Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 457/2015-T
Data da decisão: 2016-01-26  Selo  
Valor do pedido: € 20.592,57
Tema: IS – Partes de prédio suscetíveis de utilização independente; verba nº 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 18.07.2015, os Requerentes, A…, casado, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua…, n.º …, …, concelho de Cascais, B…, casado, contribuinte fiscal n.º…, residente na…, …, em Alenquer, e C…, casada, contribuinte fiscal n.º …, residente na Avenida…, n.º …, …, em Lisboa, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações de Imposto do Selo (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo) relativas ao ano de 2014, no valor total € 20.592,57 (vinte mil quinhentos e noventa e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), conforme documentos números 1 a 51, juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 5.10.2015

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

a.       Os Requerentes são comproprietários, na proporção de um terço cada, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo…, melhor identificado na caderneta predial urbana junta como documento n.º 52 em anexo, emitida em 13 de Julho de 2015, prédio este que, pese embora não esteja constituído em propriedade horizontal, apenas por opção dos proprietários, é constituído por 9 divisões suscetíveis de utilização independente, que se encontram individualmente arrendadas ou em regime de comodato.

b.      Cada uma das divisões com utilização independente foi objeto de avaliação autónoma por parte da Administração Fiscal, que fixou os respetivos valores patrimoniais tributários, conforme consta da caderneta predial.

c.  Nenhum dos apartamentos acima referidos tem um valor patrimonial tributário superior a 1 milhão de euros.

d. Porém, não obstante ter fixado os valores acima descritos, de forma autónoma para cada apartamento, resulta das liquidações ora impugnadas que a Administração Fiscal terá considerado um «valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: 2.059.260,00» para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

e.       A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que introduziu a verba acima citada na Tabela Geral aditou igualmente o artigo 67.º, n.º 2, ao Código do Imposto do Selo, nos termos do qual foi estabelecido que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

f.       Por sua vez, determina o artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, que «Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

g.      Do mesmo passo, o artigo 119.º, n.º 1, do Código do IMI esclarece que: «Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.” 

h.      Perante esta realidade, é sobre cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente que se aplica o IMI, ou seja, é o valor patrimonial tributário, individualmente fixado, de cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente que releva para a aplicação do IMI.

i.        É, portanto, com base no valor patrimonial tributário de cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente que se determina a sua sujeição a imposto pela verba n.º 28 da Tabela Geral.

j.        Efetivamente, conforme se demonstrou, no ano a que respeita o imposto ora impugnado – 2014 – os andares em causa constituíam, todos eles, unidades autónomas com utilização independente, conforme consta das respetivas inscrições matriciais.

k.      Ora, constituindo os andares em causa unidades suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional, não pode deixar de se salientar que o valor patrimonial de cada um desses andares é inferior ao limiar mínimo de incidência do imposto – tal como consta, sublinhe-se, das respetivas inscrições matriciais para efeitos de IMI.

l.        Aliás, neste ponto assume marcada relevância a constatação de que a Administração fiscal, apesar de aplicar a verba n.º 28 ao montante que resulta da soma dos valores dos apartamentos sub judice, fá-lo, contraditoriamente com a sua posição in casu, de modo autónomo.

m.    Ou seja, a Administração fiscal emite uma liquidação de Imposto do Selo por cada divisão de utilização independente, o que não deixa de mostrar que a Administração fiscal reconhece que, para efeitos da incidência do Imposto do Selo, como no caso do IMI, é relevante o valor patrimonial tributário de cada divisão com utilização independente.

n.      Em face do exposto, os atos de liquidação de imposto sub judice, ao fazerem incidir a tributação em sede de imposto do selo sobre as unidades suscetíveis de utilização independente, todas com valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, recorrendo à soma dos mesmos para ficcionar, desta forma, um valor global do prédio, assentam em erro sobre os pressupostos de facto e direito da tributação em sede de Imposto do Selo, em violação do disposto na verba n.º 28 da TGIS.

o.      Com efeito, qualquer das referidas unidades suscetíveis de utilização independente – os andares objeto das liquidações aqui em causa – tem um valor patrimonial tributário claramente inferior a €1.000.000,00 segundo o único critério admissível, que é o critério legal, de acordo com regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, por remissão expressa do Código do Imposto do Selo.

p.      Sendo assim, nenhum dos apartamentos em causa está abrangido pela sujeição a imposto do selo pela verba n.º 28 da TGIS, razão por si só suficiente para conduzir à anulação integral das liquidações contestadas.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.       O prédio em causa compreende 9 andares e divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, com afetação habitacional, cujo valor patrimonial de cada um dos andares é inferior ao limiar mínimo de incidência do imposto.

b.      A situação do prédio dos requerentes subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de selo.

c.      Os ora requerentes são comproprietários, na proporção de um terço cada, de um prédio em regime de propriedade total ou vertical sendo que, da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI.

d.     Assim, os ora requerentes, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redação da referida verba, não são proprietários de frações autónomas, mas sim de um único prédio.

e.      Tendo por adquirido este facto, o que os requerentes pretendem é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal.

f.       Pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é abusivo e ilegal.

g.      O intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal:” Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”

h.      Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes suscetíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.

i.        A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente e não afeta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.

j.        Outra interpretação violaria a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

k.      Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

l.        O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

m.    Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.   

n.     Nesta senda, não logra vingar o pedido dos requerentes, ainda que indireto, de que seja aplicado, por analogia ao seu prédio o regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das frações suscetíveis de utilização independente constitua um prédio, pois isso não seria interpretar as normas do CIMI, e por consequência do CIS, mas seria subverter todo o regime aí instituído, com as violações dos princípios supra referidos.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar a seguinte questão:

Se são ilegais e em consequência devem ser anuladas as liquidações objeto do presente processo.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8.Consideram-se provados os seguintes factos:

a) Os Requerentes são comproprietários, na proporção de um terço cada, do prédio urbano sito na avenida…, nº …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, Concelho de Lisboa, sob o artigo…, constituído por 9 divisões suscetíveis de utilização independente.

 

b) O prédio em causa não está constituído em propriedade horizontal.

 

c) A Requerida efetuou e notificou os Requerentes das liquidações de Imposto do Selo (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), relativas ao ano de 2014, no valor total € 20.592,57 (vinte mil quinhentos e noventa e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), conforme documentos números  1 a 51, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que se dão por integralmente reproduzidos, devendo, nos termos das notificações em causa, a 1ª prestação ser paga no mês de Abril de 2015.

 

d)As liquidações em causa respeitam a cada uma das seguintes partes suscetíveis de utilização independente do prédio identificado em a):

-        R/C Esq.;

-        R/C Dto.;

-        1.º/2.º;

-        3.º Esq.;

-        3.º Dto.;

-        4.º Esq.;

-        4.º Dto.;

-        5.º;

-        Telheiro.

 

e)Cada uma das mencionadas divisões com utilização independente foi objeto de avaliação autónoma por parte da Administração Fiscal, que fixou os respetivos valores patrimoniais tributários, conforme consta da caderneta predial já referida, e que são os seguintes:

-        R/C Esq. - € 163.870,00

-        R/C Dto. - € 170.070,00

-        1.º/2.º - € 645.150,00

-        3.º Esq. - € 186.190,00

-        3.º Dto. - € 170.070,00

-        4.º Esq. – € 186.190,00

 -       4.º Dto. - € 170.070,00

-        5.º - € 333.810,00

-        Telheiro - € 33. 840,00

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%”.

 

11. O artigo 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

12.Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece ainda o artigo 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

13. Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas: “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

Afigura-se, assim, que o artigo 12º, nº 3, é aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.

 

14. Relativamente a prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal.

E, na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

 

15. Efetivamente, no regime dos arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos  artigos 43º, nº2 do código.

 

16. A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

 

17. No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência, deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

18. No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente mas, apenas e tão só, relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

 

19. A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não se harmoniza com a sua própria tese de que, nestes casos, a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e não cada uma  das suas partes autónomas.

 

20. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], que foram no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

 

21. Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédios urbanos”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4 do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente,  parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

 

22. Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio habitacional”, no que respeita a prédios com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, só poderá ter tido em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.

 

23.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

 

24. Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma  jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

25. A requerida sustenta, ainda, que viola o princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou andar ou divisão a divisão e não globalmente.

 

Afigura-se-nos que não lhe assiste razão, pelo acima exposto e, ainda, porque não se vislumbra em que medida o princípio da legalidade possa interferir com a aplicação dos critérios interpretativos previstos no artigo 9º do Código Civil.

 

26. Por outro lado, entende-se que a interpretação que aqui se sustenta, na linha da jurisprudência arbitral pacífica supra mencionada é a que se harmoniza com os princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva na medida em que, não seria aceitável, face a estes princípios, a tributação inequivocamente desigual de realidades substancialmente idênticas, apenas pela razão formal de nuns casos ter ocorrido a constituição de propriedade horizontal e noutros não.

 

27. Na mesma linha vai a consideração do princípio da coerência sistemática, que também seria afetada com a consideração destas realidades em sede de IMI de modo substancialmente idêntico à das frações de prédios formalmente constituídos em propriedade horizontal, ao invés do que sucederia em sede de imposto de selo, de acordo com a solução sustentada pela Requerida.

 

28. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

29. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor, as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente a impugnação, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação das liquidações objeto do presente processo.

 

 

Valor da ação: € 20.592,57 (vinte mil quinhentos e noventa e dois euros e cinquenta e sete cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de € 1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 26.01.2016

 

 

O Árbitro

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI  para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “ prédio ou parte de prédio  urbano objeto da avaliação geral”.

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola e ao Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592 e na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique alguma variação do valor tributável a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Entre outras, as proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.