Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 101/2015-T
Data da decisão: 2016-05-02  Selo  
Valor do pedido: € 15.189,40
Tema: IS – verba 28 TGIS
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 101/2015-T

Tema: Imposto do Selo - Verba 28 TGIS; prédio urbano em propriedade total

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

Requerente: A…, S.A. (doravante “Requerente”)

Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e “Requerida”)

 

1.      Relatório

 

A…, S.A., com o número de identificação fiscal nº …, com sede em Av. …, … – …, …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de constituição e de pronúncia arbitral com vista à anulação dos actos tributários de liquidação da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) do ano de 2013 (1ª e 2ª prestações), relativas ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Avenidas Novas.

A Requerente fundamenta a ilegalidade das liquidações e consequente anulação dos actos tributários, assente nos seguintes vícios:

- Errónea interpretação do conceito de “prédio” para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo e designadamente do disposto na Verba 28.1. da TGIS;

- Inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e da capacidade tributária;

Peticionando pela anulação dos atos tributários, consequente reembolso das quantias pagas atinentes aos atos tributários objeto dos presentes autos e bem assim peticionando na condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defendeu pela improcedência da argumentação e pedidos aduzidos, porquanto:

 - A verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo incide sobre os prédios urbanos com afectação habitacional;

- O valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente;

- A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente;

- Outra interpretação viola o princípio da legalidade inscrito no art. 103º, nº 2, da C.R.P.;

- O princípio da igualdade tributária proíbe apenas as discriminações arbitrárias ou não justificadas, mas não as discriminações eventualmente justificadas pelo carácter mais evoluído dos institutos ou pela coerência do sistema fiscal;

- O acto tributário em causa não violou, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantido.

 

O árbitro único foi designado e nomeado em 13.04.2015.

 

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28.04.2015.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa atos de liquidação de um mesmo imposto (do Selo), assentes na mesma base factual e aplicando as mesmas regras de direito, encontra-se plenamente justificada face ao princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT.

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, o pedido é tempestivo, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Avenidas Novas, sob o artigo …, sito em Av. …, n.º …, concelho de Lisboa;

2.      O identificado prédio urbano encontra-se em regime de propriedade total/vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, conforme caderneta predial junta aos autos;

3.      Relativamente ao artigo urbano supra identificado e mais concretamente relativamente a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, a Requerida AT emitiu as notas de cobrança de Imposto de Selo, relativas à verba 28.1. da TGIS, dos anos de 2013 e de 2014

4.      O artigo … já identificado é composto por 10 andares ou divisões de utilização independente e de afectação habitacional, com os seguintes VPT’s:

- 1º DT - € 151.600,00;

- 1º ES - € 151.600,00;

- 2º DT - € 151.600,00;

- 2º ES - € 151.600,00;

- 3º DT - € 151.600,00;

- 3º ES - € 151.600,00;

- 4º DT - € 151.600,00;

- 4º ES - € 151.600,00;

- 5º DT - € 153.070,00;

- 5º ES - € 153.070,00;

  1. O valor patrimonial tributário do artigo predial urbano … da freguesia Avenidas Novas, concelho de Lisboa, penas atinge ou supera o montante de € 1.000.000,00, quando somados os VPT’s relativos aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e com afectação habitacional que compõem este mesmo artigo matricial;
  2. Nenhum andar ou divisão susceptível de utilização independente com afectação habitacional do artigo … tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 de euros;
  3. As notas de cobrança de Imposto do Selo relativas 2013 e 2014 foram notificadas à Requerente;
  4. A Requerente pagou a dos montantes constantes das notas de cobrança relativas a 2013 e bem assim as relativas ao Imposto do Selo de 2014;
  5. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, sobre os atos tributários relativos a 2013.
  6. Reclamação Graciosa essa, que foi objeto de decisão de indeferimento através do ofício n.º …, datada de 14.11.2014.
  7. Em 16.02.2015 a ora Requerente apresentou, via plataforma informática, o pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite no dia 18.02.2015;
  8. A Requerente procedeu em 16.02.2015 ao pagamento da taxa de justiça inicial;
  9. Em 13 de Julho de 2015, a Requerente requereu a estes autos ampliação de pedido, no sentido de incluir no objeto destes autos as notas de cobrança relativas à 3ª prestação de 2013 e bem assim as referentes a 2014, já melhor identificadas, em sede de Imposto do Selo, Verba 28.1. da TGIS.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como na aceitação das partes quanto à matéria de facto trazida para estes autos.

 

4. Matéria de direito:

4.1. Questões a decidir

O pedido de pronúncia arbitral tem assim por objecto, desde logo, a ampliação do pedido requerida, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2013 e 2014, por errónea interpretação do conceito de “prédio” em matéria de Imposto do Selo consubstanciado nas notas de cobrança já supra identificadas, bem como a apreciação da aventada violação do princípio da igualdade e da capacidade tributária.

Adicionalmente a Requerente peticiona o reembolso do imposto pago por alegadamente indevido e o pagamento de juros indemnizatórios.

Face ao sobredito, atento o disposto no artigo 124º do CPPT, aplicável por força da al. a) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT, importa conhecer dos vícios que vêm apontados aos atos tributários de IS objeto destes autos arbitrais, atento tal critério.   

Assim, em primeiro lugar cumpre ao Tribunal decidir sobre a ampliação do pedido.

Em segundo, as questões de fundo ou substantivas que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

4.2. Da ampliação do Pedido:

A Requerente apresentou um pedido de pronúncia arbitral no CAAD, impugnando as liquidações de IS da verba 28 e 28.1 do CIS que a AT levou a efeito, quanto às 1ªs e 2ªs prestações do ano de 2013 e ainda relativamente às liquidações de 2014, relativamente ao prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

Na pendência deste processo, tendo sido a Requerente notificada das liquidações de IS sobre o mesmo prédio e ano, mas relativamente à 3ª prestação ano de 2013 e ainda quanto a 2014 (1ª, 2ª e 3ªs prestações), requereu a Requerente a ampliação do pedido, no sentido da inclusão destes atos tributários.

Notificada que foi a AT em para se pronunciar, querendo, a mesma não exerceu essa faculdade.

Nos termos do artigo 265º, n.º2 do CPC, aplicável por força do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

Afigura-se-nos que se verificam os pressupostos legais da ampliação do pedido, mormente os da parte final do n.º 2 do artigo 265º do CPC pelo que, na procedência do alegado pelas Requerentes, admite-se a ampliação do pedido inicial de € 10.126,30, alterando-se o valor do processo para € 30.378,80, passando assim a também incluir os atos tributários consubstanciados nas notas de cobrança relativas à 3ª prestação do Imposto do Selo de 2013 e bem assim as referentes a 2014.

 

4.3. Da alegada ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo, verba 28.1. da TGIS:

Em síntese, está em causa perscrutar se a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira de utilizar, enquanto critério legal para efeitos de sujeição à Verba 28.1. da TGIS, a soma dos VPT’s de todos os andares ou divisões de utilização independente com afectação habitacional relativa a um mesmo artigo matricial consentâneo com o quadro legal aplicável.

A este respeito importa levar em consideração que o acto tributário em causa ocorreu na vigência da redacção conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, pelo que a actual redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) apenas é aplicável ao Imposto do Selo relativo a 2014, uma vez que só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014.

E é sem perder de vista o entorno legislativo desta inovação ao nível da tributação em sede de Imposto do Selo que também deverá ser apreciada a questão relativa à valoração da amplitude da norma de incidência constante do artigo 28.1. da TGIS.

Vejamos assim e antes de mais, o enquadramento legal da liquidação de Imposto de Selo em apreço:

 

a)      Imposto do Selo de 2013:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28.1. à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redacção:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);”

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

O normativo de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito-base de prédio radica do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT ao teor do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Sendo que, nos termos daquele versado preceito legal:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” (grifados nossos)

 

Sendo que o artigo 6º do CIMI esclarece que:

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a)      Habitacionais;

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”( grifados nossos )

 

O conceito do legislador relativamente a prédios e à subsequente divisão em urbanos é, para efeitos fiscais, indubitavelmente um critério assente no valor económico e autonomia funcional em razão da finalidade.

Ou seja, está-se perante um conceito de raiz material ou substantivo e não perante um conceito de recorte jurídico-formalístico, como parece pretender a Requerida AT.

Ora, no caso dos autos a Requerida AT não coloca sequer em crise que os andares ou divisões com utilização independente e com afectação habitacional referentes aos artigos matriciais não revistam essas mesmas características (autonomia funcional e valor económico) relevadas pelo legislador, nem o poderia fazer porquanto é a própria AT que deu por correctas e fez inscrever essa mesma informação nas respectivas cadernetas prediais dos artigos matriciais a que os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente respeitam.

Acrescendo que, justamente por tais andares ou divisões revestirem tais características de autonomia, quer em termos funcionais, quer em termos de valor económico, se compreende que o legislador tenha previsto a atribuição de valores patrimoniais tributários por cada um desses andares, áreas ou divisões susceptíveis de utilização independente.

O que contraria a tese da AT segundo a qual não constando expressamente do n.º 4 do artigo 2º do CIMI os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o legislador havia pretendido afastar tal figura do conceito de prédio.

Destarte, sendo indiscutível a afectação habitacional e bem assim a autonomia funcional e valor económico, de resto fiscalmente traduzido no VPT dessas mesmas áreas ou divisões independentes, características essas que se encontram transpostas para as respectivas cadernetas prediais do artigo matricial sob a designação de andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não podemos deixar de concluir que no plano material e substantivo esses mesmos andares ou divisões se encontram abrangidos pela noção de prédio constante do n.º 1 artigo 2º do CIMI e de prédio urbano constante da a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6º, ambos do CIMI.

A introdução na ordem jurídica tributária da presente Verba 28.1 da TGIS teve por factor relevante e determinante a incidência sobre prédios urbanos com afectação habitacional, de elevado valor, também usualmente designados por habitações de luxo, mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir Imposto de Selo.

Pretendeu assim o legislador introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre todo e qualquer prédio urbano com afectação habitacional, tendo o critério legislativo feito aplicar tal imposto de selo sobre os prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Tal conclusão pode retirar-se da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Desta forma, parece claro que o legislador entendeu que casas revestindo determinadas características aferidas quantitativamente através do VPT devem determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

Mas não menos evidente, traduz uma linha de opção legislativa que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos com afectação habitacional de segmento elevado, prémio ou também vulgarmente ditos de luxo.

Note-se que, independentemente das concepções mais ou menos subjectivas sobre o conceito de habitações de luxo, de segmento elevado ou expressões de significado equivalente, é certo que o valor patrimonial tributário é, desde a reforma da tributação sobre o património de 2003, mensurada com base em elementos objectivos, como sejam a área, a localização, o nível de conforto, entre outros.

O que significa afirmar que e independentemente das considerações ideológicas que sobre tal opção política se possam efectuar, o legislador teve um objectivo concreto e definido: sujeitar a tributação em Imposto de Selo os prédios urbanos com afectação habitacional de mais elevado valor, o que na prática se traduziu na fixação de um patamar mensurável através do VPT: valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

Acrescendo que assegurou o legislador através de vários coeficientes (minorativos e majorativos) a objectividade no apuro desse mesmo VPT. 

Ora, nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente aqui em apreço e sobre o qual recaíram as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, atingem, individualmente, o valor de € 1.000.000,00, sendo que cada um desses andares ou divisões independentes representa no ordenamento fiscal um prédio urbano de per se, razão pela qual incorreu a AT em erro sobre os pressupostos ao fazer sujeitar à verba 28.1. da TGIS ao desconsiderar que cada uma dessas mesmas áreas ou divisões representa nos termos do Código do IMI e consequentemente em sede de Imposto de Selo, um prédio urbano, razão pela qual não poderiam essas áreas ou divisões relativa a um mesmo artigo matricial ser objecto de soma para cálculo do VPT desse artigo matricial.

O que o mesmo significa afirmar que tendo em consideração a ratio legis vinda de enunciar, os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente não cumprem o pressuposto atinente à tributação no domínio da norma de incidência prevista na verba 28.1. da TGIS, razão pela qual, também em face do vindo de expor, não pode deixar de se concluir pela desconformidade legal da interpretação da AT de sujeitar à Verba 28.1. da TGIS os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, porquanto os mesmos não atingem individualmente o critério quantitativo mínimo para tal sujeição.

Assim, relativamente às notas de cobrança emitidas e notificadas à Requerente e respectivas liquidações que lhe subjazem, não pode deixar de se fazer recair um juízo de censura e de, consequente, se determinar a anulação dos actos tributários objecto dos presentes dos autos.

 

b)     Imposto do Selo de 2014:

A Verba 28.1. da TGIS foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

Posteriormente, o legislador veio a alterar a redação normativa inicial dada pela lei supra, por via do artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) o qual é aqui aplicável aos atos tributários, uma vez que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014, ano a que respeitam os tributos ora arbitralmente sindicados.

Vejamos assim e antes de mais, o enquadramento legal das liquidações de Imposto do Selo em apreço:

Dispõe a Verba 28.1. da TGIS na redação conferida pelo último diploma legislativo vindo de versar, o seguinte:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI  – 1 %”

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

O normativo de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito-base de prédio radica do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT ao teor do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Sendo que, nos termos daquele versado preceito legal:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” (grifados nossos)

 

Esclarecendo, por sua vez, o artigo 6º do CIMI, que:

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a)      Habitacionais;

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”( grifados nossos )

O conceito do legislador relativamente a prédios e à subsequente divisão em urbanos é, para efeitos fiscais, indubitavelmente um critério assente no valor económico e autonomia funcional em razão da finalidade.

Ou seja, está-se perante um conceito de raiz material ou substantivo e não perante um conceito de recorte jurídico-formalístico, como parece pretender a Requerida AT.

Ora, no caso dos autos a Requerida AT não coloca sequer em crise que os andares ou divisões com utilização independente e com afectação habitacional referente ao artigo matricial não revistam essas mesmas características (autonomia funcional e valor económico) relevadas pelo legislador, nem o poderia fazer porquanto é a própria AT que deu por correctas e fez inscrever essa mesma informação nas respetiva caderneta predial do artigo matricial a que os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente respeitam.

Acrescendo que, justamente por tais andares ou divisões revestirem tais características de autonomia, quer em termos funcionais, quer em termos de valor económico, se compreende que o legislador tenha previsto a atribuição de valores patrimoniais tributários por cada um desses andares, áreas ou divisões susceptíveis de utilização independente.

 

O que contraria a tese da AT segundo a qual não constando expressamente do n.º 4 do artigo 2º do CIMI os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o legislador havia pretendido afastar tal figura do conceito de prédio.

Destarte, não colocando a Requerida sequer em crise que se esteja perante prédio habitacional e não se questionando igualmente a autonomia funcional e valor económico dessas mesmas áreas ou divisões independentes, de resto fiscalmente traduzido nos respetivos VPT’s e cujas características essas se encontram transpostas para as respectivas cadernetas prediais do artigo matricial sob a designação de andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não podemos deixar de concluir que no plano material e substantivo esses mesmos andares ou divisões se encontram abrangidos pela noção de prédio constante do n.º 1 artigo 2º do CIMI e de prédio urbano constante da a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6º, ambos do CIMI.

A introdução na ordem jurídica tributária da presente Verba 28.1 da TGIS teve por factor relevante e determinante a incidência sobre prédios urbanos habitacionais, de elevado valor, também usualmente designados por habitações de luxo, mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir Imposto do Selo.

Pretendeu assim o legislador introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre todo e qualquer prédio urbano habitacional, tendo o critério legislativo feito aplicar tal imposto de selo sobre os prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Tal conclusão pode retirar-se da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

 

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Desta forma, parece claro que o legislador entendeu que casas revestindo determinadas características aferidas quantitativamente através do VPT devem determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

Mas não menos evidente, traduz uma linha de opção legislativa que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos habitacionais de segmento elevado, prémio ou também vulgarmente ditos de luxo.

Note-se que, independentemente das concepções mais ou menos subjectivas sobre o conceito de habitações de luxo, de segmento elevado ou expressões de significado equivalente, é certo que o valor patrimonial tributário é, desde a reforma da tributação sobre o património de 2003, mensurada com base em elementos objectivos, como sejam a área, a localização, o nível de conforto, entre outros.

O que significa afirmar que e independentemente das considerações ideológicas que sobre tal opção política se possam efectuar, o legislador teve um objectivo concreto e definido: sujeitar a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor, o que na prática se traduziu na fixação de um patamar mensurável através do VPT: valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

Acrescendo que assegurou o legislador através de vários coeficientes (minorativos e majorativos) a objectividade no apuro desse mesmo VPT. 

Ora, nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente aqui em apreço e sobre o qual recaíram as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, atingem, individualmente, o valor de € 1.000.000,00, sendo que cada um desses andares ou divisões independentes representa no ordenamento fiscal um prédio urbano de per se, razão pela qual incorreu a AT em erro sobre os pressupostos ao fazer sujeitar à verba 28.1. da TGIS ao desconsiderar que cada uma dessas mesmas áreas ou divisões representa nos termos do Código do IMI e consequentemente em sede de Imposto do Selo, um prédio urbano.

Razão pela qual não poderiam essas áreas ou divisões relativa a um mesmo artigo matricial ser objeto de soma para cálculo do VPT desse artigo matricial.

O que o mesmo significa afirmar que tendo em consideração a ratio legis vinda de enunciar, os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente não cumprem o pressuposto atinente à tributação no domínio da norma de incidência prevista na verba 28.1. da TGIS, razão pela qual, também em face do vindo de expor, não pode deixar de se concluir pela desconformidade legal da interpretação da AT em sujeitar à Verba 28.1. da TGIS os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, porquanto os mesmos não atingem individualmente o critério quantitativo mínimo para tal sujeição.

 

4.4. Questões prejudicadas: inconstitucionalidade invocada

Como o tribunal arbitral singular acolheu o entendimento da inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, fica prejudicada por processualmente inútil a apreciação dos restantes vícios aduzidos e de que possam enfermar as contestadas liquidações.

Fica assim prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade da norma introduzida no TGIS (verba 28/28.1) pela Lei nº 55-A/2012, de 28 de Outubro.

 

4.5. Do reembolso à Requerente do Imposto de Selo pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios:

Em face de tudo o quanto supra se expendeu e concluiu no ponto 4.3. juízo de ilegalidade que recaiu sobre os actos tributários objecto da presente pronúncia arbitral, impõe-se efectuar a reconstituição da situação tributária da Requerente, razão pela qual não pode a Requerida AT deixar de efectuar o estorno dos valores pagos pela Requerente quer voluntariamente, quer em sede de processo executivo fiscal, incluindo, pelo exposto, a restituição do Imposto do Selo pago, mas como igualmente os montantes relativos aos juros e demais acrescidos que se tenham sido coercivamente cobrados para tal desiderato.

Igualmente, importa atentar e apreciar o pedido também formulado pela Requerente no sentido de lhe serem pagos juros indemnizatórios.

Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Dispõe ainda o n.º 2 daquele artigo da LGT que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

Ora, no caso concreto, fica inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, já que as liquidações subjudice se mostram enfermadas de ilegalidade, consubstanciando a emissão dos actos tributários um erro imputável aos serviços, pelo que não poderão deixar de se considerar devidos juros indemnizatórios desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.

É, por isso, a Requerente credora da Requerida AT do montante correspondente ao Imposto do Selo indevidamente pago, a que acrescem os juros de mora e demais encargos que tenham sido pagos nos processos de execução fiscal relativos aos atos tributários objeto destes autos, bem como assim são devidos à Requerente, sobre a soma de tais versadas rubricas, os respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação em sede de Imposto do Selo relativos a 2013 e 2014, referentes ao prédio identificado pelo artigo matricial urbano constante em 1., por vício de violação de lei quanto à norma constante na verba 28.1. da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito e consequente reembolso pela Requerida dos montantes pela Requerente efetivamente pagos relativamente aos actos tributários que pela presente decisão se anulam;
  2. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida à Requerente desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, em conformidade com o estatuído no artigo 43º da LGT e no artigo 61º do Código do Procedimento e do Processo Tributário;

 

Valor da causa: € 30.378,80 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedidoa cargo da Requerida - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.

 

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, 2 de Maio de 2016.

 

O árbitro singular

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)       

 

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.