DECISÃO ARBITRAL
I. - RELATÓRIO
A - PARTES
A…, com o n.º de identificação fiscal…, doravante designado por “Requerente”, com residência em… , … …-… - …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que o opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos) a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.
B - PEDIDO
1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 13 de Julho de 2015 e notificado à AT em 16 de Julho de 2015.
2 - O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 28-08-2015, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
3 - As Partes foram, em 28-08-2015, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 14-09-2015.
5 - No dia 03 de Março de 2016, o Tribunal Arbitral, ao abrigo do art.º 16.º, alínea c) do RJAT, proferiu despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo em conta, quer a circunstância do objecto do litígio respeitar fundamentalmente a matéria de direito, quer o entendimento que, a este propósito, se estabeleceu entre as partes, não tendo as mesmas requerido quaisquer diligências de prova autónomas, constando do processo os documentos pertinentes e mostrando-se junto aos autos o processo administrativo.
6 - O ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:
a) - Declare a ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação relativos ao imposto único de circulação (de ora em diante designado por IUC), referenciados nos autos, referentes aos anos de 2009 a 2012, relativamente ao veículo com a matrícula …-…-… .
b) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso do montante de € 1.023,12, indevidamente pago, acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios, que lhe estão associados.
c) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira a título de indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento do IUC.
C - CAUSA DE PEDIR
7 - O Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
8 - Que tendo, entre meados de Agosto e meados de Setembro de 2014, sido citado em quatro processos de execução fiscal, solicitou junto do Serviço de Finanças de…, certidão sobre a identificação da viatura em questão, sobre as cópias das liquidações do imposto subjacentes aos ditos processos, e sobre os fundamentos dessas liquidações.
9 - Que, em 29 de Setembro de 2014, o referido Serviço de Finanças, emitiu certidão na qual certifica que os processos de execução em causa com os n.ºs …2014…; …2014…; …2014… e …2014… foram instaurados por falta de pagamento do IUC referente aos anos de 2009 a 2012, relativamente ao veículo com a matrícula …-…-… .
10 - Que, embora convencido de que os montantes de imposto liquidado não são devidos, procedeu ao seu pagamento, com vista a evitar o agravamento de juros e de custas em sede dos referidos processos de execução.
11 - Que foi proprietário do veículo com a matrícula …-…-…, mas que, em 10 de Dezembro de 1992, procedeu à sua venda ao Sr. B…, pelo preço de 100.000$00 (aproximadamente € 498,80), conforme consta da cópia do recibo/declaração de venda que junta como Doc. n.º 10.
12 - Que não é proprietário da referida viatura desde 10/12/1992, não lhe cabendo, desde essa data, quaisquer responsabilidades tributárias relativas à dita viatura, dado que não é, nem pode ser considerado sujeito passivo do IUC.
13 - Que nunca foi notificado para efectuar qualquer pagamento, ou sequer teve conhecimento de eventuais liquidações relativamente ao veículo …-…-…, até ao momento em que foi citado nos processos de execução atrás mencionados.
14 - Que, em 1 de Outubro de 2014, apresentou Reclamação Graciosa contra as liquidações de IUC n.ºs…;…; … e … relativas ao veículo com a matrícula …-…-…, na qual foram aduzidos os argumentos que, relativos à venda do referido veículo, agora indica no pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo.
15 - Que a referida Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de…, proferido em 14-10-2014, que lhe foi notificado em 23-10-2014, com o fundamento de que os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo do direito de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel, independentemente da efectiva alienação do veículo automóvel.
16 - Que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção de propriedade que, face ao disposto no art.º 73.º da LGT, admite sempre prova em contrário, a qual, face à venda, em 10-12-1992, do veículo em causa e no quadro da Reclamação Graciosa apresentada em 01-10-2014, foi ilidida.
17 - Que, relativamente à liquidação n.º…, referente ao ano de 2009, relativa ao mencionado veículo de matrícula …-…-…, o prazo que a AT dispunha para liquidar o IUC iniciou-se em 01-01-2010 e terminou em 01-01-2014, tendo-se verificado a caducidade de liquidação do imposto em questão, em violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 45.º da LGT, dado que a correspondente notificação só ocorreu em 29-09-2014.
18 - Que o registo dos veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à sua situação jurídica, não afectando a sua ausência a aquisição da qualidade de proprietário, nem é condição de validade dos contratos.
19 - Que o legislador, ao substituir, no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, a expressão presumindo-se como tais, pela expressão considerando-se como tais, coloca-nos perante uma questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da referida norma.
20 - Que, em 17 de Outubro de 2014, apresentou Recurso Hierárquico, o qual foi objecto de indeferimento, com o fundamento de que são sujeitos passivos do IUC os proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados.
21 - Que, como resulta, particularmente, do despacho de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico que apresentou, a AT excluiu a possibilidade de audição prévia, o que não poderia ter acontecido, dado que tal dispensa apenas está prevista no caso em que a decisão do pedido, reclamação ou recurso seja favorável ao contribuinte.
D - RESPOSTA DA REQUERIDA
22 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta, em 05-11-2015.
23 - Na referida Resposta, a AT entende que as razões de facto e de direito invocadas pela Requerente não podem proceder, porquanto e desde logo:
24 - A preterição de formalidade essencial, associada à omissão do direito de audição prévia relacionada com a decisão do recurso hierárquico apresentado pela Requerente, não se verifica, na medida em que tal direito de audição fora exercido no quadro do procedimento da reclamação graciosa anteriormente apresentada, não se acrescentado quaisquer factos novos no mencionado recurso hierárquico.
25 - O vício de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa invocado pela Requerente não se verifica, dado que o IUC referente ao ano de 2009 e respeitante ao veículo com a matrícula …-…-… foi liquidado em 2012 e notificado dentro do prazo legalmente previsto para o efeito.
26 - As alegações da Requerente fazem uma interpretação notoriamente errada das normas legais aplicáveis ao caso, mostrando o entendimento da Requerente, não só uma leitura enviesada da letra da lei, mas também uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. (Cfr. art.º 65.º da Resposta)
27 - O legislador tributário ao determinar no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu, expressa e intencionalmente, que tais sujeitos são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
28 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 70.º da Resposta)
29 - Considera que o entendimento de que o legislador consagrou uma presunção no art.º 3.º do CIUC, como entende a Requerente, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem. (Cfr. art.º 79.º da Resposta)
30 - Entende que face à redacção do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que para efeitos do IUC, sejam considerados proprietários aqueles que, como tal, constem do registo.
31 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº 210/13.OBEPNF. (Cfr. art.ºs 82.º e 83.º da Resposta)
32 - Referindo-se ao elemento sistemático de interpretação, a AT considera que a solução propugnada pelo Requerente é intolerável, na medida em que não tem qualquer apoio legal, nem no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, nem noutras nomas consagradas no referido Código.
33 - Considera, igualmente, que à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente, no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efetivo independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo, tal como consta do registo automóvel. (Cfr. art.º 100.º da Resposta)
34 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (Cfr. art.º 101.º da Resposta)
35 - Considera também que a interpretação veiculada pela Requerente mostra-se desconforme com a Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade. (Cfr. art.ºs 151.º, 152.º e 153.º da Resposta)
36 - Acrescenta que o documento junto pela Requerente (cópia de factura/recibo) não constitui prova suficiente para “abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no art.º 3.º do CIUC”, na medida em que tal documento não é apto a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda. (Cfr. art.ºs 113.º, 114.º e 116.º da Resposta)
37 - Refere, ainda, não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada no pagamento das custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, referindo, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que conferem o direito a juros compensatórios.
38 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação exposta, o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido, referindo também que o tribunal deve julgar procedente a excepção do erro na forma do processo quanto à caducidade de liquidação do IUC, referente ao ano de 2009.
E - QUESTÕES DECIDENDAS
39 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.
40 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as de saber:
a) - Se o tribunal é materialmente competente para apreciar o pedido de indemnização dos prejuízos resultantes do pagamento indevido do imposto.
b) - Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.
c) - Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.
d) - Se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado, embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.
e) - Se relativamente à liquidação n.º …, referente ao ano de 2009, relativa ao veículo de matrícula …-…-…, se verificou a caducidade do direito de liquidação do IUC.
f) - Se ocorreu preterição de formalidade essencial, no quadro do despacho de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico apresentado pelo Requerente.
F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
41 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
42 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
43 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.
44 - Tendo em conta, quer o processo administrativo tributário, quer a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados, importando, porém, antes de mais, conhecer da competência do tribunal, relativamente ao pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento indevido do imposto.
G - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS RESULTANTES DO PAGAMENTO INDEVIDO DO IMPOSTO
45 - Tendo em conta o disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea c), do RJAT, deverá, a referida questão da competência, ser conhecida em primeiro lugar, uma vez que, face ao disposto na aludida norma do CPTA, o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
46 - A Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, para além da anulação dos actos de liquidação relativos ao IUC, referente aos anos de 2009 a 2012 e do pedido de restituição do correspondente montante de € 1.023,61, requereu outrossim o pagamento de uma indemnização associada aos prejuízos resultantes do pagamento indevido do imposto, cujo montante não vem, aliás, concretamente identificado.
47 - É sabido que a relação jurídico-tributária, como, nomeadamente, decorre do disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 1.º da LGT e do art.º 30.º deste mesmo diploma, implica, para além dos sujeitos activo e passivo, dessa relação, que o seu objecto respeite à liquidação e cobrança dos tributos ou à resolução dos conflitos daí decorrentes.
48 - O âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários comporta, justamente, as pretensões que se inscrevem na aludida relação jurídico-tributária. Estabelece, com efeito, o nº 1 do art.º 2.º do RJAT, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que a competência dos referidos tribunais compreende: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, o que evidencia a ausência de competência dos tribunais tributários para efeitos de apreciação de pedidos de indemnização.
49 - O que a lei manifestamente privilegiou, relativamente às competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária, foi o julgamento de causas que nos tribunais administrativos e fiscais revestem a forma processual de impugnação judicial, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 101.º da LGT e nas alíneas a) a f) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, cabendo notar que, mesmo neste domínio, há limitações, como resulta, designadamente, do disposto no n.º 2 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
50 - Assim, o pedido deduzido pelo Requerente a título de indemnização pelos prejuízos que lhe foram causados pelo pagamento indevido do imposto não se inscreve na competência, ratione materiae, deste tribunal arbitral, sendo tal pedido, assim, improcedente.
II - FUNDAMENTAÇÃO
H - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
51 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
52 - O Requerente, entre meados de Agosto e meados de Setembro de 2014, foi citado em quatro processos de execução fiscal, tendo solicitado junto de Serviço de Finanças de…, certidão sobre a identificação da viatura em questão, sobre as cópias das liquidações do imposto subjacentes aos ditos processos e sobre os fundamentos dessas liquidações.
53 - O referido Serviço de Finanças, emitiu, em 29 de Setembro de 2014, certidão na qual certifica que os processos de execução em causa com os n.ºs…2014…; …2014…; …2014… e …2014… foram instaurados por falta de pagamento do IUC referente aos anos de 2009 a 2012, relativamente ao veículo com a matrícula …-…-… .
54 - O Requerente procedeu ao seu pagamento dos montantes de imposto liquidado, referente aos anos de 2009 a 2012, relativamente ao veículo com a matrícula …-…-… .
55 - O Requerente, em 10 de Dezembro de 1992, procedeu à venda do veículo com a matrícula …-…-… ao Sr. B…, pelo preço de 100.000$00.
56 - O Requerente, em 1 de Outubro de 2014, apresentou Reclamação Graciosa contra as liquidações de IUC n.ºs…;…; … e … relativas ao veículo com a matrícula …-…-…, na qual aduziu os argumentos que, relativos à venda do referido veículo, indica no pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo.
57 - A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho do referido Chefe do Serviço de Finanças proferido em 14-10-2014, que lhe foi notificado em 23-10-2014, com o fundamento de que os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo do direito de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel, independentemente da efectiva alienação do veículo automóvel.
58 - O Requerente, em 17 de Outubro de 2014, interpôs Recurso Hierárquico, do despacho de indeferimento da atrás mencionada Reclamação Graciosa, o qual foi objecto de indeferimento, com o fundamento de que são sujeitos passivos do IUC os proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados.
FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
59 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos mencionados, relativamente a cada um deles, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
FACTOS NÃO PROVADOS
60 - Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.
I - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
61 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 40.
62 - A primeira e decisiva questão nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.
63 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente o disposto n.º 1 do artigo 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal de propriedade que, face ao disposto no art.º 73.º da LGT, admite sempre prova em contrário.
64 - A Requerida, por seu lado, considera, designadamente, que o legislador tributário ao determinar no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu, expressa e intencionalmente, que tais sujeitos são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
J - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC
65 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal ilidível. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T e do n.º 79/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
A este propósito, deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.
Trata-se de um entendimento em que, de todo, nos louvamos e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros desenvolvimentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas Decisões e no referido Acórdão.
66 - Sendo este o entendimento que, no referente ao art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, é, de todo, perfilhado por este tribunal, importa, todavia, ainda assinalar a falta de razão que, salvo o devido respeito, assiste à Requerida, quando, nos artigos 151.º, 152.º e 153.º da sua resposta, alega que a interpretação que vai no sentido de entender estar consagrada uma presunção legal ilidível no n.º 1, do art.º 3.º do CIUC viola os princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade.
Apreciemos, então, essa questão.
Vejamos,
- Sobre o princípio da proporcionalidade cabe, antes de mais, salientar que o mesmo, na medida em que é materialmente inerente ao regime dos direitos liberdades e garantias, inscrevendo-se na sua defesa, visa, no essencial, disciplinar a actuação da Administração Pública em ordem a que a sua actividade no relacionamento com os particulares seja pautada pela escolha das medidas mais equilibradamente adequadas à prossecução do interesse público.
Como ensina o Prof. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol II, Almedina, 2002, pp. 127/128 e segs, o “princípio da proporcionalidade constitui uma manifestação constitutiva do princípio do Estado de Direito”, estando “[…] fortemente ancorada a ideia de que, num Estado de Direito democrático, as medidas dos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público”.
O princípio da proporcionalidade, acrescenta o referido Professor, ibidem, p.129, significa que “[…] a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”.
A propósito do princípio da proporcionalidade cabe, também, notar, o que nos dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ANOTADA, VOLUME I, 4.ª Edição, 2007, Coimbra Editora, pp. 392/393, quando consideram que o referido princípio é desdobrável em três subprincípios, quais sejam: “[…] a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade); c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos […]”.
Os referidos subprincípios têm, todos eles, um denominador comum, qual seja o do justo equilíbrio e permanente coerência entre as finalidades da lei e os meios adoptados para atingir tais finalidades, o que, na circunstância e tentando a transposição do dito princípio para o caso dos autos, implicará responder à questão de saber qual a interpretação adequada do n.º 1 do art.º 3.º, tendo em vista a prossecução dos fins legais previstos no art.º 1.º do CIUC, que se traduzem na oneração fiscal dos efectivos proprietários dos veículos automóveis (e não, necessariamente, dos constantes do registo) na medida do custo ambiental e viário que provoquem.
Como refere o Prof. J. J. Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina - Coimbra, 1998, pp. 264 e segs, o campo de aplicação mais importante do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que tem assento constitucional nos art.ºs 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, “[…] é o da restrição dos direitos, liberdades e garantias por actos dos poderes públicos. No entanto, o domínio lógico de aplicação do princípio da proporcionalidade, estende-se aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie.” A administração, acrescenta o referido autor, idem, “[…] deve observar sempre, em cada caso concreto, as exigências da proibição do excesso […]”.
Neste mesmo sentido aponta a jurisprudência, designadamente o acórdão do STA de 01-07-1997, Processo n.º 041177, disponível em: www.dgsi.pt, quando considera que o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, compreende a congruência, a adequação ou a idoneidade do meio ou da medida para lograr o fim legalmente proposto e, em sentido estrito, engloba a proibição do excesso.
O princípio da proporcionalidade é um corolário do princípio da justiça, o qual significa e implica que na sua actuação a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados pelos seus actos, interesses e direitos estes que, no caso em apreço, se reconduzem à não tributação em IUC das pessoas que já não são proprietários dos veículos e que, consequentemente, em nada contribuem para a efectivação de qualquer custo viário e ambiental.
O que importa é balancear as finalidades legais e os meios para as prosseguir, e, no quadro de um juízo de ponderação, identificar os meios mais adequados para esse efeito, que, no caso, se traduzem na interpretação perfilhada pelo tribunal arbitral.
Dir-se-á, aliás, que o entendimento de que o referido n.º 1 do at.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível corresponde à única interpretação que coerentemente se compagina com o dito princípio da equivalência, e que se mostra em linha com os princípios da justiça e da proporcionalidade.
A interpretação que entende estar consagrada uma presunção legal ilidível no n.º 1, do art.º 3.º do CIUC é, pois, a única que permite assegurar a prossecução dos fins visados pela lei - onerar os proprietários dos veículos automóveis na medida do custo ambiental e viário que provocam, - tal como estatuído no art.º 1.º do CIUC, o que significa que os sujeitos passivos do IUC são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, ou seja, os referidos sujeitos passivos são, em princípio, e apenas em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados, não havendo, pois, outra interpretação capaz de alcançar as referidas finalidades legais, só assim, reafirma-se, se mostram cumpridos os referidos princípios da proporcionalidade e da justiça.
O entendimento contrário, ou seja, o considerado pela AT, que interpreta o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC como não consagrando uma presunção legal ilidível, entendendo que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, na justa medida em que conduz à imposição de um encargo fiscal a quem poderá já não ser o proprietário do veículo em causa e que, deste modo, não polui, afastando da sujeição fiscal quem, na realidade, é o efectivo causador dos danos ambientais e viários, decorrentes da utilização dos veículos de que são os reais proprietários, evidência que as finalidades legalmente prescritas não seriam, de todo, alcançadas, não se respeitando, assim, o princípio da equivalência que, no quadro do CIUC, tem uma função absolutamente estruturante. Tal entendimento, esse sim, não se mostra, nestas circunstâncias, em sintonia com o princípio da proporcionalidade.
A interpretação feita pelo tribunal, relativamente ao n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, teve em conta o princípio da proporcionalidade quando, ao contrário do entendimento da Requerida, tem, na devida conta, que o registo definitivo não surte eficácia constitutiva por se destinar a dar publicidade ao acto registado, funcionando apenas como mera presunção ilidível da existência do direito e quando, em homenagem àquele princípio, atende ao princípio da equivalência, enquanto elemento fundamental do CIUC.
- Quanto à eficiência do sistema tributário, dir-se-á que a eficiência da Administração em geral, ou da AT em particular, em sentido corrente, corresponderá à capacidade/metodologia de trabalho orientada para a optimização do trabalho executado ou dos serviços prestados, o que significa produzir o máximo, em quantidade e qualidade, com o mínimo de custos e meios, nada tendo a ver com a observância de princípios legalmente consagrados e com o respeito pelos direitos dos cidadãos, seja na qualidade de contribuintes ou não.
Em sentido técnico, dir-se-á que o princípio da eficiência do sistema tributário, é, comummente tido, no domínio do procedimento tributário, como corolário do princípio da proporcionalidade, o qual como é sabido, impõe uma adequada proporção entre as finalidades legais e os meios escolhidos para alcançar esses fins, ou, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488, nas anotações ao artigo 55.º da LGT, trata-se de um princípio que obriga “[…] a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir”.
Neste quadro, o referido princípio da eficiência do sistema tributário significará a capacidade de alcançar os objectivos legalmente fixados com o mínimo de meios, o que nada terá também a ver com o respeito pelos direitos dos cidadãos, nem com a necessidade de observância de outros princípios a que a administração tributária deve subordinar a sua actividade, designadamente o do inquisitório e o da descoberta da verdade material, não podendo, obviamente, a aplicação do mencionado princípio da eficiência ser feita, quer com prejuízo dos direitos dos cidadãos, quer pela ausência de observação das finalidades legais. [1]
- Quanto ao princípio da segurança jurídica e da confiança deve notar-se, antes de mais, que este último princípio, o da confiança, é uma concretização do princípio da boa-fé, o qual, tendo consagração no nosso ordenamento jurídico, desde 1996, veio a ter expressa inscrição constitucional, como consta do n.º 2 do art.º 266.º da CRP, onde se estabelece que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”. (sublinhado nosso)
A propósito da boa-fé, cabe notar o que refere o Prof. Freitas do Amaral quando, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2002, pp. 135/136, citando o Prof. V. Fausto de Quadros, nos diz que “[…] a Administração Pública está obrigada a obedecer à bona fide nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o exemplo aos particulares da observância da boa fé, em todas as suas manifestações, como núcleo essencial do seu comportamento ético. Sem isso, nunca se poderá afirmar que o Estado (e com ele outras entidades públicas) é pessoa de bem”.
Por outro lado, o princípio da confiança é também tido como uma decorrência do princípio da segurança jurídica, indissociável do Estado de Direito, que tendo de garantir um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhes forem criadas, é geradora de confiança dos cidadãos na tutela jurídica da Administração Pública.
Relativamente aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, diz-nos o Prof. J. J. Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina - Coimbra, 1998, p. 250 e segs, que os referidos princípios andam estreitamente associados, considerando-se que “[…] a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos”. Em qualquer caso, acrescenta o referido Professor, idem, que o “[…] princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas”.
Decorre desta doutrina, que as pessoas ao alienarem os seus veículos hão-de estar seguras de que, caso procedam à venda dos veículos de que são proprietários, e não sendo os mesmos registados em nome dos adquirentes, os efeitos jurídicos daí resultantes serão os previstos e decorrentes das normas legais em vigor e da sua adequada interpretação, face às finalidades legais dessas mesmas normas, o que, in casu, levou a que o tribunal arbitral considerasse o registo como presunção ilidível da existência do direito e que só as pessoas que provocam custos viários e ambientais devam ser tributadas.
A melhor forma de, no caso dos autos, se garantir a segurança jurídica, em sentido amplo, é, assim, a concretizada por via da interpretação feita pelo tribunal arbitral, quando considera estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, uma presunção legal ilidível, permitindo a qualquer cidadão, que proceda à venda, a uma terceira pessoa, de um veículo automóvel, a possibilidade de demonstrar que, aquando da exigibilidade do IUC, já não era seu proprietário nem responsável pelo pagamento desse imposto.
- Para além do que atrás fica referido, importará ainda saber se a interpretação perfilhada pelo tribunal arbitral, para além de não conflituar com qualquer dos referenciados princípios, se inscreve directa e substantivamente no contexto da ordem constitucional.
A propósito da interpretação da lei em face da Constituição, ou da interpretação conforme à Constituição, diz-nos o Prof. Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, TOMO II, Introdução À Teoria da Constituição, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1987, p. 232 e segs, que do que se trata, antes de mais, é de “[…] levar em conta, dentro do elemento sistemático da interpretação, aquilo que se reporta à Constituição. Com efeito, cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e cada lei no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional [..]”. (sublinhado nosso)
O entendimento que considera estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC uma presunção legal ilidível suporta-se em diversos elementos de interpretação, entre os quais cabe referir o elemento sistemático, na medida em que a interpretação conforme à Constituição implica que dentro do elemento sistemático da interpretação, se leve em conta aquilo que se reporta à Constituição.
Sobre o mencionado elemento sistemático cabe referir o seguinte:
a) No entendimento de BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, o elemento sistemático “[…] compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”.
b) É sabido que um princípio jurídico, no caso o princípio da equivalência, não existe isoladamente, antes está ligado por um nexo íntimo com outros princípios que integram, ao nível mais global, o respectivo ordenamento jurídico, no caso, com os demais princípios corporizados no sistema inscrito no CIUC, e com outros princípios constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, cada artigo de um dado diploma legal, no caso o CIUC, só será compreensível se o situarmos, quer perante os demais artigos que o seguem ou antecedem, quer perante a ordem constitucional.
c) No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do referido Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em que têm assentamento em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida.
d) O referido princípio da equivalência, como assinala Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, p. 122 e segs, implica que “[…] o imposto deve corresponder ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública; ou ao custo que o contribuinte imputa à colectividade pela sua própria actividade”. Acrescenta o referido autor, idem, que “Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.” Por isso, como também refere o citado autor, idem, a concretização do princípio da equivalência dita especiais exigências “[…] no tocante à incidência subjectiva do imposto [..].”
O mencionado princípio que informa o actual Imposto Único de Circulação, inscreve-se nas preocupações ambientais estatuídas no n.º 2, alínea a) do art.º 66.º da CRP e na necessidade de - tendo em vista assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável - se “Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”, preocupações estas, que são, manifestamente, consideradas na interpretação defendida pelo tribunal arbitral.
Por outro lado, o disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 66.º da Constituição, quando estatuí que, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida”, comporta como corolário o princípio do poluidor - pagador, que concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar, estando, assim, a interpretação defendida pelo tribunal arbitral, em perfeita concordância com a ordem constitucional.
e) Cabe ainda deixar uma breve nota, apenas para suscitar a questão de saber por que razão as regras constantes do art.º 9.º do Código Civil obrigam o intérprete da legislação ordinária, quando é certo que o dito Código não ocupa qualquer lugar proeminente no sistema jurídico.
A esta questão responde o Prof. Jorge Miranda, ibidem, p. 230, quando considera que a “[…] conclusão para a qual se propende é que regras como estas são válidas e eficazes, não por constarem do Código Civil - pois este não ocupa nenhum lugar proeminente no sistema jurídico - mas, directamente, enquanto tais, por traduzirem uma vontade legislativa, não contrariada por nenhumas outras disposições, a respeito do problema da interpretação (que não são apenas técnico-jurídicos) de que curam.”
Acrescenta o referido autor, idem, que “regras sobre estas matérias podem considerar-se substancialmente constitucionais e não repugnaria mesmo vê-las alçadas à Constituição em sentido formal.”
A propósito da problemática da interpretação e das suas regras, como se retira do Prof. José de Oliveira Ascensão, in O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, pp. 352/353, deve sublinhar-se o carácter imperativo dessas regras, e a sua natureza vinculativa para o intérprete.
A interpretação que o tribunal arbitral faz do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC e os critérios que, para esse efeito, considerou, desde o elemento literal, até ao elemento sistemático, passando pelo elemento histórico e racional (ou teleológico), não colidem, assim, com quaisquer princípios constitucionais.
O n.º 1 do art.º 9.º do CC dispõe que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade pelo ambiente e de respeito pelas questões com ele relacionadas, e que se mostram inscritas no ordenamento constitucional.
Assim, face ao que se deixa referido, não parece, salvo o devido respeito, assistir razão à AT, na medida em que a interpretação considerada pelo tribunal arbitral, como sendo a única capaz de respeitar as finalidades legais, não viola qualquer dos princípios em questão, ou seja, os princípios da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade, sendo que, por outro lado, tal interpretação está expressa e substantivamente conforme aos princípios inscritos na Constituição.
Assim, não se vislumbra que a interpretação feita pelo tribunal, sobre o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, contenda com quaisquer normas ou princípios constitucionais em vigor.
L - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO
67 - Antes de mais, deve referir-se, sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.
68 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)
Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.
69 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.
Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.
70 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)
71 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.
72 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)
73 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)
74 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)
75 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular em prol de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.
76 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.
77 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro lado, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.
78 - Assim, se os compradores dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC e do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que os vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova da respectiva venda, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.
M - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS
79 - Não sendo legalmente exigível a forma escrita para a transmissão da propriedade de veículos automóveis, a prova dessa transmissão poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via testemunhal ou documental, nesta se incluindo, designadamente, as facturas-recibo ou o recibo relativos às vendas dos veículos.
80 - Sobre esta matéria, deve referir-se o atrás mencionado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, quando nele expressamente se entende, a propósito da factura e da nota de débito, que “[…] ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura /recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr. art.º 787.º, do C. Civil)” (sublinhado nosso)
81 - Como meio de prova de que o veículo com a matrícula …-…-… foi vendido, em 10 de Dezembro de 1992, a B…, pelo preço de 100.000$0, o Requerente juntou cópia do correspondente recibo de venda, o que evidencia a conclusão dessa mesma venda.
82 - O mencionado recibo refere, designadamente, quer os nomes do vendedor e do comprador, quer a identificação do veículo em questão, quer o valor da respectiva venda e a data em que a mesma se foi efectuada, informações essas que gozam da presunção de veracidade que no n.º 1 do art.º 75.º da LGT lhes é conferida, cabendo à AT, atento o disposto no art.º 75.º, n.º 2 da LGT, no quadro das fundadas e objectivas razões que tivesse, demonstrar que as mesmas não correspondem à realidade.
83 - A transferência da titularidade do veículo ocorreu, assim, em 10 de Dezembro de 1992, sendo que a exigibilidade do correspondente IUC respeita aos anos de 2009; 2010; 2011 e 2012.
84 - Nestas circunstâncias, estando a AT a exigir o IUC referente aos anos de 2009 a 2012, e não sendo o Requerente, nestes anos, proprietário do referido veículo, considera-se que a mencionada documentação constitui prova adequada e capaz de ilidir as presunções em causa nos autos, ou seja, a presunção estabelecida no art.º 7.º do Código do Registo Predial e a consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, o que significa que, na altura em que o imposto era exigível, em todos os referidos anos (2009 a 2012), o Requerente não era sujeito passivo do IUC.
N - REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
85 - Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)
86 - Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso)
87 - O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, e do pagamento da quantia de € 1.023,12, como consta da documentação integrante dos autos (PA, Docs. 5/6/7/8/9, pág. 178 e segs), deve haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, quer a título de imposto, quer de juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, montantes esses que, no caso dos autos, perfazem o total de € 1.023,12.
88 - Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a atrás referida quantia de € 1.023,12.
CONCLUSÃO
89 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar os actos de liquidação em causa no presente processo, fundados na ideia de que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC não consagra uma presunção ilidível, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.
90 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, considerou a Requerente proprietária do veículo referenciado no presente processo, considerando-a, como tal, sujeito passivo do imposto, quando tal propriedade, relativamente ao veículo em questão, já não estava inscrita na sua esfera jurídica, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto de violação de lei.
QUESTÕES PREJUDICADAS
91 - Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de violação de lei, que assegura uma efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são suscitados no processo.
É o que resulta do disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
III - DECISÃO
92 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
- Não conhecer, em razão da matéria, do pedido de indemnização deduzido pelo Requerente, relativo aos alegados prejuízos causados pelo pagamento indevido do imposto;
- Julgar procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IUC, formulado pelo Requerente, respeitantes aos anos de 2009; 2010; 2011 e 2012, referentes ao veículo identificado no processo;
- Anular, consequentemente, os actos de liquidação de IUC referentes aos anos de 2009 a 2012, relativos ao veículo com a matrícula …-…-…, tal como se identifica nos autos;
- Condenar a AT ao reembolso da quantia de € 1.023,12, referente ao IUC liquidado e pago, nos termos que se deixam mencionados no processo, e ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até ao integral reembolso da referida quantia;
- Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.023,12.
CUSTAS
De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 306,00.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Março de 2016
O Árbitro
António Correia Valente
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
[1] Veja-se o estudo sobre a matéria, elaborado pelo Prof. Carlos Pestana Barros, in Ciência e Técnica Fiscal, 2005, n.º 416, pp. 105-126