Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 344/2015-T
Data da decisão: 2016-03-06  IVA  
Valor do pedido: € 202.528,24
Tema: IVA – Taxa de IVA a aplicar às transações de coroas, implantes e pilares constitutivos de próteses dentárias quando transacionados em separado, interpretação da Verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA
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Decisão Arbitral [1]

 

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dra. Susana Maria Afonso Claro (Vogal) e Dra. Sílvia Oliveira (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 7 de Setembro de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.       A…, Lda., Pessoa Colectiva nº …, com sede na…, n.º…, fracção…, em ... (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, no dia 29 de Maio de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral Colectivo se digne determinar “(…) a anulação das liquidações adicionais de IVA, as liquidações de juros compensatórios (…) referentes ao ano de 2011, 2012 e 2013, no montante de €: 202.528,24 (…)”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e de imediato notificado à Requerida, em 2 de Junho de 2015.

 

1.4.    Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foram as signatárias designadas como árbitros, em 27 de Julho de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 7 de Setembro de 2015.

 

1.7     Tendo a Requerente solicitado a produção de prova testemunhal, por despacho arbitral, datado de 17 de Outubro de 2015, foi agendada, para o dia 19 de Novembro 2015, a data da realização da audiência (ao abrigo do artigo 18.º do RJAT).

 

1.8.    Por despacho arbitral datado de 8 de Novembro de 2015, foi decidido pelo Tribunal Arbitral; i) dar sem efeito a audiência designada para o dia 19 de Novembro de 2015,  atendendo à circunstância de ambas as Partes terem prescindido da produção de prova constituenda; ii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade deste; e iii) designar o dia 6 de Março de 2016 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

1.9.    A Requerida apresentou requerimento no sentido de anexar aos autos os documentos solicitados pela Requerente no pedido arbitral.

 

1.10.  As partes não apresentaram alegações.

 

1.11.  No requerimento arbitral, por si oferecido, a Requerente invocou, em síntese:

 

a)             Não concordar com as correcções efectadas pela AT, porquanto sempre foi seu entendimento “(…) assim como de todos as empresas que se dedicam a mesma atividade (…) que os produtos em causa tem pleno enquadramento na verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA, que prevê a tributação à taxa reduzida (…) dos (…) artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano (…)”, sendo que a correcção efectuada pela Requerida se baseou “no conteúdo da Informação Vinculativa resultante do Despacho de 2007.05.11,exarado no Processo T1…, segundo a qual no que se refere aos implantes dentários aquela verba apenas abrange as transmissões de próteses constituídas numa unidade única de implante, isto é, implante + peças de ligação + dente, pelo que as partes, peças e acessórios, quando transacionadas em separado, por falta de enquadramento na citada verba são tributadas à taxa normal”.

 

b)             A “aplicação subjacente nesta informação vinculativa tem que ser considerada abusiva, já que o texto legal é perfeitamente claro, ao não restringir a sua aplicação a próteses que substituam integralmente um membro ou órgão humano, bastando que substitua em parte esse membro ou órgão para que seja de tributar à taxa reduzida”.

 

c)             Com efeito, “em qualquer norma temos que saber interpretar e saber atingir o alcance da mesma”, “daí que a verba (…) da Lista I anexa ao Código do IVA, não pode ser alvo de uma interpretação restritiva como pretende a Autoridade Tributária, na medida em que a verba reveste clareza na sua interpretação”.

 

d)            No caso em concreto, interessa “ver o produto final, independentemente de ser vendido no todo ou vendido por fases” pois o “o espírito do legislador ao criar a verba 2, não foi beneficiar contribuintes em detrimento de outros, mas sim perante situações iguais tributar de forma igual” porquanto “nada na letra da lei leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de bens completos de implante”.

 

e)             Na verdade, “em nenhuma circunstância as próteses podem ser aplicadas aos pacientes em simultâneo”, aplicando-se, em primeiro lugar “o implante e só depois de se ter verificado que não existe rejeição ao mesmo é que pode ser colocado o pilar e as peças de ligação”.

 

f)              Nesta medida, “a maioria dos componentes são feitos por medida, pelo que se justifica a sua compra por fases à medida que vão sendo aplicados”.

 

g)             Prótese “não é apenas o conjunto do implante + peças de ligação + dente, mas que, qualquer dos referidos componentes é ele próprio, e só por si, uma prótese”, concluindo que “qualquer dos artigos comercializados pela requerente, com exceção das ferramentas para odontologia, são de considerar como próteses, como tal enquadradas na verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA, sendo a sua transmissão tributada à taxa reduzida e não à taxa normal”.

 

h)             Em face do exposto, “da interpretação da Autoridade Tributária resultaria a impossibilidade de aplicação, a qualquer implante dentário, da taxa reduzida, já que (…) não é possível adquirir, no início do tratamento, uma prótese completa para determinado paciente (…)”, limitando a aplicabilidade da verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA “(…) às prótese dentárias fixas, o que é totalmente inaceitável e não se coaduna com o espírito da lei” (cfr. decisão arbitral n.º 429/2014-T, de 24 de Novembro de 2014).

 

i)               Nesta conformidade, “as liquidações de IVA impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação da verba 2.6. da Lista I ao CIVA”, pelo que “as liquidações de juros compensatórios, sendo actos consequentes das liquidações (…) estão afetadas pelo mesmo vício”, o que justificará “a anulação das liquidações que são objecto do (…) processo arbitral (…)”, “(…) no montante total de €:202.528,24”;

 

j)               A Requerente conclui formulando os pedidos de anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios.

 

1.12.  A Requerida apresentou resposta e juntou processo instrutor, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a)       Não assiste razão à Requerente, porquanto “é entendimento da AT (…) que os materiais de prótese apenas são tributados à taxa reduzida se se destinarem ao fim definido na verba, ou seja, à substituição de parte do corpo com deficiência ou enfermidade ou da sua função”, pelo que “tal interpretação implica (…) que os bens que consistam em peças, partes e acessórios daquelas próteses não sejam abrangidos pela verba 2.6., dado que, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função”.

 

b)      Com efeito, “a verba 2.6. apenas abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial que substitua o órgão do corpo humano ou parte dele (…)”, pelo que “na prótese dentária por implante, aplica-se a taxa normal do imposto à transmissão das peças de ligação ou fixação, dado que as mesmas, não cumprem, em si (…) a função descrita na verba 2.6. da Lista I anexa ao CIVA”.

 

c)       Adicionalmente, “tendo em consideração que as situações de tributação à taxa reduzida constituem excepções à aplicação da taxa normal do IVA e, por via disso, representam um desvio à aplicação do regime geral do imposto, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem-se orientado, nesta matéria, pela aplicação do princípio da interpretação estrita”.[2] [3]

 

d)      Assim, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam” importa distinguir, no caso em análise, “o conceito de implante do conceito de material de prótese”.

 

e)       De facto, “a questão deve ser centrada em saber se a verba 2.6. da Lista I tem por finalidade tributar à taxa reduzida a transmissão de próteses, seja de que tipo forem, ou se o legislador pretendeu abranger aqui, também, a venda de todos os tipos de dispositivos de fixação que não são prótese (…) que, quando considerados isoladamente (…) não substituem um membro ou um órgão do corpo humano”.

 

f)       Neste âmbito, “ao contrário do que o sujeito passivo pretende, afigura-se não ter acolhimento na letra da lei a tese de que a verba 2.6. engloba a comercialização de todo o tipo de peças destinadas à fixação de próteses ou à sua ligação, em vez de se referir à prótese em si, produto acabado apto à substituição de um órgão ou parte do corpo humano” (sublinhado nosso).[4]

 

g)      De acordo com a posição que actualmente defende sobre esta matéria, “a verba 2.6. se restringe aos bens completos como sendo aqueles que, por si mesmos, podem substituir um órgão ou membro do corpo humano e não quaisquer elementos que sejam utilizados individualmente no processo de substituição”.

 

h)      Nestes termos, “os bens em apreço, transaccionados pelo sujeito passivo, não são material de prótese”, pelo que “não obstante tratar-se de materiais específicos para um determinado tratamento dentário, o conceito de prótese dentária não lhes é aplicável, sendo (…) considerados (…) como acessórios específicos da prótese”.[5]

 

a)            Com efeito, “o implante de titânio e o pilar são apenas componentes, cada um desempenhando a função para a qual foram concebidos, de suporte e fixação da prótese, mas que, de per si, objectivamente considerados, não desempenham nem substituem a função do órgão dentário”.[6]

 

j)       Por força do princípio da neutralidade que decorre do Tratado de Roma e que se encontra vertido na Directiva IVA (2006/112/CE), e que é “sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras comunitárias, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros (...)”, princípio que se opõe “(…) a uma diferenciação na tributação de bens ou serviços de idêntica natureza, considerando-se verificado quando o imposto não influi na escolha do consumidor”.

 

k)             Assim, “se estamos a falar da neutralidade sobre a tributação dos diferentes tipos de prótese temos de comparar a transmissão de prótese amovível com a da prótese fixa e não com a da prótese fixa acrescida de peças de fixação e de ligação”, caso contrário “o princípio da neutralidade pode ficar em crise se incidirem taxas diferentes sobre os materiais necessários à elaboração de cada um dos diferentes tipos de prótese”.[7]

 

l)               Nestes termos, “só a aplicação de uma mesma taxas às peças, partes e acessórios, no caso, a taxa normal, garante a neutralidade do imposto, impedindo qualquer tratamento discriminatório entre os diferentes tipos de próteses”.

 

***

 

II.      SANEAMENTO

 

2.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

2.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

2.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

2.4.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

2.5.    Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

 

§1.     Factos provados

 

Julgam-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente tem por objeto social a investigação, desenvolvimento, fabricação, distribuição e comercialização de produtos médicos odontológicos (conforme  alegado pela Requerente no artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral e não contestado pela Requerida).

 

b)      No âmbito da sua actividade, a Requerente comercializa, em território português, artigos para implantologia dentária, de que se destacam os implantes dentários, pilares e peças de ligação, sendo tais artigos destinados a clínicas dentárias e médicos dentistas que efectuam implantologia odontológica (conforme alegado pela Requerente nos artigos 10º e 11º do pedido de pronúncia arbitral e não contestado pela Requerida).

 

 

c)      A Requerente é uma sociedade por quotas e encontra-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral desde o reinício da sua actividade em 09 de Outubro de 2009 (conforme processo administrativo anexado pela Requerida).

 

d)     A Requerente foi objecto de uma fiscalização (OI2014…), em sede de IVA (âmbito parcial), relativa aos anos de 2011, 2012 e 2013, com início a 12 de Junho de 2014 e conclusão em 07 de Novembro de 2014 (conforme processo administrativo anexado pela Requerida).

 

e)      Da acção inspectiva identificada no ponto anterior resultou a elaboração de um Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do qual foram comunicadas à Requerente, pelo Ofício nº …/…, de 11 de Novembro de 2014, as seguintes correcções aritméticas de IVA no montante de:

 

Ano de 2011

 

     “Liquidação Adicional de IVA nº …  (período 1103T), no valor de €:5.523,60 (…), Liquidação Adicional de IVA nº … (período 1106T), no valor de €:10.392,79 (…), Liquidação Adicional de IVA nº … (período 1109T), no valor de €:11.497,91 (...), Liquidação Adicional de IVA no Período do imposto 201110 201112, no valor de 16.242,22 (…)”.

 

.    “Liquidação de juros compensatórios nº …(período 1103T), no valor de €:785,11 (…), Liquidação de juros compensatórios nº … (período 1106T), no valor de €:1.372,42 (…), Liquidação de juros compensatórios nº … (período 1109T), no valor de €:1.402,43 (...), Liquidação de juros (período 201110 201112), no valor de €:1.819,12 (…)”.

 

Ano de 2012

 

     “Liquidação Adicional, período do imposto 201201 201203, no valor de €:11.276,99 (…), Liquidação Adicional, período do imposto 201204 201206, no valor de €:10.079,63 (…), Liquidação Adicional, período do imposto 201207 201209, no valor de €:8.586,45 (...), Liquidação Adicional, período do imposto 201210 201112, no valor de 24.889,22 (…)”.

 

     “Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201201 201203, no valor de 1.151,79 (…), Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201204 201206, no valor de 926,77 (…), Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201207 201209, no valor de 703,85 (...), Liquidação de juros (período 201210 201212), no valor de 1.789,29 (…)”.

Ano de 2013

 

     “Liquidação Adicional, período do imposto 201301 201303, no valor de 9.036,78 (…), Liquidação Adicional, período do imposto 201304 201306, no valor de 12.447,25 (…), Liquidação Adicional, período do imposto 201307 201309, no valor de 41.416,27 (...), Liquidação Adicional, período do imposto 201310 201312, no valor de 27.374,94 (…)”.

 

Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201301 201303, no valor de 561,51 (…), Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201304 201306, no valor de 646,57 (…), Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201307 201309, no valor de 1.738,34 (...), Liquidação de juros de IVA, período do imposto 201310 201312, no valor de 866,99 (…)”.

 

f)       Segundo o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, as correcções efectuadas resultam da “aplicação indevida da taxa reduzida, às transacções de implantes e demais acessórios (pilares e parafusos), nos anos de 2011, 2012 e 2013 (…)”, procedimento que “(…) carece de qualquer base legal, por falta de enquadramento de tais bens em qualquer das listas anexas ao CIVA, nomeadamente na verba 2.6. da Lista I (…)” (conforme processo administrativo anexado pela Requerida).

 

g)      No âmbito da notificação referida no ponto e), supra, foi também comunicado à Requerente que, no prazo de 15 dias poderia exercer o seu direito de audição, por escrito ou oralmente sobre o projecto de correcções apresentado (conforme documento nº 14 anexado ao pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

h)      A Requerente não exerceu o respectivo direito de audição, apesar de notificada nos termos do ponto anterior (conforme documento nº 14 anexado ao pedido).

 

i)        A Requerente foi notificada da versão final do Relatório de Inspecção Tributária, através do Ofício nº …/…, de 09 de Dezembro de 2014, tendo-lhe assim sido comunicadas as correcções aritméticas de IVA identificadas no ponto e), supra.

 

j)        Na sequência das correcções efectuadas, em sede de IVA, no ano 2011, 2012 e 2013, a Requerida emitiu as seguintes notas de liquidação de imposto:

 

DOCUMENTO

PERÍODO

NATUREZA

MONTANTE

DATA LIMITE PAGAMENTO

DOC.

1103T

IVA

5.523,60

28-02-2015

1 DO PEDIDO

1106T

IVA

10.392,79

2 DO PEDIDO

1109T

IVA

11.497,91

3 DO PEDIDO

[8]

1112T

IVA

16.242,22

02-03-2015

PROC. ADM.

1203 T

IVA

11.276,99

1206 T

IVA

10.079,63

1209 T

IVA

8.586,45

1212 T

IVA

24.889,22

1303 T

IVA

9.036,78

1306 T

IVA

12.447,25

1309 T

IVA

41.416,27

1312 T

IVA

27.374,94

TOTAL

188.764,05

 

 

k)           Na sequência das correcções efectuadas, em sede de IVA, no ano de 2011, 2012 e 2013, a Requerida emitiu as seguintes notas de liquidação de juros compensatórios:

 

DOCUMENTO

PERÍODO

NATUREZA

MONTANTE

DATA LIMITE PAGAMENTO

DOC.

1103T

JC

785,11

28-02-2015

4 DO PEDIDO

1106T

JC

1.372,42

5 DO PEDIDO

1109T

JC

1.402,43

6 DO PEDIDO

N/D

1112T

JC

1.819,12

N/D

7 DO PEDIDO

 

Caixa de texto: DOCUMENTO	PERÍODO	NATUREZA	MONTANTE	DATA LIMITE PAGAMENTO	DOC.
N/D	1203T	JC	1.151,79	N/D	8 DO PEDIDO
	1206 T	JC	926,77		9 DO PEDIDO
	1209T	JC	703,85		10 DO PEDIDO
	1212T	JC	1.789,29		11 DO PEDIDO
	1303T	JC	561,51		12 DO PEDIDO
	1306 T	JC	646,57		13 DO PEDIDO
	1309 T	JC	1.738,34		
	1312 T	JC	866,99		
TOTAL	13.764,19

 

l)       O total das liquidações acima identificadas perfaz o montante de
EUR 202.528,24, relativo ao valor total de IVA e juros compensatórios liquidados com referência aos anos de 2011, 2012 e 2013, conforme indicado pela Requerente no pedido e suportado pelos documentos anexados ao processo e acima identificados.

 

m)           Os implantes, pilares e coroas representam material de prótese.

 

n)             O dente constitui um órgão do corpo humano.

 

 

§2      Factos não provados

 

a)       Não foi obtida evidência do pagamento das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

b)      Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

 

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto, do teor dos documentos juntos aos autos (designadamente do processo administrativo), bem como no conhecimento, pelo Tribunal, em virtude do exercício de funções (art. 412.º n.º 2 C.P.C., ora subsidiariamente aplicável nos termos do previsto no art. 29.º, n.º 1, e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), quer do facto em que se traduz a circunstância de o dente ser um órgão do corpo humano, quer do facto de os pilares, coroas e implantes dentários assumirem a natureza de material de prótese (cfr. acórdãos, ora juntos, proferidos nos Processos n.ºs 67/2015-T e 293/2015-T, em que o objecto jurídico de decisão se reconduz, no essencial, à questão em apreço na presente acção e em que a Árbitro-Presidente na acção ora decidenda, interveio nessa mesma qualidade).

 

 

III.2. Matéria de direito

 

1.       A questão de direito a considerar neste processo arbitral prende-se com o pedido, formulado pela Requerente, no sentido da anulação das liquidações adicionais de IVA identificadas, efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e traduzidas em liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013, no montante de €188.764,05, às quais acresceram os respectivos juros compensatórios no montante de €13.764,19.

 

2.             As referidas liquidações adicionais assentam na circunstância de a Requerida considerar aplicável às transmissões que têm por objecto implantes e pilares dentários, a taxa normal de IVA [de 23%, aplicável por força do disposto no artigo 18º, nº 1, alínea c) do Código do IVA] quando, de acordo com o entendimento da Requerente (e reflectido na autoliquidação por si efectuada), a tais transacções deve ser aplicada a taxa reduzida de IVA de 6%, aplicável por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA.

 

3.              De acordo com as regras da Directiva nº 2006/112/CE, de 28 de Novembro (Directiva IVA), as operações tributáveis estão sujeitas ao imposto, taxas e condições do Estado membro em que se localizam.

 

4.             De acordo com o disposto nos artigos 96.º e 97.º da Directiva acima referida, a taxa normal do IVA é fixada numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 15% (até 31 de Dezembro de 2015), podendo os Estados membros, de acordo com o disposto no artigo 98.º da mesma Directiva, aplicar uma ou duas taxas reduzidas a uma percentagem que não pode ser inferior a 5%.

 

5.             As taxas reduzidas podem apenas ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III da Directiva IVA (na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2009/47/CE).

 

6.             Por outro lado, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 98.º, “ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no nº 1 às categorias relativas a bens, os
Estados membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria
”, ou seja, a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros, pelo que a determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida ao abrigo destas disposições da Directiva IVA são da competência de cada um dos Estados.

 

7.             Com a Directiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, procedeu-se à harmonização comunitária das taxas de IVA, tendo em vista a entrada em funcionamento do mercado interno, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2003, sendo que, até essa data, cada Estado membro dispunha de plena autonomia para fixar o número de taxas e o seu nível.

 

8.             O Anexo III da Directiva IVA contém o elenco das transmissões de bens e prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.º da referida Directiva, e contempla, no respectivo ponto 4 (para os efeitos que ora nos interessam no caso em análise), as realidades “equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”.[9]

 

9.             Resulta do exposto que a possibilidade de aplicação de uma taxa reduzida do imposto é apenas uma faculdade que os Estados membros poderão ou não utilizar, mas, caso façam uso dessa possibilidade, deverão fazê-lo de acordo com as normas do Direito da UE.

 

10.         Neste âmbito, interessa ainda salientar que os diferentes bens e serviços aos quais os Estados membros podem aplicar taxas reduzidas do imposto se circunscrevem a situações pontuais, resultantes de uma posição consensual adoptada entre si, em que se reconhece serem bens ou serviços cujo carácter social, educativo, ou cultural os leva a considerar como de primeira necessidade, como será o caso da situação em análise (saúde).

 

11.         O Código do IVA prevê no n.º 1 do seu artigo 18.º as seguintes taxas de imposto:

 

a)       “Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6 %”;

b)      “Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13 %”;

c)       “Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%”.

 

12.         No que diz respeito à aplicabilidade das diferentes taxas referidas no ponto anterior, de acordo com o disposto no artigo 18º do Código do IVA, a taxa normal do imposto será aplicável sempre que ao bem ou serviço em causa não couber uma das duas taxas reduzidas previstas nas Listas I e II anexas ao Código.

 

13.         Caso se esteja em presença de agrupamentos de várias mercadorias formando um produto comercial distinto, dever-se-á ter em consideração que, quando não sofram alterações de natureza, nem percam a sua individualidade, será aplicável a taxa que lhe corresponder ou, se couberem taxas diferentes, a mais elevada (artigo 18º, nº 4, do Código do IVA).

 

14.         De acordo com o disposto no ponto 2.6., da Lista I anexa ao Código do IVA, representam bens sujeitos a taxa reduzida “os aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, acionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo”, sendo que a taxa normal só se aplica a título subsidiário, ou seja, caso não haja lugar a aplicação de uma das taxa reduzidas referidas no ponto 11., supra).

 

15.         Neste âmbito, será importante aferir se, no caso em análise, estamos perante uma única operação ou perante operações principais e acessórias porquanto, quando uma operação compreende várias transmissões de bens e/ou prestações de serviços, suscita-se a questão de saber se deve ser considerada como uma operação única ou como várias prestações distintas e independentes, que devem ser apreciadas separadamente (esta questão reveste especial importância, na perspectiva do IVA, designadamente para efeitos da aplicação da taxa do imposto e das disposições relativas às isenções).

 

16.         Interessa em especial verificar se a transmissão “individualizada” dos implantes dentários, dos pilares e das peças de ligação poderá ser tributada à taxa reduzida de 6% por se subsumir no âmbito do disposto na verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA.

 

17.         Na verdade, o que está em causa será apurar se os implantes dentários, os pilares e as coroas representam ou não “material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano (…)”, sendo relevante para tal determinar em que se traduzem as noções de material de prótese e de órgão do corpo humano, bem como verificar se os bens transaccionados se incluem em material de prótese e se se destinam a substituir, total ou parcialmente, um órgão do corpo humano.

 

18.         Neste âmbito – noções de material de prótese e de órgão do corpo humano, o Tribunal socorre-se, ao abrigo do previsto no art. 412.º, n.º 2 do C.P.C., de factualidade alegada e provada em processos arbitrais similares, acima identificados (67/2015-T 293/2015-T), proferidos no CAAD.

 

19.         Da referida prova, decorreu (como detidamente se explicita em sede de decisão quanto à matéria de facto aí proferida) que o dente é um órgão do corpo humano, integrante do sistema estomatognático, associado às funções de mastigação, fala, sorriso, táctil e deglutição e constituído, sob o ponto de vista anatómico, por raiz, coroa e periodonto, sendo que cada uma destas partes constitutivas do órgão (dente) é indissociável das demais.

 

20.         Daquela resultou, por outro lado, que o implante constitui material de prótese destinado a substituir a raiz; que a coroa, moldada, em laboratório, de modo personalizado, para cada doente, constitui material de prótese destinado a substituir a coroa natural e que o pilar representa material de prótese através do qual se assegura a conexão entre o implante e a coroa.

 

21.         Na verdade, tem sido dado como assente na jurisprudência arbitral proferida nesta matéria que, em termos científicos, se entende:

 

·                Por dente, “o órgão do corpo humano, constituído por três partes: raiz, colo e coroa”;

 

·                Por implante, “uma estrutura protésica, com a forma de parafuso, destinada a substituir a raiz”;

 

·                Por construção protésica, a que “tem por fim substituir a coroa natural”;

 

·                “Que o pilar representa o elemento protésico que assegura a ligação entre o implante e a coroa”;

 

·                “Que a coroa é moldada, em laboratório, de modo personalizado, para cada doente”;

 

·                “Que os referidos elementos (implante, pilar e coroa) consubstanciam material de prótese”;

 

·                “Que material de prótese é todo o elemento artificial introduzido no corpo humano”.

 

22.         Dos conceitos acima elencados resulta serem aqueles os únicos a atribuir, com precisão e rigor científicos, o correcto significado aos termos em análise (implante, pilar e coroa), sendo irrelevantes todos aqueles que, na gíria incorrecta de leigo, lhes atribuem outros sentidos, nomeadamente, quando de forma incorrecta se designa por implante toda a reconstrução dentária ou se designa por prótese a coroa.

 

23.         Atentos os referidos pressupostos de facto, verifica-se que, no caso concreto, qualquer um dos bens objecto de transmissão pela Requerente representa material de prótese, que se destina a substituir, no todo ou em parte, um órgão do corpo humano, ou seja, um dente humano.

 

24.         No mesmo sentido aponta o facto de o método mais comum de colocação de implantes dentários ser um procedimento de “cirurgia por etapas”, sendo que:

 

i)               “A primeira etapa consiste do enterro cirúrgico do implante (que substitui a raiz do dente) nivelado com o osso, mas dentro da gengiva (isto protege o implante enquanto o mesmo cicatriza)”;

 

ii)             “No final do processo de cicatrização, o implante dentário precisa de ser exposto cirurgicamente através da remoção da gengiva sobrejacente. Nesta segunda etapa, o cirurgião verifica o implante para confirmar se a integração foi bem sucedida e coloca o pilar de fixação que penetra na gengiva”;

 

iii)           “Numa terceira etapa, findo o processo de cicatrização que delimita o espaça a ocupar pelo implante, é fabricada e colocada a coroa dentária (dente artificial em porcelana ou noutro material) sobre o implante dentário osseointegrado”.

 

25.         Qualquer um dos bens objecto de transmissão pela Requerente, no caso concreto, representa, em suma, material de prótese, que se destina a substituir, no todo ou em parte, órgão do corpo humano – o dente –, assegurando, assim, a manutenção das funções específicas deste, designadamente de incisão, corte e trituração dos alimentos.

 

26.         Insustentável se revela, portanto, o entendimento no sentido de que o legislador português visou restringir a aplicação da taxa reduzida, como pretende a Requerida, só quando estão em causa transacções que incidem sobre os materiais de prótese que representem “bens completos”.

 

27.         Nesta matéria, importa salientar que o sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas.

 

28.         Com efeito, desde logo, a letra do preceito parece indicar que os implantes dentários se enquadram na referida lista, porquanto se está perante material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário.

 

29.         Na verdade, nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na acepção que a Requerida pretende veicular.

 

30.         Acresce que, como infra se verá em maior detalhe, tal conceito não existe enquanto tal, existindo sim reconstituições dentárias cuja realização implica a utilização de três peças (implante, pilar e coroa) que, de acordo com a técnica cirúrgica, são introduzidas por fases na boca do paciente, dando então origem, no seu conjunto, a um implante.

 

31.         As três peças referidas no ponto anterior são inutilizáveis salvo para a composição de uma prótese composta pelo que, não existindo “bens completos” de implante (na acepção defendida pela Requerida), o entendimento desta acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem um motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a protecção da saúde pública.

 

32.         Na verdade, os bens em causa constituem material de prótese (e não material para prótese), com função substitutiva de parte ou totalidade de órgão do corpo humano, destinados a promover, designadamente, o adequado desempenho da função mastigatória.

 

33.         Deste modo, improcede a interpretação, defendida pela Requerida, no sentido de que a taxa reduzida só se aplicaria quando estivesse em causa a transacção de “unidade única de implante” (apto a cumprir a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função), porquanto a referida interpretação não encontra suporte no elemento literal da norma, constituindo uma visão que representa a adopção de um regime que não o legalmente previsto, sem acolhimento no texto legal e, por isso, insusceptível de ser sustentável no quadro do presente litígio.

 

34.         Como também é clarificado na Decisão Arbitral nº 429/2014-T, de 24 de Novembro de 2014 e na Decisão Arbitral nº 530/2014-T, de 21 de Maio de 2015 (ambas incidentes sobre o mesmo tipo de questão que aqui se analisa), em nenhum segmento da norma se exige que os materiais de prótese sejam transmitidos de modo agregado, sendo que, na segunda das decisões acima identificadas se refere que “tal interpretação não tem um mínimo de correspondência verbal com a letra da Lei”.

 

35.         Por outro lado, tal perspectiva, além de não encontrar acolhimento na letra da lei (o que, por si só, nos termos do previsto no disposto no nº 2, do artigo 9º do Código Civil, exclui a possibilidade de representar entendimento adoptável) e de assentar numa noção errada de implante, sempre se revelaria insusceptível de aplicação prática constituindo, assim, entendimento inaplicável por natureza.

 

36.         As peças utilizadas na reconstrução do dente humano, como um todo, não se encontram à venda, no mercado, em packs unitários, sendo vendidas separadamente.[10] [11]

 

37.         Por outro lado, cada uma das peças em análise é aplicada, no processo de tratamento, em fases temporalmente distintas, pelo que não se torna necessária (nem, frequentemente, adequada), a aquisição de todas elas no mesmo momento, designadamente, porque a selecção do tipo de pilar a adoptar só ocorre na fase
pós-cirúrgica (de colocação do implante).[12]

 

38.         Assim, não constituindo estas peças objecto de transmissão, no giro comercial, revela-se infundado o entendimento de que a taxa reduzida de IVA de 6% só se aplicaria quando estivesse em causa a aquisição e venda das designadas “unidades conjuntas” de peças.

 

39.         Ainda que os elementos integrantes da reconstrução protésica da totalidade do dente fossem vendáveis em conjunto, sempre a interpretação de que a referida taxa reduzida se aplicaria apenas quando tais elementos fossem adquiridos em separado se revelaria, por um lado, inconsistente com a razão de ser da norma (e, assim, com o elemento teleológico que a justifica) e, por outro lado, ofensiva de princípios e valores jurídicos fundamentais.

 

40.         Com efeito, a fixação legal de taxa reduzida de IVA justifica-se de modo a criar a possibilidade de mais fácil acesso, pelos cidadãos, a cuidados de saúde que envolvam o recurso aos materiais em causa, sendo essa intenção legislativa “de garantir e promover a saúde pública no âmbito da saúde oral” que justifica que, no âmbito do artigo 9º do Código do IVA, se preveja que se encontram isentas de imposto “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas” [alínea a)] e que, identicamente isentas de imposto, se encontram “as prestações de serviços efectuadas no exercício da sua actividade por protésicos dentários” [alínea b)] (sublinhado nosso).

 

41.         Constituindo, assim, o objectivo do legislador, assegurar o acesso a cuidados de saúde (que reputa essenciais), incompreensível seria que se aplicasse a taxa reduzida de IVA quando os materiais de tratamento fossem vendidos em conjunto e já não quando fossem vendidos em separado, criando, injustificadamente (e em ofensa ao princípio da igualdade), tratamento desigual entre doentes igualmente carentes de cuidados de saúde, tanto mais que, nos termos do previsto no artigo 64º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) “todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a promover e defender” e, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, “incumbe prioritariamente ao Estado (…) garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação”.

 

42.         Nestes termos, um tratamento desigual revelar-se-ia ainda mais clamoroso quando o paciente carecesse de apenas um ou alguns dos referidos materiais de prótese para que o seu tratamento ficasse completo.[13] [14]

 

43.         Incompreensível seria que, em virtude do tipo de patologia da cavidade oral que pode afectar os diversos pacientes, estes tivessem de suportar, por repercussão, diferentes taxas de IVA, apenas porque a aquisição das peças necessárias ao seu tratamento fosse efectuada de forma conjunta ou separada.

 

44.         Fica assim demonstrado que, ainda que cada um dos referidos materiais de prótese represente, em si, uma unidade autónoma, de transacção subordinável à aplicação da taxa reduzida, esta será aplicável a todas as peças envolvidas no tratamento da patologia oral, independentemente da forma como as peças são colocadas.

 

45.         Por outro lado, refira-se que, entendimento contrário induziria a que os doentes, com menor capacidade económica e carentes de próteses integralmente substitutivas de um ou mais dentes, optassem pelas tradicionais próteses compactas (comummente designadas por placas), para beneficiarem de um preço mais acessível, quando essa solução implica um maior desconforto para o doente e menor qualidade desse tipo de alternativa.

 

46.         Com este tipo de entendimento, produzir-se-ia o efeito oposto àquele que a norma constitucional propugna porquanto em vez de se promover a qualidade dos serviços de saúde (com a aplicação da taxa reduzida) aos quais se pretende que os cidadãos tenham acesso, fomentar-se-ia o retrocesso e o recurso a meios técnicos de tratamento oral marcadamente inferiores, com a agravante de que tal efeito se reflectiria, em tratamento desigual, ao nível dos cidadãos economicamente menos favorecidos, violando-se assim o princípio da uniformidade do IVA (nos termos do qual actividades económicas semelhantes devem ser tratadas da mesma forma).[15]

 

47.         Com efeito, o princípio da igualdade revelar-se-ia ofendido também sob o ponto de vista do produtor e fornecedor dos bens em causa, na medida em que o sujeito que produzisse ou vendesse os bens em conjunto beneficiaria de tratamento fiscal privilegiado relativamente àquele que apenas o fizesse separadamente, o que não encontra suporte nas razões justificativas da redução da taxa, representando, consequentemente, em distorção das regras da União Europeia vigentes em matéria fiscal, violação da imposição de neutralidade concorrencial.[16]

 

48.         Também não se revela argumento passível de sustentar o entendimento defendido pela Requerida a alegação de que deve haver interpretação restritiva quanto às excepções à aplicação da taxa normal de IVA, não deve acolher.

 

49.         Na verdade, o único princípio defensável seria o de que, em caso de regime de excepção, não pode o intérprete alargar tal regime a outras situações, ainda que as repute análogas, estando-lhe assim vedado alargar o benefício, legalmente previsto, a outras hipóteses, não constantes da lei.

 

50.         Assim, o intérprete deve proceder, não a uma interpretação restritiva, mas a uma interpretação estrita da lei, ou seja, a uma interpretação declarativa do preceito a aplicar, não podendo o poder administrativo desvirtuar o sentido do fruto do exercício do poder legislativo.[17]

 

51.         Da adequada interpretação da norma em análise resulta que a taxa reduzida de IVA se deve aplicar ao implante, pilar e coroa, enquanto materiais de prótese, pelo que sustentar a não aplicação da taxa reduzida de IVA aos referidos materiais de prótese, em desrespeito do regime legalmente fixado, ofenderia a segurança e confiança que a redacção legal deve poder assegurar aos cidadãos objecto da norma.

 

52.         Assim, quer por recurso às regras comunitárias, quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, o resultado alcançado seria sempre o mesmo, ou seja, só poderá concluir-se que na verba 2.6. da Lista I anexa ao CIVA se incluem não só os materiais de próteses constituídos por uma peça única, mas também os materiais de prótese susceptíveis de aplicação compostas.

 

53.         Com efeito, a acolher-se o entendimento da Requerida introduzir-se-ia um tratamento discriminatório [desde logo porque estaria, nomeadamente, contra o disposto nos artigos 5º, nº 2 e 7º, nº 3 da Lei Geral Tributária (LGT)] e arbitrário entre as diferentes próteses dentárias pois, por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6% mas, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal.

 

54.         Ora, de acordo com o previsto no referido normativo, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material, não discriminando “(…) qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras”.

 

55.         Importará  também ter em consideração as regras que regem o IVA, de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo TJUE.[18]

 

56.         Em termos gerais, o IVA é um imposto geral sobre o consumo, de natureza indirecta e plurifásica, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo, sendo-lhe apontada como característica principal a respectiva neutralidade.[19]

 

57.         Sendo habitual distinguir a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e sobre a produção, pode afirmar-se que existe neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores, pelo que, em termos gerais, de acordo com o princípio da neutralidade, a tributação não deverá interferir nas decisões económicas nem na formação dos preços, implicando a extensão do âmbito de aplicação deste imposto a todas as fases da produção e da distribuição e ao sector das prestações de serviços.[20] [21]

 

58.         O princípio da neutralidade encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo de uma forma sistemática invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE.[22]

 

59.         A aplicação deste princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida do IVA e, consequentemente, no âmbito das regras relativas à incidência objectiva e subjectiva, localização, isenções e exercício do direito à dedução.

 

60.         Nestes termos, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados, em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, em conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto, em garantir a segurança jurídica e em facilitar as actuações tendentes à sua aplicação.[23]

 

61.         Na verdade, o TJUE procurou, desde sempre, retirar as devidas consequências da igualdade de tratamento em IVA de actividades similares e da ausência do impacto da extensão das cadeias de produção e de distribuição no montante do imposto recebido pelas administrações fiscais, sendo à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço da União Europeia.

 

62.         Em conformidade com o entendimento do TJUE, o princípio da neutralidade fiscal inclui igualmente dois outros princípios frequentemente invocados pela Comissão, o da uniformidade do IVA e o da eliminação das distorções da concorrência.

 

63.         Com efeito, o TJUE tem vindo a salientar que o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira, o mesmo sucedendo quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações.[24]

 

64.         Assim, prestações de serviços semelhantes, que estão em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA.[25]

 

65.         O TJUE já esclareceu igualmente que a delimitação dos bens e dos serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas deve ser efectuada em função de características objectivas, isto é, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, a instituição e a manutenção de taxas de IVA distintas para bens ou serviços semelhantes só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, no respeito do qual os Estados membros devem transpor as regras comunitárias.[26]

 

66.         Tal como o TJUE faz questão de salientar, resulta das regras comunitárias que a determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida são da competência dos Estados membros mas, como a Comissão tem vindo a salientar nos seus relatórios sobre as taxas reduzidas, um dos maiores problemas da aplicação das taxas consiste precisamente no carácter facultativo de tal aplicação e na inexistência de definições comuns para as categorias de bens e ou serviços abrangidos.

 

67.         Não obstante, no exercício desta competência os Estados membros devem respeitar o princípio da neutralidade fiscal, princípio que se opõe a que, nomeadamente, mercadorias ou prestações de serviços semelhantes (em concorrência entre si) sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, de modo que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme.[27]

 

68.         Uma vez que a taxa reduzida é a excepção, o facto de se limitar a sua aplicação a aspectos concretos e específicos, é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas em termos estritos, desde que não se viole o princípio da neutralidade do imposto.[28]

 

69.         Com efeito, a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados membros (por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal), pelo que os Estados membros não poderão, designadamente, interpretar os conceitos utilizados no Anexo III da Directiva de forma selectiva de modo a que, sem atender a critérios objectivos, se conceda diferente tratamento a idênticas realidades.

 

70.         Na verdade, sendo certo que a determinação das operações sujeitas a taxa reduzida do IVA compete aos Estados membros, não existindo definições abstractas a este propósito na legislação comunitária, impõe-se que seja respeitado o princípio da neutralidade, sendo assim contrária aos princípios do Direito da UE uma tributação a taxas reduzidas do imposto que, sendo selectiva, viole as características fundamentais da neutralidade fiscal, objectividade e taxa de tributação uniforme, não permitindo que sejam instituídos subgrupos no interior de uma actividade tributável, com o intuito de lhes aplicar diferentes taxas de tributação, não existindo qualquer razão objectiva que justifique tal diferença de tratamento.[29]

 

71.         O princípio da objectividade exige a aplicação de uma só regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA.

 

72.         A este respeito, embora decorra do disposto no artigo 2º da Directiva IVA que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.[30] [31]

 

73.         Neste contexto, e de acordo com a jurisprudência firmada pelo TJUE, estaremos “(…) perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal” sendo que “uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.

 

74.         Pode igualmente considerar-se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.

 

75.         Assim, o TJUE salienta que “(…) quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única, e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de prestação de serviços”; o mesmo acontecendo quando “(…) dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor estão tão estreitamente conexionados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial” (sublinhado nosso).

 

76.         Ainda no mesmo sentido, cite-se o Acórdão do TJUE de 10 de Março de 2011 (Processos apensos C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09), nos termos do qual se refere que, para efeitos de aplicação da taxa reduzida, haveria que aferir “(…) se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa em cada um dos processos principais devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos”.

 

77.         Ora, a admitir-se o tratamento discriminatório que a Requerida sustenta estaríamos essencialmente perante uma intolerável ofensa ao princípio da neutralidade que rege o IVA ao nível do Direito da União Europeia, tratando-se bens iguais de forma distinta sem qualquer motivo racional atendível, facto que viola as regras que regem aquele imposto bem como toda a jurisprudência do TJUE, incluindo a que acima já foi enunciada.

 

78.         Como é sabido, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 11º da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

 

79.         Por sua vez, nos termos do disposto no nº3 do referido normativo, determina-se que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

 

80.         Assim, o legislador comunitário, a Comissão Europeia e a jurisprudência do TJUE determinam que, na utilização dos conceitos empregues para efeitos de aplicação das taxas reduzidas, os Estados membros deverão atender aos efeitos económicos em causa de forma a não se pôr em causa o princípio essencial da neutralidade do imposto.

 

81.         A acolher-se o entendimento defendido pela Requerida estaríamos perante uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultante não da Directiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Tributária de um Estado membro da UE.

 

82.         Não obstante as normas de derrogação (como é o caso da norma que possibilita aos Estados membros a aplicação de taxas reduzidas do imposto) deverem ser aplicadas restritivamente, não devemos confundir tal imperativo com uma aplicação selectiva das mesmas, realidade completamente distinta que põe em causa as mais básicas características do imposto.

 

83.         Neste contexto, importa uma vez mais salientar que, contrariamente ao que a Requerida alega, não existe a peça única no sentido fáctico de “bem completo” que a Requerida lhe quer atribuir, mas apenas o de reconstrução dentária que pode implicar, enquanto tal, a aplicação, conjunta ou separadamente de “implante, pilar e coroa”, tendo em vista a substituição total ou parcial de um órgão do corpo humano.

 

84.         Assim, o facto de tais peças serem comercializadas em separadamente não pode afectar o enquadramento e qualificação, para efeitos de IVA, fazendo-se prevalecer a forma sobre a substância.

 

85.         Na realidade, o que está em causa nos presentes autos subsume-se na previsão legal da verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA, consubstanciando-se como “(…) aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”, sendo certo que, como acima mencionado, a ratio legis que leva o legislador a acolher a aplicação da taxa reduzida do IVA em tais situações (a protecção da saúde) constitui o essencial subsídio teleológico que nos leva a esta interpretação.

 

86.         Revela-se, assim, por tudo o acima exposto, carecido de qualquer fundamento, o entendimento sustentado pela Requerida no sentido de que os bens em causa não são próteses, bem como de que os mesmos bens não são aptos “a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo humano ou da sua função”.

 

87.         Com efeito, todos os elementos de interpretação das normas fiscais invocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso em análise, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA à transmissão dos implantes, pilares e coroas, pelo que se deverá concluir que assiste razão à Requerente no pedido de pronúncia arbitral formulado.

 

88.           Em consequência, considera-se aplicável ao acto de transmissão dos materiais de prótese em que se traduzem o implante, o pilar e a coroa, a taxa reduzida de IVA de 6%, em conformidade com o previsto no artigo 18º, nº 1, a) do Código do IVA e com o ponto 2.6. da Lista I anexa ao Código do IVA, pelo que se conclui que as liquidações de IVA impugnadas, relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013, enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação do disposto na referida verba 2.6. da Lista I acima identificada (porquanto as transmissões de bens na origem do pedido encontram perfeito e directo enquadramento legal no elemento literal da norma contida no ponto 2.6. da referida Lista).

 

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IV.    DECISÃO

 

          Nestes termos decide este Tribunal Arbitral Colectivo:

 

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente declarando-se ilegais e anulando-se, em consequência, os actos tributários (de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013) objecto de impugnação na presente acção.

 

 

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V.      Valor do processo

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC, artigo 97.º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 202.528,24 (duzentos e dois mil, quinhentos e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos).

 

VI.    CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em
€ 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de Março de 2016.

 

O Árbitro-Presidente

O Árbitro Vogal

O Árbitro Vogal

 

 

 

 

Maria Fernanda dos Santos Maças

Susana Claro

Sílvia Oliveira

 

 

 

 



[1]              A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2]              Neste âmbito, cita a Requerida o Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, proferido em processo da Comissão contra Espanha (C-83/99).

[3]              Nesta matéria, cita também a Requerida o Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, proferido igualmente em processo da Comissão contra Espanha (C-360/11).

[4]              Nesta matéria, cita a Requerida o Acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo 01689/13, nos termos do qual “(…) o produto que expressamente não seja contemplado de forma inequívoca na Lista I não pode beneficiar da taxa reduzida de IVA”.

[5]              A Requerida refere que “segundo (…) parecer da Ordem dos Médicos Dentistas (…) tais bens servem de suporte à prótese dentária”.

[6]              Refere a Requerida que “é a própria Requerente que admite que podem até existir situações em que os bens por si comercializados podem nunca vir a ser aplicados, o que significa que a sua função efectiva nunca se concretizaria, não chegando a cumprir o fim a que se deveria destinar quando ligados aos restantes componentes”, concluindo que “é este o espírito da lei que enforma o sistema” (vide despacho conjunto nº 26026/2006, de 22/12, DR II Série).

[7]              Nesta matéria, cita a Requerida a Advogada Geral Juliane Kokott nas conclusões apresentadas no Caso TNT (Acórdão de 23 de Abril de 2009, Proc. C-357/07, Colect., p. I-5189), nos termos das quais, “o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (…).  Neste contexto, o princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado (...). Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...)”.

[8]              Conforme processo administrativo anexado pela requerida.

[9]              Esta redacção é similar à do anterior Anexo H da Sexta Directiva aditado pela Directiva 92/77/CEE (entretanto já revogada).

[10]             Existem, por exemplo, inúmeras referências de pilares, adquiríveis a fornecedores distintos, cabendo, em cada caso, seleccionar aquela que mais se adequa à situação clínica do doente em tratamento.

[11]             A título de exemplo, refira-se que a coroa é moldada, pelo protésico, em laboratório, exactamente à medida e em função das características da estrutura dentária do paciente, de acordo com o molde para esse efeito tirado.

[12]             Assim, não faria sentido (e, na prática, não acontece) a comercialização conjunta de tais peças, não se transaccionando “unidades únicas de implante”.

[13]             O material de prótese pode ser necessário para substituir apenas parte do órgão que o dente representa, nomeadamente, quando a peça de implante é incrustada no maxilar do paciente apenas para evitar o processo de absorção do osso e não para servir de suporte à aplicação de pilar e da coroa.

[14]             Assim também acontece se, por exemplo, o doente dispuser de raiz, tornando-se desnecessária a aplicação de implante que sirva de suporte à coroa (protésica) criada em laboratório e que precise de ser aplicada ao doente em causa.

[15]             Devendo-se, em obediência ao princípio da objectividade, como se enfatiza na Decisão Arbitral emitida no âmbito do Processo nº 429/2014-T aplicar “uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA”.

[16]             Cuja importância é salientada também, jurisprudencialmente, a nível interno (CAAD), designadamente, na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 429/2014-T, de 24 de Novembro de 2014 e, externo, no caso Rompelman (Acórdão de 22 de Junho de 1993, Proc. 268/83), quando este tipo de neutralidade constitui um dos aspectos integrantes da neutralidade fiscal.

[17]             Nesta matéria, vide Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 171/2013-T, de 12 de Junho de 2014.

[18]             Com efeito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência [e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º)], a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União.

[19]             Cfr., Xavier de Basto, in “A tributação do consumo e a sua coordenação internacional”, CCTF n.º 164, Lisboa, 1991, p. 39 a 73 e Clotilde Celorico Palma, in “Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF n.º1, Almedina, 6ª edição, Setembro de 2014, pp. 19 a 34.

[20]             Conforme defende Xavier de Basto, na obra identificada na nota de rodapé anterior, e citado na decisão arbitral nº 429/21’4-T, de 24 de Novembro de 2014, “a neutralidade relativamente ao consumo depende exclusivamente do grau de cobertura objectiva do imposto e da estrutura das taxas, estando fora de questão delinear um imposto de consumo totalmente neutro. Sempre terão de ser concedidas algumas isenções (.....) e, provavelmente, existirão diferenciações na taxa aplicável às diferentes transacções de bens e prestações de serviços”.

[21]             De acordo com o mesmo autor, ibidem, p. 29, “numa formulação genérica, por neutralidade entende-se a característica de um tributo que se analisa em não alterar os preços relativos das alternativas sobre que recaem as escolhas dos agentes económicos, não originando, assim, distorções dos seus comportamentos. Numa outra formulação, igualmente técnica, dir-se-á que imposto neutro será o que, provocando, como qualquer imposto não pode deixar de provocar, efeitos de rendimento, é isento de efeitos de substituição”.

[22]             Conforme salienta Francis Lefebre (auteur Francisco Xavier Sanchéz Galhardo) - Memento Experto, IVA: Jurisprudência Comunitária, Directiva 2006/112/CE, Actualizado a 31 de Dezembro de 2007, Ediciones Francis Lefebre, 2008, p. 68, “es habitual la referencia al principio de neutralidad como fundamental en el funcionamiento del IVA, de suerte que la mecánica del impuesto se supone que ha de evitar cualquier situación discriminatoria o de distorsión en el funcionamiento de las empresas”.

                Neste âmbito, refira-se veja-se igualmente Michel Guichard, in “L’esprit des lois communautaires en matière de TVA: du principe de neutralité”, Revue de Droit Fiscal n.º 36, 2001, pp. 1205-1212.

[23]             Neste sentido, veja-se Ramírez Gómez, in “Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas en Materia de IVA”, Editorial Aranzadi, Pamplona, 1997, pp. 232 e ss.

[24]             Neste âmbito, vide Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc.C-155/94 (Colect, p. I-3013, nº 38) e Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97 (, Colect., p. I-4947, nº 20).

[25]             Nesta matéria, vide, designadamente, Acórdãos de 12 de Junho de 1979, Caso Nederlandse Spoorwegen, Proc. 126/78, Rec., p. 2041, de 11 de Outubro de 2001, Caso Adam, Proc. C-267/99 (Colect., p. I-7467, nº 36), de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão/Alemanha, Proc.C-109/02 (Colect., p. I-12691, nº 20) e de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, Proc. C-498/03 (Colect., p. I-4427, nº 41).

[26]             Neste âmbito, vide Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão contra a Alemanha16, no qual o TJUE veio reforçar o carácter objectivo das situações em que se permite a aplicação das taxas reduzidas de IVA, concluindo que, tratando-se de bens ou serviços similares e que estejam em concorrência entre si, não é admissível que sejam tratados de forma discriminatória.

[27]             Veja-se, neste sentido, o Acórdão de 3 de Maio de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C-481/98 (Colect., p. I-3369, nº 22) e o Acórdão de 11 de Outubro de 2001, Caso Adam, já cit.,, n.ºs 35 e 36.

[28]             Nesta matéria, vide o Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Caso Comissão /Espanha, Proc. C-83/99 (Colect. p. I-00445).

[29]             Nesta matéria, vejam-se as conclusões do Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão/Alemanha, Proc. C-109/02 (Colect., p. I-12691).

[30]             Neste âmbito, vide Acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C-39/96 (Colect- p. I-973, nº 29) e Acórdão de 27 de Outubro de 2005, Caso Levob Verzekeringen e OV Bank, Proc. C-41/04 (Colect. p. I-9433, nº 20).

[31]             Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal.