Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 589/2015-T
Data da decisão: 2016-02-05  Selo  
Valor do pedido: € 7.450,48
Tema: IS – Verba 28
Versão em PDF


 

Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A..., na qualidade de cabeça de casal da herança de J..., com o NIF..., com residência na Av..., n.º..., …, em Algés apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2014 identificado no processo, no valor total de €7.450,48.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 23.09.2015 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 20.11.2015.

 

A AT respondeu, defendendo a extinção da instância arbitral, face à verificação da excepção de inimpugnabilidade do objecto do pedido ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades, sendo que será apreciada prioritariamente a excepção de inimpugnabilidade do objecto do pedido invocada.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.    A Requerente é cabeça de casal da herança que integra o prédio sito na Av..., n.º..., inscrito no registo predial da freguesia de ... sob o artigo U-...;

 

B.     No ano de 2014, o referido prédio não se encontrava em propriedade horizontal;

 

C.    Nenhuma das partes ou andares com afetação habitacional do referido prédio têm um valor patrimonial tributário superior a €1.000.000;

 

D.    Sobre o valor patrimonial destes andares e fracções, a AT liquidou Imposto do Selo (IS), com referência ao ano de 2014, com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) à taxa de 1 %;

 

E.     A Requerente apresentou pedido de avaliação do prédio, em 19 de Dezembro de 2014;

 

F.     Em consequência da avaliação do prédio, a AT emitiu liquidações de IS correctivas, constantes das seguintes “Demonstrações de Acerto de Contas”:

 

·         Documento n.º 2015..., no valor de 169,84 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 175,87 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 173,17 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 155,70 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 169,84 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 174,16 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 177,14 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 177,57 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 177,57 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 160,19 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 171,52 Euros;

·         Documento n.º 2015..., no valor de 172,76 Euros;

 

G.    A Requerente efectuou o pagamento das referidas liquidações em 28/07/2015;

 

H.    O valor total do IS liquidado à Requerente relativo ao ano 2014 foi de €7.450,48.

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT) e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber qual é o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de aplicação da verba 28 e 28.1 da TGIS relativamente aos prédios urbanos habitacionais constituídos em regime de propriedade vertical, que integrem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:

 

1.      As liquidações em apreço assentam no entendimento segundo o qual haverá sujeição a IS sempre que o somatório dos VPT dos andares, individualmente considerados, for superior a €1.000.000;

 

2.      Considera, contudo, a Requerente que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro nada diz quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”:

 

3.      No entanto o artigo 67.º, nº 2 do Código do IS, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”;

 

4.      A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do mesmo código;

 

5.      Daqui se conclui que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio, mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio;

 

6.      De facto, para o legislador, a situação do prédio (em propriedade vertical ou em propriedade horizontal) não releva, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros;

 

7.      Assim, só haveria lugar a incidência do novo IS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a €1.000.000;

 

8.      Não podia, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente no Código do IMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS;

 

9.      Dado que nenhuma das fracções tem um valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000, não se verifica o pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS;

 

10.  Resulta do exposto que o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal;

 

11.  Deste modo, é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão e seria assim, desde logo, porque essa seria uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal;

 

12.  O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente: se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto;

 

13.  Logo, a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.      Por excepção: o acto de liquidação da verba 28 do IS é único, e o facto de poder ser pago em várias prestações não implica que tenham ocorrido várias liquidações, razão pela qual sendo a natureza das prestações de uma liquidação deste imposto a de divisão da liquidação global, efectuada anualmente, não pode cada uma das prestações per se ser impugnada autonomamente, pois, o objecto da impugnação judicial ou do processo arbitral tributário é o acto tributário de liquidação.

 

2.      Por Impugnação: a verba n.º 28 da TGIS dispõe recair imposto de selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, cujo VPT constante da matriz seja igual ou superior a €1.000.000,00;

 

3.      O valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente;

 

4.      O artigo 80.º, n.º 2 do Código do IMI declara que, salvo o disposto nos artigos 84.º e 92.º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz;

 

5.      O princípio de que a cada prédio corresponde um só artigo matricial apenas é excepcionado, assim relativamente aos prédios mistos em que, segundo o referido artigo 84.º, cada uma das partes distintas é inscrita na matriz na parte que lhe competir e relativamente aos prédios constituídos em propriedade horizontal em que, apesar de, nos termos do artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI, cada fracção autónoma ser havida como constituindo um prédio, a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição matricial;

 

6.      A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização independente;

 

7.      Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1 da TGIS e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP;

 

8.      Assim, a tributação em sede de IS haverá de obedecer ao critério de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000, incindindo sobre a riqueza evidenciada no valor dos imóveis:

 

9.      Os actos de liquidação em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de qualquer ilegalidade, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a entidade Requerida do pedido.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

a)      Da excepção de Inimpugnabilidade do acto

 

Na resposta apresentada, vem a AT defender-se por excepção que, caso se verifique, conduz à absolvição da instância.

A apreciação da excepção de ininumpugnabilidade do acto invocada depende da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de IS ou se, ao invés disso, se limita a impugnar cada uma das prestações do IS de per si.

Tem sido entendido que nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação (Vide Cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt).

A este respeito, elucida o ilustre Professor José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 3.ª Edição, Almedina, 2005, o seguinte:

A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”.

Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.

Nestes termos, dispõe o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IS que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.

No mesmo sentido, dispõe ainda o n.º 5 do artigo 44.º do Código do IS que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.

Ou seja, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, atento o seu quantitativo – cfr. al. c), n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI.

Da conjugação das disposições legais supra citadas retira-se que o IS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial, tal como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em http://www.caad.org.pt.

Desta feita, cada acto de liquidação de IS é só um acto lesivo, susceptível de ser impugnado.

Considerando que o acto de liquidação de IS, subjacente às demonstrações de acerto de contas se encontra materializado nos documentos de cobrança do IS, relativo ao ano 2014 é o acto impugnado pela Requerente, conclui-se pela improcedência da excepção suscitada pela AT relativa à inimpugnabilidade do acto.

 

b)     Da interpretação da verba 28 e 28.1 da TGIS

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IS sub judice é ou não ilegal será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada da verba 28 e 28.1. da TGIS, nomeadamente saber se o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal?

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.


2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Atendendo às regras de interpretação da Lei, importa saber que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à TGIS a verba 28 e 28.1, criando a taxa de IS sobre prédios urbanos de elevado valor patrimonial.

A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

A taxa especial de IS sobre os prédios de valor superior a €1.000.000,00, também conhecida como “taxa de luxo”, visou garantir a repartição dos sacrifícios por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.

 

Nestas circunstâncias, fixou a verba 28 e 28.1, a incidência de IS nos seguintes termos:

Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”

 

Resulta, portanto, da letra da lei que a taxa prevista na verba 28.1 é aplicável ao direito de propriedade sobre prédios com afectação habitacional, cujo VPT utilizado para efeito de IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.

De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 6 do Código do IS, “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).”

 

Por sua vez, o Código do IMI determina no seu artigo 2.º, o seguinte:

Conceito de prédio

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial. 

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios. 

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano. 

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio
.”

 

Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido na Lei, é claro que os prédios constituídos em propriedade vertical constituem prédios, para efeitos da verba 28 da TGIS.

Na medida em que os prédios em análise (doravante Prédios) constituem um prédio, nos termos previstos no artigo 2.º do Código do IMI, este encontra-se literalmente abrangido pela verba 28 e 28.1.

Na verdade, a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical, limitando-se o n.º 4 do artigo 2.º a estabelecer que no regime da propriedade horizontal cada fracção autónoma é havida como prédio.

Do referido no n.º 4 do artigo 2.º não resulta, contrariamente ao defendido pela Requerida na resposta apresentada, que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.

Não obstante, a taxa especial de IS fixada na verba em questão apenas se aplica caso os Prédios constituam prédios habitacionais, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000.

Uma vez que o Código do IS não estabelece o que se entende por “habitacional”, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do referido Código, são, também, aqui aplicáveis as regras previstas no Código do IMI, nomeadamente as estabelecidas nos artigos 6.º e o artigo 41.º desse Código.

Da análise das referidas regras, resulta, também, claro que, cada um dos Prédios, em questão, está abrangido pela verba 28.1, enquanto prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Resta, portanto, averiguar se o VPT constante da matriz dos Prédios, nos termos do Código IMI, é igual ou superior a €1.000.000.

Ora, conforme decorre da letra da Lei, o VPT de cada um dos Prédios será aquele que for utilizado para efeito de IMI.

A este propósito, determina-se no n.º 1 do artigo 7.º, do Código do IMI, aplicável ex vi do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do IS, que “O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos presente Código.”.

Por sua vez nos n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI, estabelecem-se as regras para a determinação do VPT dos prédios com duas ou mais classificações.

Uma vez que a taxa prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS apenas se aplica a prédios de afectação habitacional, as regras estabelecidas no n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI não são aplicáveis à determinação do VPT relevante no âmbito da referida verba.

Na verdade, o VPT dos prédios de afectação habitacional, previstos na verba 28 e 28.1., tem de ser determinado tendo em conta o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, segundo o qual:

Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

Assim, tendo em conta que o legislador não atribui qualquer relevância ao facto do prédio estar constituído em regime de propriedade vertical, o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

De facto, não se encontra no Código do IMI nenhuma norma que permita concluir no sentido de que o VPT de prédio em regime de propriedade vertical deve ser obtido pela soma dos VPT que foram atribuídos isoladamente às partes que o constituem (Vide, entre outras, as decisões arbitrais proferidas no Processo 50/2013-T, 131/2013-T, 177/2014-T, 396/2014-T).

Tendo em conta que as normas de incidência estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária (Cfr. Artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 8.º da LGT), parece inexistir base legal à liquidação de IS com base na soma dos VPT de cada uma das partes dos Prédios.

 

Uma vez que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do proc. 7648/14, de 10.07.2014), a AT não pode realizar uma operação de liquidação com base numa norma de incidência, que não prevê expressamente a base de incidência do imposto nos termos liquidados.

Por isso, foi, também, decidido recentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão n.º 047/15, de 9.09.2015., que “II – Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”

Entende-se, assim, que não existe base legal que permita à AT adicionar os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de €1.000.000,00, previsto na verba 28 da TGIS.

Em face do exposto, não tendo nenhum dos andares, susceptíveis de utilização independente dos Prédios, valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00, não há lugar a incidência da taxa prevista na verba 28.1 da TGIS.

Em consequência, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios da Requerente relativamente às prestações de IS já pagas, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro da Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

IV.             DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IS referente aos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o n.º ... relativo ao ano 2014;

 

B)    Julgar improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto de liquidação suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

 

C)    Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é corrigido para €7.450,48.

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2016

 

A Árbitro

 

 

 

Magda Feliciano

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)