14… LSB. Foi requerida a aplicação da isenção de IMT prevista no art.º 270/2 do CIRE e de IS prevista no art.º 269 do CIRE. Foi apenas concedida a isenção de IS, nos termos do parecer da DSJC divulgado à Ordem dos Notários por ofício de 08.07.10. Porque requerida subsidiariamente, foi aplicada a isenção prevista para aquisição de prédios para revenda.

·         Em 16-09-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

3. Excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por oposição entre o pedido e a causa de pedir

 

A Requerente adquiriu imóveis em processo de insolvência e requereu isenção de IMT ao abrigo do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, aquando da apresentação das Declarações Modelo 1 de IMT na origem das liquidações impugnadas. Subsidiariamente a Requerente pediu a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, nos termos do artigo 10.º, n.º 8, alínea a) do CIMT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não ser aplicável a primeira isenção requerida, mas ser aplicável a segunda, pelo que emitiu as liquidações impugnadas, com o valor nulo, invocando como fundamento a isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, relativa a aquisição de prédios para revenda.

 No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que há insanável contradição entre o pedido e a causa de pedir, porque, em suma,

– as liquidações ora colocadas em crise, além de corresponderem àquilo que foi solicitado (ainda que subsidiariamente) pela própria Requerente (cfr. Doc. 2 junto à p.i.), foram emitidas de acordo com aquilo que a lei estabelece (cfr. artigo 7.º do CIMT);

– a Requerente pretende a anulação daquelas liquidações, por entender que as mesmas padecem do vício de violação de lei;

– o pedido formulado pela Requerente prende-se com a anulação de (pretensas) liquidações por violação do artigo 270.º/2 do CIRE;

– verifica-se no caso vertente uma falta de correspondência lógico-normativa entre o facto concreto alegado pela Requerente e a providência jurisdicional por ele requerida.

 

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, considera nulidade insanável a ineptidão da petição inicial.

De harmonia com o disposto no artigo 186.º, n.º 2, do CPC, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, uma das situações de ineptidão da petição inicial é a da o pedido estar em contradição com a causa de pedir.

A causa de pedir, em contencioso tributário de anulação de actos de liquidação, é constituída pelos vícios ou ilegalidades que o contribuinte lhes imputa, como se infere dos artigos 99.º e 124.º do CPPT.

No caso em apreço, a Requerente pede a anulação das liquidações impugnadas por vício de violação de lei, por entender que deveria ser aplicada a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE e não a prevista no artigo 7.º do CIMT.

Sendo assim, não há qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir, pois, a tratar-se de uma situação em que deveria ser aplicada a isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, as liquidações enfermarão de ilegalidade ao não a terem aplicado, como a Requerente pretendeu, em primeira linha,

E essa ilegalidade será fundamento de anulação, nos termos dos referidos artigos 99.º e 124.º do CPPT.

Por isso, não se vê qualquer contradição entre a causa de pedir (ilegalidade das liquidações por não terem aplicado a isenção prevista no artigo 270.º do CIRE) e o pedido (anulação das liquidações com fundamento nessa invocada ilegalidade).

Neste contexto de hipotética contradição entre causa de pedir e pedido é irrelevante o facto de a Requerente ter requerido à Autoridade Tributária e Aduaneira, subsidiariamente, a aplicação da isenção do artigo 7.º do CIMT, que foi aplicada, pois o obstáculo processual que o deferimento da pretensão subsidiária poderia suscitar seria a nível de falta de interesse em agir, que é um pressuposto processual inominado.

            Porém, não há falta de interesse em agir da Requerente, pois a isenção de IMT definitiva e não subordinada da condição resolutiva prevista no artigo 234.º, n.º 2, do CIRE é juridicamente mais vantajosa para a Requerente do que a isenção condicionada prevista no artigo 7.º do CIMT.

            Assim, improcede a excepção de ineptidão da petição inicial suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Excepção da falta de objecto do pedido de pronúncia arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– a Requerente reagir contra 18 liquidações de IMT que, além de corresponderem àquilo que foi solicitado (ainda que subsidiariamente) pela própria Requerente, foram emitidas de acordo  com aquilo que a lei estabelece (cfr. artigo 7.º do CIMT);

 – juridicamente só é possível anular aquilo que existe e que é contrário à lei;

– não existem, quer dentro quer fora dentro deste processo arbitral, quaisquer 18 liquidações atinentes ao artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, mas apenas e só 18 liquidações legalmente emitidas ao abrigo do artigo 7.º do CIMT;

– é juridicamente impossível anular 18 Liquidações de IMT emitidas ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, na medida em que elas pura e simplesmente não existem; e 18 Liquidações de IMT emitidas ao abrigo do artigo 7.º do CIMT, na medida em que elas são totalmente conformes à lei fiscal e solicitadas no serviço de finanças, ainda que subsidiariamente, pela Requerente;

– a competência dos tribunais arbitrais nunca pode ser dirigida, como no fundo agora pretende a Requerente, à apreciação de eventuais futuras liquidações de IMT emitidas ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE;

– a Requerente não pode aqui pretender que o tribunal arbitral sufrague a legalidade de liquidações que contendem com o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, quando tais liquidações não só não foram identificadas no pedido de pronúncia arbitral, como também – e mais importante ainda – tais liquidações pura e simplesmente não existem.

 

É verdade que não são impugnadas liquidações que tenham aplicado o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, mas sim liquidações que aplicaram o artigo 7.º do CIMT.

Mas, o que a Requerente defende é que as liquidações deveriam ter aplicado a isenção do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE e não a do artigo 7.º do CIMT, defendendo que estas devem ser anuladas e devem ser emitidas «novas liquidações em que se aplique a isenção de IMT prevista no art.º 270.º, n.º 2, do CIRE».

A ilegalidade de um acto de liquidação não se consubstancia necessariamente através da aplicação de uma norma ilegal, podendo advir de uma omissão, por não ter aplicado uma norma que deveria ter sido aplicada.

Com efeito, o art. 55.º da LGT, em sintonia com o art. 266.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que «a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».

Concretizando o «princípio da legalidade», o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável, por via do artigo 2.º, alínea c), da LGT] preceitua que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

À face desta formulação positiva do princípio da legalidade, a concretização dos desígnios legislativos em matéria de benefícios fiscais é finalidade obrigatória da actuação da Administração Tributária, pelo que, se se estiver perante uma situação em que são potencialmente aplicáveis duas isenções fiscais, haverá ilegalidade em recusar a aplicação de qualquer delas, já que os poderes que são concedidos à Administração Tributária para prática actos de liquidação estão conexionados com a realização dos fins visados legislativamente ao estabelecê-las.

Assim, no caso em apreço, tendo a Requerente pedido, em primeira linha, que fosse concedido o benefício fiscal previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, se se estiver perante uma situação em que a isenção requerida devesse ser aplicada, haverá ilegalidade dos actos de liquidação que não o aplicaram, independentemente ser aplicável também outra isenção, cuja aplicação só subsidiariamente foi requerida.

Sendo assim, não se está perante uma situação de falta de objecto o pedido de pronúncia arbitral, pois a Requerente refere explicitamente que pretende «a anulação das Liquidações Contestadas, por vício de violação de lei, com todas as consequências legais e, designadamente a emissão de novas liquidações em que se aplique a isenção de IMT prevista no art.º 270.º, n.º 2, do CIRE».

Existindo aquelas liquidações que não aplicaram a isenção requerida em primeira linha, são elas o objecto do pedido de pronúncia arbitral, pelo que não se está perante situação de falta de objecto deste.

 

5. Excepção da impropriedade do meio utilizado e incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a Requerente deveria utilizar a acção administrativa, por ser «o meio de reação por parte da Requerente quanto à não atribuição do pedido (principal) de isenção de IMT ao abrigo do artigo 270.º/2 do CIRE» e «a parte final do petitório da Requerente jamais poderá ser atendida» porque «o pedido de condenação da Requerida à «emissão de novas liquidações em que se aplique a isenção de IMT prevista no art.º 270.º, n.º 2, do CIRE» apenas poderá ser apreciado, quando muito, em sede de ação administrativa ou de intimação para um comportamento, uma vez que tal atribuição contende com ato de matéria tributável» e o «pedido de pronúncia arbitral, porquanto este necessariamente tem de ter por objeto atos tributários».

Entende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que «no fundo a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral Coletivo profira decisão no sentido do reconhecimento da isenção de IMT prevista no artigo 270.º/2 do CIRE» e que a acção administrativa é o meio processual adequado para apreciar actos em matéria tributária.

Refere ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que a competência para verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE «recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo de insolvência», porque apenas o juiz titular do processo está em condições de proceder a verificação dos pressupostos legais exigidos por aquela norma.

As questões do erro na forma de processo e da incompetência material têm parcialmente fundamentos comuns pelo que serão apreciadas concomitantemente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita as excepções do erro na forma de processo e da incompetência material deste Tribunal Arbitral por, em suma, estar em causa o reconhecimento de uma isenção de IMT e, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira não estar abrangido no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias, que deve ser apreciada nos tribunais tributários em acção administrativa.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

 

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.

Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação de IMT, que se inserem na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

Assim, no processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa. Mas, para haver esta limitação à impugnabilidade do acto de liquidação impugnado, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto do acto de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por outro lado, neste caso, está-se perante uma isenção de reconhecimento automático, como resulta da alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, pelo que nem tinha de haver qualquer acto autónomo de reconhecimento da isenção, sendo no momento apropriado para a prática de um acto de liquidação a Autoridade Tributária e Aduaneira terá de apreciar se o interessado usufrui de benefício fiscal.

Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente, por não ser neles aplicada uma isenção mais favorável do que a que foi aplicada, e sendo aqueles os únicos actos praticados pela Administração Tributária na sequência das declarações modelo 1 de IMT apresentadas, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação, pelo que deve ser apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Assim, não tem qualquer suporte legal a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que está «fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais», pois os limites definidos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT são definidos exclusivamente com base no tipo de actos e não com base no tipo de questões de ilegalidade que lhes são imputadas.

No que concerne à tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que seria exclusivamente competente o Tribunal Judicial onde correu termos o processo de insolvência, é claro que ela não tem qualquer fundamento legal.

Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos Tribunais Judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal. No que concerne aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este é feito através de acto administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto ( [1] ). Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.

Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, como órgão judicial máximo em matéria tributária, tem reiterada e pacificamente apreciado se se verificam os pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos

– de 30-05-2012, processo n.º 0949/11;

– de 3-7-2013, processo n.º 765/13;

– de 17-12-2014, processo n.º 01085/13;

– de 11-11-2015, processo n.º 968/13;

– de 18-11-2015, processo n.º 1067/15;

– de 18-11-2015, processo n.º 575/15;

– de 16-12-2015, processo n.º 01345/15.

 

É de salientar, além do inequívoco reconhecimento da competência dos tribunais tributários para apreciarem a verificação dos pressupostos da isenção, que todos os recursos apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo neste processo foram interpostos em processos de impugnação judicial, o que também afasta qualquer dúvida sobre o entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo sobre a viabilidade de apreciação em processo de impugnação judicial da verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que tem como corolário a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para a apreciação da legalidade de liquidações deste tipo.

Por isso, improcedem as excepções do erro na forma de processo e da incompetência material suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Questão da legalidade das liquidações

 

Está em causa apreciar a legalidade do acto de liquidação que não aplicou a isenção prevista no artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à aquisição de imóveis efectuada pela Requerente.

Este artigo 270.º deste Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece o seguinte:

 

Artigo 270.º

Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis

 

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Resulta da matéria de facto fixada que a Requerente adquiriu imóveis no âmbito da liquidação da massa insolvente da B…, S.A., pelo que a situação será potencialmente enquadrável no n.º 2 deste artigo.

Como fundamentação da posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para recusar a aplicação da isenção prevista neste n.º 2 do artigo 270. Do CIRE apenas consta das liquidações uma remissão para um «o parecer da DSJC divulgado à Ordem dos Notários por ofício de 08.07.10.», que não está junto ao processo administrativo nem ao presente processo arbitral.

Na sua Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira refere que «em face dos escassos elementos carreados para os autos, os quais apontam para que a Requerente apenas tenha adquirido elementos do ativo da empresa insolvente, e não a própria insolvente ou sequer estabelecimentos desta última, forçoso se torna concluir que não está em condições de usufruir da isenção fiscal estabelecida no artigo 270.º/2 do CIMT, nada havendo por isso a apontar à liquidação colocada em crise por sai do pedido de pronúncia arbitral deduzido por aquela».

De qualquer forma, as dúvidas interpretativas advêm da falta de clareza do texto deste n.º 2, mais concretamente quanto a saber se a referência a venda se reporta apenas à venda da empresa ou de estabelecimentos nela integrados ou abrange quaisquer imóveis.

Como se referiu, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão vária vezes, nos acórdãos de 30-05-2012, processo n.º 0949/11, de 17-12-2014, processo n.º 01085/13, de 11-11-2015, processo n.º 968/13, de 18-11-2015, processo n.º 1067/15, de 18-11-2015, processo n.º 575/15 e de 16-12-2015, processo n.º 1345/15 ( [2] ), tendo decidido que estão «isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».

Refere-se no acórdão de 17-12-2014, processo n.º 01085/13:

«Porém, os bens que integram a massa insolvente são os bens do património da empresa declarada insolvente e nenhuns outros pertencentes a outra pessoa singular ou colectiva. Por definição, os bens que são vendidos em processo de insolvência são bens do insolvente ou que, pelo menos, que foram tidos como tal. Não há qualquer venda de bens diversos dos que integravam o património do insolvente. O legislador para garantir que assim é prevê mesmo um procedimento de reclamação para a restituição e separação de bens destinado a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos, ou aqueles de que o insolvente não seja pleno e exclusivo proprietário, ou sejam estranhos à massa ou insusceptíveis de apreensão para a massa – artº 141º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Além disso no capítulo da liquidação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas encontram-se indicações claras e precisas dos bens que podem ser vendidos nessa liquidação e daqueles que deverão ser temporária ou definitivamente excluídos da venda, só se liquidando no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre bens de que é contitular – artº 159º -, não se procedendo à venda dos bens de titularidade controversa até ao transito em julgado da sentença que defina a titularidade do direito de propriedade relativamente a esses bens – artº 160º.

O processo de insolvência é – artº 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – um processo de execução universal cujo fim é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência destinado a promover a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não for possível, a liquidar o património do devedor insolvente com a subsequente repartição do produto obtido pelos credores. A massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo e ainda aqueles cuja impenhorabilidade não seja absoluta e sejam voluntariamente apresentados pelo devedor – artº 46º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - pelo que se não consegue conceber que haja bens que integrando a massa insolvente de uma empresa declarada insolvente possam ser integrados numa categoria de bens sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento.

Pode ler-se no ponto 49 do preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se mantém, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais. Tal como analisado no ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Maio de 2012, proferido no proc. 949/11, olhando o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, - artºs 2.º e seguintes da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, e no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».

Pode admitir-se que na concretização da autorização legislativa para aprovação do CIRE, o governo decidiu excluir essa isenção nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos dos seus activos, concedendo-a apenas nos casos de venda, permuta ou cessão da empresa ou seu estabelecimento, em desrespeito pelo sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição) em desrespeito dessa autorização legislativa que lhe foi conferida.

Tendo em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente – compre estes bens que compra mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência – e que serão vendidos em fase de liquidação, o ambíguo texto do n.º 2 do artº 270º pode ser objecto de uma leitura mais clara e inequívoca sem recurso a qualquer interpretação extensiva. Basta que nos interroguemos se para alcançar o fim antes definido faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial – por exemplo um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora – para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente? E, se nas mesmas situações se tratar não de vendas mas de permutas ou cessões – sendo que esta palavra há-de ter sido utilizada em sentido impróprio na medida em que associada ao mundo empresarial se costuma reportar a cessão de exploração, cessão do estabelecimento comercial, próximos da locação e não da alienação, e no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se mostra utilizada também quanto à aquisição de bens pelos credores -?. Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.

O nº 1 do artº 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas concede a isenção de IMT às transmissões de bens imóveis efectuadas em cumprimento de:

1.         plano de insolvência

2.         plano de pagamentos

3.         plano de recuperação

 

desde que tais transmissões tenha por fim uma das seguintes situações:

a.         constituição de nova sociedade ou sociedades

b.         realização do capital social de nova sociedade ou sociedade

c.         realização do aumento do capital social da sociedade devedora

 

ou decorram de:

i.          dação em cumprimento de bens da empresa

ii.         cessão de bens aos credores.

 

O nº 2 deste artigo, não repete a isenção que estatuiu no nº 1, estende-a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência porque não são os credores que adquiriram os bens, a empresa insolvente que viu aumentado o seu capital social, ou a empresa que se formou a partir deste processo, estes, já contemplados no nº 1 do artº 270º, mas àqueles que adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa.

Cremos que o nº 2 do artº 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas deverá ser interpretado, tendo em conta o que acaba de expor-se, sem necessidade de qualquer interpretação extensiva, respeitando o seu texto, o fim que visa alcançar, as diversas variantes do processo de insolvência constantes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a lógica sistemática deste diploma, como conferindo isenção de IMT, aos seguintes actos:

1.         Venda

2.         Permuta

3.         Cessão

. da empresa

. ou de estabelecimentos dessa empresa,

 

desde que qualquer um desses actos esteja ou integrado no âmbito de

1.         plano de insolvência

2.         plano de pagamentos

3.         plano de recuperação,

 

ou seja praticado no âmbito de da liquidação da massa insolvente.»

 

Para além de esta interpretação, permitida pelo teor literal do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ser manifestamente a que se sintoniza com a teleologia da modalidade de isenção identificada, que é incentivar as aquisições de bens da empresa insolvente, no caso em apreço a venda foi efectuada a credor da empresa insolvente, pelo que se está perante uma situação cuja substância económica é essencialmente idêntica à das situações de dação em cumprimento de bens da empresa ou de cessão de bens aos credores, que estão expressamente previstas na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 270.º, como casos de isenção de IMT.

Por isso, nos casos em que a venda é efectuada a credores da empresa insolvente, a substância económica, a que o artigo 11.º, n.º 3, da LGT manda atender na interpretação das normas de incidência tributária ( [3] ), sempre imporia que se entendesse se trata de situações abrangidas pela isenção, pelo que, a não se enquadrar a situação no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ela sempre caberia, por interpretação extensiva no n.º 1 do mesmo artigo.

Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do artigo 270.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

7. Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral pelas razões apontadas, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das outras questões suscitadas pela Requerente.

 

 

8. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)    Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)   Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral; 

c)    Anular as das liquidações de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis n.ºs…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e… .

 

9. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.904.500,00.

 

10. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 25.092,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 10-02-2016

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Paulo Jorge Nogueira da Costa)

 

 

 

 

 

(Vasco Valdez)

 

 



[1]               Alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro.

[2]              No acórdão de 03-07-2013, processo n.º 765/13, o Supremo Tribunal Administrativo não decidiu esta questão, embora lhe faça referência.

[3]              São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» (SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126; Em sentido idêntico, pode ver-se e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56).

Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais.