Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 569/2015-T
Data da decisão: 2016-02-05  IRS  
Valor do pedido: € 23.667,23
Tema: IRS – Alteração dos elementos declarados - Liquidação oficiosa
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Decisão Arbitral

 

I.         Relatório

1.      A…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, n.º …-…, …, notificado do indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º …2014…) deduzida nos termos do artigo 68.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 140.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), contra a liquidação oficiosa de IRS n.º 2014…, relativa ao ano de 2010, resultante da demonstração de acerto de contas n.º 2014…,  no montante global de  23 667,23 € (vinte e três mil, seiscentos e sessenta e sete euros e vinte e três cêntimos), apresentou, em 01 de Setembro de 2015, pedido de constituição de tribunal arbitral singular e de pronúncia arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do referido acto de liquidação.

2.      O Requerente optou por não designar árbitro.

3.      O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 18 de Setembro de 2015.

4.      O Signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5.      Em 04 de Novembro de 2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

6.      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 17 de Novembro de 2015.

7.      A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 17 de Novembro de 2015, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

8.      Em 14 de Dezembro de 2015 a Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo em que se baseou o acto de liquidação.

9.      E em 16 de Dezembro de 2015 apresentou a sua resposta, invocando, nos termos da alínea a), n.º 2, artigo 186.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e), n.º 1, artigo 29.º do RJAT, a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, pugnando pela absolvição da instância.

10.  Ou, se assim não fosse entendido, a total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

11.  Requerendo ainda a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

12.  Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova e que a resposta à exceção invocada pela Requerida poderia ser efetuada nas alegações, conforme n.º 4 do artigo 3.º do CPC, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 17 de Dezembro de 2015, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.

13.  Foi ainda designada a data de 10 de Março de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.

14.  As Partes foram notificadas desse despacho em 18 de Dezembro de 2015, tendo, oportunamente, apresentado as suas alegações.

15.  A estas, o Requerente, juntou um documento (certidão passada pelo Serviço de Finanças de…, em 05/01/2016).

 

 

II.      Saneamento

1.      As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

2.      O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

3.      O processo não enferma de quaisquer nulidades.

4.      Na sua contestação, a Requerida, excepciona a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir, nos termos do previsto na alínea a), n.º 2, artigo 186.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e), n.º 1, artigo 29.º do RJAT, nos seguintes termos:

a)         “Como resulta do procedimento de inspeção externa (III.1), junto ao PA, o R. havia já deduzido reclamação graciosa (com o nº …2012…), na sequência da qual foi aberto procedimento inspectivo aos anos de 2010 e 2011” (artigo 2.º da Resposta).

b)        “O relatório final, proferido no âmbito da ação inspectiva, propõe, com os fundamentos nele constantes, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a alteração do rendimento coletável para os anos de 2010 e 2011” (artigo 3.º).

c)         “Inconformado com a liquidação ao ano de 2010, resultante das conclusões do relatório inspetivo, o sujeito passivo interpôs a reclamação graciosa, cuja decisão agora impugna” (artigo 6.º).

d)        “Não se descortina porém, verdadeiramente, que vícios lhe são assacados, sendo portanto a petição inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir, o que vai arguido para todos os legais efeitos, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC” (artigo 7.º).

e)         “É totalmente incompreensível o desígnio do articulado do requerente” (artigo 8.º).

f)         “Quererá o requerente dizer que a administração fiscal se encontra impossibilitada de abrir um procedimento inspetivo interno, e que essa impossibilidade decorre de o sujeito passivo previamente ter deduzido uma reclamação graciosa?” (artigo 9.º).

g)        “A enumeração de artigos dispersos do ordenamento jurídico fiscal é totalmente inaplicável ao caso, parecendo o requerente apenas sustentar-se na alegação de que a AT não pode corrigir as declarações dos contribuintes, sequer como consequência de uma ação inspetiva” (artigo 10.º).

h)        “Seria caso para crer que o procedimento inspetivo teria como único objetivo validar as declarações dos sujeitos passivos, sendo que, perante uma qualquer irregularidade nas mesmas, estaria vedado à AT proceder a liquidações oficiosas ou a liquidações adicionais!” (artigo 11.º).

i)          “Como se disse, resultam claramente do procedimento inspetivo e do respetivo relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido, quer as razões que conduziram à sua abertura, quer o fundamento das correções nele propostas, e que vieram culminar na liquidação de que o Requerente reclamou e de cuja decisão vem aqui reagir” (artigo 13.º).

j)          “Assim, como resultam, inelutavelmente, da decisão da reclamação graciosa, proferida em 06/05/2015, que confirma o projeto de decisão de 25/3/2015, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, os fundamentos de facto e de direito da liquidação impugnada” (artigo 14.º).

k)        “O que se revela omisso e não resulta da exposição do sujeito passivo é exatamente que vícios imputa à decisão de indeferimento da reclamação graciosa!” (artigo 16.º).

l)          “Acresce que, em momento algum do articulado, o requerente assaca um vício que seja à liquidação que pretendia impugnar aqui sub judice” (artigo 17.º).

m)      “Donde, mostrando-se ininteligível a causa de pedir e destituído de fundamento o articulado, deve ser mantida a decisão impugnada” (artigo 18.º). 

5.      Nas suas alegações, a Requerida reitera tudo quanto aduziu em sede de contestação, pugnando pela procedência da excepção invocada (ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir) ou, se assim não vier a ser entendido, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da instância.

6.      Porque a questão prévia poderá constituir obstáculo ao conhecimento do mérito da causa, deverá a mesma ser prioritariamente apreciada.

 

7.      Nos termos da alínea a), n.º 2, artigo 186º do CPC diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

 

8.      Esta, é entendida como o facto jurídico de que depende a pretensão do autor (n.º 4 do artigo 581.º do CPC).

 

9.      A ininteligibilidade da causa de pedir consiste na sua indicação em termos verdadeiramente obscuros ou ambíguos, por forma a não se saber, concreta e precisamente, com base em que o pedido é formulado[1]

 

10.  Assim, é pelo conteúdo da petição inicial que se afere da sua ineptidão quanto à causa de pedir (falta ou ininteligibilidade) e não pelo entendimento que o réu faz da sua viabilidade[2].

 

11.  A ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir apenas sobrevém quando os factos sejam expostos de modo tal, que seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o núcleo e sentido essencial da causa de pedir[3].

 

12.  Este entendimento conduz a que se considere inepta a petição por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir. 

 

13.  Assim, a petição será inepta por ininteligibilidade quando não seja possível saber-se qual é o pedido ou a causa de pedir, o que manifestamente não é o caso.

 

14.  Com efeito, analisada a p. i., verificamos que, efetivamente, existe causa de pedir, sendo que, como refere Anselmo de Castro[4], “para que a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei (…) só declara inepta a petição quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento”.

 

15.  Refere o Requerente na sua petição inicial:

a)    “O que o requerente não pode aceitar é que, sem qualquer despacho de entidade competente, os serviços se tenham servido de uma informação prestada para efeito de apreciação de reclamação graciosa, para a elaboração de uma declaração oficiosa que originou uma liquidação de IRS no montante de € 27 893,96” (artigo 13.º do pedido arbitral).

b)   “Ou seja, a contrario, o procedimento de reclamação graciosa não pode servir para a ATA proceder a liquidações oficiosas a favor da administração tributária” (artigo 15.º).

c)    “Pois em função da informação que lhe foi remetida, os serviços só podiam indeferir a reclamação graciosa apresentada” (artigo 16.º).

d)   “Podendo, quando muito, o que não aconteceu, proceder, com base nessa informação, à alteração dos elementos constantes da declaração oficiosa que tinha originado a reclamação graciosa” (artigo 17.º).

e)    “Já não com base no disposto no n.º 4 do artº 65º que estipula que a ATA «procede à alteração dos elementos declarados quando, não havendo lugar a fixação a que se refere o nº 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto»” (artigo 19.º).  

f)    “Uma vez que, nesse normativo, só está prevista a utilização de tal mecanismo para correção das declarações dos sujeitos passivos” (artigo 20.º).

g)   “Quando o que o que estava em causa, era a correção de uma declaração oficiosa dos serviços” (artigo 21.º).

h)   “Correção que só poderia ser efetuada com base no artº 78º da LGT, o qual estipula que a revisão dos atos tributários, pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de 4 anos ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços” (artigo 34.º).

i)     “Ora, não sendo possível a correção da declaração oficiosa que deu origem à primeira reclamação graciosa com base no n.º 4 do artº 65º do CIRS, a mesma só poderia ser efetuada (…) com base no disposto no art. 78º da Lei Geral Tributária, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, o que não foi efetuado” (artigo 38.º).

j)     “Ato tributário que teria de ser fundamentado, conforme dispõe o artº 77º da LGT, praticado por entidade com competência para tal e notificado ao interessado antes da recolha da declaração oficiosa que deu origem à liquidação impugnada, sob pena de ineficácia, conforme determina o nº 6 do mesmo artº 77º da LGT” (artigo 39.º).

k)   “Tendo por isso sido praticada uma ilegalidade cominada com a anulabilidade” (artigo 41.º).

 

16.  Em síntese, a causa de pedir consubstancia-se nos seguintes factos:

1.    O procedimento de reclamação graciosa não pode servir para a Autoridade Tributária proceder a liquidações oficiosas a seu favor;

2.    A liquidação impugnada não podia suportar-se no n.º 4 do artº 65º do CIRS, mas antes no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, uma vez que a correcção da declaração oficiosa, que deu origem à primeira reclamação graciosa (Processo n.º …2012…), já havia sido efetuada com base naquele preceito (n.º 4 do artigo 65.º do CIRS); e

3.    O ato tributário foi praticado por entidade sem competência para o efeito, não foi notificado ao interessado antes da recolha da declaração oficiosa e carece de fundamentação.

 

17.  Pelo exposto o Tribunal Arbitral conclui que a petição inicial não é inepta.

18.  Termos em que se julga improcedente a invocada excepção de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir.

 

III –   MÉRITO

Matéria de Facto

1.      Factos provados

    Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:

a)    O Requerente, em 04-06-2011, apresentou a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, na qual fez constar os seguintes rendimentos brutos da categoria B (rendimentos empresarias e profissionais):

                   Vendas ……………………………    84 955,00 €

                   Prestação de serviços ……………    37 560,00 €

                   SOMA …………………………….    122 515,00 €

b)   Face a divergências destes montantes com os apurados nas declarações periódicas apresentadas para efeitos de IVA, procedeu-se, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, às seguintes alterações:

             Vendas ……………………………    151 125,00 €

             Prestação de serviços ……………    37 560,00 €

             SOMA …………………………….   188 685,00 €

c)    Em 06-01-2012 foi efetuada a liquidação oficiosa n.º 2012…, objeto de reclamação graciosa (Processo n.º…2012…).

d)   Por despacho de 30-08-2013 do Sr. Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de…, no uso de competência delegada pelo despacho n.º …/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º … de 07-05-2012, a referida reclamação graciosa foi indeferida. 

e)    A coberto da ordem de serviço n.º OI2013…, de 07-06-2013, foi levado a cabo um procedimento inspetivo interno, cujos atos tiveram início em 22-01-2014 e termo em 29-04-2014.

f)    Esta ação teve como principal objetivo corrigir a situação declarativa do Requerente, em resultado dos elementos apurados aquando da análise efetuada à reclamação graciosa (Processo n.º …2012…).

g)   Em resultado das diligências e recolha de elementos efetuadas no âmbito desta ação inspetiva, por despacho do Sr. Diretor de Finanças de…, de 05-05-2014, proferido de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, foram novamente alterados os seguintes elementos constantes da referida declaração modelo 3 de IRS (ano de 2010) do Requerente:

             Vendas ……………………………                 0,00 €

             Prestação de serviços ……………    188 685,00 €

             SOMA …………………………….     188 685,00 €

h)   O referido despacho bem como o relatório final referido no artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPIT), no qual constam os fundamentos das referidas alterações, foram notificados em 26-05-2014, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do CPPT, através do ofício n.º … da Direção de Finanças de …(Divisão de Tributação e Cobrança), de 21-05-2014.

i)     Em 03-06-2014 foi efetuada a liquidação oficiosa n.º 2014…, aqui em discussão, e que foi objeto de reclamação graciosa (Processo n.º …2014…).

j)     Esta, foi indeferida por despacho do Sr. Diretor de Finanças de…, de 06-05-2015. 

k)   O qual foi notificado ao Requerente em 20-05-2015, através do ofício n.º … da Divisão de Justiça Tributária da mesma direção de finanças, de 12-05-2015.

 

 

2.        Factos não provados

        Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.        Fundamentação da fixação da matéria de facto

        Os factos foram dados como provados com base na cópia do processo administrativo, que a Requerida remeteu nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT.

       

 

        Matéria de Direito

4.        Da ilegalidade da liquidação impugnada

     

      Factos referidos em 16.1 da parte II

1.      A liquidação impugnada teve por base o procedimento inspectivo interno, efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI2013…, de 07-06-2013, cujos atos tiveram início em 22-01-2014 e termo em 29-04-2014.

 

2.      Como consta do relatório final, de 29-04-2014, previsto no artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPIT), aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31-12, a referida acção teve como principal objectivo corrigir a situação declarativa do Requerente, em resultado dos elementos apurados aquando da análise efetuada à reclamação graciosa apresentada no âmbito do processo n.º …2012…, tendo em vista a liquidação do(s) imposto(s) que se mostrasse(m) devido(s).

 

3.      Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 59.º do CPPT, o procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes, ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que a entidade competente disponha ou venha a obter.

 

4.      Refere ainda o n.º 7 do mesmo artigo, que “Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços”.

Deste modo improcede o pedido de pronúncia arbitral, quanto a esta questão, uma vez que a liquidação impugnada teve por base o relatório final da Inspecção Tributária.  

 

      Factos referidos em 16.2 da parte II

5.      Nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

 

6.      Assim, sempre que os elementos declarados pelo contribuinte divergirem, para menos, dos obtidos pela AT, é legítimo o recurso, por parte desta, ao mecanismo de alteração dos rendimentos, previsto no referido n.º 4 do artigo 65.º daquele código.

 

7.      A revisão dos actos tributários prevista no artigo 78.º da LGT, tanto pode ser efetuada a favor do sujeito passivo como a favor da administração tributária[5].

 

8.      Porém, como referem os mesmos autores[6], “ (…) nos casos em que a revisão é operada a favor da administração tributária e o acto a rever é um acto de liquidação, não há propriamente uma revisão do acto anterior, que permanece válido, sendo apenas praticado um novo acto em que é liquidado adicionalmente o tributo que se entender em falta”.

 

9.      E esta é, verdadeiramente, a situação que vimos curando.

 

10.  Com efeito, tendo o Requerente declarado rendimentos, no montante de 122 515,00 €, que divergiram, para menos, com os declarados para efeitos de IVA (188 685,00 €), foram os mesmos alterados nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS.

 

11.  Posteriormente, mais precisamente em 05-05-2014, e face aos elementos recolhidos no âmbito de acção inspectiva, segundo os quais os rendimentos do Requerente correspondiam, na totalidade, a serviços prestados e não, também, a vendas, foram novamente alterados nos termos do mesmo preceito legal (n.º 4 do artigo 65.º do CIRS).

 

Também quanto a questão não pode proceder o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a norma a convocar foi a mais adequada, podendo até sê-lo tantas vezes quantas as necessárias, conquanto não seja excedido o limite temporal previsto no artigo 45.º da LGT.

     

      Factos referidos em 16.3 da parte II

12.  Refira-se, finalmente, que o acto tributário (alteração do rendimento colectável) foi praticado pela entidade competente, ou seja, o director de finanças de…, cfr. n.º 5 do referido artigo 65.º do CIRS.

 

13.  E em data anterior (05-05-2014) à da liquidação do tributo (03-06-2014).

 

14.  Encontrando-se o mesmo suficientemente fundamentado, por remissão expressa para a informação do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de…, anexa ao respetivo ofício notificativo.

 

15.  Com efeito, como refere o acórdão do STA de 12-03-2014 (Processo n.º 01674/13), “A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e acolhido nos artigos 125º do CPA e 77 º da LGT.

O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto”.

 

16.  O referido despacho bem como o relatório final referido no artigo 62.º do RCPIT, no qual constam os fundamentos das referidas alterações, foram notificados ao Requerente em 26-05-2014, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do CPPT, através do ofício n.º … da Direção de Finanças de …(Divisão de Tributação e Cobrança), de 21-05-2014.

 

17.  Quanto aos actos meramente preparatórios, internos e não exteriorizados, entende este Tribunal deles não tomar conhecimento, até porque não se vislumbram quaisquer consequências para o Requerente.

 

Também relativamente a esta questão improcede o pedido de pronúncia arbitral.

***

            V – Decisão

             Em face do supra exposto, decide-se:

·         Julgar improcedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir; e

·         Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2014…, resultante da demonstração de acerto de contas n.º 2014…, relativo ao exercício de 2010 e, em consequência, manter o referido ato na ordem jurídica.

Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 23 667,23 .

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 05-02-2016

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 



[1] Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-01-2003 (Processo 02S3301)

[2] Idem                                                                          

[3] Sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-06-2009 (Processo n.º 4541/06.8TBVNG.P1)

[4] In Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 221

[5] Diogo Leite de Campos e outos in “Lei Geral Tributária”, anotada e comentada, 4.ª Edição 2012, Editora Encontro de Escrita, p.p. 706/707.

[6] Idem