Acórdão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Nuno Oliveira Garcia e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-11-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, NIF …(doravante abreviadamente designado por “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos dos artigos 2.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2014…, relativo ao ano de 2013.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-09-2015.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 04-11-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17-11-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 14-01-2016, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 04-10-2005, por sentença do 5º Juízo Cível de Lisboa, proferida na Acção de Processo Especial n.º …/2001, foi declarada a aquisição por usucapião, a favor do Autor, do prédio urbano sito na Av.ª…, nº…, descrito na CRP de Lisboa sob o nº … da extinta freguesia de … e inscrito na matriz urbana da mesma freguesia sob o artigo matricial n.º…, que hoje corresponde ao artigo … da nova freguesia de … (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Na referida sentença, conclui-se que o ora Requerente estava na posse do prédio em causa há mais de 15 anos e dá-se como provado, além do mais, que, em 28-02-1985, foi celebrado um "contrato-promessa de partilhas" no qual foi atribuído ao ora Requerente, a par de B…, seu pai, e C…, sua irmã, o prédio em questão, sustentando-se o que havia sido acordado verbalmente em 1982 e que desde o ano de 1982, e também de acordo com o seu pai e irmã, o ora Requerente passou a cobrar e beneficiar das rendas do prédio na qualidade de senhorio, a pagar e assumir todas as obrigações tributárias relativas ao mesmo, a velar pela manutenção e boa conservação do prédio, à vista de toda a gente, de forma pacífica e contínua, na convicção de ser o respectivo proprietário;
c) Na sua declaração de IRS, apresentada em 2014, referente a 2013, o Requerente apresentou como rendimento deste ano aquela que, no seu entender, seria a mais-valia realizada pela venda do prédio referido no ponto anterior, no montante de € 1.667.417,60, nos termos que constam do quadro que segue:
d) A Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu o valor de aquisição do prédio urbano para € 100.909,86 (com correcção monetária: € 117.055,44) e desconsiderou integralmente as despesas e encargos declarados, assim apurando uma mais-valia de € 2.282.944,56;
e) No dia 12-12-2014 o ora Requerente foi notificado para exercer, no prazo de 15 dias, o seu direito de audição prévia à intenção dos serviços levarem a cabo as referidas correcções (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) Em 19-12-2014, a administração tributária emitiu a liquidação n.º 2014…, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) Em 29-12-2014, foi apresentado à Autoridade Tributária e Aduaneira o documento relativo ao exercício do direito de audição prévia, nos termos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, sendo com ele juntos documentos e requerida prorrogação do prazo por mais 15 dias);
h) Em 14-01-2015, o Requerente foi pessoalmente notificado do ofício nº…, de 07-01-2015, do Serviço de Finanças de … que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Encontra-se neste Serviço de Finanças, requerimento dirigido ao sr. Chefe do Serviço de Finanças de … -…, em nome de A…, nif…, e requerida por pessoa diferente, sem que para isso tenha exibido documento que legitime o referido pedido, nos termos do art.º 5 e 40 do CPPT.
Mais se esclarece que qualquer requerimento apresentado junto da AT deverá nos termos do D/Lei 14/2013 art.º 31 n.ºs 1 e 2 indicar o número de identificação fiscal de todos os intervenientes.
No entanto, esclarece-se que o mesmo entrou depois de elaborada liquidação oficiosa, consequentemente após o prazo de audição prévia, pelo que poderá, após recepção da liquidação, reclamar nos termos e nos prazos indicados na mesma.
O requerimento não vinha em duplicado, no entanto junta-se cópia da entrada do mesmo.
Pelo exposto o referido requerimento ficará sem efeito.
i) Em 19-01-2015, o Requerente, através do seu mandatário, apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira o requerimento que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que ratifica o requerimento que tinha sido apresentado em 29-12-2014;
j) Em 09-03-2015, o Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação referida (processo administrativo);
k) A reclamação graciosa foi indeferida pelo despacho da substituta do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, de 29-05-2015 (documento n.º IA, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) Na informação para que remete o despacho de indeferimento refere-se, além do mais, o seguinte:
Porém, antes mais e logo em primeira linha, iremos analisar o fundamento alegado em 2º lugar (violação do regime transitório consagrado no artigo 5º do Dec. Lei nº 442-A/88 de 30/11), isto porque, caso eventualmente, venha a assistir razão ao ora Reclamante, aquele funciona, na nossa ótica, como uma questão prévia, com todas as consequências legais que daí advêm, máxime, ficarem por analisar os demais fundamentos alegados, por se apresentar, manifestamente desnecessário.
Assim, com a reforma do Património, levada a efeito pelo Dec. Lei nº 287/2003 de 12/11, foi alterado, profundamente, o Código do Imposto de Selo e relativa Tabela anexa, passando este diploma legal, a incorporar também as normas legais relativas às transmissões gratuitas de bens e transferências onerosas de atividades ou de explorações de serviços (normas legais estas, anteriormente previstas no Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, que foi revogado em 2003-12-31), alterações estas que entraram em vigor em 01-01-2004, tal como se pode colher da conjugação dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º, 31 e 32º todos do referido Dec. Lei.
Ou seja, a partir desta data (01-01-2004), o legislador fiscal, passou a prever, de forma expressa, a tributação das aquisições originárias de bens imóveis, através da figura jurídica da "usucapião", tal como prescreve a al. a) do nº 3 do artigo 1º do CIS, que tem por epígrafe "Incidência objectiva", isto para efeitos da aplicação da verba 1.2 da Tabela Geral anexa ao citado código, sendo ainda certo que, nos termos do artigo 3º nº 3 al. a) do mesmo diploma legal, o encargo do imposto do selo pertence ao adquirente, o mesmo é dizer, no caso de aquisição por usucapião, ao usucapiente.
Prescreve ainda o artigo 5º al. r) do Diploma legal que nos vem ocupando que " A obrigação tributária considera-se constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial;", o que significa, a nosso ver, que neste tipo de aquisições e para efeitos de incidência objetiva do imposto, o legislador fiscal, desconsiderou as disposições legais da lei civil aplicáveis a esta mesma temática, tendo sim optado pelo critério económico, qual seja, o de considerar que o imposto é devido ao Estado, no momento em que seja julgado/tornado definitivo, o título justificativo da usucapião.
Ora como a usucapião em análise nos presentes autos, se verificou em finais de 2005, tal como se pode colher de fls. 36 a 43, dúvidas não podem existir de que, a mesma, ao contrário do que é defendido pelo ora Reclamante, não pode beneficiar do regime transitório plasmado no artigo 5º do Dec. Lei nº 442-A/88 de 30/11 (e não 442-A/80 de 30/11 como referido no artigo 9º da P.I. certamente por lapso), uma vez que a sua aquisição, como vimos, encontra-se sujeita a Imposto de Selo e, consequentemente, a sua alienação, sujeita a IRS, na categoria G, atentos à conjugação dos artigos 10º n" 1 al. a), 43º nºs 1 e 2, 44º e 45º todos do CIRS, pelo que, não podem colher os fundamentos alegados no que a este assunto concerne, porque totalmente destituídos de base legal, nomeadamente a doutrina apresentada e constante de fls. 44 a 46, que deve ser considerada revogada, ainda que tacitamente, pelo menos a partir de 01-01-2004, sendo que a constante de fls. 47/48, a nosso ver, não tem aqui aplicação, por se tratar de prédio rústico, enquanto aqui estamos a falar, "ab initio" de um prédio urbano.
Quanto aos demais fundamentos alegados, estamos em crer, que também não assiste razão alguma ao ora Reclamante, senão vejamos:
Refere o ora Reclamante como primeiro fundamento, que a liquidação ora sindicada, padece do vício de preterição do direito de participação do Reclamante, alegação esta que não podemos acompanhar, na medida em que, tal como se pode colher de fls. 60 a 68 dos presentes autos, com especial destaque de fl. 61, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ao abrigo dos artigos 76º nº 1 e 65º nº 4 ambos do CIRS, corrigiu os valores declarados pelo ora Reclamante na sua Declaração Modelo 3 de IRS que apresentou em 2014-05-31 (cfr. fls. 75 a 80), nomeadamente no anexo G, tendo para o efeito, instaurado em 20-06-2014, um procedimento de divergências;
Em 07-10-2014, no âmbito desse mesmo procedimento, notificou o ora Reclamante para exercer o direito de audição, porquanto, face aos elementos declarados e aqueles que eram do conhecimento da AT, esta, propunha-se alterar/corrigir, não só o valor de aquisição do imóvel em causa (passar o valor de € 549.890,00 para € 100.909,86), como também desconsiderar as despesas e encargos mencionados no campo 401 do citado anexo G (passando de € 94.710,00 para € 0,00), porque em seu entender, as mesmas, não eram consideradas como indispensáveis para o efeito (isto face à posição adotada pela AT, no que a esta matéria concerne), já que respeitavam a honorários pagos ao seu advogado, tudo como se pode colher de fls. 52/53 dos presentes autos;
O referido direito de audição foi exercido via internet em 30-10-2014, tal como se pode colher de fls. 61/66, sendo certo que os Serviços, face ao teor daquele exercício, não aceitaram o que foi alegado, tendo disso dado conhecimento ao ora Reclamante através dos e-mails datados de 05-11-2014 (cfr. fls. 64/65), isto face ao motivo que esteve na origem da instauração do já mencionado procedimento de divergências, ou seja, o da alienação de imóveis, identificado através da designação de D39 (vide fls. 60 dos presentes autos;
Acontece que, certamente por lapso, já que não se vê motivo para o efeito, os Serviços, notificaram o ora Reclamante para exercer "novo" direito de audição, tal como se pode colher de fls. 61/63, pelo que, após deteção por aqueles de tal lapso, tentaram corrigir o mesmo, enviando e-mail dando conta da conclusão do procedimento de divergências com correções, e que está na base da liquidação ora posta em crise, quando deviam, a nosso ver, também enviar um outro a anular o e-mail que lhe concedeu "novo" direito de audição, porque ilegal, já que foi concedido indevidamente, sendo pois esta, a única censura a fazer aos Serviços, em todo este procedimento, contudo, na nossa ótica, jamais pode invalidar o procedimento em causa, muito menos a liquidação ora em análise, tal como pretendido pela ora Reclamante, até porque, como vimos, não existiu nenhuma preterição formal essencial, já que foi concedido ao Reclamante o direito de audição e que exerceu, não tendo apenas sido aceite pelos Serviços, face ao direito e doutrina positivados no que às correções levadas a efeito concerne, dai também aqui, não poderem serem aceites os fundamentos alegados, porque destituídos de base legal;
Relativamente ao valor, que deve servir como valor de aquisição do imóvel em análise, se é verdade que o ora Reclamante foi notificado do valor de avaliação que foi atribuído ao mesmo (€ 549.890,00), tal como se pode colher de fls. 49 a 51, também não é menos verdade, aliás como é do perfeito conhecimento do ora Reclamante, que aquela avaliação, jamais produziu efeitos, quer em sede de Imposto de Selo, quer em sede de IMI, tal como se pode colher de fls. 71 a 73 e 81 a 100, já que não houve liquidação, ainda que adicional, de Imposto de Selo, e o VPT que serviu de base à liquidação do IMI dos vários anos, desde 2005 até 2012, não foi o constante da avaliação, já que esta, tal como se pode colher de fls. 93, encontra-se na situação de "Para produção de efeitos", apesar de, também nós, não descortinarmos o porquê, de tal situação, logo, se aquela avaliação nunca produziu efeitos fiscais, não pode, a nosso ver, o ora Reclamante, vir agora querer, que o seu prédio tenha sido adquirido por aquele valor, daí que, bem andaram os Serviços, ao considerar o VPT de € 100.909,86, que era aquele que estava válido à data da aquisição do imóvel, "ex vi" do artigo 13º nº 1 do CIS;
Por último, no que concerne às despesas e encargos, que o ora Reclamante declarou no campo 401 do Anexo G, no valor de € 94.710,00, e que dizem respeito aos honorários que o mesmo pagou ao seu advogado, por todos os serviços extrajudiciais e judiciais prestados, e que conduziram à aquisição e venda do imóvel que nos vem ocupando, também nós entendemos, que os mesmos não podem ser aceites, porque, a nosso ver, não podem ser subsumidos, nem na previsão do artigo 51º al. a) do CIRS, nem na doutrina que existe no que respeita a esta temática, por não poderem ser considerados necessários e indispensáveis, para a aquisição e alienação do imóvel em causa, contrariamente, se as referidas despesas/encargos, respeitassem a um/a mediador/a imobiliário/a, já que, desde que preenchidos todos os requisitos necessários para demonstrar, de forma inequívoca, a conexão do montante pago, com a transação concreta que originou a mais-valia, e estando devidamente documentada essa mesma intervenção, já seriam aceites, porque enquadráveis na previsão da citada norma legal, tal como se pode colher do entendimento sancionado na ficha doutrinária - Informação Vinculativa – Processoº nº 12/2008, com despachos concordantes do substituto legal do Senhor Diretor-Geral dos Impostos de 14-07-2008 e 12-08-2008, consultável "in Portal das Finanças - Informações vinculativas - Artº 51" al. a) CIRS"
Destarte, por tudo quanto temos vindo de expender, deve a presente Reclamação Graciosa ser totalmente indeferida, com todas as consequências legais daí advenientes, máxime manter na ordem jurídico-tributária o ato tributário em apreço, porque, a nosso ver, legal, porquanto o mesmo, não padece dos vícios/patologias que lhe são apontados pelo ora Reclamante.
III - EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO
Tendo-se proposto para que a presente Reclamação Graciosa não fosse totalmente deferida, houve lugar a audição prévia, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 60º da LGT, contudo, não se obteve qualquer reacção por parte do ora Reclamante, dentro do prazo de 15 dias, que para o efeito lhe foi concedido, nos termos do nº 6 do citado normativo legal, prazo este que terminou em 19 do corrente mês e ano (com o seu inicio em 05-05-2015) e, a ser assim, deve manter-se o sentido do projecto de decisão, já previamente notificado, convertendo-se este, em decisão definitiva.
IV - CONCLUSÃO
Assim sendo, constata-se que a situação tributária do Reclamante não carece de correção, pelo que se propõe que a presente Reclamação Graciosa seja TOTALMENTE INDEFERIDA, pelos motivos antes aduzidos, notificando-se aquele, na pessoa do seu Mandatário, não só da presente informação, bem como do despacho que vier a recair sobre a mesma, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 6 do artigo 77º da LGT.
m) Em 04-11-2003, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o parecer que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Tipo DESPACHO, PARECER …
Data 04-11-2003
Descritores regime transitório; usucapião; IRS; mais valias; categoria g;
data de aquisição
Texto da Circular
MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
DIRECÇÃO-GERAL DOS IMPOSTOS
DIRECÇÃO DE SERVIÇOS JURÍDICOS E DO CONTENCIOSO (DSJC)
PARECER N° 452
ASSUNTO/RESUMO: Aquisição por usucapião do direito de propriedade de bens imóveis - data em que se deve considerar realizada para efeitos da aplicação do regime transitório consagrado para os ganhos de mais-valia provenientes da alienação de prédios urbanos, em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), pelo art. 5° do Decreto-lei n" 442-A/88, de 30 de Novembro - eventual relevância da escritura de justificação notarial dessa posse.
1 - Por determinação do Exmo. Director-geral dos Impostos de 19 de Agosto de 2003, cabe a esta Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso emitir parecer sobre a data em que se deve considerar realizada a aquisição por usucapião de bens imóveis, para efeitos da aplicação do regime transitório consagrado para os ganhos de mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), pelo art. 5°, n° 1, do Decreto-lei n° 442-A/88, de 30 de Novembro, e a eventual relevância da escritura de justificação notarial dessa posse.
2 - A questão sobre a qual nos cabe proceder à emissão do presente parecer seria suscitada em carta dirigida a 18 de Outubro de 2002 ao Exmo. Director de Finanças do distrito de Castelo Branco por "A...", residente no concelho de .... em que requer informação vinculativa nos termos gerais aplicáveis, que são os do art. 68°, n°s. 1 e 2, da Lei Geral Tributária, sobre a seguinte situação:
a) O exponente tomou posse, há 27 anos, em 1976, de dois prédios urbanos mencionados em escritura de justificação celebrada a 15 de Janeiro de 1997 no cartório notarial de ....
b) A referida posse jamais seria titulada por escritura pública, pelo que, para efectuar o registo dos referidos prédios urbanos, o ora exponente teve de recorrer à celebração da referida escritura de justificação notarial.
c) Na referida escritura de justificação notarial, é dito pelas partes outorgantes que o exponente entrou na posse dos referidos prédios continua e consecutivamente há mais de 20 anos, pelo que, dado o carácter público, pacífico e de boa fé dessa posse, adquiriu-os entretanto por usucapião, modo de aquisição que, assim, prevalece sobre o que resultaria da demonstração documental do seu direito de propriedade pelos meios extrajudiciais normais, que aliás, é prejudicada pela ocorrência do referido tipo de prescrição aquisitiva.
d) Apenas após a realização da escritura obviamente logrou o exponente a inscrição no registo predial dos bens imóveis em causa.
e) Pretende agora saber qual a data em que, para efeitos da aplicação do referido regime transitório do art. 5°, n° 1, do Decreto-lei n° 442-A/88, se devem considerar adquiridos os bens imóveis em causa: a do início da posse, da realização da escritura de justificação ou da inscrição dos prédios no registo predial em nome do requerente.
3 - Informação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 6 de Junho de 2003, homologada por despacho da Exma. Directora de Serviços de 27 de Junho seguinte, responderia à questão suscitada no sentido de que, nos termos do art. 1317°, n° 1, alínea c), do Código Civil (C.C.), o momento de aquisição do direito de propriedade é, no caso de usucapião, o do início da posse, pelo que os bens imóveis em causa devem considerar-se adquiridos em 1976, data que, segundo a referida escritura de justificação notarial, se iniciou a posse pública, pacífica e de boa fé que originaria a referida prescrição aquisitiva.
4 - Consideramos indiscutivelmente correcta a posição sustentada pela Direcção de Serviços ao IRS no sentido de a transmissão em causa estar abrangida pelo regime transitório do art. 1° do Decreto-lei 442-A/88, pelo que os ganhos provenientes da alienação dos bens imóveis adquiridos por meio de posse iniciada em 1976 e objecto da referida escritura de justificação notarial de 1997 não estão abrangidos pela incidência do IRS.
De facto, nos termos da legislação comum, em caso de usucapião, a propriedade adquire-se no momento do início da posse dos bens.
A questão de saber, no caso da usucapião, quando se considera adquirida a propriedade dos bens objecto da posse, que está agora expressamente solucionada na lei, seria inclusivamente controvertida na vigência do Código Civil de 1867 da autoria do Visconde de Seabra, tendo-se confrontado então as posições antagónicas dos que optavam pelo início da posse ou pelo termo do prazo da usucapião.
O referido art. 1317°, n° 1, alínea c), do C.C., aliás, mais não constitui que o afloramento do disposto no art. 1288° do referido Código, nos termos do qual, invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse.
Pretendeu-se com essa solução salvaguardar a eficácia do instituto da usucapião, que não estaria garantida caso os efeitos da usucapião apenas se produzissem após o termo do respectivo prazo.
5 - É facto que o Direito Fiscal recortou, no entanto, um conceito autónomo da transmissão distinto do da legislação civil, que consta actualmente das disposições do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (C.l.M.S.l.S.D.).
Esse conceito não é, no entanto, incompatível com a solução a dar ao caso em apreço.
Pelo contrário: a transmissão fiscal independente da transmissão civil ocorreu também, na situação objecto do presente pedido de informação vinculativa, na data do início da posse do adquirente.
Nos termos do art. 2°, parágrafo 1°, 2°, do referido Código, na verdade, considera-se transmissão da propriedade imobiliária a promessa de compra e venda ou troca de bens imobiliários logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aqueles ou estes estejam usufruindo os bens.
Tem sido entendimento constante da administração fiscal e dos tribunais tributários que a incidência da sisa, ao abrigo da referida disposição legal, recai sobre o contrato de compra e venda não titulado por escritura pública convertido por falta de forma em contrato promessa nos termos do art. 293° do Código Civil (C.C.), desde que tenha havido entretanto tradição dos bens vendidos para o adquirente.
No presente caso, ficaria demonstrada pela escritura pública de justificação a existência em 1976 de uma compra não titulada por escritura pública de prédios urbanos seguida da sua entrega ao adquirente, tendo-se, assim, verificado os requisitos legais da transmissão fiscal.
A referida operação estava indiscutivelmente sujeita a sisa, mas a verdade é que o adquirente não solicitou a sua liquidação e decorreu há muito tempo o prazo de prescrição do art. 180° do C.l.M.l.S,D..
6 - Concluindo:
a)Na situação configurada pelo presente pedido de informação vinculativa, a transmissão civil e fiscal ocorreram no momento do início da posse do requerente que se deu em 1976.
b) Assim sendo, é aplicável ao caso em apreço o disposto no art. 5°, n° 1, do Decreto-lei n° 442-A/88, pelo que as mais-valias provenientes da alienação onerosa dos prédios urbanos adquiridos pelo requerente não são passíveis de IRS.
Lisboa, 3 de Outubro de 2003
Direcção dos Serviços Jurídicos e do Contencioso.
O jurista,
(…)
n) Em 22-01-2007, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o parecer que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
o) Em 16-06-2006, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a informação que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
p) Em 14-07-2008, foi proferido o despacho P …/2008, que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
q) Em 20-05-2008, a Autoridade Tributária e Aduaneira atribuiu o valor patrimonial tributário de € 549.890,00;
r) Em 20-03-2013, o Requerente pagou a quantia de € 94.710,00 a D…, relativo a «serviços extrajudiciais e judiciais prestados (processo. N.º …/09… LSB)» (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
s) Relativamente ao pagamento referido na alínea anterior foi emitida a Nota de honorários que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Meus honorários pelos serviços prestados desde 1985 até esta data com o objectivo de vender o prédio urbano sito no número … da Avenida…, em Lisboa, compreendendo todas as conversações, contactos, negociações, ocorridas com potenciais compradores desde essa data e que culminaram pela venda do prédio pelo valor de €2.400.000,00 (Dois milhões e quatrocentos mil euros), incluindo a propositura de uma acção de despejo contra o arrendatário E…, S.A., que se encontra ainda pendente na 1a Secção do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, processo n.º …/09… LSB
t) Em 01-09-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
3. Matéria de direito
O Requerente apresentou uma declaração de IRS relativa ao ano de 2013 em que incluiu rendimentos no montante de € 1.667.417,60 constituídos por mais-valias, considerando o valor de aquisição, em Outubro de 2005, de € 637.872,40 (com correcção monetária), as «despesas e encargos» de € 94.710,00 e o valor de realização de € 2.400.000,00, em Março de 2013.
A Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu o valor de aquisição do prédio urbano para € 100.909,86 (com correcção monetária: € 117.055,44) e desconsiderou integralmente as despesas e encargos declarados, assim apurando uma mais-valia de € 2.282.944,56.
As mais-valias em causa resultam de um prédio que o Requerente adquiriu por usucapião, declarada por sentença de 04-10-2005, em que se concluiu que o ora Requerente estava na posse do prédio em causa há mais de 15 anos e se dá como provado, além do mais, que, em 28-02-1985, foi celebrado um "contrato-promessa de partilhas" no qual foi atribuído ao ora Requerente, a par de B…, seu pai, e C…, sua irmã, o prédio em questão, e que desde o ano de 1982, e também de acordo com o seu pai e irmã, o ora Requerente passou a cobrar e beneficiar das rendas do prédio na qualidade de senhorio, a pagar e assumir todas as obrigações tributárias relativas ao mesmo, a velar pela manutenção e boa conservação do prédio, à vista de toda a gente, de forma pacífica e contínua, na convicção de ser o respectivo proprietário.
No presente processo, o Requerente defende, em primeira linha, que os ganhos obtidos com a transmissão do prédio em causa está excluída da tributação em IRS, por a aquisição ser anterior a 01-01-1989, ser aplicável à situação a norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Depois, o Requerente defende que foi violado pela Autoridade Tributária e Aduaneira o artigo 68.º-A da LGT por estar vinculada à orientação administrativa que definiu.
Para além disso, o Requerente entende que é errado o valor considerado pela Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo o de aquisição e que devem ser considerados os encargos que suportou para venda do prédio.
O Requerente imputa ainda à liquidação impugnado vício procedimental, por preterição do direito de audição prévia.
3.1. Ordem de conhecimento de vícios
De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados à declaração de IRS vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
No caso em apreço, os vícios imputados pelo Requerente à liquidação impugnada que fornecem mais estável e eficaz tutela dos seus interesses são os dois primeiros.
Como é corolário do estabelecimento pelo referido artigo 124.º do CPPT de uma ordem de conhecimento de vícios, se for julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não será necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
3.2. Vício por violação da regra do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro
O artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, estabelece o seguinte
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código. ( [1] )
O Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, não fazia incidir o imposto sobre os ganhos obtidos com a transmissão de edifícios, limitando a incidência, no que concerne a prédios não detidos por empresas, aos terrenos para construção (artigo 1.º deste Código).
A controvérsia entre as Partes consubstancia-se em saber quando o ocorreu a aquisição do prédio, para efeitos de aplicação do CIRS:
– o Requerente entende que a aquisição ocorreu em data anterior a 01-01-1989, data da entrada em vigor do CIRS, por os efeitos da aquisição por usucapião retroagirem à data do início da posse e ser esta data o momento da aquisição do direito de propriedade, nos termos dos artigos 1288.º e 1317.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, e que deve ser à face destas regras que se deve determinar o momento da aquisição relevante para aplicação do CIRS;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que, em termos de direito civil, os efeitos da usucapião retroagem à data do início da posse (artigo 6.º da Resposta), mas entende que o conceito de transmissão fiscal é diferente e «com a reforma do Património, levada a cabo pelo DL n.º 287/2003 de 12/11, foi alterado, profundamente, o Código do Imposto de Selo e respectiva tabela anexa, passando este diploma legal, também a incorporar as normas legais relativas às transmissões gratuitas de bens e transferências onerosas de actividades ou de exploração de serviços (normas legais estas, anteriormente previstas no Código de Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, o qual foi revogado em 31/12/2003), alterações estas que entraram em vigor em 01/01/2004».
Assim, a controvérsia tem como ponto essencial saber se o conceito de transmissão utilizado no Código do Imposto do Selo (CIS) é de aplicar em sede de IRS.
A tese da Autoridade Tributária e Aduaneira assenta nos artigos 1.º, n.º 3, alínea a), 3.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), e 5.º, alínea r), do CIS, que estabelecem o seguinte:
Artigo 1.º
Incidência objectiva
(...)
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;
Artigo 3.º
Encargo do imposto
1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º.
3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:
a) Nas transmissões por morte, a herança e os legatários e, nas restantes transmissões gratuitas, bem como no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens;
Artigo 5.º
Nascimento da obrigação tributária
A obrigação tributária considera-se constituída:
(...)
r) Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial; (Redacção da Lei n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro)
No entanto, não há suporte normativo para aplicar estas regras ao IRS, pois elas estão previstas apenas para efeitos de imposto do selo, como resulta do seu próprio teor.
Na verdade, a usucapião é uma forma de aquisição originária, pelo que, em termos civilísticos, não é considerada uma transmissão.
De harmonia com o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT, «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».
Como decorre da parte final desta regra de interpretação das normas fiscais, apenas quando resulta directamente da lei que um termo próprio de outro ramo do direito é utilizado com outro alcance no direito fiscal, lhe pode ser atribuído significado diferente do lhe corresponde nesse outro ramo do direito.
No caso em apreço, no artigo 1.º, n.º 3, alínea a), do CIS incluiu-se a usucapião no conceito de «transmissão gratuita», afastando-se a aplicação do conceito civilístico, mas, como está expresso no seu texto, esta equiparação da usucapião a transmissão é feita «para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral».
Esta referência expressa que esta equiparação é feita «para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral» tem uma clara intenção restritiva quanto ao seu campo de aplicação, limitado apenas uma das verbas da TGIS.
Assim, o que resulta directamente da lei é que esta equiparação da usucapião a transmissão é feita apenas para efeitos daquela verba 1.2 da TGIS e não para qualquer outro efeito.
Por outro lado, o CIRS (de 1988) é um diploma anterior ao CIS (de 2003), pelo que não há qualquer fundamento lógico nem jurídico para concluir que nos conceitos que se utilizam no primeiro se remeta para os do segundo.
Sendo assim, por força daquela regra do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, em sede de IRS, designadamente para efeito do artigo 43.º do CIRS, não havendo qualquer norma de que resulte directamente que, no caso de usucapião, seja utilizável um conceito próprio do direito fiscal, tem de se fazer aplicação dos conceitos do direito civil, não só quanto ao conceito de aquisição, como ao momento em que ela se considera efectuada, pois não se inclui qualquer indicação de momento diferente, na lista que consta do n.º 6 daquele artigo 43.º (na redacção das Leis n.ºs 15/2010, de 26 de Julho, e 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a que corresponde o n.º 4 na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).
À face do direito civil, a aquisição por usucapião considera-se efectuada na data do início da posse usucapião, nos termos dos artigos 1288.º e 1317.º, alínea c), do Código Civil, pelo que é esta a data de aquisição relevante para efeitos de mais-valias em IRS.
No caso em apreço, como resulta da sentença que reconheceu a aquisição por usucapião, o início da posse data de 1982, ano em que o Requerente passou a cobrar e beneficiar das rendas do prédio na qualidade de senhorio, a pagar e assumir todas as obrigações tributárias relativas ao mesmo, a velar pela manutenção e boa conservação do prédio, à vista de toda a gente, de forma pacífica e contínua, na convicção de ser o respectivo proprietário.
Por isso, foi nesse ano de 1982 que ocorreu a aquisição do prédio, em causa, para efeitos de IRS.
Por outro lado, mesmo que se estivesse perante uma situação de dúvida sobre o sentido da aplicação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Outubro, e se devesse atender à «à substância económica dos factos tributários», como impõe o artigo 11.º, n.º 3, da LGT, chegar-se-ia à mesma conclusão, pois, em termos económicos, a alteração da situação gerada pela posse produz efeitos desde que ela se inicia, em sintonia com o que está legislativamente reconhecido nas citadas normas do Código Civil. Na verdade, no caso em apreço, foi em 1982 que, como se reconheceu na sentença, o Requerente passou a exercer os poderes correspondentes ao exercício do direito de propriedade, designando fruindo o prédio através do recebimento de rendas. É mesmo o reconhecimento dessa alteração económica preexistente que está subjacente ao conceito de usucapião que se reconduz ao prevalecimento de uma situação de facto sobre de uma situação jurídica preexistente, no caso o direito de propriedade.
Aliás, no caso em apreço, em que subjacente à posse está um "contrato-promessa de partilhas", acompanhado da tradição do imóvel, situação em que, precisamente por razões de prevalência da substância económica sobre os conceitos jurídicos, é reconhecido estar-se perante uma «transmissão» para efeito de Sisa (artigo 2.º, § 1.º, n.º 1.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, vigente em 1985, data da celebração), é forçoso concluir que a transmissão, efeitos fiscais, quer em termos económicos quer jurídicos, ocorreu pelo menos em 1985. Em termos económicos, houve apenas uma aquisição a propriedade pelo Requerente, pelo que o direito fiscal não pode, atendendo à substância económica dos factos tributários, tratar esse facto tributário como se tivesse havido duas.
Conclui-se, assim, que a aquisição do prédio pelo Requerente ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS, pelo que, por força do disposto no artigo 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Outubro, os ganhos obtidos com a sua venda, que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias à face do Código do Imposto de Mais-Valias, não estão também sujeitos ao IRS.
Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, p0r erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT].
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Devendo proceder o pedido de pronúncia arbitral pelo fundamento referido, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas.
4. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
– anular a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2014… .
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 620.664,86.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.180,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 15-02-2016
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Nuno Oliveira Garcia)
(A. Sérgio de Matos)
[1] Redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho.
A redacção inicial era a seguinte: «1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código».