Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 446/2015-T
Data da decisão: 2016-02-28  IMT  
Valor do pedido: € 11.375,00
Tema: IMT
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Decisão Arbitral

 

 

I.              RELATÓRIO

A…, S.A., NIPC…, com sede na Rua…, n.º … –… piso, em Lisboa (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 16-07-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

A Requerente pede a anulação da liquidação de IMT n.º…, de 24-04-2015, no valor de € 11.375,00, com fundamento na sua ilegalidade, com consequente reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 20-07-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-09-2015 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 01-10-2015.

Notificada para se pronunciar sobre o pedido deduzido pela Requerente, a Requerida apresentou resposta, suscitando a excepção de incompetência deste tribunal e pugnando pela improcedência do pedido deduzido pela Requerente.

Em devido tempo, a Requerente pronunciou-se sobre a excepção invocada, sustentando a sua improcedência.

A 12-01-2016 teve lugar a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

As Partes apresentaram alegações nos respectivos prazos.

 

II.           DO PEDIDO DA REQUERENTE

 

Nos presentes autos, vem a Requerente solicitar a anulação da liquidação de IMT com o n.º…, no valor de € 11.375,00, efectuada em 24-04-2015 e com data limite de pagamento de 27-04-2015, por não ter sido concedida a isenção prevista n.º 2 do art. 270.º do CIRE.

Para tal, alega que, no âmbito do processo de insolvência que correu termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria sob o processo n.º …/11… TBLRA, a Requerente adquiriu à massa insolvente da “B…, S.A.”, com sede em Leiria, dois postos de venda de combustível, um deles instalado no prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia do…, concelho de Abrantes, e o outro instalado no prédio urbano inscrito sob o artigo … da união das freguesias de…, … e …, concelho de Santarém.

Os imóveis em causa foram adquiridos por escritura pública outorgada a 27-04-2015, no Cartório Notarial da …, tendo, na mesma data, sido cedidas à Requerente as licenças de exploração dos ditos postos de estabelecimento.

Em momento prévio à outorga da escritura pública, a Requerente apresentou a competente declaração para efeitos de liquidação de IMT e Imposto do Selo, com expressa indicação de que se tratava de aquisição de bens a massa insolvente, no âmbito de um processo de insolvência.

Não obstante a declaração efectuada, a Autoridade Tributária liquidou IMT no montante de € 11.375,00, sendo que, para efeitos de Imposto do Selo, emitiu uma declaração sem qualquer valor a pagar, ao abrigo do art. 269.º do CIRE.

Embora não se conformando com a liquidação de IMT, a Requerente procedeu ao seu pagamento.

No entender da Requerente, a liquidação de IMT referida é ilegal por violação do n.º 2 do art. 270.º do CIRE que reconhece, expressamente, a isenção deste imposto nas transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. Ora, no caso em apreço, estamos perante a transmissão de dois estabelecimentos, correspondentes aos dois postos de abastecimento identificados, no âmbito de um processo de liquidação da massa insolvente da anterior titular.

No entender da Requerente, mesmo que não tivesse havido transmissão de estabelecimento, mas apenas venda isolada de bens imóveis propriedade da entidade insolvente, tal isenção seria, ainda assim, aplicável. Com efeito, o n.º 2 do art. 270.º do CIRE deve ser interpretado de forma ampla, e não restrita, tendo como linha orientadora a autorização legislativa concedida pela Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, e o desiderato do legislador plasmado no preâmbulo do CIRE, em especial o respectivo ponto 49, sob pena de inconstitucionalidade da norma em causa.

Por se verificarem os pressupostos da isenção prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE, a Requerente conclui pela ilegalidade da liquidação contestada que deverá, por isso, ser anulada, com consequente reembolso à Requerente do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT.

 

III.        DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Em sede de resposta, a Requerida suscitou a excepção de incompetência deste tribunal por entender que, nos termos do art. 2.º do RJAT, não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação de matérias relativas ao conhecimento de isenções e benefícios.

De acordo com a interpretação da Requerida, resultará “(…) do pedido e da causa de pedir deduzidos que a pretensão da Requerente consiste no reconhecimento de que reunia os pressupostos para usufruir da isenção prevista no artigo 8.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), em face de lhe ter sido anulada uma outra isenção anteriormente concedida” – cfr. art. 5.º da resposta da Requerida.

Nessa medida, a questão em apreço nos presentes autos reconduz-se ao reconhecimento de uma isenção de imposto que, sendo um acto destacável do procedimento tributário, será directamente impugnável pelo contribuinte. E como acto destacável que é, não poderá ser questionado e apreciado em sede de contestação da liquidação de imposto a que deu origem. Acresce que a jurisdição arbitral não abrange a apreciação de questões relacionadas com benefícios e isenções, não estando, assim, este tribunal autorizado a pronunciar-se sobre este tipo de questões. Conclui, por isso, pela incompetência deste tribunal para apreciar o pedido deduzido pela Requerente.

Sem prejuízo da excepção invocada, a Requerida pugna pela improcedência do pedido de anulação da liquidação de IMT identificada por considerar que, no caso em apreço, não seria aplicável a isenção prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE.

Com efeito, defende a Requerida que a isenção prevista no normativo em causa abrange todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, desde que o objecto da transmissão seja a empresa ou o estabelecimento e não um ou dois bens do seu activo. Ou seja, o benefício fiscal em causa é apenas reconhecido à transmissão da universalidade de bens associados ao exercício da actividade económica da empresa. Esta é, no entender da Requerida, a única interpretação consentânea com a letra e o espírito da lei e que se conforma ao princípio da prevalência da alienação da empresa como um todo, nos termos descritos no preâmbulo do CIRE.

Contra este entendimento não procederá a alegação de que a autorização legislativa concedida pela Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, é mais ampla e prevê expressamente a venda isolada de activos detidos pela massa insolvente, impondo-se ao legislador e ao intérprete, sob pena de inconstitucionalidade da norma invocada.

Desde logo, porquanto a autorização ao Governo para que legisle sobre determinadas matérias, em determinado sentido, não é uma imposição absoluta de legislar. Decidindo o Governo legislar, caberá ao Governo decidir os termos e os limites das normas a aprovar, desde que não adultere ou ultrapasse o sentido e alcance da autorização concedida.

Acresce que a actual redacção do n.º 2 do art. 270.º do CIRE foi introduzida pelo art. 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, pelo que qualquer juízo de inconstitucionalidade orgânica (decorrente de uma suposta violação da lei de autorização) deixará de ser sustentável após a aprovação pela própria Assembleia da República da versão actual do referido normativo.

Assim sendo, e tendo presente a amplitude do benefício fiscal previsto no n.º 2 do art. 270.º do CIRE, a Requerida conclui pela sua inaplicabilidade nos presentes autos, uma vez que a Requerente não adquiriu a totalidade do património da massa insolvente, tendo-se limitado a adquirir dois imóveis que integravam o activo da B…, S.A. no âmbito do processo de insolvência instaurado contra esta sociedade.

Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade do acto de liquidação de IMT contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.

 

IV.        DA RESPOSTA À EXCEPÇÃO INVOCADA

 

Quanto à excepção invocada pela Requerida, a Requerente considera que os tribunais arbitrais têm competência para apreciação da ilegalidade de actos de liquidação de imposto, podendo esta reconduzir-se, precisamente, à desconsideração de um benefício fiscal aplicável. Isto mesmo foi expressamente reconhecido em decisões do CAAD, em especial as proferidas nos processos 809/2014-T e 98/2015-T.

Acresce que, no caso em apreço e contrariamente ao alegado pela Requerida, não existe nenhum procedimento autónomo de reconhecimento do benefício fiscal invocado, havendo apenas lugar ao procedimento de liquidação do imposto, nos termos gerais, no âmbito do qual competirá à Autoridade Tributária aplicar ou não a isenção prevista, à semelhança do que se verificou com o Imposto do Selo. Nessa medida, para além do acto de liquidação, não haveria aqui qualquer outro acto administrativo praticado pela Autoridade Tributária susceptível de contestação graciosa ou judicial.

O pedido efectuado é, assim, legítimo e legal, devendo ser considerada totalmente improcedente a excepção invocada.

 

V.           SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de capacidades tributária e judiciária e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

V.          MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados       

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.             A sociedade B…, S.A., NIPC …, foi declarada insolvente no âmbito do processo de insolvência que correu termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria sob o n.º …/11… TBLRA (cfr. doc. n.º 2 da p.i.).

2.             A sociedade B…, S.A. era titular do posto de abastecimento de combustível sito na E.N. … ao Km…, instalado no prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia do…, concelho de Abrantes, com licença de exploração a título provisório válida até 30-06-2015 (cfr. docs. n.º 2, 4 e 5 da p.i.).

3.             A sociedade B…, S.A. era titular do posto de abastecimento de combustível sito na E.N. … ao Km…, instalado no prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da união das freguesias de…, … e …, concelho de Santarém, com alvará n.º L/…, válido até 30-08-2018 (cfr. docs. n.º 2, 4 e 5 da p.i.).

4.             A 23-04-2015, a C…, administrador de insolvência da massa insolvente da B…, S.A., emitiu uma declaração, para efeitos de entrega da declaração de IMT e Imposto do Selo, em que informava que os estabelecimentos identificados nos pontos 2 e 3 supra iriam ser vendidos à Requerente, pelos preços de € 130.000 e € 45.000, respectivamente. 

5.             A 24-04-2015, a Requerente submeteu a declaração de IMT e Imposto do Selo relativa aos imóveis descritos nos pontos 2 e 3 supra, requerendo a isenção dos arts. 269.º e 270.º do CIRE.

6.             A Autoridade Tributária reconheceu apenas a isenção de Imposto do Selo, emitindo a liquidação sem valor de imposto a pagar (cfr. doc. n.º 6 da p.i.).

7.             Relativamente aos imóveis identificados, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IMT n.º…, datada de 24-04-2015, no valor de € 11.375,00 (cfr. doc. n.º 1 da p.i.).

8.             A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMT a 24-04-2015 (cfr. doc. n.º 7 da p.i.). 

9.             Por escritura outorgada a 27-04-2015, a Requerente adquiriu à massa insolvente os prédios urbanos descritos nos pontos 2 e 3 supra (cfr. doc. n.º 2 da p.i.).

10.         Na mesma data, C…, administrador de insolvência da massa insolvente da B…, S.A., cedeu à Requerente as licenças de exploração dos postos de abastecimento de combustível referidas nos pontos 2 e 3 supra (cfr. docs. n.ºs 4 e 5 da p.i.).

11.         Os postos de abastecimento adquiridos pela Requerente encontravam-se em funcionamento à data da aquisição, não tendo havido qualquer paragem de laboração.

 

B. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada. Relativamente à prova testemunhal produzida, cumpre realçar que os depoimentos prestados assumiram-se como sérios e isentos aos olhos do Tribunal, na medida em que, a par das características de espontaneidade dos mesmos, se mostraram logicamente estruturados e coerentes.

 

VI.         MATÉRIA DE DIREITO

 

              A) Da excepção de incompetência

 

A Requerida invoca que o pedido e a causa de pedir deduzidos pela Requerente consistem no reconhecimento da isenção de IMT ao abrigo do art. 8.º do CIMT, em virtude de lhe ter sido anulada uma outra isenção anteriormente concedida. Nessa medida, o que se pretenderia, efectivamente, com o presente pedido de pronúncia arbitral seria o reconhecimento de um benefício fiscal. Ora, em termos procedimentais, o reconhecimento ou recusa de reconhecimento de um benefício fiscal será um acto destacável, autonomamente impugnável por meio próprio. Nessa medida, não pode, em sede de impugnação de acto de liquidação, ser analisada a legalidade ou ilegalidade do acto de recusa de reconhecimento de determinado benefício fiscal.

Acresce que, estando a competência dos tribunais arbitrais limitada, nos termos do art. 2.º do RJAT, à apreciação da legalidade de actos de liquidação de imposto, não poderá este tribunal conhecer do pedido apresentado pela Requerente que, como referido, se reconduz ao reconhecimento de um benefício fiscal. A decisão sobre a legalidade da recusa do benefício fiscal invocado pela Requerente deveria ser apreciada por meio processual próprio que não a liquidação de imposto efectuada pela Autoridade Tributária e nunca por via de um pedido de pronúncia arbitral como o deduzido pela Requerente.

Antes de nos debruçarmos sobre a questão em concreto, haverá que efectuar uma correcção ao alegado pela Autoridade Tributária uma vez que a Requerente não contesta a legalidade de qualquer acto administrativo que tenha revogado uma isenção anteriormente concedida à Requerente. E muito menos invoca a Requerente a isenção do art. 8.º do CIMT (“Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito”), cuja aplicação nos presentes autos parece, aliás, desenquadrada. Na verdade, resulta do probatório que, sobre a matéria em apreço nos autos, a Autoridade Tributária efectuou apenas uma liquidação de IMT, a 24-04-2015, na qual recusou aplicar às aquisições declaradas pela Requerente a isenção de imposto prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE. Tal liquidação não foi precedida de qualquer acto administrativo de reconhecimento ou de recusa de reconhecimento de qualquer isenção, nem houve qualquer acto administrativo posterior que tenha revisto, corrigido ou posto em causa a liquidação ora contestada.

Clarificados estes pontos, cumpre então analisar a alegada excepção de incompetência.

E sobre esta questão, cumpre, antes de mais referir que, contrariamente ao que parece estar subjacente à posição da Requerida, a isenção do CIRE opera automaticamente, sem necessidade de nenhum procedimento prévio especial para o efeito – cfr. alínea d) do n.º 8 do art. 10.º do CIMT – sendo no momento da prática do acto de liquidação do IMT que a Autoridade Tributária toma posição quanto à aplicabilidade do benefício fiscal: se entender que o mesmo é aplicável, emite um documento de cobrança a zeros (à semelhança do que se verificou com o Imposto do Selo); se concluir pela inaplicabilidade do benefício, procede à liquidação do imposto devido nos termos gerais. Nessa medida, não há nenhum acto autónomo, destacável, susceptível de impugnação por meio próprio. O acto lesivo, em si, é a liquidação de imposto que poderá ser impugnada com recurso aos meios gerais ao dispor do contribuinte com fundamento na ilegalidade decorrente da recusa de aplicação de isenção prevista na lei.

Nos termos do art. 2.º do RJAT, os tribunais arbitrais têm competência para a declaração de ilegalidade de quaisquer tributos, com qualquer um dos fundamentos elencados no art. 99.º do CPPT, por remissão da alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT. Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que sejam pressuposto dos actos de liquidação (por exemplo, actos de fixação de valores patrimoniais tributários ou actos de reconhecimento de benefícios fiscais não automáticos). Significa isto que a limitação à impugnabilidade da liquidação de um imposto depende de prévia prolação de um acto administrativo que seja pressuposto do acto de liquidação, o que não se verificou no presente caso. Com efeito, e como referido supra, a liquidação de IMT contestada pela Requerente não foi precedida de nenhum acto administrativo de recusa de reconhecimento do benefício fiscal invocado, autonomamente impugnável, como alega a Requerida.

Por tudo isto, acompanhamos a decisão proferida a 01-09-2015 no processo arbitral n.º 123/2015-T, em que se concluiu que “Por isso, sendo o acto de liquidação lesivo dos interesses da Requerente e sendo o único praticado pela administração tributária sobre a situação, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.”

Improcede, nos termos expostos, a excepção de incompetência invocada pela Requerida, considerando este tribunal que a questão da aplicabilidade da isenção prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE pode ser apreciada em sede de impugnação da liquidação de IMT efectuada, estando esta matéria no âmbito dos poderes e competências dos tribunais arbitrais, ao abrigo do art. 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março.

 

 

              B) Da apreciação de direito

 

A questão em apreço nos presentes autos reconduz-se à interpretação do n.º 2 do art. 270.º do CIRE, em especial a amplitude da isenção de imposto aí prevista, e a sua aplicabilidade ao presente caso.

Resulta do probatório que a Requerente adquiriu, em 27-04-2015, dois postos de abastecimento que eram propriedade da B…, S.A., no âmbito da liquidação da massa insolvente desta sociedade. A Requerente não adquiriu a universalidade dos bens associados ao exercício da actividade económica da sociedade insolvente, mas apenas a parte correspondente aos dois estabelecimentos identificados.

Ora, resulta da letra do n.º 2 do art. 270.º do CIRE, que a isenção aí prevista é aplicável à cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, sendo inquestionável que o legislador incluiu nesta previsão, não só a transmissão global do património da empresa insolvente, mas também a transmissão parcelar desse património, desde que correspondente a um ou mais estabelecimentos da empresa insolvente. Nessa medida, o caso em apreço subsume-se, sem necessidade de qualquer interpretação ampla ou extensiva, na previsão legal. A aquisição efectuada pela Requerente beneficia, assim, da isenção de IMT prevista na referida norma legal pelo que a liquidação de IMT efectuada é ilegal.

De referir, ainda, que mesmo que houvesse dúvidas quanto à aplicabilidade da referida isenção à aquisição parcelar de património da empresa insolvente, mediante aquisição individual de um ou mais dos estabelecimentos que a integram, como é o presente caso, a verdade é que a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo vem defendendo uma interpretação extensiva do n.º 2 do art. 270.º do CIRE, considerando que este se aplica “(…) não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas ou permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo) desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. Isto mesmo resulta dos recentes acórdãos de 20-01-2016, proferido no proc. n.º 01350/15, de 16-12-2015, proferido no proc. n.º 01345/15, de 18-11-2015, proferidos nos procs. n.º 01067/15, n.º 0575/15, e de 11-11-2015, proferido no proc. n.º 0968/13.

E como se refere, e bem, no acórdão de 16-12-2015, proferido no proc. n.º 01345/15, no trecho que transcrevemos de seguida por com ele concordarmos integralmente, não obstante as alegações da Requerida, não há “(…) razão para postergar o entendimento que vem sendo adoptado e que aqui se reafirma, porquanto constitui o que melhor adequa o texto legal ao sentido e extensão da autorização legislativa ao abrigo da qual a norma foi emanada pelo Governo em matéria reservada à Assembleia da República e porque essa interpretação é a que melhor serve a teleologia do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE - «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação – não havendo, a essa luz, razão para distinguir as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo (cfr. o Acórdão do STA de 18 de Novembro último, rec. n.º 01067/15).

          Por tudo o que vem exposto, conclui este Tribunal que a liquidação efectuada pela Requerida e aqui contestada pela Requerente é ilegal por violação do disposto no n.º 2 do art. 270.º do CIRE pelo que deverá ser anulada, com as demais consequências legais. Com efeito, a aquisição dos postos de estabelecimento pela Requerente no âmbito da liquidação da massa insolvente da B…, S.A. é uma operação expressamente prevista no referido dispositivo legal porquanto se traduz na aquisição de estabelecimentos da empresa insolvente. Mesmo que assim não se entendesse, e considerando a interpretação extensiva defendida pelo Supremo Tribunal Administrativo e subscrita por este tribunal, sempre se dirá que qualquer aquisição de imóveis no âmbito de operações de liquidação da massa insolvente estará abrangida pela isenção do n.º 2 do art. 270.º do CIRE pelo que, também com este fundamento, a liquidação efectuada seria ilegal.

          Procede, assim, integralmente o pedido deduzido pela Requerente.

 

C) Dos juros indemnizatórios

 

Resulta dos factos provados que o IMT liquidado, no valor de € 11.375,00, foi pago pela Requerente a 24-04-2015.

Nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

          Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 342, nota 2 “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro tiver por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou)”.

          Ora, no caso concreto, está inequivocamente justificado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerente uma vez que a liquidação de imposto contestada se mostra enfermada de ilegalidade pelo que deverá ser anulada. Para além do reembolso, a Requerente tem, ainda, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, sobre a quantia de € 11.375,00, contados desde a data de pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.

 

VI.         DECISÃO

 

            De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação da liquidação de IMT efectuada a 24-04-2015, no valor de € 11.375,00, declarando-a ilegal por violação do n.º 2 do art. 270.º do CIRE, anulando-a e condenando a Requerida ao reembolso do montante pago pela Requerente;

b)      Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, sobre a quantia de € 11.375,00, à taxa legal em vigor, contados desde a data de pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos dos arts. 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 11.375,00.

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 28-02-2016

 

O Árbitro Singular

(Maria Forte Vaz)