DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Catarina Gonçalves e Manuel Alberto Soares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 04 de Junho de 2015, A…, SA, com N.I.P.C…, com sede em…, …-…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC e juros compensatórios de 2010, nº 2015…, compensação nº 2015…, no valor de 61.208,31€.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, insurgindo-se contra a liquidação na parte que diz respeito à amortização de gastos relativos a bens do activo tangível, e entendendo a Requerente que aqueles gastos se reportam a despesas que são de mera conservação e reparação, qualificadas como um gasto total do exercício, se verifica quanto àquela liquidação:
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Errónea apreensão dos factos e incorreta subsunção ao direito aplicável;
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Violação dos artigos 23.º, 29.º e 30.º do CIRC (redação e numeração à data dos factos);
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Violação do artigo 1.º e 5.º do Dec. Regulamentar n.º 2/90 (redação e numeração à data dos factos);
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Vícios de fundamentação (artigo 77.º da LGT);
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Violação do artigo 18.º do CIRC e do artigo 35.º da LGT.
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No dia 08-06-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 28-07-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-08-2015.
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No dia 28-09-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 27-11-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma pessoa coletiva de direito privado, residente em território nacional, encontrando-se inscrita na actividade de "Produção de Vinhos Espumantes e Espumosos" a que corresponde o CAE…, comércio a retalho de bebidas, CAE…e viticultura CAE…, que tem por objecto a exploração agrícola de propriedades e a preparação de vinhos comuns, bebidas licorosas espumantes, brandes, bem como a sua comercialização, e que produz e comercializa, em concreto, a conhecida marca de espumantes, designada por "B…''.
2- A Requerente entregou as declarações mod. 22 de IRC, bem como as declarações anuais de informação contabilística e fiscal até ao exercício 2010, tal como estipulado nos artigos 120º e 121° do Código do IRC.
3- A liquidação objecto do presente processo arbitral decorre de correcções efectuadas ao rendimento tributável da requerente, no âmbito de um procedimento de inspecção (ordem de serviço n.º 012014…), que resultaram da desconsideração dos seguintes gastos:
4- Os gastos referidos foram contabilizados pela Requerente como despesas de manutenção e reparação, sendo imputadas integralmente como gastos do exercício, inscritas na Conta SNC … - Fornecimento e Serviços externos – Serviços especializados - Conservação e reparação de Edifícios e conta SNC…– FSE - Serviços especializados - Conservação e reparação Equipamento básico.
5- No procedimento inspectivo, a AT considerou que a Requerente não justificou a contabilização efectuada.
6- Mais considerou a AT que não estava na presença de reparações mas sim de aquisição de serviços associados a bens do activo fixo tangível, essencialmente edifícios e equipamentos.
7- A conclusão referida no ponto anterior resultou “Da consulta e análise do descritivo das faturas”, tendo em consideração a “natureza e grandeza” das obras descritas.
8- Pode-se ler, ainda a este respeito, no Relatório de Inspecção Tributária (RIT), que:
“Os serviços contratados não configuram reparações são "requalificações" que constituíram despesas de investimento, destinaram-se a melhorar tecnologia existente e a capacidade produtiva da empresa e aumentaram o valor e a vida útil dos bens envolvidos.
Pelas informações recolhidas apurou-se que respeitam a adaptações a novas tecnologias e aumento da sua capacidade e até à presente data estes equipamentos não foram objeto de nova intervenção.
Estamos assim, na presença de intervenções de grande dimensão que alteraram a capacidade e a vida útil dos equipamentos. Aliás, encontram-se contabilizadas na conta … – outras reparações, faturas emitidas pelo mesmo fornecedor, essas sim, de manutenção, rotineiras que se limitam ao próprio exercício e que corretamente se encontram registadas como gastos do exercício.
Ou seja, atendendo ao descritivo e valores constantes dos documentos, verifica-se que:
Face à natureza dos trabalhos e bens faturados os mesmos não se esgotam nem se consomem num exercício apenas. A sua utilização na atividade do SP vai perdurar nos exercícios seguintes pois os pavimentos, o telhado, as canalizações, o sistema de drenagens dos terrenos, os alumínios e as portadas, rede de água, as cubas de armazenagem, não terminam a sua utilização no final de 2010.
São serviços diversos mas pelas suas características e valor faturado verificamos que a utilização dos mesmos não se limita nem se esgota no ano em análise, sendo provável que a sua utilização se prolongue por vários exercícios, gerando benefícios económicos futuros.
Aliás, alguns destes gastos inserem-se na política de requalificação do património imobiliário antigo da entidade com vista à modernização das zonas de cave e dotar a empresa de espaços para aproveitamento turístico (cfr indicação no Relatório do Conselho de Administração ano de 2010.
Atentemos aos critérios para a definição e reconhecimento de um gasto já anteriormente expostos no ponto 111.5 .1 definidos, respetivamente, nos parágrafos 76 a 78 e 92 a 96 da estrutura conceptual (EC) .
De acordo com estes critérios verificamos que as faturas em questão não respeitam a gastos que devam ser imediatamente reconhecidos no exercício em que são suportados. Os benefícios económicos futuros associados a estas operações encontram-se associados ao ativo fixo tangível que lhe está associado, ou seja, fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente, não se limitando nem se esgotando no exercício de 2010.
Em sede de IRC e de acordo com o art°18º e artº23º os gastos também não reúnem os requisitos para concorrerem, na integra, para a formação do resultado tributável de 2010.
Assim, vai ser proposta a correção fiscal dos gastos contabilizados na conta … que ascende ao valor global de 245.054,90€ (dado que ao valor dos gastos contabilizados no montante de €250.054,90 foi deduzido o valor do debito ao senhorio - nota de debito n.º 9).”
9- Nessa sequência, concluiu-se no RIT que:
“Ora, nos termos do artº 23º, compete ao SP demonstrar a dedutibilidade fiscal dos encargos contabilizados. Conforme já referido o mesmo apenas apresentou as faturas de aquisição. Da análise das mesmas e conforme anteriormente exposto concluímos o seguinte:
- Tendo em atenção o preconizado na estrutura conceptual das normas, nomeadamente o conceito subjacente à definição de ativo assim como o disposto na NCRF 7, verificamos que os trabalhos de construção civil/reparação maquinas se enquadram na definição de ativo fixo tangível e cumprem com os critérios de reconhecimento de acordo com a norma e a definição ativo prevista na estrutura conceptual.
- As obras e reparações foram efetuadas em bens utilizados pelo SP na sua atividade operacional e implicaram um retorno de rendimentos pelo aumento da eficácia na sua utilização por parte da entidade (ex: remodelação telhado, restauro pavimentos, canalizações, reforço de muros, drenagens de águas ,...;
- As reparações nas máquinas aumentaram a sua eficiência (capacidade);
- A vida útil das benfeitorias/construções e reparações era expectável na data em que foram realizadas - 2010, que a sua utilização seja superior a um ano (facto confirmado na presente data - novembro 2014 - em que os ativos em causa não foram desde 2010 objeto de novas reparações);
- O custo destes itens é mensurado fiavelmente pelo retorno monetário despendido (valor das faturas).
Face ao exposto, podemos referir que as benfeitorias/construções e reparações, efetuadas nas novas instalações/máquinas, reúnem os critérios referidos na estrutura conceptual NCRF 7, e na medida em que originam benefícios económicos futuros e são fiavelmente mensuráveis, pelo que deverão ser objeto de capitalização, ou seja, reconhecidos como ativo fixo tangível.”.
10- No referido procedimento inspectivo, AT entendeu que as obras efectuadas não deviam ser tratadas como um custo total do exercício, mas como despesas de investimento amortizáveis às taxas de 10%, 14,28% e 12,50% ao ano, consoante incidissem em edifícios, vinhas e equipamentos, respetivamente, sendo essas percentagens (de 10%, 14,28% e 12,50%) dedutíveis ao IRC de 2010, nos termos da tabela anexa ao Dec. Regulamentar 2/90 - e o remanescente do valor das obras e reparações deveria ser dedutível nos anos consecutivos.
11- A Requerente cooperou activamente com a inspecção, fornecendo todos os elementos, documentos e explicações necessários e solicitados pela AT.
12- A data limite de pagamento voluntário da liquidação ocorreu em 27/03/2015.
13- Quanto aos edifícios e áreas envolventes, a Requerente tinha, no ano em causa, duas instalações:
a. Adega e armazéns (de envelhecimento) situadas em…;
b. Os escritórios (e armazém para venda) localizados em …(composto por um edifício antigo e armazéns).
14- As instalações referidas no ponto a. do número anterior eram visitadas anualmente por milhares de pessoas e tinham também finalidades de marketing e promoção da marca e dos produtos da Requerente.
15- As vinhas exploradas pela requerente requeriam trabalhos anuais de manutenção, que podiam incluir a preparação de caminhos para se fazer a vindima e a reconstrução parcial, por força de intempéries do inverno e calor no verão, pelo que, antes da vindima, era necessário consertar anualmente os caminhos por onde passavam os camiões que faziam a vindima.
16- A produção de vinho e espumante requer maquinaria que inclui o sistema de frio, cubas e prensas, que só trabalha na altura da vindima e que tem de ser anualmente limpa antes da vindima.
17- Os referidos equipamentos são revistos e testados todos os anos, nas suas funcionalidades e funcionamento.
18- O sistema de refrigeração da Requerente só era usado na vindima e constitui o “coração” do processo produtivo da vindima - para se permitir a "manipulação" da fermentação do produto, sendo a forma de gerar frio na altura das vindimas, quando o clima ainda é quente, no circuito por onde o vinho passa e se instala (quando é produzido), sendo essencial para conferir qualidade ao produto.
19- Depois da vindima (e armazenamento imediato), o sistema de refrigeração não tinha mais utilização, até à vindima seguinte.
20- Todos os anos, por altura de Junho, como preparação das vindimas, a Requerente tinha de afinar e verificar o estado do sistema de frio, para o pôr funcionar na vindima.
21- O sistema de frio, após a paragem de meses, podia necessitar de reparações - e de um ano e no outro, ainda que se tivessem feito trabalhos no ano anterior.
22- No ano de 2010, os referidos equipamentos utilizados pela Requerente na sua actividade de produção eram bens de segunda mão, em estado de uso, com utilização frequente e consequente desgaste.
23- Nas instalações referidas no ponto b. do número 13 supra, dava-se toda a movimentação de camiões de centralização do produto final vindo da …e destinado a ser depois vendido aos clientes finais.
24- As instalações da Requerente em … funcionavam como o armazém central de produto acabado.
25- O espumante ficava em envelhecimento e estágio em …e depois de rotulado, era transportado para…, para venda a clientes finais.
26- Nessa zona existia grande tráfego de camiões.
27- O piso (em calçada de granito) carecia de reparações anuais, derivadas da passagem frequente dos camiões no piso, pequenos toques dos mesmos nos muros e das chuvas de inverno (saneamento pluvial), que provocavam erosão no pavimento, muros e saneamento (por baixo do pavimento).
28- A obra a que se refere a factura de Maio de 2010 foi efectuada no piso referido no número anterior.
29- Em 2010, foi necessário realizar um conjunto de obras nos edifícios, nas vinhas e nos equipamentos de produção da Requerente.
30- Essas obras dividiram-se em duas categorias: os "arranjos urbanísticos" (2080), "substituição de telhado do armazém e respetivo isolamento: restauros dos escritórios interiores", e os "restauros e reparações dos pavimentos em granito no logradouro" e "reforço de muros e levantamento de calçada e saneamentos" cujas obras foram efetuadas em…: e as designadas pela AT como "edificação ligeira" (2005), que incluem a "colocação de alumínios, portadas e mosqueteiros", e intervenções nas vinhas (Trabalhos diversos de canalização, drenagem, reconstrução de patamares e outros) e equipamentos (requalificação de equipamento [sistema de frio] e cubas de fermentação) cujas obras foram realizadas na… .
31- No final do ano de 2010, fruto das chuvas e intempéries na zona de…, danificou-se uma parte do telhado, chovendo nos escritórios, pelo que houve necessidade de reparar a parte estragada do telhado.
32- O referido telhado foi totalmente remodelado em exercício posterior, quando a requerente teve disponibilidades financeiras para tal e para restaurar a parte dos escritórios que ficou danificada pela chuva.
33- As obras de "colocação de alumínios, portadas e mosqueteiros" referem-se à substituição de peças da vivenda situada na ... .
34- A factura de Julho de 2010, corresponde a trabalhos em vinhas e caminhos para a preparação da vindima - o que era feito anualmente, frequentemente nos mesmos locais.
35- Em Novembro de 2010 houve uma grande tempestade (chuva) que danificou muito a vinha - e houve necessidade de criar um sistema para drenar a água da chuva e reconstruir os socalcos de vinha danificados.
36- As obras em equipamentos dizem respeito a duas situações:
c. No sistema de refrigeração (em 01/06/2010), no valor de 91.262,50€ e 39.112,50€;
d. Na rede de água nas cubas de fermentação (em 15/12/2010).
37- A requerente fazia obras/reparações numa base anual.
38- No ano de 2010, a máquina do sistema de refrigeração tinha-se degradado e houve necessidade de alterar as tubagens e as cubas, adaptando-a às configurações para a vindima desse ano.
39- Houve ainda necessidade de adaptar a configuração das cubas e as vias de deslocação entre elas (passerelles) de modo a dar cumprimento a determinações da inspecção do trabalho (ACT).
40- As vindimas anteriores ao ano de 2010 degradaram a "rede de água nas cubas de fermentação", o que foi resolvido nesse mesmo ano.
A.2. Factos dados como não provados
1. Os activos em causa nas facturas referidas no ponto 3 dos factos provados não foram desde 2010 objecto de novas reparações.
2. As requalificações em causa nas facturas referidas no ponto 3 dos factos provados aumentaram substancialmente o valor global do sistema produtivo.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, conjugados com a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em especial os factos dados como provados nos pontos 13 a 40, resultaram do depoimento das testemunhas apresentadas pela requerente, que depuseram sobre os mesmos, tal como foram dados como provados, de forma serena, coerente e compreensível, não obstante as relações de natureza profissional que as ligavam à Requerente.
Assim, a testemunha C…, director de produção da Requerente, revelou conhecimento directo das obras realizadas e das respectivas motivações e natureza.
A testemunha D…, chefe administrativo também da Requerente, esclareceu que a sua intervenção se situava essencialmente ao nível do tratamento da facturação, tendo lidado directamente com as facturas em questão no presente processo. Revelou conhecimento geral sobre as instalações, equipamento e o modo de funcionamento da Requerente, assente em 24 anos de serviço a esta, designamente no que diz respeito às necessidades que a conservação dos mesmos implicava. Relativamente à obra de calcetamento efectuada nas instalações de…, contradisse parcialmente a testemunha antecedente, na medida em que disse crer que as obras realizadas no pavimento daquelas não implicaram a substituição integral do mesmo, mas reconheceu não ter a certeza de que assim fosse.
A testemunha E…, ROC da Requerente desde a década de 90, revelou que, com base no conhecimento decorrente da actividade que exerce para aquela, pode afirmar que aquela sempre fez anualmente despesas da ordem de valores em causa no presente processo arbitral, o que corroborou com documentação que exibiu e que foi objecto de contraditório no acto de inquirição.
A testemunha F…, que desempenhou funções como TOC para a Requerente desde 2010, depôs sobre a contabilização das despesas em questão nos autos, e das motivações e juízos que assistiram à mesma.
Os factos dados como não provados resultam da ausência de prova a seu respeito.
Assim, no que diz respeito ao primeiro de tais factos, a prova produzida aponta, até, no sentido oposto, ou seja, no sentido de que, nos anos subsequentes, os bens em questão terem sido objecto de novas intervenções, de maior (como na circunstância a que se reporta o facto dado como provado sob o n.º 32) ou menor valor.
Relativamente ao segundo dos factos dados como não provados, nenhuma prova concreta foi recolhida ou apresentada, pela AT, concretamente no que diz respeito ao valor dos bens enquanto novos, ao desgaste que foram sofrendo e à eventual medida em que cada uma das obras em questão nas facturas objecto de correcção, levou à superação do valor normal dos bens intervencionados, por um lado, e/ou relativamente às suas capacidades de produção antes e depois daquelas intervenções, por outro.
B. DO DIREITO
Em causa no presente processo arbitral está a correcção operada pela AT, na liquidação de IRC da Requerente, relativa ao exercício de 2010, que tiveram como objecto gastos contabilizados e declarados pela Requerente como despesas de mera conservação e reparação, e qualificadas pela AT, não como reparações, mas antes como aquisição de serviços associados a bens do activo fixo tangível, essencialmente edifícios e equipamentos.
Cumpre, então, aferir da legalidade de tal correcção.
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Como muito bem refere a AT no Relatório de Inspecção Tributária[1], o ónus da prova da dedutibilidade do gasto que pretende abater ao seu lucro tributável, impende sobre a Requerente.
Com efeito, como decorre do artigo 74.º/1 da LGT, pretendendo a Requerente prevalecer-se da norma do artigo 23.º do CIRC, cumprir-lhe-á assegurar a prova dos respectivos pressupostos.
Todavia, dispõe o artigo 350.º/1 do Código Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º/d) da LGT, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”.
No caso, e com interesse para a questão, dispunha o artigo 75.º/1 da LGT, na redacção vigente à data dos factos tributários que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.
Ora, no caso, encontra-se provado que a Requerente entregou as declarações mod. 22 de IRC, bem como as declarações anuais de informação contabilística e fiscal até ao exercício 2010, tal como estipulado nos artigos 120º e 121° do Código do IRC.
Nestes termos – e não se tendo apurado – na matéria objecto do presente processo arbitral – qualquer irregularidade na sua contabilidade ou escrita, haverá que concluir pela operatividade da presunção em questão.
Poder-se-á questionar – é certo – a aplicabilidade da presunção em causa, relativamente aos requisitos da dedutibilidade dos gastos.
Com efeito, na revisão da LGT operada pela Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o supra-transcrito artigo 75.º/1 daquela lei foi alterado, sendo aditada, a final, a passagem: “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
A referida alteração é susceptível de duas leituras: poderá ser vista como interpretativa, caso em que se terá de considerar que o regime anterior à redacção alterada já consagrava o mesmo regime; ou como inovatória, caso em que se terá de considerar que apenas a partir da alteração legislativa em questão é que vigora o regime por ela instituído.
Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a alteração em causa terá carácter inovatório, na medida em que, por um lado, se traduz numa restrição do âmbito da norma em que se integrou e, por outro, tal restrição não se afigura de ser sustentável face ao quadro legal pré-existente à referida alteração legislativa.
Em todo o caso, sempre se dirá que, em concreto, não se estará, sequer, perante uma questão de dedutibilidade do gasto – esta é consensualmente aceite – mas unicamente quanto à forma e medida em que tal dedutibilidade deve operar. Dito de outro modo, não está em causa saber se o gasto é dedutível, mas antes de que forma, e em que medida, é que essa dedutibilidade se deve efectivar.
Face ao disposto no supra-citado artigo 75.º/1 da LGT, haverá então que presumir verdadeiras e de boa-fé, quer as declarações mod. 22 de IRC, bem como as declarações anuais de informação contabilística e fiscal até ao exercício 2010, apresentadas, nos termos da lei, pela Requerente, quer os dados inscritos na sua contabilidade, como não poderia deixar de ser, já que não se compreenderia que tendo a Requerente apresentado as suas declarações nos termos da lei, e dispondo da contabilidade regularmente organizada, fosse colocada no mesmo pé que um contribuinte relapso[2].
Conclui-se, assim, que, no caso, opera a referida presunção do artigo 75.º/1 da LGT, pelo que, pretendendo a AT alterar o enquadramento declarado pela Requerente, e resultante dos dados e elementos inscritos na sua contabilidade e escrita, necessitará de superar aquela presunção, o que poderá ocorrer por duas vias, a saber:
- afastando-a – impedindo que a mesma opere – pela demonstração de qualquer das circunstâncias elencadas no n.º 2 do mesmo artigo 75.º da LGT;
- ilidindo-a, pela prova do contrário do que se presume, nos termos do n.º 2 do também já referido artigo 350.º do Código Civil.
Vejamos se tal ocorre[3].
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A presunção em questão não operará, caso se verifique alguma das circunstâncias (impeditivas) elencadas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, designadamente, e para o que ora importa que:
- As declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
- O contribuinte não cumpriu os deveres que lhe cabiam de esclarecimento da sua situação tributária.
Como explica Elisabete Louro Martins[4]:
“O grau de prova exigível à Administração Fiscal para afastar a presunção de verdade prevista na LGT a favor do contribuinte, irá, na nossa opinião, depender da natureza dos vícios apurados. Os vícios formais (...) devem ser objecto de prova efectiva com base nos próprios documentos apresentados pelo Sujeito Passivo (...). Na verdade, ou os documentos se encontram formalmente correctos ou se encontram formalmente incorrectos, sendo inadmissível que seja proferida uma decisão com base em meros indícios de factos que podem ser apreendidos com base em documentos disponíveis.
Por outro lado, a mesma regra não poderá ser aplicada aos vícios materiais, uma vez que têm por base muitas vezes elementos externos à contabilidade, como o facto de as mesmas não titularem operações reais que possam conferir ao sujeito passivo o direito à dedução, que não permitam a obtenção de um grau de certeza razoável relativamente à existência do facto tributário. Conforme resulta da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT, no caso de vícios materiais, bastará a Administração Fiscal apresentar factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário”.
Compulsado o elenco factual apurado no presente processo, verifica-se que não se evidencia qualquer facto relativo à segunda das circunstâncias impeditivas da operatividade da presunção em questão, que se vêm de elencar. Pelo contrário, e como se deslinda do facto dado como provado no ponto 11 da matéria de facto, a Requerente correspondeu, na medida do que lhe foi possível, às solicitações de cooperação formuladas pela AT, no sentido do esclarecimento da sua situação tributária. Assim, citando Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa[5], “uma vez cumprido o dever de esclarecer, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT mantém-se, incumbindo à Administração Tributária o papel de desafiar a veracidade, através da demonstração de “indícios sérios” da não correspondência com a verdade, assim “impendendo sobre [esta] o ónus da prova dos factos impeditivos da verdade presumida que resulta da declaração dos contribuintes””.
Tendo, então, em conta a primeira daquelas mesmas circunstâncias, acima referidas, cumprirá, relativamente a cada grupo de situações em questão no presente processo, aferir se foram detectados omissões, erros, inexactidões das declarações ou da contabilidade, e/ou se foram reunidos indícios fundados de que aquelas não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo.
Se tal se verificar, dever-se-á, então, apurar se, claudicando a presunção de veracidade decorrente do artigo 75.º/1 da LGT, a Requerente logra, por outro meio de prova, cumprir o ónus probatório que, nos termos anteriormente delineados, lhe assiste.
Caso isso não ocorra, cumprirá verificar se a AT logrou fazer prova em contrário dos factos que, nos termos antecedentes, se devem presumir, relativos à natureza das obras em questão no presente processo, no exercício da faculdade que, nos termos do artigo 350.º/2 do Código Civil, lhe assistirá[6].
Compulsada a matéria de facto dada como provada, não se descortina qualquer circunstância indiciadora de que – na matéria que nos ocupa – ocorram omissões, erros, inexactidões das declarações ou da contabilidade, e/ou indícios fundados de que aquelas não reflectem a matéria tributável real da Requerente.
Assim, face à presunção em questão, e ao contrário do que a AT considerou no RIT, não assistia à Requerente a obrigação de justificar a contabilização efectuada. Antes, a Requerente estava obrigada a declarar nos termos legais a contabilização que fez, e em assegurar a regularidade da sua escrita. Feito isto, como acontece no caso, não será a Requerente quem tem de justificar a contabilização efectuada, mas a AT, que pretende ali operar uma correcção, é que terá de justificar a legalidade da sua actuação, demonstrando que aquela contabilização, que se presume de boa-fé e assente em dados e apuramentos verdadeiros, deve ser alterada.
Aqui chegados, haverá que aferir, então, se a AT, nos termos do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, carreou prova suficiente do contrário do que se presume nos termos do artigo 75.º/1 da LGT, ou seja, de que as obras e reparações incontestavelmente realizadas pela Requerente, têm a natureza subjacente à contabilização e tratamento fiscal que lhes foi dado e declarado por aquela. Dito de outro modo, haverá que verificar se está feita prova suficiente (ou seja: para lá de qualquer dúvida razoável), de que “os trabalhos realizados, não se tratavam de manutenções de bens, mas sim requalificações que constituíram despesas de investimento, destinando-se a melhorar a tecnologia existente e a capacidade produtiva da empresa e aumentar o valor e a vida útil dos bens envolvidos, devendo o seu custo ser repartido pelo período de utilidade esperada”[7], ou que, em suma, se tenha demonstrado “que, em cada caso, as obras realizadas contribuíram para aumentar o valor ou a duração provável dos bens sobre os quais incidiram”[8].
Trata-se, em suma, de aferir se estão demonstrados aqueles que são os fundamentos de facto do acto tributário objecto do presente processo, ou seja que:
- “Os serviços contratados não configuram reparações são "requalificações" que constituíram despesas de investimento, destinaram-se a melhorar tecnologia existente e a capacidade produtiva da empresa e aumentaram o valor e a vida útil dos bens envolvidos (...) que respeitam a adaptações a novas tecnologias e aumento da sua capacidade e até à presente data estes equipamentos não foram objeto de nova intervenção.”;
- “Estamos assim, na presença de intervenções de grande dimensão que alteraram a capacidade e a vida útil dos equipamentos.”;
- “os trabalhos e bens faturados (...) não se esgotam nem se consomem num exercício apenas. A sua utilização na atividade do SP vai perdurar nos exercícios seguintes pois os pavimentos, o telhado, as canalizações, o sistema de drenagens dos terrenos, os alumínios e as portadas, rede de água, as cubas de armazenagem, não terminam a sua utilização no final de 2010.”;
- “São serviços diversos mas pelas suas características e valor faturado verificamos que a utilização dos mesmos não se limita nem se esgota no ano em análise, sendo provável que a sua utilização se prolongue por vários exercícios, gerando benefícios económicos futuros.”;
- “alguns destes gastos inserem-se na política de requalificação do património imobiliário antigo da entidade com vista à modernização das zonas de cave e dotar a empresa de espaços para aproveitamento turístico”;
- “Os benefícios económicos futuros associados a estas operações encontram-se associados ao ativo fixo tangível que lhe está associado, ou seja, fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente, não se limitando nem se esgotando no exercício de 2010.”;
- “As obras e reparações foram efetuadas em bens utilizados pelo SP na sua atividade operacional e implicaram um retorno de rendimentos pelo aumento da eficácia na sua utilização por parte da entidade”;
- “As reparações nas máquinas aumentaram a sua eficiência (capacidade);
- “A vida útil das benfeitorias/construções e reparações era expectável na data em que foram realizadas - 2010, que a sua utilização seja superior a um ano”;
- “as benfeitorias/construções e reparações, efetuadas nas novas instalações/máquinas (...) originam benefícios económicos futuros”.
A AT, conforme resulta do RIT, considera que estes factos decorrem da consulta e análise das facturas apresentadas, designadamente do seu descritivo e valores, que, na opinião da AT, revelam uma “natureza e grandeza” dos trabalhos e bens facturados, que permite concluir que os mesmos, pelas suas características e valor facturado, não se esgotam nem se consomem num exercício apenas.
Sem prejuízo de se admitir que, pelo menos de um ponto de vista abstracto, se poderão figurar circunstâncias em que o descritivo da facturação, conjugado com os montantes facturados, permitam concluir que se esteja perante gastos cuja utilidade perdura por mais do que um exercício, no caso concreto julga-se que não se está perante uma dessas situações.
Considera-se, assim, que o descritivo das facturas, constante do ponto 3 da matéria de facto, não é, só por si, incompatível com a aquisição de bens e serviços que se destinem a manter ou restituir o valor dos bens sobre que integram o activo fixo do adquirente.
Também o valor mencionado nas facturas em questão, de per si, ou conjugado com o referido descritivo, é insuficiente para, além de qualquer dúvida razoável, permitir afirmar que as despesas em questão não tiveram a natureza e finalidade contabilizadas e declaradas pela Requerente. Com efeito, sem se percepcionar o valor global dos bens em causa, a concreta utilização dos mesmos e o estado e funcionalidades em novo, no período imediatamente anterior à reparação e, subsequentemente, pós-reparação, não será possível contraditar fundadamente, apenas com base no descritivo e montantes das facturas em causa, a declaração e registos contabilísticos da Requerente.
Deste modo, e à míngua de melhor prova, redundam infundados os juízos de facto em que assentou o acto tributário objecto da presente acção arbitral.
Com efeito, o valor e descritivo das facturas é insuficiente para que se conclua que “Os serviços contratados (...) destinaram-se a melhorar tecnologia existente e a capacidade produtiva da empresa e aumentaram o valor e a vida útil dos bens envolvidos (...) que respeitam a adaptações a novas tecnologias e aumento da sua capacidade”, já que nem um nem outro dos referidos elementos transmite o que quer que seja de definitivo, quanto à aptidão para melhorar tecnologia e capacidade produtivas.
Da mesma forma, não se alcança como é que daqueles mesmos elementos (descritivo e valores facturados) se logra retirar que “Estamos (...) na presença de intervenções de grande dimensão que alteraram a capacidade e a vida útil dos equipamentos.”, sendo que, em concreto, o valor nada diz a tal respeito até porque não se sabe se os serviços e aquisições de bens contratados foram baratos ou caros.
Também, salvo melhor opinião, nada se poderá concludentemente afirmar relativamente a os gastos em causa terem por fito a “a modernização das zonas de cave e dotar a empresa de espaços para aproveitamento turístico”, de que “As obras e reparações (...) implicaram um retorno de rendimentos pelo aumento da eficácia na sua utilização por parte da entidade”, ou de que “As reparações nas máquinas aumentaram a sua eficiência (capacidade)”.
Do mesmo modo, as circunstâncias de utilização dos “trabalhos e bens faturados (...) perdurar nos exercícios seguintes pois os pavimentos, o telhado, as canalizações, o sistema de drenagens dos terrenos, os alumínios e as portadas, rede de água, as cubas de armazenagem, não terminam a sua utilização no final de 2010.”, de a “utilização dos mesmos não se limita nem se esgota no ano em análise, sendo provável que a sua utilização se prolongue por vários exercícios, gerando benefícios económicos futuros.”, de “Os benefícios económicos futuros associados a estas operações encontram-se associados ao ativo fixo tangível que lhe está associado, ou seja, fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente, não se limitando nem se esgotando no exercício de 2010.”, de “A vida útil das benfeitorias/construções e reparações era expectável na data em que foram realizadas - 2010, que a sua utilização seja superior a um ano”, e de “as benfeitorias/construções e reparações, efetuadas nas novas instalações/máquinas (...) originam benefícios económicos futuros”, não relevarão, de per si, para a discussão em curso.
É que, para que se repute adequada a correcção operada pela AT, não bastará que a utilidade do bem ou a sua aptidão produtiva aumente, em relação ao estado em que o mesmo se encontrava anteriormente à aquisição de bens ou serviços a ele destinados. Naturalmente, todas as reparações, por definição, implicam um incremento na utilidade ou valor dos bens reparados. Assim, se por exemplo, um vidro de uma montra de uma loja se partir, é evidente que a reparação desse vidro, acarreta uma valorização e um aumento da utilidade da loja cuja montra foi reparada, em relação ao momento em que a mesma tinha a montra partida, sendo certo que a janela reparada irá perdurar, e manter a sua utilidade e aptidão produtiva, indefinidamente, no futuro. Daí que não baste a demonstração de que foram adquiridos bens ou serviços destinados a aplicação em elementos do activo fixo tangível, para que se conclua – sem mais – que estamos perante gastos sujeitos a depreciação, e não integralmente dedutíveis.
Os factos dados como provados não permitem, igualmente, sustentar as alegações da AT em sede arbitral, designadamente que “os activos em causa não foram desde 2010 objecto de novas reparações”, que “as requalificações aumentaram substancialmente o valor global do sistema produtivo”, que “as obras são, em si mesmo, obras de beneficiação, que aumentam o valor dos activos”, ou que se tenha demonstrado “que, em cada caso, as obras realizadas contribuíram para aumentar o valor ou a duração provável dos bens sobre os quais incidiram”.
Deste modo, não se tendo comprovado, para lá do limiar da dúvida razoável, os pressupostos de facto em que assenta o acto tributário objecto da presente acção arbitral, deverá o mesmo ser anulado, procedendo o pedido formulado pela Requerente.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios de 2010, nº 2015…, compensação nº 2015…, no valor de 61.208,31€;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de 2.448,00€.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 61.208,31€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.448,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
2 de Fevereiro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Catarina Gonçalves)
O Árbitro Vogal
(Manuel Alberto Soares)
[1] “nos termos do artº 23º, compete ao SP demonstrar a dedutibilidade fiscal dos encargos contabilizados.”.
[2] Conforme se escrevia já no preâmbulo do Decreto Lei 154/91, de 23 de Abril, que aprovou o CPT, “A presunção da verdade dos actos do Fisco foi substituída pela presunção da verdade dos actos do cidadão-contribuinte”.
[3] Note-se que a não ilisão da presunção, e os efeitos daí retirados, não constituem uma alteração das regras de distribuição do ónus da prova, que, como se viu oneram a Requerente. Como refere Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa (“Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária : o art. 73.º da LGT”, p. 36, disponível em http://hdl.handle.net/1822/24601), “A parte a quem incumbe a prova não deixa de ser a parte que originalmente teria esse ónus legal. O que acontece, como PIRES DE SOUSA sublinha, é que “a presunção legal proporciona à parte, que dela pode beneficiar, uma maior certeza sobre os resultados que alcançará com a prova do facto-base uma vez que este está fixado de uma forma concreta e determinada pela norma legal””, e, mais adiante (p. 37), “Enquanto que as presunções se aplicam na fase probatória, as regras de distribuição do ónus de prova actuam num momento posterior, verificada a insuficiência da prova dos factos e o não convencimento do julgador”.
[4] “O Ónus da Prova em Direito Fiscal”, Wolter Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 129.
[5] Op, cit., pp. 175 e ss..
[6] Cfr. Elisabete Louro Martins, Op. cit., p. 125: “quando surjam dúvidas sobre os factos declarados pelo Sujeito Passivo na declaração de rendimentos, caso todas as questões suscitadas pela Administração Fiscal tenham ficado resolvidas em sede de inspecção tributária ou em sede do exercício do dever de prestação de esclarecimentos através da análise dos documentos apresentados pelo mesmo, não será legítimo à Administração Fiscal actuar através da prática do acto tributário, sem apresentar qualquer prova que indicie objectivamente o vício formal ou material verificado, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do CC, uma vez que às presunções legais é atribuída força probatória plena”.
[7] Cfr. artigo 10.º da resposta da AT.
[8] Cfr. artigo 39.º da resposta da AT.