CAAD – Arbitragem Tributária
Processo n.º 130/2012-T
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RELATÓRIO
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A sociedade …, Lda. - (adiante designada por Requerente), com sede na Rua …, contribuinte fiscal n.º …, apresentou, em 23 de novembro de 2012, pedido de decisão arbitral e consequente constituição de Tribunal Arbitral, ao Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).
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A pretensão deduzida tem em vista a anulação, total ou parcial, dos atos de liquidação adicional de IRS e respetivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 2010 e 2011, consubstanciados nos documentos n.ºs 2012 … e 2012 …, no montante total de € 142.090,41, efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “AT” ou Requerida).
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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O processo não enferma de nulidades.
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A fundamentar o seu pedido a Requerente alega, em síntese, que:
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A AT violou formalidades inerentes à inspeção tributária previstas no Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (doravante o RCPIT) porque a inspeção que efetuou à Requerente teve início no dia 11 de Novembro de 2011, ou seja, na data em que foi feita a notificação à Requerente do despacho que ordenou a diligência, mas a inventariação dos bens em caixa ocorreu no dia anterior (10 de novembro);
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Outra das formalidades que a Requerente afirma que a Requerida violou prende-se com a notificação da ação inspetiva, por a AT não ter cumprido as formalidades da dispensa de notificação estabelecidas no art.º 50º do RCPIT.
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Alega que se verifica vício de falta fundamentação do Relatório Inspetivo, porque a AT não provou, como tinha o dever legal de fazer, de forma clara, inequívoca e fundamentada, a presunção legal de que apenas os lançamentos feitos em conta corrente se presumem feitos a título de lucros ou de adiantamento de lucros.
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Depois desta imputação à atuação da Requerida, a Requerente estrutura toda a sua defesa numa alegada existência de um contrato de mútuo celebrado entre si e o seu sócio gerente, em 1 de fevereiro de 2002.
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Entende a Requerente que não deveria ter sido aplicada a presunção consagrada no n.º 4 do art.º 6º do Código do IRS porque, embora a Requerente não haja procedido corretamente relativamente aos lançamentos do contrato de mútuo celebrado em 2002 com o sócio A…, em dezembro de 2010 procedeu à regularização dos lançamentos anteriores, facto que é refletido no relatório inspetivo.
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Diz a Requerente que a existência do contrato de mútuo ilide a presunção do n.º 4 do art.º 6º do Código do IRS e que, ao contrário do defendido pela AT, é o contrato de mútuo que goza da presunção de autenticidade do seu conteúdo, resultante da presunção de veracidade consagrada no art.º 75º da LGT, de que gozam as declarações e documentos de contabilidade organizados nos termos da lei.
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Defende a Requerente que a AT, ao efetuar liquidações adicionais, violou os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade, uma vez que lhe está vedado cobrar impostos em quantidades superiores às que presumivelmente resultariam da correta observação das obrigações contabilísticas por parte da Requerente.
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Finalmente, se o entendimento expresso nos números anteriores não for aceite, ou seja, se for considerada, como faz a AT, a inexistência de empréstimo ao sócio e a existência de rendimentos de capitais, entende a Requerente que apenas podem ser objeto de tributação os montantes referentes aos períodos das liquidações em apreciação, 2010 e 2011, que são, respetivamente, de €87552,92 e €17050,27
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Regularmente notificada a Requerida, e decorrido o prazo para revogação voluntária do ato impugnado, veio esta, em resposta à notificação para, nos termos do n.º 1 do art.º 17.º do RAJT, apresentar uma primeira resposta ao pedido de pronúncia arbitral formulado por …, Lda, requerer ao Tribunal que ordenasse a junção aos autos do original do contrato de mútuo que a Requerente alega existir, em virtude de o mesmo apenas ter sido apresentado aos inspetores tributários que efetuaram o Relatório pela via eletrónica, através do envio de um e-mail
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Notificada a Requerente para efeitos da exigência da Requerida, veio pronunciar-se nos seguintes termos:
a)“…ao contrário do salientado pela AT, o contrato de mútuo em apreço foi apresentado e exibido o seu original no momento próprio para o efeito que é a inspeção tributária, conforme aliás sugerem as páginas 23, 24 e 31 do Relatório”…que cita.
b) “Em segundo lugar, para aferir da dita essencialidade do contrato não se vislumbra a necessidade de ver o original, então já exibido no momento próprio, pois tal só se justificaria se a cópia do contrato anexa ao Relatório estivesse rasurada ou algum elemento do mesmo fosse ilegível, o que não sucede no presente caso.”
c) “…entre os (elementos essenciais do contrato) inominados, aqueles que constituem a estrutura fundamental e central do negócio jurídico – estão perfeitamente identificados no contrato em apreço, sem que seja necessária a exibição do seu original.”
E termina a Requerente a sua resposta nos seguintes termos:
d) “…Deste modo, a Requerente considera que a essência do contrato é inteligível pela mera leitura do mesmo, acompanhada das explicações e razões constantes da petição inicial, pelo que não se alcança a necessidade de apresentar o seu original, e, por conseguinte, o pedido de junção do original do contrato, após o fim da inspeção tributária, deve ser indeferido.”
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Por sua vez a Requerida, notificada da resposta apresentada pela Requerente ao seu requerimento, veio contrapor nos seguintes termos:
Esclarecer que:
a)“…a afirmação… de que foi apresentado e exibido à inspeção tributária o original do contrato ora em causa raia a má fé, pois que a ora Requerente não desconhece, certamente, que tal não corresponde à verdade.”
E realçar que:
b)”Nunca o original do contrato foi apresentado à Administração.”
E que…
c)”Tal contrato (sobre o qual – diz a Requerida – nos pronunciaremos em sede própria, ou seja na Resposta) foi apresentado - e apenas – através de e-mail enviado ao Dr. …, inspetor tributário responsável pelo processo.”
E a Requerida realça ainda que:
d)”Como decorre do “print” do e-mail em causa, cuja cópia se junta, foi, insistentemente, solicitado ao, então, TOC da empresa do Dr. A…, ora Requerente (como, aliás, também ao próprio Dr. A…), o contrato em causa no presente processo (bem como o contrato em causa no processo respeitante à mulher do Dr. A… (Dr.ª B…), daí a referência a “contratos”, no plural.”
e)”E como resulta, também, provado pelo mesmo “print”, o contrato sub judice foi (finalmente) enviado à Administração, pela empresa que tratava da contabilidade, em 22 de maio de 2012, por formato digital, via e-mail.”
f)”Foi por isso que a Administração afirmou, no Relatório, como a contribuinte veio enfatizar, que o referido contrato lhe tinha sido apresentado e afirmou, além disso – pois que é o que traduz a verdade dos factos -, que o mesmo só foi “apresentado, aos inspetores tributários que elaboraram o relatório inspetivo em que se fundam as liquidações em causa nos autos, em formato digital, via e-mail.”
E a Requerida vem ainda realçar que:
g)”Lamenta-se a atitude e a distorção dos factos feita pela Requerente …, Lda.”
Terminando da seguinte forma:
h)”Termos em que se reitera o pedido de que seja determinado à Requerente que, cumprindo os seus deveres de colaboração com a justiça, e atendendo à relevância para a decisão da causa, venha juntar aos autos, trazendo à superior apreciação desse Tribunal, o original do designado “contrato de mútuo”.”
E a Requerida anexa mail que demonstra a troca de correspondência, por esta via eletrónica com o TOC da empresa, terminando este por enviar cópia do invocado “contrato de mútuo” por e-mail.
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A Requerida apresentou a sua versão dos factos e concluiu, em síntese, que:
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não houve violação de formalidades que regulam a inspeção tributária prevista no RCPIT;
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Segundo a Requerida, sendo o objeto da inspeção a inventariação de bens e valores em caixa, o mesmo pode ser abrangido pela norma que dispensa a notificação prévia, em virtude de o êxito da ação depender do efeito surpresa;
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Assim, não tendo havido notificação prévia, foi dado cumprimento à forma alternativa de notificação, ou seja, entrega de carta-aviso e anexo no momento da prática dos atos de inspeção;
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Na inspeção tributária efetuada à Requerente verificou-se um erro material na data aposta ao “termo de declarações/contagem”, que deveria ser 11 de novembro de 2011 e não 10 de novembro de 2011;
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De igual modo não existe vício de forma por falta de fundamentação da decisão da AT;
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Não foi exibido aos inspetores tributários e nem alegado pelo TOC da Requerente a existência de qualquer contrato de mútuo;
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Só decorridos seis meses sobre o início da inspeção, foi apresentada pela Requerente uma alegada cópia do contrato de mútuo, unicamente por via eletrónica, sem que haja sido exibido vez alguma o respetivo original, por alegadamente se ter extraviado, segundo versão da Requerente;
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O alegado contrato de mútuo, a existir, não observa as formalidades legais, por ter sido celebrado por documento particular;
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Acresce que, até dezembro de 2010, nunca foi refletido na contabilidade da Requerente qualquer empréstimo aos sócios, nem foi identificada qualquer deliberação societária a autorizar, ou sequer a fazer referência, ao alegado contrato de mútuo;
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Por quanto fica referido nos números anteriores, a Requerida conclui que não foi elidida a presunção de juros prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS;
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E mais conclui a Requerida, que o contrato apresentado pela Requerente em 2012 (apenas por via eletrónica) constitui uma tentativa de dissimulação da distribuição de lucros para evitar a correspondente tributação;
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Como tem de concluir-se que os lançamentos /pagamentos não foram realizados a título de empréstimo, há que presumir que o foram como distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros, o que faz incorrer a Requerente na obrigação de proceder à retenção na fonte do IRS dos rendimentos dos capitais distribuídos aos sócios;
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Não existe violação do dever de fundamentação da decisão da Requerida, porque quer os fatos dados como apurados quer o respetivo enquadramento legal possibilitam a respetiva inteligibilidade por um contribuinte que use a diligência comum;
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A Requerente nunca logrou ilidir a presunção estabelecida no n.º 4 do art.º 6º do CIRC a favor da Requerida, porque nunca conseguiu demonstrar a existência de um contrato de mútuo, o que levou a Requerida a concluir pela sua inexistência à data da realização da ação inspetiva;
II – ALEGAÇÕES ORAIS
Nas suas alegações orais, ocorridas no CAAD no agendado dia 12 de Abril de 2013, iniciadas pelas 14H00 e gravadas a pedido da Requerida, as partes mantiveram as posições que resultam dos articulados.
III – FACTOS PROVADOS
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos:
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Na sequência de seleção central de sujeitos passivos reportada ao exercício de 2009, a AT constatou que a Requerente apresentou, nesse exercício, saldo de caixa muito superior a €50.000,00 e que esse saldo superava os seus passivos correntes (critérios de seleção).
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A Requerente foi notificada em 20/7/2011 para apresentar os balancetes sintéticos de 2010 e 2011.
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Face ao respetivo teor, e com os fundamentos que constam da “Proposta de Ação Inspetiva” – junta ao processo administrativo (PA), que aqui damos por reproduzido –, foi proposta “a realização de acção tendente à contagem física do saldo de caixa e no caso de divergência significativa relativamente aos elementos contabilísticos, a realização da respetiva conciliação, no sentido de se apurar a eventual distribuição de lucros/por conta de lucros e/ou despesas não devidamente documentadas, com os subsequentes efeitos fiscais”.
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Depois de iniciado o procedimento inspetivo, o seu âmbito de ação passou de “parcial” a “geral”.
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Em 11 de novembro de 2011, foi entregue, em mão, à Requerente, a carta-aviso de abertura de ação inspetiva.
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A ação inspetiva teve início em 11-11-2011 e, nesse mesmo dia, teve lugar a diligência de contagem física do saldo de caixa, tendo sido elaborado o “Termo de declarações/contagem” (junto ao Relatório Inspetivo como anexo 2).
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A data incluída no “Termo de declarações/contagem” realizada no dia 11 de novembro de 2011 é a de 10 de novembro de 2011.
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A data do dia 10 de novembro é devida a erro material de escrita, conforme resulta de documentos juntos pela Requerida.
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Durante o procedimento inspetivo, verificou-se que a contabilidade da Requerente só estava efetuada até março de 2011, o que impossibilitou o apuramento do saldo contabilístico da conta “caixa”.
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Ao longo do exercício de 2010, ocorreram alguns movimentos de transferências de valores da Requerente para as contas dos sócios (cf. quadro a fls. 20 do relatório inspetivo).
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Alguns daqueles movimentos tiveram lugar por contrapartida a crédito da conta “12 – Depósitos à Ordem” e outros registos desta conta ocorreram por contrapartida a débito da conta “278820998 – Cheques” e da conta “278820999 – Diversos”3.
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Sempre que foram emitidos cheques com origem na conta bancária em que os beneficiários eram os sócios, o movimento contabilístico ocorreu na conta “278820998 – Cheques”.
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Quando a disponibilidade para os sócios foi feita através do pagamento por parte da empresa de despesas pessoais destes, foi movimentada a conta “278820999 – Diversos”.
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Sempre que as saídas para os sócios tiveram origem na conta bancária, as transferências ou os cheques foram refletidos nos extratos bancários.
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A movimentação de tais contas teve início apenas no ano de 2010 e com as características que se referiram.
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Em 2010 a Requerente foi efetuando pagamentos de despesas que eram da responsabilidade pessoal do seu sócio gerente e nunca os contabilizou como empréstimos.
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Em 31 de dezembro de 2010, os valores acumulados no “caixa” ascendiam a € 571.465,99.
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Nessa data, de 31 de dezembro de 2010, o saldo da conta “caixa” foi movimentado por contrapartida da conta “268512 – a médio e longo prazo” – e foram transferidos diretamente os valores em “caixa” para o património dos sócios, que a Requerente contabilizou diretamente como suposto “crédito” concedido aos sócios a médio e longo prazo.
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Depois de 31 de dezembro de 2010, os sócios pagaram, diretamente ou através de transferência bancária, despesas que eram da responsabilidade da Requerente.
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A Requerente, logo que tinha disponibilidade para o efeito, fazia entregas aos sócios, que repunham ou compensavam aqueles pagamentos, sendo nessa altura anulado o referido saldo credor da conta caixa. A Requerente procedeu ao reembolso dos sócios logo que dispôs de meios.
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A Requerente procurou registar tais pagamentos de reposição aos sócios como se fossem “empréstimos” da empresa aos mesmos.
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A contabilização de todos estes movimentos foi efetuada apenas em 2010 e em 2011.
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Contrariamente ao que se verificou relativamente a 2010 e 2011, não existem quaisquer documentos internos ou externos relativos a quaisquer alegados movimentos semelhantes em anos anteriores, designadamente em 2008 ou em 2009 (anos também inspecionados).
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A Requerente, em 2010 e em 2011, até serem feitas entregas aos sócios, teve valores em caixa correspondentes ao saldo da conta caixa.
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O TOC da Requerente, no decurso da ação inspetiva, nunca referiu a existência de um contrato de mútuo.
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Em 22 de maio de 2012, a Requerente apresentou, por via eletrónica, um documento designado “contrato de mútuo” (cf. anexo 10 ao Relatório, pág. 86 e 87), alegando que teria sido celebrado no dia 1 de fevereiro de 2002.
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Na contabilidade da Requerente não se encontrava qualquer “contrato de mútuo” da sociedade aos seus sócios, designadamente ao seu sócio gerente.
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O documento enviado mostra-se assinado pelo Sr. Dr. A…, em nome pessoal, como primeiro e como segundo “contratante”.
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A realização do alegado “empréstimo” não se encontra mencionada em qualquer ata da Requerente.
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Relativamente ao documento enviado por mail, o mesmo é cópia de um simples documento particular, em relação ao qual não foi pago qualquer imposto do selo.
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Do documento referido no número anterior consta um código postal que, à data de 1 de Fevereiro de 2002, ainda não existia.
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Não foi contabilizada qualquer amortização do capital alegadamente emprestado.
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Não foi contabilizado qualquer pagamento de juros relativamente ao alegado mútuo.
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Até Dezembro de 2010, a contabilidade da Requerente nunca refletiu a existência de qualquer “empréstimo” aos sócios.
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A distribuição de lucros no ano de 2010 ascendia a €577.016,22 e, no ano de 2011, a €47.818,
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Do Relatório da Inspeção consta o seguinte:
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Relativamente aos conteúdos das pág. 19 a 31 do Relatório de Inspeção que procedeu à análise dos movimentos contabilísticos dos anos de 2010 e 2011, a inspeção tributária chega à seguinte conclusão:
“o contrato que se encontra no Anexo 10 é circunstancial, apenas pretende aparentar a existência de um empréstimos desde há 10 anos com condições que não tiveram qualquer consequência prática para o beneficiário, pelo que temos de considerar que na verdade não existiu.”
IV – FACTOS NÃO PROVADOS
O Tribunal considera que não se provaram os seguintes factos:
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A existência de um documento original titulando um contrato de mútuo regularmente celebrado em 1 de fevereiro de 2002 entre a Requerente e o seu sócio gerente.
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A exibição física de um contrato de mútuo aos inspetores da Requerida durante a realização da ação inspetiva, antes do seu envio por via eletrónica.
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Os documentos 4 a 13 juntos pela Requerente à sua p.i. e respeitantes à Conta 111 – Caixa A dos anos de 2002 a 2009 –, não revelam quaisquer transferências para as contas de sócios, nem existe a mínima referência a empréstimos aos mesmos ou a entregas a qualquer outro título.
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Nesta Conta Caixa são revelados diversos movimentos a débito e a crédito que conduzem aos saldos constantes do Quadro anexo ao artigo 116.º da petição da Requerente, mas não permitem, de modo algum, a conclusão de que os sócios tenham utilizado os montantes dos saldos em causa a título de empréstimos.
O Tribunal fundamenta as suas conclusões em matéria de facto nos documentos juntos aos autos, no depoimento da testemunha arrolada pela AT, bem como nas declarações do sócio gerente da Requerente perante este Tribunal Arbitral, tendo em conta, na apreciação destas últimas, o seu manifesto interesse nas questões aqui a analisar.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Face aos factos considerados provados por este Tribunal Arbitral, cumpre aplicar o correspondente direito.
Antes de se pronunciar sobre a questão central – que é a da aplicação da presunção n.º 4 do art.º 6º do CIRS, bem como a de saber se a mesma foi afetada pela existência de um alegado contrato de mútuo – o Tribunal vai resolver três questões prévias:
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Uma, relativa à recolha de elementos pela Requerida;
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Outra, referente à notificação da Requerente para o início da ação inspetiva;
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E, finalmente, a questão que se prende com a fundamentação da decisão da Requerida.
Da recolha de elementos pela Requerida à Requerente
A data constante do “Termo de declarações/contagem” é 10 de novembro de 2011, dia imediatamente anterior à entrega da carta-aviso de abertura da ação inspetiva. O Tribunal, analisadas as provas oferecidas pelas duas partes, considera que foi provada a existência de um erro de escrita naquele documento.
Com efeito, a AT, através dos documentos juntos à sua resposta, demonstrou as diligências realizadas pelos seus inspetores no dia anterior ao início da ação inspetiva à Requerente, ou seja, no dia 10 de novembro, assim como provou que, no dia 11, esses seus inspetores utilizaram o modelo da diligência que haviam usado no dia anterior, tendo-se esquecido de alterar a data que nele se encontrava aposta.
A Requerente, por seu turno, apenas invocou a data aposta no documento, sem lograr provar a presença física dos inspetores no local em que possui a sua sede. É que, localizando-se esta nas instalações do TOC da Requerente, fácil teria sido fazer a prova de que nesse local haviam estado dois inspetores a proceder à contagem dos valores da Requerente, sem que previamente houvessem exibido a esta a correspondente notificação para início da diligência. Quer dizer, quem quer que tivesse franqueado a entrada aos inspetores, bem poderia provar a ocorrência desse facto a 10 e não a 11 de novembro, (para mais, tratando-se das instalações de um Técnico Oficial de Contas) o que nem sequer foi tentado.
Por estes factos, o Tribunal considera que se verificou um simples erro de escrita, derivado da circunstância de a data constante do modelo utilizado pelas mesmas pessoas, nos dias 10 e11 de novembro de 2011, permanecer a mesma nos referidos dois dias. Por isso, deve o identificado erro ser retificado nos termos do plasmado no artigo 249º do Código Civil: «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta». E esta circunstância não afeta, portanto, a validade da recolha de elementos.
Da notificação da Requerente
Outra questão ainda anterior à questão central é a da alegada omissão da notificação prévia para o início do procedimento de inspeção, que se passa a analisar.
Também neste aspeto o Tribunal entende que não assiste razão à Requerente, que foi devidamente notificada, nos termos e para os efeitos consagrados no artigo 50º, n.º 1, c) do RCPIT.
Se é certo que o artigo 49.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária exige que “o procedimento externo deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início”, aliás, em concordância com o disposto no artigo 59.º, n.º 3, alínea l) e artigo 69.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, não é menos certo que o artigo 50.º do mesmo diploma estabelece no seu n.º 1, diversos casos em que é dispensada a notificação prévia do procedimento, nomeadamente, na alínea c), quando o objeto do procedimento for a inventariação de bens ou valores em caixa, testes por amostragem ou quaisquer actos necessários e urgentes para aquisição e conservação da prova, o que se verificou no caso, conforme resulta da proposta da ação inspetiva. Aliás, também a Lei Geral Tributária, no mencionado artigo 69.º, n.º 2, admite a não comunicação prévia, sem restrições, no caso de a comunicação poder “pôr em causa os efeitos úteis que visa prosseguir….”
Assim, cumpre realçar o seguinte:
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Igualmente nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 2, da LGT, bem como na alínea l) do n.º 3 do artigo 59º do mesmo diploma, o início do procedimento de inspeção deveria ser previamente notificado.
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Mas a própria lei prevê que a notificação possa ser dispensada, quando seja suscetível de comprometer o sucesso do procedimento, ou, mais exatamente, nos termos da lei, «quando a comunicação possa pôr em causa os efeitos úteis que visa prosseguir».
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Como a própria Requerente bem refere no item 24 do r.i., – existem, porém, situações em que é dispensada essa notificação prévia.
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Assim, nomeadamente – e no que é relevante para o caso em apreço –, nas situações previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 50º do RCPIT, ou seja, quando “O objecto do procedimento for a inventariação de bens ou valores em caixa, testes por amostragem ou quaisquer actos necessários e urgentes para aquisição e conservação da prova”.
«Pelos objectivos específicos da acção inspectiva a carta-aviso foi entregue em mão, pelo que não ocorreu a notificação prévia do procedimento de inspecção. Esta dispensa tem fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 50º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária».
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Nessa situação, embora não tivesse de ter tido lugar a notificação prévia, a notificação ao contribuinte – correspondente a carta-aviso e anexo – tinha que ter lugar “no momento da prática dos actos de inspecção”, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 50º do RCPIT.
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Ora, no caso dos autos, como decorre dos factos supra relatados e está documentado no processo administrativo, o contribuinte recebeu esses elementos em 11-11-2011.
Da fundamentação da decisão da Requerida
Quanto à invocada falta de fundamentação da decisão da Requerida, considera este Tribunal que a mesma não se verifica. Com efeito, da leitura do Relatório Inspetivo, da sua descrição dos factos e da conclusão jurídica que deles foi retirada, resulta a enunciação clara da via que conduziu à decisão procedimental. Esta conclusão é, aliás, confirmada pela atuação da Requerente, que só poderia ser assumida por quem entendeu perfeitamente a decisão e a sua fundamentação. É manifesto, portanto, que a decisão se encontra elaborada, fundamentada e juridicamente enquadrada nos termos exigidos pela lei, ou seja, de modo a que o respetivo conteúdo seja percetível por um contribuinte que use de diligência normal.
Como já foi escrito no acórdão do Tribunal Arbitral no Processo 8/2011-T «Entende o Tribunal Arbitral não ser necessária grande explanação sobre o sentido e extensão do dever de fundamentação expressa e contextual dos atos tributários. Por isso, aborda a matéria apenas na perspetiva da aplicação ao caso concreto, pondo o acento tónico nos aspetos aqui relevantes. De acordo com o n.º 2 do art.º 77.º da LGT, a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento de matéria tributável e do tributo”. Entre as várias razões que justificam a exigência da fundamentação, como as de propiciar ao decisor um momento de reflexão antes de emitir a sua vontade funcional, de garantir a transparência da atuação administrativa, de assegurar a possibilidade e eficácia do controlo hierárquico ou jurisdicional, sobressai a de possibilitar ao interessado administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência de aceitar ou impugnar graciosa ou contenciosamente o ato.
Sendo o ato tributário um ato abrasivo de administração, na medida em que atinge o património do cidadão, a título unilateral e não sancionatório, é evidente que as exigências densificadas na Lei Geral Tributária têm de ser analisadas, essencialmente, na perspetiva de possibilitarem ao administrado a aceitação ou a impugnação do ato.
Todavia, a possibilidade de intelecção dos fundamentos do ato tributário, e consequentemente da capacidade significante do discurso fundamentador, não é a mesma em todas as situações em que os mesmos são praticados.
Daí que o discurso fundamentador para poder ser entendido não careça de especial densidade significante.
No caso dos atos tributários, cuja prolação acontece após um “diálogo” estabelecido anteriormente com o administrado, nomeadamente através da sua notificação para apresentação de documentos ou prestação de informações ou, ainda, da sua audição sobre os relatórios efetuados nos procedimentos de inspeção tributária à sua concreta atividade, a possibilidade de apreensão dos fundamentos do ato aumenta e, consequentemente, diminui a exigência da espessura da sua declaração formal.
A jurisprudência administrativa e fiscal já amplamente firmada, que nos dispensamos de citar, dado ser imensa, tem traduzido esta ideia na afirmação de que o ato se considera suficientemente fundamentado quando permite dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela administração para decidir nos termos que decidiu».
Por quanto fica dito, considera o Tribunal Arbitral que não se verifica qualquer violação dos normativos que impõem a fundamentação dos atos praticados pela AT, concretamente, que foram respeitados os comandos contidos quer no artigo 77º da LGT, quer no artigo 268º, n.º 3 da Constituição da República.
Da questão central: aplicação da presunção do art.º 6º, n.º 4, do CIRS
No que concerne à questão central – da aplicação da presunção contida no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, bem como a de saber se a mesma foi afetada pela existência de um alegado contrato de mútuo – há que atentar, antes do mais, no teor do referido dispositivo normativo: Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a títulos de lucros ou adiantamentos dos lucros.
No caso presente, o único meio invocado pela Requerente no sentido da não aplicação da presunção foi alegar que os lançamentos em contas dos seus sócios derivavam de um contrato de mútuo (não estando, pois, em causa prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais).
Por seu turno, o n.º5 do mesmo artigo dispõe sobre o modo como pode ser ilidida a referida presunção: com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal, reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos [hoje Autoridade Tributária e Aduaneira].
Não tendo sido ilidida a presunção por qualquer das vias indicadas, resta verificar se o sujeito passivo provou a existência do alegado mútuo, sem ter sido fornecida pela própria Requerente qualquer explicação para o alegado desaparecimento de um documento tão importante como seria o original de um contrato de mútuo, tendo-se limitado a declarar, sem mais, que o mesmo se extraviou.
Com efeito, não só não foi apresentado fisicamente o contrato cuja existência a Requerente alegava – aos inspetores foi apenas enviado por correio eletrónico e tardiamente uma alegada cópia - mas também foi declarado extraviado, em audiência, não tendo o depoimento de parte, aceite nos termos do artigo 16.º alínea c) do Decreto-Lei nº. 10/2011, de 20 de Janeiro, logrado convencer o Tribunal da existência do contrato.
Acrescem, no sentido da inexistência de qualquer contrato de mútuo, os factos verificados no decorrer da inspeção que Tribunal considerou provados, a relembrar: (1) inexistência de deliberação social por inexistência de qualquer ata relativa aos mútuos; (2) a ausência de menção do caracter retificativo dos lançamentos efetuados;(3) a não declaração pelo sócio gerente da Requerente e pelo seu técnico de contas, aquando da inspeção, da respetiva existência.
Aliás, há a acrescentar que da análise do texto transmitido como sendo o do contrato de mútuo, resultam diversas omissões e incongruências que inviabilizam que o mesmo se possa considerar um verdadeiro contrato de mútuo suscetível de fazer afastar a aplicação da presunção do n.º 4 do art.º 6º do CIRS. Com efeito: (1) não foi invocada a qualidade de gerente pelo signatário, tal como é exigido pelo artigo 260.º nº.4 do Código das Sociedades Comerciais; (2) não se procedeu ao reconhecimento da assinatura; (3) não teve lugar o pagamento do imposto do selo, aquando da formalização do contrato; (4) o contrato, a ter sido celebrado, deveria tê-lo sido por escritura pública (artigo 143.º do Código Civil), forma que constitui um requisito ad substantiam e, por isso, à sua inobservância tem de aplicar-se a regra geral do artigo 364.º do mesmo Código, com a consequência de a falta importar a invalidade do contrato, conforme dispõe o artigo 219.º
Acresce, finalmente, um aspeto factual que põe em causa a pretensa data do alegado contrato de mútuo de 1 de Fevereiro de 2002. Nesta data o Código Postal indicado não existia, sendo apenas atribuído pelos CTT em 8 de Agosto de 2002 para a morada indicada. Por estas razões não é possível invocar o artigo 75.º da Lei Geral Tributária no sentido da autenticidade do documento, acrescendo ainda que o mesmo não consta da documentação da sociedade, nem da escrita, nem da contabilidade.
Tudo visto, há que concluir pela inexistência de um contrato de mútuo celebrado entre a Requerente e o seu sócio gerente, o que significa que aos lançamentos feitos por aquela nas contas correntes dos seus sócios terá de aplicar-se a presunção do já identificado n.º 4 do art.º 6º do CIRS. Daí as importâncias em causa serem tributáveis em IRS, em virtude dos artigos 5.º nº. 1 e 2 alínea h) e 6.º nº. 4, e objeto de retenção na fonte, nos termos dos artigos 71.º n.º 1 alínea c) e 98.º do mesmo Código e, atento o disposto no artigo 7.º nº. 3 alínea a) s/n.º 2 do mesmo Código - que, no aspeto temporal do pressuposto objetivo, estabelece a colocação à disposição como momento relevante para a sujeição a tributação - as datas para a tributação, no caso sub judice, são as datas em que foram feitos os lançamentos dos quantitativos nas contas do sócio gerente, e com as taxas então vigentes.
É esta a jurisprudência firmada no contencioso tributário, citando-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25-11-2008, emitido no Proc. 02544/08 CT e, mais recentemente, do mesmo Tribunal, o Acórdão de 11-01-2011, segundo os quais Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (n.º 4, in fine, do art.º 7º do CIRS).
No mesmo sentido, encontra-se o Acórdão de 15-07-2008 do Tribunal Central Administrativo Sul, (Proc. n.º 02371/08 CT), do qual resulta que a presunção legal contemplada no n.º 4 do art.º 6º do CIRS só opera a favor da AT quando esta constata que as contas correntes dos sócios contêm lançamentos contabilísticos de montantes a favor destes e os sócios não demonstrem que se trata de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais. Ora, é este precisamente o caso dos autos.
O Tribunal considera também que não se verifica qualquer violação dos princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade, pois para além de a Requerente não ter concretizado em que consistiriam as alegadas violações, está demonstrado, com base nos factos provados, que da contabilidade e da escrituração da Requerente não constava até 2010 qualquer referência à existência de um empréstimo.
Além disso, a contabilidade da Requerente revelava, em 2010 e em 2011, lançamentos nas contas correntes dos sócios que não resultaram de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais.
Quanto ao pedido subsidiário
O Tribunal Arbitral considera ainda que improcede o pedido subsidiário, por estar provado que só em 2010 e 2011 foram feitos lançamentos nas contas dos respetivos sócios. Daí que não possa afirmar-se, como se diz no item 109 do r.i., que a Requerente «logrou demonstrar que os montantes em causa já se vêm acumulando desde 2002», sem que se efetue a correspondente comprovação.
Conforme resulta da matéria de facto provada, contrariamente ao que se verificou relativamente a 2010 e 2011, não existem quaisquer documentos internos ou externos relativos a quaisquer alegados movimentos semelhantes em anos anteriores, designadamente em 2008 ou em 2009 (anos também inspecionados). Até Dezembro de 2010, a contabilidade da Requerente nunca refletiu a existência de qualquer “empréstimo” aos sócios.
A argumentação da Requerente é quanto a este aspeto improcedente. A Requerente limita-se a remeter para um quadro onde constam os saldos acumulados da conta caixa ao longo dos anos. Estão aí em causa os valores em saldo de caixa evidenciados na contabilidade até 2010, que a AT não discute.
A conclusão que tem de retirar-se desse quadro é, aliás, inversa à expressa pela Requerente no r.i. É precisamente por tais valores se irem aí incrementando e acumulando que, como decorre da contabilidade da Requerente, não foram sendo distribuídos.
A prova aqui pretendida pela Requerente somente poderia resultar da demonstração de movimentos financeiros a refletir entregas aos sócios antes de 2010 (que, vimos atrás, não estão espelhadas na contabilidade), relacionando a sua origem e destino, momento e montante.
Atente-se, para tanto, nos quadros 27, 28 e 29 do Relatório de Inspeção.
VII - DECISÃO
Termos em que, acordam neste Tribunal Arbitral em:
Julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2010 e 2011 à Requerente, nos valores, respetivamente, de € 131.338,49 e € 10.751,92, referentes aos lucros ou adiantamentos distribuídos aos sócios e também o pedido subsidiário.
Valor do processo:
De harmonia com o disposto no art.º 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 142.090,41.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 14 de Junho de 2013
Os Árbitros