DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sérgio de Matos e Leonor Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 15 de Julho de 2015, A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede no Edifício n.º … do … Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação n.º 2015…, n.º 2015…, 2015 … e 2015…, e das demonstrações de acerto de contas n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015 … e n.º 2015…, relativos aos exercícios de 2012, 2011, 2010 e 2009, respectivamente, no valor de total de €220.541,18.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
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Está obrigada à concessão de facilidades de passagens que consistem numa regalia social concedida a alguns dos seus empregados (os que transitaram da B… para a A…) e que se traduz na possibilidade do empregado e dos seus familiares fazerem viagens de avião gratuitas ou com tarifas reduzidas, a título de lazer, nos aviões da B…, SA (B…);
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Tal obrigação, na sua opinião, decorre do diploma legal que prevê a cisão, segundo o qual, tais empregados mantêm na A… as regalias que lhes tinham sido concedidas enquanto trabalhadores da B…;
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Esses gastos não são uma liberalidade, mas um encargo determinado por lei, obrigatório, nos mesmos termos que os da Regulamentação Colectiva ou das leis laborais quanto aos demais direitos dos trabalhadores. Os gastos que a própria lei lhe impõe constituem um gasto indispensável;
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Os gastos com a concessão desta regalia social constituem gastos de natureza administrativa com o factor trabalho, previsto no artigo 23.º do CIRC, com carácter obrigatório, até porque é vedado à A… declinar a obrigação de manter esta regalia social para os trabalhadores oriundos da B…;
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Tais gastos devem ser considerados encargos dos exercícios em que foram realizados, por aplicação directa do artigo 23.º do CIRC;
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Tais gastos seriam gastos dedutíveis à luz do disposto no n.º 1 do artigo 43.º, porque se aplicam a todos os trabalhadores oriundos da B…, transferidos para a A… por força do processo de cisão, o que cumpre os critérios de generalidade e da aceitação objectiva (artigo 43.º, n.º 14 do CIRC), mesmo não abrangendo todos os trabalhadores da A… .
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O reconhecimento por parte da AT não tem de ser prévio, sendo antes, observado no âmbito de processos de inspecção, externos, no âmbito dos quais os agentes inspectores, em seu critério, decidem aceitar ou não o gasto como tal, pelo que não tinha a A… que formalizar qualquer pedido prévio com essa aceitação, nem fazer correr junto da AT um processo burocrático visando obter esse reconhecimento;
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Foram violadas as regras de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 45.º, n.º1 da LGT, pois à data em que a inspecção foi realizada – 2015 – e contados os prazos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, no caso dos impostos periódicos, como é o IRC (artigo 45.º, n.º1 LGT), a liquidação tinha como limite o ano de 2011 inclusive.
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No dia 17-07-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 15-09-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 01-10-2015.
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No dia 03-11-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 10-12-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade anónima enquadrada no CAE 52230 - actividades auxiliares de transportes aéreos, que presta serviços de assistência em escala às companhias aéreas nos aeroportos de Lisboa, Porto, Funchal e Porto Santo, bem como a formação profissional conexa.
2- A Requerente está enquadrada no regime geral do IRC com contabilidade organizada e no regime normal do IVA, com periodicidade mensal nos exercícios em questão.
3- Com fundamento nas ordens de serviços n.ºs OI2014…, OI2014…, OI 2013…, OI 2013… e OI 2013…, realizou a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT), inspecção externa parcial à contabilidade da Requerente relativamente ao IRC dos exercícios de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, em resultado da qual foi elaborado relatório de inspeção.
4- Em resultado da mesma, foi realizada uma correcção meramente aritmética, relativa a "realizações de utilidade social", e a custos com o pessoal (2008 a 2012), a título de custos com ação social, relativos a "facilidades de passagem" nos montantes seguintes:
5- Tais custos/gastos dos exercícios têm como fundamento facturas emitidas pela B…, S.A. à Requerente, com a descrição de Débito referente a "facilidades de passagem de Lazer", com periodicidade mensal, com o valor estimado de 110.000,00€., conforme quadro seguinte:
6- O acerto a estas facturas foi feito na última fatura de cada exercício, consoante o número de "Legs" utilizadas pelos trabalhadores, ao longo dos cinco exercícios identificados, conforme consta a fls. 17 do Relatório de Inspecção.
7- As facilidades de passagens consistem numa regalia social que é concedida a alguns dos empregados da A… e que se traduzem na possibilidade do empregado e seus familiares fazerem viagens de avião gratuitas ou com tarifas reduzidas, a título de lazer, nos aviões da B… .
8- A referida regalia aplicava-se, nos exercícios ora em causa, a todos os trabalhadores provindos da B…, S.A., que no leque das regalias sociais já detinham o direito a tais facilidades de passagem, mas não foi aplicada aos trabalhadores diretamente contratados ex novo pela Requerente, no mercado de trabalho, em relação aos quais nenhuma regalia desta natureza foi combinada.
9- O custo suportado pela Requerente com esta regalia social decorria da necessidade de se possibilitar, em termos gerais, o gozo efetivo do benefício associado às facilidades de passagens aéreas reconhecido aos empregados.
10- Tal custo não podia ser referenciado a facilidades de passagens efectivamente utilizadas nem, por isso, podia a Requerente repercutir esse custo na esfera jurídica de qualquer empregado individualmente identificado.
11- Do relatório de inspecção consta, para além do mais, que:
a. “Estes gastos, tal como referimos anteriormente, são uma regalia social que se traduz na possibilidade do empregado e seus familiares fazerem viagens de avião gratuitas ou com tarifas reduzidas, a título de lazer, nos aviões da B…, pelo que não constituem gastos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”;
b. “Aliás, refira-se que a concessão desta regalia social não se enquadra no objeto social da A… . A A…tem como objeto social a prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo. A A…não se dedica ao transporte aéreo, mas sim a B… .
A concessão desta regalia social não consta do Acordo de Empresa (instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que obriga a A… e os seus empregados), mas sim do Regulamento de Passagens da B…, do qual consta que a concessão de facilidades de passagens é uma liberalidade da B…, que a todo o momento pode ser alterada.
Daqui decorre que a concessão desta regalia social, que abrange não só os empregados da A…, bem como os respetivos familiares, não se enquadra em gastos de natureza administrativa, tais como remunerações, esses sim previstos na alínea d) do número 1 do artigo 23º do Código do IRC e com caráter obrigatório.”
c. “No caso em apreço, estamos perante uma regalia social que não foi tributada na esfera dos empregados, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Como já referimos, em esclarecimento obtido junto da empresa, o custo suportado pela A… com esta regalia social decorre da necessidade de se possibilitar, em termos gerais, o gozo efetivo do benefício associado às facilidades de passagens aéreas reconhecido aos empregados. Esse custo não pode ser referenciado a facilidades de passagens efetivamente utilizadas nem, por isso, pode a A… repercutir esse custo na esfera jurídica de qualquer empregado individualmente identificado.
Deste modo, a regalia social em questão insere-se nas identificadas no número 1 do artigo 43º do Código do IRC, por ser"( ... ) feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares, ( ... ) e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários", conforme o disposto na parte final do citado normativo.”;
d. “No caso em apreço, estamos perante uma regalia social que não foi reconhecida pela AT e que não tem caráter geral, porque não abrange todos os trabalhadores da A… . Como referimos anteriormente, de acordo com o esclarecimento prestado pela empresa, estão abrangidos os empregados cujas relações laborais se transmitiram à A… por efeito da cisão da B…”;
e. “no período de 2008 a 2012 o resultado líquido do período foi sempre negativo”.
12- Concluiu-se, no relatório, que os gastos suportados pela Requerente com as facilidades de passagens aéreas não eram dedutíveis nos termos conjugados do número 1 do artigo 23.º com o número 1 do artigo 43.º, ambos do Código do IRC, pelo que se propôs o seu acréscimo no campo 209/723 do quadro 07 da declaração de rendimentos Mod.22/IRC, para efeitos de apuramento do lucro tributável dos exercícios de 2008 a 2012 da Requerente.
13- A Requerente, constituiu-se em 1 de Outubro de 2003, resultando de uma operação de cisão da B…, S.A., como efeito directo e na decorrência do processo de privatização da B…, S.A., estabelecido pelo Decreto-Lei do Governo n.º 34/2000, de 21 de Março.
14- Em execução do Decreto-Lei n.º 34/2000, foi criada uma sociedade holding, a C…, SGPS, S.A., e foram autonomizadas três áreas de negócio: o transporte aéreo, a assistência em escala e a manutenção e engenharia.
15- A Requerente foi a sociedade criada para prosseguir a actividade de assistência em escala, até aí exercida pela B… .
16- Como resultado do processo de privatização e da constituição, por cisão, da Requerente, foi-lhe transferido um conjunto de trabalhadores da B…, S.A. os quais, mantiveram todas as regalias laborais, de vencimento e todas as outras, nestas se incluindo os direitos constituídos ao abrigo dessas relações jurídicas pré-existentes, como as regalias relativas às "facilidades de passagem".
17- Tais regalias são uma prática corrente no transporte aéreo mundial.
18- Na B…, a concessão de tal benefício não é obrigatória por parte da empresa.
19- As facilidades de passagens aéreas na B… fazem parte do Regulamento de Passagens da B…, do qual consta que a concessão de facilidades de passagens é uma liberalidade da B…, que, a todo o momento, pode ser alterada.
20- Os empregados da B… que transitaram para a A…, por força da cisão da empresa, de acordo com o Decreto-Lei da cisão, mantêm o direito a outras regalias sociais como o sejam, o serviço de refeitório e a utilização do infantário, tal como teriam se nunca tivessem saído da B… .
21- Estas regalias encontram-se expressamente previstas no Acordo de Empresa subscrito pela Requerente.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em concreto, os factos elencados sob os pontos 17 a 21, foram confirmados pelas testemunhas inquiridas, que depuseram de forma precisa e coerente, denotando conhecimento directo dos factos em questão.
B. DO DIREITO
Essencialmente, em questão nos presentes autos de processo arbitral tributário, está a apreciação da legalidade da desconsideração dos gastos da Requerente com "facilidades de passagem" disponibilizadas aos seus trabalhadores, que transitaram da B…, aquando do processo de cisão desta, no quadro do qual foi criada a Requerente.
Entende, em suma, a AT, conforme decorre do RIT, que tais gastos não se enquadram no artigo 23.º do CIRC, porquanto, no juízo daquela autoridade, os mesmos não eram necessários à actividade da Requerente.
Vejamos, então.
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A questão sub iudice prende-se então, em primeira linha e directamente, com a aplicação do artigo 23.º do CIRC.
De um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajecto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma:
- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[1]);
- “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);
- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);
- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico, e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);
- “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);
- “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);
- “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).
Densificados, deste modo, os critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do artigo 23.º do CIRC, resta, então, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto, apreciando-se, àquela luz, os argumentos da AT que sustentam a sua posição.
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Compulsada a fundamentação do RIT, verifica-se que a proposta de correcção ali formulada, e ora em crise, assenta, essencialmente, no entendimento de que “A concessão desta regalia social ... consta do Regulamento de Passagens da B…, do qual consta que a concessão de facilidades de passagens é uma liberalidade da B…, que a todo o momento pode ser alterada.".
Ressalvado o respeito devido, aqui assentará o equívoco fundamental do RIT. Com efeito, ainda que as “facilidades de passagem” constituam uma liberalidade da B…, estando a sua existência integralmente dependente da vontade daquela, o mesmo já não ocorre na esfera da Requerente.
Efectivamente, conforme se encontra demonstrado nos autos e decorre do quadro legal aplicável, a Requerente é uma empresa que foi criada por cisão da B…, tendo ficado a seu cargo o exercício da actividade de assistência em escala que era até aí exercido por esta última companhia.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º …/89, de 9 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º …/2000, de 14 de Março, dispõe que:
"2 - Para garantir os objetivos referidos no número anterior, e após a constituição da C…, SGPS, S.A. a B…, S.A., poderá destacar, por meio de cisão simples, parte do seu património para com ela constituir as duas novas sociedades a seguir identificadas:
a) D…, S. A., ou, abreviadamente, D…, S.A.;
b) E…, S.A.".
Mais dispõe o n.º 7 do mesmo artigo 14.º que:
"A D…, S. A., terá como objeto principal a prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo, nos termos do Decreto-Lei 275/99, de 23 de Julho, sucedendo na posição da B…, S.A., para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do mesmo diploma; o património da sociedade será constituído pelo ativo e pelo passivo e demais responsabilidades atualmente afetos à atividade de assistência em escala no seio da B…, S.A."[2].
Já o artigo 16.º, também do mesmo diploma, sob a epígrafe “Direitos dos trabalhadores”, dispõe que:
"1 - Os trabalhadores ao serviço, pré-reformados e pensionistas da B…, S. A., que nela ficarem ou que sejam integrados nas sociedades resultantes da cisão ou na C…, SGPS, S.A. mantêm todos os direitos, incluindo a antiguidade, regalias e obrigações que detiverem à data da efetivação da cisão referida nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º.
2 - Os acordos de empresa em vigor na B…, S.A., à data da cisão manterão a sua vigência, independentemente da nova titularidade dos vínculos contratuais laborais pelas sociedades reestruturadas referidas no artigo 14.º. ".
Também o Artigo 9°, alínea j) da Resolução do Conselho de Ministros nº …/2003, de 2.10.2003, publicada no DR, … série de...11.2003, impôs que os interessados na aquisição do capital social da Requerente juntassem à sua proposta de aquisição, entre outros elementos:
"j) - Declaração de compromisso sobre a manutenção dos direitos dos trabalhadores da A…, S.A., de acordo com o disposto no artigo 16. 0 do Decreto-Lei n.º …/98, de 9 de Maio, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º …/2000 de 14 de Março; a minuta desta declaração constitui o anexo III ao presente caderno de encargos;".
Sendo que no Anexo V da mesma Resolução consta o seguinte:
"Direitos e regalias dos trabalhadores da B…, S. A., que transitaram para a A…, S.A.
Nos limites e nos termos dos artigos 37.º da LCT, 9.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e 16.º do Decreto-Lei n.º …/98, de 9 de Maio, na redação dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º …/2000, de 14 de Março, a seguir se enunciam os direitos e regalias consignados nos diversos acordos de empresa em vigor, protocolos de acordo e demais regulamentação interna, aplicáveis aos trabalhadores atualmente vinculados à B…, S.A., e que sejam integrados na A…, S.A.
Assim:
A - Direitos detidos à data da efetivação da cisão:
Trabalhadores no ativo:
Categoria profissional e respetivas funções;
Antiguidade de empresa/companhia;
Retribuição, com todas as componentes salariais no momento em que ocorrer a cisão;
Limites da duração do trabalho;
Férias vencidas;
Pré-reformados:
Prestação de pré-reforma;
Direito de reforma antecipada por velhice aos 60 anos;
Reformados - complemento B… de reforma.
B - Regalias detidas à data da efetivação da cisão:
Refeitório:
Infantário;
Seguro de saúde;
Seguro de vida;
Facilidades de passagens;
Direito de utilização dos serviços médicos da empresa."[3].
Verifica-se, assim, que a Requerente encontra-se obrigada, por lei e por força do procedimento de contratação pública relativo à sua privatização, a assegurar aos trabalhadores ao seu serviço, que transitaram da B…, a regalia de facilidades de passagem.
O encargo em causa não é, assim, uma possibilidade, uma liberalidade, mas uma genuína obrigação decorrente do processo de cisão, sendo, especificamente, uma contrapartida da aquisição dos activos que lhe advieram naquele processo, conforme decorre expressamente do n.º 7 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º …/89, de 9 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º …/2000, de 14 de Março.
Ou seja: por meio do processo de cisão, a Requerente adquiriu um conjunto de activos, que integram o seu património, e, concomitantemente, um conjunto de passivos e responsabilidades (onde se inclui o encargo com as facilidades de passagem para o trabalhadores que transitaram da B…, que as detinham previamente ao processo de cisão e enquanto a B… as assegurar aos seus próprios trabalhadores), passivos e responsabilidades que não podem deixar de ser configurados como uma contrapartida dos activos que lhe foram adjudicados na cisão, como estando, verdadeiramente e em suma, sinalagmaticamente conexionados com estes.
Os encargos em questão, devidamente compreendidos, têm, assim, na esfera da Requerente, uma natureza verdadeiramente onerosa – e não de liberalidade, não se podendo, como tal, ratificar a consideração de que “Estes gastos, tal como referimos anteriormente, são uma regalia social que se traduz na possibilidade do empregado e seus familiares fazerem viagens de avião gratuitas ou com tarifas reduzidas, a título de lazer, nos aviões da B…, pelo que não constituem gastos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”.
Será, julga-se, irrelevante para a apreciação da questão sub iudice, a circunstância de “que a concessão desta regalia social não se enquadra no objeto social da A….”. Com efeito, sendo um encargo assumido como contrapartida de uma transferência de activos que lhe advieram pelo processo de cisão, nada impõe que tal encargo se situe na esfera do objecto social da Requerente, tal como não se situam, por exemplo, os seguros, ou a infantário e refeitório.
Do mesmo modo, a circunstância de que a “concessão desta regalia social não consta do Acordo de Empresa (instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que obriga a A… e os seus empregados), mas sim do Regulamento de Passagens da B…”, nada contende quer com a detectada obrigatoriedade da despesa para a Requerente, decorrente da lei e dos compromissos resultantes do procedimento de contratação pública de privatização, quer com a sua empresarialidade, decorrente da necessidade da assumpção do gasto em causa, como contrapartida da aquisição dos activos no processo de cisão, imprescindíveis para o exercício da actividade da Requerente.
Não relevará, igualmente, no juízo de necessidade do gasto, a circunstância de a regalia ter sido, ou “não foi tributada na esfera dos empregados, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.”, já que se tratam de questões distintas – a da necessidade do gasto e a da tributação em IRS – o mesmo se dizendo da circunstância de “o custo não pode ser referenciado a facilidades de passagens efetivamente utilizadas nem, por isso, pode a A… repercutir esse custo na esfera jurídica de qualquer empregado individualmente identificado.”.
Por fim, também não se ratifica o juízo segundo o qual “estamos perante uma regalia social que não foi reconhecida pela AT e que não tem caráter geral, porque não abrange todos os trabalhadores da A… .”, desde logo porquanto, embora de âmbito determinável, a regalia em questão de aplica, genericamente, a uma certa categoria de trabalhadores (os que transitaram da B…), havendo portanto um critério geral, que delimita o seu âmbito de aplicabilidade. Em todo o caso, assente a dedutibilidade do custo, nos termos do artigo 23.º do CIRC, conforme atrás exposto, sempre será, em tal perspectiva, irrelevante o carácter genérico ou individual da regalia em causa.
Deste modo, enfermando os actos tributários objecto da presente acção arbitral de erro no enquadramento dos factos e na aplicação, a estes, do direito, deverão os mesmos ser anulados, procedendo o pedido arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular os actos de liquidação n.º 2015…, n.º 2015…, 2015 … e 2015…, e as demonstrações de acerto de contas n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015 … e n.º 2015…, relativos aos exercícios de 2012, 2011, 2010 e 2009;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 220.541,18€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284.00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
17 de Fevereiro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Sérgio de Matos)
O Árbitro Vogal
(Leonor Fernandes Ferreira)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.