O árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 17 de Agosto de 2015, acorda no seguinte:
Decisão Arbitral
1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A., na qualidade de sociedade gestora do fundo B..., contribuinte nº..., com sede na Avenida..., nº..., Lisboa, de ora em diante designada por “Requerente”, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de nulidade dos actos tributários de liquidação de IMT e de IS, no valor total de €16.197,37 (dezasseis mil cento e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), melhor identificados na petição inicial apresentada pela Requerente, e que aqui se dão por articulados e reproduzidos, para todos os efeitos legais, os quais respeitam ao prédio urbano propriedade da Requerente, sito na Rua..., nº..., registado com o artigo matricial..., Freguesia de..., Concelho de..., conforme documentos junto à petição inicial.
Mais requer a Requerente a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas e que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas.
1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente que as liquidações objecto desta petição são ilegais pois entende ser inconstitucional, por violação do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014.
Entende ainda a Requerente que as liquidações impugnadas são nulas ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) porque ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que impugnáveis a todo o tempo.
1.4. A AT defende que o pedido de declaração de nulidade das liquidações controvertidas deverá ser julgado improcedente, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção defende-se a Requerida dizendo que no ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos atos é, por razões de segurança jurídica, a mera anulabilidade, incluindo para os praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais, tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a pronunciar-se nesse mesmo sentido.
Refere a Requerida que a declaração de nulidade aparece reservada aqueles actos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, contendendo com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é o caso nos autos.
Os actos em apreço, sendo, sem que em tal se conceda, violadores do princípio da legalidade tributária, seriam, assim, anuláveis, mas não nulos, pelo que o presente pedido arbitral é extemporâneo, pois o prazo de impugnação dos atos de liquidação há muito que se encontra esgotado.
Acrescenta ainda a Requerida, na sua defesa por excepção, que o Tribunal Arbitral não tem competência para aferir ou declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, como no fundo pretende a Requerente.
Defende-se por impugnação dizendo que a lei não estabeleceu nenhum novo requisito para aplicação da isenção prevista no regime fiscal dos FIAH, mas apenas concedeu um prazo para cumprimento de um requisito já subjacente ao próprio regime, prazo esse que apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.
Não se trata pois de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas, regular o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido. Pelo que a Requerida entende que a norma em apreço não é inconstitucional.
Pelo que a Requerida entende deve ser declarada improcedente a presente petição.
1.5. Foi acordada pelas partes a dispensa de alegações e da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1) O fundo B... era, à data das liquidações sub judice, proprietário do prédio urbano objecto dessas mesmas liquidações, sito na..., ..., Freguesia de..., Concelho de ....
2) Em conformidade com o mencionado na petição inicial e na resposta dada pela Requerida, foram efectuadas uma liquidação de IMT no valor de €13.718,95 (treze mil setecentos e dezoito euros e noventa e cinco cêntimos) e uma liquidação de IS no valor de €2.475,42 (dois mil quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos), ambas com data limite de pagamento de 25 de Agosto de 2014, as quais foram pagas pela Requerente.
3) Tais liquidações foram feitas ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014).
Factos não provados
Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.
Fundamentação da Matéria de Facto
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.
4. QUESTÕES DECIDENDA
São duas as questões a decidir nos presentes autos:
a) Conhecer da excepção da impugnabilidade dos actos por extemporaneidade do pedido e de incompetência do Tribunal Arbitral;
b) Determinar-se a ilegalidade ou não das liquidações de IMT e IS sub judice efectuadas ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014).
5. Da impugnabilidade dos actos e da incompetência do Tribunal Arbitral
Previamente à apreciação do mérito da causa cumpre, antes de mais, conhecer da tempestividade do pedido de acção arbitral deduzido pela Requerente.
A AT fundamenta a sua pretensão, no que à excepção de impugnabilidade dos actos diz respeito, no facto dos actos de liquidação sub judice deverem considerar-se anuláveis e não nulos, pelo que o presente pedido arbitral é extemporâneo, pois o prazo de impugnação dos actos de liquidação há muito que se encontrava esgotado quando deu entrada no Tribunal Arbitral a presente petição.
Ora, é jurisprudência consagrada em diversos Acordãos que, no domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação.
O mesmo regime se aplica em relação a um acto de liquidação que aplique uma norma inconstitucional, salvo se ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que não é o caso do princípio da legalidade.
Ou sejam ainda que os actos de liquidação sub judice se baseiem numa norma inconstitucional, o vício de que padecem seria sempre a anulabilidade e não a nulidade.
A título exemplificativo, o Acórdão de 27.01.2010 - Recurso nº 948/09, no qual ficou escrito: "Na verdade, é sabido que no domínio do contencioso tributário a inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação ….invocável nos termos da cobrança coerciva, até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal, mesmo que posteriormente ao de impugnação de actos anuláveis, mas nunca a todo o tempo”.
Conforme jurisprudência firme e reiterada do STA, mesmo nos casos de actos que apliquem normas inconstitucionais, o correspondente vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito gera mera anulabilidade, salvo se ocorrer do conteúdo de um direito fundamental (alínea d) nº 2 do artigo 133º do CPA) o que não sucede no caso do princípio da legalidade, protecção da boa fé ou direito à propriedade privada (acórdãos de 30/01/01, 15/01/03, 25/05/04, 16/11/05, 10/01/07, 5/07/07 e 7/05/08, nos processos n.ºs 26.392, 1629/02, 208/04, 1108/03 (Plenário), 736/05, 496/06, 479/06 (Pleno) e 1034/07.
Não vemos razões para seguir um entendimento diferente daquele que tem vindo a ser seguido pelos acórdãos do STA acima mencionados, porque uma coisa é o vício da norma, outra, diversa, é o vício do acto. Ou seja, um acto de liquidação que aplique uma norma no errado pressuposto da sua validade, da sua existência ou relevância jurídica, padece de vício de violação de lei por erro no pressuposto de direito, causa de mera anulabilidade, mas não de nulidade.
E, assim sendo, estando os actos de liquidação sub judice, sancionados apenas pela regra geral da anulabilidade, o regime aplicável quanto ao prazo para deduzir impugnação é o da alínea a) do nº1 do artigo 102º do CPPT.
Assim, tendo a Requerente sido notificada para pagar as liquidações sub judice até ao dia 25 de Agosto de 2014, a petição da Requerente deu entrada neste Tribunal, encontrando-se já o respectivo prazo ultrapassado, pelo que caducou o direito da Requerente de impugnar por via da apresentação do pedido de constituição arbitral as liquidações em causa.
Pelo que se considera intempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado, por caducidade do direito de acção, ficando assim prejudicado o conhecimento da questão de mérito.
6. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar intempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado, por caducidade do direito de acção, absolvendo, em consequência a Requerida do pedido.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euros €16.197,37 (dezasseis mil cento e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em Euros 1.224 (mil duzentos e vinte e quatro euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2016
O Árbitro
(Maria Antónia Torres)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.