Decisão arbitral
I – Relatório
1. No dia 1 de Junho de 2015, A..., pessoa colectiva nº..., com sede no..., nº..., 2º, ...-... Lisboa, representado pela B..., SA, pessoa colectiva nº..., e com sede na mesma morada, vem ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime de Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo, efectuada nos termos da Verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 9.122,50 (nove mil cento e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) relativo ao prédio com artigo matricial..., da freguesia de..., concelho de Lisboa. Juntou, para além da procuração forense e do comprovativo de pagamento da taxa inicial de arbitragem, sete documentos.
2. No Pedido de pronúncia arbitral o Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 12 de Agosto de 2015.
5. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º do RJAT, a Administração Tributária e Aduaneira (AT) veio, em 25 de Setembro de 2015, apresentar Resposta e juntar Processo administrativo.
6. Dispensada, com acordo das Partes, a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 11 de Novembro e 24 de Novembro de 2015, respectivamente, tendo o Tribunal designado o dia 5 de Fevereiro de 2016 para decisão final.
7. O Pedido de Pronúncia Arbitral
No Requerimento de pronúncia arbitral o Requerente diz, em síntese (da nossa responsabilidade):
- Tem legitimidade processual para o presente pedido, efectuado na sequência de indeferimento de recurso hierárquico e reclamação graciosa anteriormente apresentados, e que tem por objecto o acto tributário de liquidação nº 2011...a que se refere a nota de cobrança nº 2013..., cuja ilegalidade pretende que seja declarada pelo tribunal.
- Não concorda com a liquidação de Imposto do Selo efectuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativamente ao período transitório previsto no artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, da qual resultou uma colecta de € 9.122,50, na medida em que o prédio objecto de incidência, com o artigo ... da freguesia de..., é descrito na matriz como um terreno para construção e não como um prédio com afectação habitacional.
- Os terrenos para construção só passam a subsumir-se na verba 28 da TGIS a partir de 1 de Janeiro de 2014, após a alteração à verba 28.1 introduzida pelo art. 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, reconhecendo o legislador que a norma de incidência não abrangia antes os terrenos para construção.
- A alteração introduzida pelo Orçamento de Estado de 2014 não pode ter aplicação retroactiva porque é inovadora, já que da letra da lei em vigor à data dos factos não se retirava que a afectação habitacional compreendesse outros prédios para além dos que estão, na matriz predial, afectos à habitação.
- A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba 28 com efeitos a partir de 30 de Outubro de 2012, não clarificou em nenhum lugar o que são prédios com afectação habitacional, aditando um nº 2 ao art. 67º do Código do IS e mandando aplicar subsidiariamente o Código do IMI.
- Verificando a classificação de prédios no CIMI, conclui-se que os prédios urbanos habitacionais e os terrenos para construção são duas classes diferentes de prédios não definindo o mesmo Código o que são prédios com afectação habitacional.
- Mas, atendendo ao disposto no art. 6º do CIMI, não se pode dizer que terrenos para construção tenham afectação habitacional na medida em que essa afectação tem que ser efectiva e não meramente potencial e futura, sob pena de se estar a tributar realidades futuras e incertas ou até a tributar um facto tributário inexistente.
- Nem sequer o licenciamento da obra pode ser indicador da afectação à habitação seja porque na maioria das vezes a construção autorizada também prevê utilização para fins comerciais ou serviços, seja porque o licenciamento não é só por si uma garantia da concretização da construção, de uma efectiva utilização habitacional.
- Nem com obtenção de alvará – quando já existe um compromisso firme de edificar algo – se pode dizer que um prédio tem afectação habitacional porque não é possível viver nele, não tem as características necessárias à habitação de um ser humano.
- Quanto ao facto de no cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se remeter para o coeficiente de afectação (habitação, serviços, etc.) como meras afectações potenciais e futuras, constitui apenas um mero indicador utilizado pelo legislador para calcular o valor dos terrenos para construção, não autorizando a subsumi-los na factispecie da verba 28.1. da TGIS como prédio com afectação habitacional, o que só pode acontecer com a entrega da modelo 1 do IMI a comunicar a conclusão das obras.
- A exposição de motivos da Lei nº 55-A/2012, assim como as declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na apresentação da proposta de lei na Assembleia da República, confirma a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência da mesma a terrenos para construção.
- Esta mesma interpretação foi seguida em decisões arbitrais e judiciais.
- Com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado por não pagamento do imposto liquidado, prestou garantia bancária - cujo custo só se apurará com exactidão no momento em que seja possível levantar a garantia, mas que estima até ao momento ter importado em € 605,02 – pelo que tem direito a indemnização correspondente à totalidade dos custos incorridos com a garantia bancária acrescida de juros à taxa de juros legais, calculados sobre esses custos contados desde a data em que foram suportados até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.
8. A Resposta
A Requerida diz, em síntese (da nossa responsabilidade):
Como questão prévia, suscita a excepção de intempestividade do pedido:
- O Requerente impugna o acto tributário de liquidação e não o acto de indeferimento da impugnação administrativa do acto, limitando-se a proceder a alusão e identificação do acto sem formular qualquer pedido tendente à anulação do que naquela sede foi decidido pelo que, tendo a data limite de pagamento do imposto ocorrido em 31-12-2013 e o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado a 01-06-2015, este mostra-se intempestivo, devendo a Entidade demandada ser absolvida da instância.
Quanto à legalidade da liquidação:
- Com a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012, no artigo 1.º do CIS, e aditamento da verba 28 à TGIS, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.
- Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, mandado aplicar subsidiariamente pelo art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo.
- Terá que se ter em conta o conceito de prédio do n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, assim como o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIMI, sobre as espécies de prédios urbanos existentes (integrando neste conceito os terrenos para construção);
- A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar o valor do imóvel em causa; por isso a noção de afectação do prédio urbano assenta na avaliação dos imóveis, de acordo com o art. 45.º, n.º 2, do CIMI que manda ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, sendo por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI.
- Assim, se para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação, não pode ser ignorada a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.
- O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, mas “afectação habitacional “ cujo sentido tem de se encontrar não no art. 6.º, n.º1, alínea a), do CIMI mas no art. 45.º do CIMI, que distingue a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir e a área de terreno livre - apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efectivada.
- O valor do terreno adjacente à área de implantação é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.
- Tendo em conta o regime de urbanização e edificação, RJUE e Planos Directores Municipais, é possível, antes da efectiva edificação do prédio, apurar e determinar a afectação do terreno para construção.
- Embora a Lei 83-C/2013, de 31/12, nada refira quanto à natureza da alteração normativa efectuada, o seu carácter interpretativo resulta da utilização dos conceitos legalmente previstos no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, em especial nas alíneas a) e c), porquanto reforçam o entendimento segundo o qual a noção de “prédios com afectação habitacional” pretendia abranger não só os prédios habitacionais mas também outra realidade, nomeadamente os terrenos para construção.
- Ainda que o pedido de declaração de ilegalidade procedesse, a Requerente não logra, quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida, provar os encargos que concretamente suportou.
9.Objecto do pedido
A questão jurídica suscitada no presente pedido de apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2012 consiste em saber se um terreno para construção deve ser considerado “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Como questão prévia há que decidir sobre invocada intempestividade do Pedido, o que será feito após a fixação da factualidade.
10. Saneamento
O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade que obste à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II Fundamentação
11. Factos provados
11.1. O Requerente, A..., é proprietário do prédio com artigo matricial ... (antigo artigo...) sito na Rua..., concelho de Lisboa, freguesia de ... (artigo 7º do Pedido, 31º da Resposta).
11.2. Na respectiva caderneta predial urbana o prédio referido no número anterior encontra-se designado como “terreno para construção”, com as seguintes áreas: total de terreno 3.380,0000 m2; implantação do edifício, 1.260,0000m2; área bruta de construção, 5.339,0000m2; área bruta dependente,1237,5000m2 (doc. nº 4 junto com o Pedido de pronúncia e PA, doc. 6).
11.3. Em 2012, como valor patrimonial tributário do prédio descrito no número anterior foi determinado o montante de € 1.824.500,00 (doc. nº 4 junto com o Pedido de pronúncia e PA, doc. 6).
11.4. O Requerente foi notificado da liquidação de Imposto do Selo, com data de 26 de Julho de 2013, através de documento com o número 2013..., para pagamento até 31 de Dezembro de 2013, que identificava como fundamento da liquidação as alíneas f) e i) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 55/2012, e colecta a pagar de € 9.122,50, por aplicação da taxa de 0,50 ao Valor Patrimonial de € 1.824.500,00 (Documento n.º 1 junto com o Pedido).
11.5. Em 31 de Janeiro de 2014, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação que foi tramitada com o nº ...2014..., objecto de projecto de decisão notificada para audição prévia por ofício nº..., de 6 de Agosto de 2014, convertida em decisão final por despacho de 16 de Setembro de 2014 e notificada por ofício nº..., de 18-09-2014, da Direcção de Finanças de Lisboa (artigo 3º do Pedido, Documento 2 junto com o Pedido e PA documento 2).
11.6. Interposto, em 22 de Outubro de 2014, recurso hierárquico da decisão referida no número anterior, este foi tramitado com o nº ...2014..., sendo, sob parecer da Direcção de Finanças de Lisboa e informação de 24-02-2015, indeferido pela Directora de Serviço do IMT, Imposto do Selo, IUC e Contribuições Especiais, por despacho de 26 de Fevereiro de 2015, objecto de notificação ao Requerente através do ofício da Direcção de Finanças de Lisboa nº..., de 10 de Março de 2015, onde se informava que “caso não concorde com a decisão, face ao disposto no nº 2 do artigo 76º do CPPT, conjugado com o corpo do nº 1 do artigo 102º e al. e) do nº 1 do mesmo artigo do CPPT, poderá, no prazo de três meses, a contar da data da assinatura do aviso de recepção, apresentar impugnação judicial contra aquela decisão, nos termos previstos nos artigos 99º e seguintes do CPPT” (doc. nº 1 junto com o Pedido e PA, documentos 2, 3 e 4).
11.7. O Requerente não pagou o imposto liquidado, objecto de apreciação nos autos, tendo sido instaurado processo de execução (nº ...2014...) pelo Serviço de Finanças de Lisboa ... (artigos 54º e 55º do Pedido, PA, doc. 5, fls. 20).
11.8. O Requerente subscreveu, em 29 de Abril de 2014, uma garantia bancária até ao limite de € 165.000,00 para caucionar e garantir eventuais pagamentos em onze processos de execução fiscal relativos a Imposto do Selo do ano 2012, entre eles o processo nº ...2014... (art. 55º do Pedido e Doc. nº 5 junto com o Pedido).
12. Factos não provados
Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
13. Fundamentação da prova
A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo.
14. Apreciação de direito
14.1. A excepção – intempestividade do Pedido/caducidade do direito à acção
14.1.1. Argumentos das partes sobre a matéria
Na sua Resposta, a Requerida defende que, por aplicação dos artigos 10º do RJAT e 102º, nºs 1 e 2, do CPPT, a Requerente deveria ter apresentado o Pedido de pronúncia arbitral no prazo de 90 dias contados a partir do término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária (31-12-2013). Porque, considera, embora o acto tributário tenha sido impugnado administrativamente, não basta a alusão ao facto e ao indeferimento ocorrido - a Requerente deveria ter concretizado perante o tribunal um pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido. Não o tendo feito, o Pedido apresentado em 1 de Junho de 2015 é intempestivo. No sentido da sua tese cita várias decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD.
O Requerente respondeu à excepção, em alegações, argumentando que, precisamente, o que pretende é a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação. Tal pedido não só não impede a declaração da ilegalidade das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, resultado que é “um menos” face à ilegalidade do acto de liquidação que não pode deixar de ser objecto do Pedido de pronúncia. Invoca jurisprudência neste sentido e o princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º e 268º da CRP).
A Requerida, em alegações, manteve a posição defendida na Resposta e juntou uma decisão proferida no proc. 346/2015-T, citando ainda outras decisões proferidas no âmbito do CAAD.
14.1.2. Análise da questão
Verifica-se que, a final do Pedido, o Requerente requer a declaração de ilegalidade e a anulação do acto de liquidação do Imposto do Selo relativo a 2012. Mas, no artigo 1º do Pedido de constituição do tribunal arbitral, legitima o Pedido dizendo «Nos termos dos artigos 2º, nº1, alínea a) e 10º, nº 1, alínea a), ambos do RJAT, os tribunais arbitrais têm competência para declaração da ilegalidade de atos de liquidação de tributos e, bem assim, do indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas e recursos hierárquicos». E, no artigo 3º do Pedido, frisa que «pretende que o Tribunal declare a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo a seguir identificada, emitida ao abrigo da verba 28.1. da TGIS (...), na sequência de indeferimento de recurso hierárquico (...) e reclamação graciosa (...)».
E junta documentação do procedimento administrativo onde se verifica que a Requerida, rejeitando os argumentos invocados em reclamação e recurso hierárquico, reafirmou a posição que fundamentara o acto de liquidação (Docs. 1 e 2 juntos com o Pedido).
Tal como defendemos em outros processos (por exemplo, 165/2015-T), cremos que o que se visa com o frequentemente citado entendimento jurisprudencial, pacífico e reiterado, de que a “impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do nº 1 do artigo 97º do CPPT” (por todos, Ac. do STA de 20 de Maio de 2015, in proc. nº 01021/14), visa fundamentalmente defender que “anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação” (acórdão referido e que cita outros arestos do STA, de 16.06.2004, no proc. nº 01877/03, de 28.10.2009, no proc. nº 0595/09, de 18.05.2011, no proc. nº 0156/11, de 16.11.2011, no proc. nº 0723/11, de 18.06.2014, no proc. nº 01942/13).
Ou seja, pretende-se afirmar que em impugnação judicial a competência do tribunal se estende para além do conhecimento da ilegalidade da liquidação, ao conhecimento dos vícios da própria decisão administrativa (de 2º grau) que analisou a legalidade do acto de 1º grau. Mas, ainda que começando por atacar a ilegalidade do acto de 2º grau (ou 3º), última decisão que até pode ter ilegalidades próprias, “o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise (…).”“(Acórdão do STA 18 de Maio de 2011, proc. n.º 0156/11).
Por outro lado, no que respeita aos processos arbitrais, há que ter em conta que “a competência dos tribunais arbitrais se limita à declaração de ilegalidade de actos de liquidação abrangendo apenas os actos de indeferimento de actos de segundo grau (reclamações ou recursos hierárquicos) que conheceram efectivamente da legalidade dos atos de primeiro grau” (Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 120 a 123)[1].
No presente caso, a legalidade da liquidação foi apreciada e confirmada por actos administrativos de segundo e terceiro grau, o Requerente não se conforma e vem apresentar Pedido de apreciação arbitral tendo como objecto uma pretensão definida nos termos do artigo 2º do RJAT. Invoca a ilegalidade de acto tributário (cuja legalidade foi apreciada e confirmada no procedimento de impugnação administrativa mantendo a defesa da ilegalidade) e que a mesma foi mal resolvida com o indeferimento da reclamação.
Ainda que se admita que a Requerente poderia ter formulado a sua pretensão de forma mais perfeita, cremos que uma decisão de caducidade do direito à acção não teria em conta a aplicação dos princípios “pro actione” e in dubio pro favoritate instanciae”, de acordo com o artigo 7º do CPTA, [2] e da garantia constitucional à tutela judicial efectiva (arts. 20º, nº 1 e 268º, nº 4, da CRP).
Assim, tendo em conta a data da notificação da decisão final do recurso hierárquico, considera-se que o presente Pedido de constituição de Tribunal Arbitral, apresentado em 1 de Junho de 2015, não se mostra intempestivo face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, pelo que se passa à apreciação da legalidade da liquidação.
14.2. Aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aos terrenos para construção
A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
Segundo resulta das alterações ao Código do IS, introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do artigo 1º e nº 4 do artigo 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do artigo 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS).
A verba 28.1 abrange “prédios com afectação habitacional” mas este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, nem é usado no CIMI, diploma para o qual remete expressamente o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28 da TGIS.
Esta questão tem sido objecto de apreciação em elevadíssimo número de processos, quer nos tribunais arbitrais[3], quer nos tribunais administrativos e fiscais, existindo já uma quantidade apreciável de decisões proferidas ao mais alto nível [4] (Secção de Contencioso Tributário do STA), verificando-se grande uniformidade de posições.
Por concordância com a apreciação que vem sendo feita, reproduzimos alguns excertos de decisões e repetimos argumentação já utilizada em anteriores processos com a nossa intervenção.
Em síntese, o Requerente defende que a verba 28 da TGIS ao referir-se a prédios com afectação habitacional abrange os “prédios edificados” – prédios a que já foi dado o destino para habitação - e não os “terrenos para construção” – que poderá vir algum dia, se ele chegar, a ser afectados àquele fim específico. E a AT considera que o sentido de o legislador não utilizar a expressão “prédios destinados a habitação”, mas “afectação habitacional, tem de se encontrar não no artigo 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI mas no art. 45º do CIMI, através da interpretação da expressão “afectação habitacional”, noção que assenta na avaliação dos imóveis. O artigo 45.º, n.º 2, do CIMI ao mandar ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, remete para o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, que teria que ser tida em conta para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.
Analisando exactamente este tipo de argumento, disse-se na decisão arbitral proferida no proc. 53/2013-T: “No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é o destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.”[5]
Também as decisões arbitrais nºs 158/2013-T e 288/2013-T, rejeitaram a tese da AT sobre a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral aos terrenos para construção, e que torna aplicável a tais imóveis o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI, da seguinte forma: «É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”
A argumentação da AT tem também sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Administrativo, com fundamentação como a contida no Acórdão de 14-05-2014, proferido no processo nº 0317/14 (Relatora Isabel Marques da Silva): «Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.»
O presente tribunal subscreve as análises contidas nos excertos de decisões acima reproduzidos.
Esta interpretação é confirmada pela alteração, pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), da letra da verba 28.1, que passou a dizer: «Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI ».
Esta alteração de redacção significa que se quis mudar o texto para abarcar o que antes não se encontrava nele incluído. Com efeito, se alguém tinha querido anteriormente abranger a realidade defendida pela AT, tal desiderato não só não encontrava expressão na letra da lei como era contrariado pelo elemento histórico, através do relato dos trabalhos parlamentares.
As declarações do SEAF acima transcritas são disso a prova: o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou que eram expressão determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos com afectação habitacional de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional.
Por isso, o critério utilizado foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...)[6] “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal."
Ora se o legislador revelou, claramente, querer tributar casas de luxo afectas a habitação, não é possível retirar da letra da lei, com a redacção aprovada em 2012, a interpretação que sustenta que a tributação abrange os terrenos para construção de edificações, ainda que afectas a habitação.
Citando mais uma vez o Acórdão do STA proferido no rec. nº 317/14: “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.
Portanto, a redacção dada à verba 28.1. com o OE para 2014 é claramente inovadora, não se pondo a questão da sua aplicação a anos anteriores.
14.3. Conclusão
Tendo em conta que o prédio da Requerente é classificado como terreno para construção, não configura um prédio com afectação habitacional actual, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente ao tempo dos factos.
Por isso, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
15. Garantia indevidamente prestada
A Requerente pede condenação em indemnização por prestação indevida de garantia bancária, prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado por não pagamento do imposto liquidado, reconhecendo que o custo não é fácil de apurar neste momento.
Na matéria de facto ficou provada a existência de uma garantia bancária prestada para um conjunto de onze processos, incluindo o processo nº ... 2014... instaurado para cobrança do imposto objecto dos presentes autos (factos provados, 11.7. e 11.8.).
Decorre dos números 1 a 3 do artigo 53.º da L.G.T (com epígrafe “garantia em caso de prestação indevida”) que no caso de se verificar, em reclamação graciosa ou impugnação, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, o devedor que ofereceu garantia bancária ou equivalente para suspender a execução será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação em proporção do vencimento em impugnação judicial que tenha como objecto a dívida garantida, tendo esta como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na L.G.T.
Sobre a matéria dispõe o artigo 171º do CPPT: “A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.
No caso dos autos, concluiu-se que não foi correcta a interpretação dos serviços da Requerida ao tributar a situação nos termos da verba 28.1 da TGIS, e é também pacífico que os tribunais arbitrais são competentes para aplicar o art. 53º da LGT [7], pelo que se reconhece o direito da Requerente a ser indemnizada pelo custo da prestação de garantia [8].
Mas não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013 e artigo 565.º do Código Civil).
16. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo impugnada no montante de € 9.122,50, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação dos actos de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.
b) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, condenando a Requerida a indemnização que vier a ser apurada em execução do ora decidido.
17.Valor do processo
De harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.122,50 (nove mil cento e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos).
18. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2016
A árbitro
Maria Manuela Roseiro
[1] Isto é, não poderão ser apreciadas as decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, designadamente as que não conheceram do mérito do ato de liquidação que é objecto de reclamação, pois o que se permite através da impugnação da decisão da reclamação graciosa é apreciar a legalidade do subjacente acto de liquidação (...) e não a própria decisão de reclamação graciosa que não conheceu do mérito da pretensão do sujeito passivo” (Jorge Lopes de Sousa, ibidem, p. 125). De forma diferente do que acontece no processo judicial tributário em que, decorrendo do artigo 97º do CPPT a regra da distinção entre impugnação judicial e acção administrativa especial (antes recurso contencioso) conforme o acto administrativo impugnado comporte ou não a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação, tem sido entendido que a disposição especial do nº 2 do art. 102º permite depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável em caso de indeferimento de reclamação graciosa Jorge Lopes de Sousa, Arbitragem Tributária, p. 124 e CPPT anotado, vol. II, p. 149.
[2] Cf. por exemplo, acórdão arbitral proferido nos processos 282/2013-T.
[3] No âmbito do CAAD foram proferidas muitas decisões, estando já publicadas mais de uma centena (site CAAD, jurisprudência tributária).
[4] Cf. publicados em www.dgsi.pt, acórdãos do STA (Secção CT), em 2014 : 9 de Abril (processos nºs 1870/13 e 48/14); 23 de Abril (processos nºs 270/14; 271/14; 272/14); 14 de Maio (processos nºs 1871/13, 46/14; 55/14; 274/14; 317/14); 28 de Maio (processos nºs 395/14; 396/14 e 425/14); 2 de Julho (proc. 467/14); 9 de Julho (proc. 674/14); 29 de Outubro (529/14) e 2015: 14 de Janeiro (541/14); 15 de Abril (1481/14, 699/14, 764/14, 1481/14); 2 de Maio (1312/14 e 1387/14); 22 de Abril (279/15 e 347/15); 29 de Abril (21/15); 27 de Maio (387/15); 17 de Junho (1479/14); 8 de Julho (573/15); 9 de Setembro (1338/15); 28 de Outubro (1148/15).
[5] A mesma decisão também já concluíra que “deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.” E “Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.
[6] Decisão arbitral no proc. 219/2013-T e decisões aí citadas (proc. 48/2013-T e 50/2013-T).
[7] Citando outras decisões do CAAD (p. ex. processos 1/2013-T e 420/2015-T):«O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida. Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.»
[8] Tendo em conta, porém, que: ”O direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão-somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT. (cf. Acórdão do STA de 30 de Março de 2012, in proc. 013/11).