Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 320/2015-T
Data da decisão: 2016-01-22  Selo  
Valor do pedido: € 32.536,80
Tema: IS – Verba n.º 28.1 da TGIS; propriedade vertical; revisão oficiosa; competência, inimpugnabilidade e tempestividade
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A – Tramitação processual

 

1.      A… S.A., NIPC…, com sede na…, Lote 1, …, …-… Lisboa, (doravante Requerente) veio requerer, em 20 de Maio de 2015, a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que introduziu o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante, abreviadamente, designado por RJAT), com vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo, dos anos de 2012 e 2013, no valor global de € 32.536,80, incidentes sobre o prédio urbano sito na Rua da … n.º…e …E, em Lisboa, inscrito na matriz urbana sob o art...º da freguesia das…, concelho de Lisboa.

2.      Pede, ainda, a Requerente a condenação da Requerida à restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º/1 da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 61.º/2 e 5 do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

3.      No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

4.      Nos termos do art. 6.º/2 al. a) e do art. 11.º/1 al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como Árbitro, a ora signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

5.      O Tribunal Arbitral ficou constituído em 7 de Agosto de 2015.

6.      A Requerida apresentou a sua resposta no dia 7 de Outubro de 2015.

7.      No dia 6 de Novembro de 2015, a Requerente apresentou, por escrito, resposta às excepções.

8.      No dia 2 de Dezembro de 2015, a Requerente juntou aos autos talão dos CTT comprovativo do envio, em 15/01/2015, por correio registado, do pedido de revisão oficiosa das liquidações em causa.

9.      Não tendo havido oposição das partes, foi decidido dispensar a reunião prevista no art. 18.º do RJAT.

10.  As partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, indicando-se como data limite para a prolação da decisão o dia 25 de Janeiro de 2016.

11.  As partes não apresentaram alegações escritas.

 

 

B. Posição das Partes

 

12.  A Requerente alega, em síntese, que:

12.1.        O sujeito passivo requereu em 16/01/2015 revisão oficiosa de liquidação dos actos de liquidação de imposto de selo.

12.2.        Até ao momento o processo não foi concluído, pelo que – ao abrigo do disposto no art. 57.º/ 5 da LGT – presume-se o indeferimento tácito em 16/05/2015.

12.3.        Nos termos do art. 102.º do CPPT a impugnação judicial pode ser apresentada no prazo de três meses a contar do indeferimento tácito.

12.4.        A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua da … n.º … e …E, inscrito na matriz urbana sob o art….º, freguesia das…, concelho de Lisboa.

12.5.        O prédio é composto por cave, lojas e 5 andares, e tem o valor patrimonial total de € 2.287.080,00.

12.6.        Em causa nos presentes autos está a liquidação do Imposto de Selo, à taxa de 1%, por aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, aditada pelo Decreto-lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

12.7.        Com referência aos anos 2012 e 2013, a Requerida considerou que, não estando o prédio constituído em propriedade horizontal, o critério para determinação da incidência do imposto de selo era a soma do VPT dos vários andares e/ou divisões susceptíveis de utilização independente afectas à habitação.

12.8.        Sustenta, no entanto, a Requerente que só haverá incidência do Imposto de Selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um VPT superior a um milhão de euros, o que não acontece no caso em apreço.

12.9.        Mais invoca que o critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

12.10.    Conclui pedindo que o tribunal arbitral tributário declare a ilegalidade dos actos em causa, com a consequente restituição do imposto pago, bem como dos correspondentes júris indemnizatórios.

 

13.  Na resposta apresentada, a Requerida alega, em síntese, que:

13.1.        Por excepção, invoca que não está abrangida na competência material do Tribunal Arbitral a revisão oficiosa de actos de liquidação de tributos, nos termos do art. 2.º/1/al. a) do RJAT.

13.2.        Conforme decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos pela Requerente, esta pretende obter pela presente via processual a revisão oficiosa das liquidações de imposto de selo de 2012 e 2013 por ter decorrido o prazo de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado em 16/01/2015.

13.3.        Uma vez que a Administração Tributária não está vinculada à jurisdição arbitral relativamente a pedidos de revisão oficiosa de actos tributários de liquidação, conclui pela incompetência do presente tribunal para decidir o presente litígio, o que conduz à absolvição da instância – cf. art. 576.º e 577/e) do Código do processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 29.º/1, al. e) do RJAT.

13.4.        Em termos dubitativos, suscita ainda a Requerida a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral do pedido de revisão oficiosa que a Requerida terá apresentado em 16/01/2015, uma vez que o pedido não foi instruído do respectivo pedido de revisão oficiosa.

13.5.         Em matéria de excepção, suscita ainda a Requerida a inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, o que gera a excepção dilatória prevista no art. 89.º/1, al. c) do CPTA, subsidiariamente aplicável, ex vi, art. 29.º/1, al. c) do RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e acarreta a absolvição da AT da instância.

13.6.        Por impugnação, sustenta que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de Imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o compõe, ainda que susceptíveis de utilização independente.

13.7.        Sustenta, assim, a legalidade das liquidações impugnadas, devendo ser considerada improcedente a pretensão da A. e a Requerida absolvida dos pedidos.

 

 

C – Factos provados

 

14.  Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante:

14.1.        A Requerente era, à data dos factos em causa nos presentes autos, proprietária do prédio urbano, em propriedade total com andares susceptíveis de utilização independente, sito na Rua da … n.º … e …E, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da…, concelho de Lisboa, sob o artigo matricial n.º…, com o valor patrimonial total de € 2.287.080,00.

14.2.        O prédio era composto por cave, lojas, cinco andares, com 17 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

14.3.        Cada um dos andares ou divisões, susceptíveis de utilização independente afectos à habitação, tem um Valor Patrimonial Tributário, individual, inferior a € 1.000.000,00.

14.4.        A soma do valor patrimonial individual dos andares, susceptíveis de utilização independente afectos à habitação, era de € 1.626.800,00.

14.5.        A Administração Tributária procedeu à liquidação de Imposto de Selo, por aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, relativamente ao ano 2012, à taxa de 1% sobre € 1.626.800,00, de onde resultou o apuramento de uma colecta no montante total de € 16.268,00.

14.6.        A Administração Tributária procedeu à liquidação de Imposto de Selo, por aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, relativamente ao ano de 2013, à taxa de 1% sobre € 1.626.800,00, de onde resultou o apuramento de uma colecta no montante de € 16.268,00, a liquidar em três prestações.

14.7.        Em 16/01/2015, a Requerente apresentou, por correio registado (registo n.º …PT, de 15/01/2015), pedido de revisão oficiosa, nos termos do art. 78.º da LGT, das liquidação de Imposto de Selo, dos anos de 2012 e 2013, no valor total de € 32.536,00.

14.8.        Em 20/05/2015, não tendo havido decisão sobre o sobredito pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, com fundamento no indeferimento tácito daquele pedido de revisão oficiosa.

 

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º/2 e 6.º/1 do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos art. 4.º e 10.º/ 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

As questões a decidir no âmbito dos presentes autos são as seguintes:

1.      Da competência material do tribunal arbitral.

2.      Da inimpugnabilidade das prestações dos actos tributários de liquidação de Imposto de Selo.

3.      Da caducidade do pedido de pronúncia arbitral deduzido na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de Imposto de Selo.

4.      Da aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade vertical.

 

a)      Da competência material do tribunal arbitral

 

A Requerida entende que o tribunal arbitral, face às disposições conjugadas dos art. 2.º/1, al. a) e 4.º do RJAT, é materialmente incompetente para apreciar pedidos de revisão oficiosa de actos de liquidação de impostos.

 

A Requerente pede a constituição do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a legalidade da liquidação de Imposto de Selo devido pela aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, justificando a tempestividade do pedido no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Imposto de Selo, referentes ao exercício de 2012 e 2013.

 

A questão que se coloca é, pois, saber se o tribunal arbitral é competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Imposto de Selo, sindicadas nos presentes autos.

 

Importa, pois, esclarecer, se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui no âmbito da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

 

A competência atribuída aos tribunais arbitrais tributários encontra-se prevista no art. 2.º/1 do RJAT que dispõe que:

“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”.

 

Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aprovada ao abrigo do art. 4.º/1 do RJAT, veio estabelecer os termos de vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, tendo determinado a vinculação da AT à apreciação de pretensões relativas a impostos, com as excepções previstas nas alíneas a) a d), do art. 2.º daquela portaria (sendo certo que, no caso em apreço, não está em causa a aplicação de qualquer uma daquelas excepções).

 

Em face destas disposições normativas entende-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributos, ou seja, actos através dos quais se apura o valor do imposto a pagar. Todavia, o sujeito passivo pode optar por proceder à impugnação directa do acto tributário ou, em alternativa, a lei concede-lhe a faculdade de optar, pela via administrativa, impugnando administrativamente o acto, por meio de reclamação graciosa e, eventualmente, por recurso hierárquico e, posteriormente, intentar a respectiva impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral, em caso de indeferimento, expresso ou tácito. A par com estes meios de defesa contra actos de liquidação, pode ainda o sujeito passivo desencadear o processo de revisão de actos tributários previsto no art. 78.º da LGT.

 

No caso em apreço, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto de Selo, referente aos anos de 2012 e 2013, devida pela aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, ao prédio de que é proprietária.

 

Os actos que decidem reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão de acto tributário constituem actos de segundo e terceiro grau na medida em que comportam a apreciação de legalidade de actos de primeiro grau, ou seja, actos de liquidação e, como tal, entende-se que cabe no escopo da competência dos tribunais arbitrais a apreciação daqueles actos. Apenas nos casos em que o acto de segundo ou terceiro grau apreciou uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do acto primário – como, por exemplo, intempestividade, ilegitimidade ou incompetência – estariam fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

 

Entendemos que o tribunal arbitral, nos termos do art. 2.º/1/al. a) do RJAT pode sindicar a legalidade do acto de liquidação de imposto, também nos casos em que a declaração de ilegalidade pode ser obtida na sequência da declaração de ilegalidade de actos de segundo ou terceiro grau. Assim, o art. 2.º/1/al. a) do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da declaração de ilegalidade do acto de segundo grau, nem os casos em que essa declaração de ilegalidade é pedida na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

 

Apenas não seria assim, caso a Administração Tributária houvesse recusado a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em qualquer questão prévia que obstasse ao conhecimento da legalidade do acto tributário pois, neste caso, o acto tributário teria de ser impugnado por via da acção administrativa especial e, consequentemente, caberia fora da esfera de competência do tribunal arbitral.

 

Ora, o indeferimento tácito (de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa) constitui uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação contenciosos (art. 57.º/5 da LGT). Afigura-se, assim, que o segmento do art. 2.º/1 do RJAT que faz alusão a pretensões referentes a pedidos de “declaração de ilegalidade de actos” abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos de actos de liquidação de Imposto de Selo, de harmonia com o disposto nos art. 2.º/1/al. a) e 10.º/1 do RJAT, conjugado com o art. 102.º/1/al. d) do CPPT.

 

Improcede, assim, a excepção de incompetência suscitada pela Administração Tributária.

 

 

2. Da inimpugnabilidade das prestações dos actos tributários de liquidação de Imposto de Selo

 

No entender da Requerida, a lei não compreende a impugnação autónoma de uma prestação da verba n.º 28 do IS constante das notas de cobrança como é o caso dos autos. Na óptica da Requerida “atendendo à manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, ocorre a excepção dilatória prevista al. c), do n.º 1, do art. 89.º do CPTA, subsidiariamente aplicável pelo art. 29.º, n.º 1, al c), do TJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito e acarreta a absolvição da AT da instância” – (cf. art. 25.º da resposta).

 

A Requerente veio requerer a “declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS” (cf. intróito do pedido), peticionando a final que o tribunal declare “ilegal e anular as liquidações de imposto de selo, por referencia aos exercícios de 2012 e 2013, das quais resultou imposto a pagar no montante de € 32.536,80 (o qual deverá agora ser reembolsado), respeitante à tributação de prédios urbanos com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS”. Tanto no pedido final, como ao longo do seu articulado (cf. art. 14 e 15 do pedido inicial), a Requerente faz alusão a actos de liquidação de Imposto de Selo, referentes aos anos de 2012 e 2013, no montante de € 16.268,40 para cada um dos anos, cujo pagamento foi subdividido em três prestações de Abril, Julho e Novembro.

 

Face ao exposto, parece-nos claro que a Requerente visa que, no âmbito dos presentes autos, seja apreciada a ilegalidade das mencionadas liquidações, objecto do pedido de revisão oficiosa, o qual, por força do indeferimento tácito, é agora colocada em crise no âmbito dos presentes autos, e não das notas de cobrança emitidas.

 

Improcede, também, a excepção de incompetência deduzida pela Requerida, com fundamento na inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos tributários de liquidação de Imposto de Selo.

 

 

3. Da questão referente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

A Requerida suscitou, a título meramente dubitativo, a eventual excepção de extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, alegando que “não tendo a Autora instruído o pedido de pronuncia arbitral com o pedido de revisão oficiosa que terá apresentado em 16/01/2015, em conformidade com o disposto nas al. b) e d) do n.º 2, do art. 10.º do RJAT, o que conduz à impossibilidade de aferir a tempestividade do mesmo ou não, questão que se levanta junto desse Tribunal” (cf. art. 12.º da Resposta).

 

É certo que o pedido de constituição do tribunal arbitral não foi instruído com o pedido de revisão oficiosa. Porém, a Requerente veio a fazê-lo mais tarde, primeiro, em 6/11/2015 na resposta às excepções e, posteriormente, complementado em 2/12/2015 com a junção aos autos do talão comprovativo do envio do mesmo por via postal.

           

Os prazos para apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral estão previstos no art. 10.º/1 do RJAT. Nos termos do art. 10.º/1/al. a), do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos no art. 102.º/1 e 2 do CPPT. Da disposição conjugada destas duas normas resulta que o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar da formação da presunção de indeferimento tácito. Por seu turno, dispõe o art. 57.º da LGT que o procedimento tributário deve estar concluído no prazo de quatro meses. Caso não seja decidido no prazo de quatro meses, o sujeito passivo dispõe, então, do prazo de 90 dias para apresentar o pedido de constituição do tribunal arbitral. É, pois, à luz deste quadro legal, que deve ser aferida questão referente à tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

No caso em apreço, verifica-se que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente no dia 16 de Janeiro de 2015. Não tendo havido pronúncia da Administração Tributária sobre tal pedido, este presume-se indeferido, tacitamente, passados quatro meses (art. 57.º/1 da LGT), ou seja, em 15 de Maio de 2015. Como o presente pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada em 20 de Maio de 2015, é forçoso concluir que o mesmo foi apresentado dentro do prazo de 90 dias, subsequente, aos quatro meses para o órgão competente proferir uma decisão expressa (art. 10.º/1 do RJAT e 102/1/al. a), do CPPT).

 

Improcede, assim, a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Requerida, considerando-se tempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.

 

 

4.      Aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade vertical

 

Como já fizemos alusão, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o VPT relevante para efeitos de incidência de IS (verba n.º 28 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) é o correspondente aos somatórios do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes divisões ou andares (VPT global) ou, antes, o valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos andares habitacionais.

A questão foi já apreciada em vários processos, no âmbito da Arbitragem Tributária, em que foi decidido que quando se verifique que cada um dos andares que compõe um prédio em propriedade vertical têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba n.º 28.1 da TGIS e, consequentemente, pronunciou-se pela ilegalidade dos respectivos actos de liquidação (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 51/2015-T, 391/2014-T, 451/2014-T, 153/2015-T, em que entre outros[1]). Também, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9/09/2015, processo n.º 47/15, em que foi relator Francisco Rothes, decidiu que tratando-se de um prédio em propriedade vertical, a incidência de IS (Verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinados a habitação[2]. Não se identificam, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, importando assim reiterar a jurisprudência já firmada[3].

 

A verba n.º 28 da TGIS, anexa ao CIS, foi aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, teve a seguinte redacção originária:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”

 

A redacção da verba n.º 28.1 da TGIS foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando a verba n.º 28.1 da TGIS a utilizar o conceito de prédio habitacional, passando a dispor o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”. Porém, a alteração legislativa operada não tem aplicação aos presentes autos que têm por referência o ano de 2013. Com efeito, como já foi salientado pelo Ac. do STA de 29/04/2015, esta alteração não tem aplicação a situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos autos.

 

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber qual o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, i.e., saber se a verba n.º 28.1 da TGIS se aplica aos prédios urbanos em propriedade total, mas com andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, quando o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma desses andares é inferior a 1.000.000,00, embora a soma dos andares, com utilização independente, afectas a habitação tenha um valor global igual ou superior àquele montante.

 

Em relação à norma em apreço – a verba n.º 28.1 da TGIS –, o pensamento legislativo que esteve na sua base pode ser perscrutado na apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), em que o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[4]:

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.” 

           

Da variedade semântica da discussão ressalta, desde logo, o uso indiferenciado de expressões como “prédios urbanos habitacionais”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, tudo parecendo apontar para a intensão de tributar unidades unifamiliares de maior valor económico, parametrizados através do respectivo valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros.

 

Contudo, dos trabalhos preparatórios não é possível coligir, com o necessário rigor, como já foi enfatizado em decisões anteriores, qual o conceito de prédio subjacente àquela norma (cf. decisões 21/2015-T e 451/2014), designadamente, se um prédio urbano habitacional é, na acepção do art. 28.º da TGIS, uma unidade autónoma (auto-suficiente para o fim a que se destina), distinta e isolada na qual se processa a vida de cada individuo ou agregado familiar residente, em edifícios unifamiliares ou multifamiliares; ou, se abrange, os prédios multifamiliares com unidades autónomas, mas sem autonomização jurídica, característica das fracções autónomas que compõe os prédios constituídos em propriedade horizontal.

 

No caso dos autos, o prédio da Requerente é um prédio urbano em propriedade total, sendo compostos por vários andares susceptíveis de utilização independente, afectos à habitação. Os valores patrimoniais tributários dos vários andares susceptíveis de utilização independente é inferior a € 1.000.000,00.

 

Da redacção da verba n.º 28.1 dispõe que “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

 

Importando, pois, determinar qual o valor patrimonial tributário considerado para efeitos de IMI posto que da verba n.º 28.1. resulta que o imposto de selo incide sobre a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (...)”.

 

Remete-se, assim, para o Código do IMI todo o teor regulativo quanto à incidência “prédios urbanos com o valor patrimonial tributário constante da matriz”, nos termos do Código do IMI, e quanto à matéria colectável “valor patrimonial tributário para efeitos de IMI”. Remissão que, aliás, consta, a título subsidiário, do art. 67.º/2 do CIS que remete para o Código do IMI as “matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral.

 

Destacamos do Código do IMI, no que respeita aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente,  as seguintes regras:

a)             a cada prédio corresponde um único artigo matricial (– cf. art. 82.º/ 2 do Código do IMI;

b)             cada andar susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário (cf. art. 12.º/3 do Código do IMI);

c)             a determinação do valor patrimonial tributário é apurada para cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, de acordo com a afectação de cada unidade, sendo avaliadas separadamente em função da sua utilização e áreas (cf. art. 38.º do Código do IMI);

d)             o documento de cobrança contém, obrigatoriamente, a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário (cf. art. 119.º/ 1 do Código do IMI).

e)             A não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões susceptíveis de utilização autónoma constitui fundamento de reclamação de incorrecta inscrição matricial (cf. art. 130.º/3, al. h) do Código do IMI).

 

Na doutrina, Silvério Mateus e Freitas Corvelo salientam que um dos aspectos que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro de cada prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes[5].

 

O Código do IMI consagra relevância fiscal – ao nível da inscrição matricial, determinação do valor patrimonial tributário, discriminação do valor patrimonial tributário, liquidação, fundamentos de reclamação – à autonomização na matriz de cada parte do um prédio, susceptível de utilização independente.

 

Resulta do Código do IMI que as partes de um prédio em propriedade total dotadas de autonomia, ou seja, autos suficientes para o fim a que se destinam, são objecto de avaliação individual e separada, são individualizadas na respectiva inscrição matricial, possuem um valor patrimonial próprio constante da matriz e são objecto de liquidações individualizadas (tudo conforme resulta dos artigos 7.º/ 2/al. b), 13.º/2 e 119.º/1 do Código do IMI), essa autonomia deve ser respeitada e releva para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS.

 

A verba n.º 28 da TGIS faz referencia a “prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis” e ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

 

Por seu turno, o art. 12.º/3 do CIMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

 

Donde aos andares susceptíveis de utilização independente – como é o caso dos autos – é atribuído uma valor patrimonial tributário específico e próprio que é objecto de inscrição autónoma na respectiva matriz predial. Procede-se, assim, a uma autonomização para efeitos de IMI dos andares susceptíveis de utilização independente que são objecto de uma avaliação especifica, nos termos do art. 7.º/2, al. b) do CIMI, de inscrição matricial individual e com valor patrimonial tributário para efeitos de IMI autónomo.

 

No caso de prédios em propriedade vertical ou total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mas sem estarem constituídos em propriedade horizontal, há uma clara autonomia tributária que se encontra evidenciada pelas diferentes unidades (avaliadas com parâmetros distintos consoante a afectação especifica de cada unidade), indicação do piso/andar, incluindo com especificação da área bruta privativa e da área bruta dependente, tudo como se de verdadeiras fracções autónomas se tratasse, com sucede no caso em apreço.

 

Não havendo, assim, razão para – em sede de incidência de Imposto de Selo, previsto na verba n.º 28.1 da TGIS –, dar aos andares/divisões susceptíveis de utilização independente (integrados em prédios em propriedade vertical) um tratamento distinto do concedido no CIMI.

 

Assim, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, designadamente para efeitos de aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, “o valor patrimonial tributário constante da matriz” e o “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI” corresponde ao valor patrimonial tributário que consta da matriz em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, conforme resulta do disposto do art. 12.º/3 do Código do IMI

 

Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que a aplicação in casu, da verba n.º 28.1 da TGIS, relativamente aos prédios de que a Requerente é proprietária, é ilegal porque a mencionada verba deve ser interpretada no sentido de que o valor patrimonial tributário relevante é o correspondente a cada um dos andares susceptíveis de utilização independente e não o valor patrimonial que resulta da soma aritmética de todos os andares que compõe o prédio, ou seja, os valores patrimoniais, parcelares, atribuídos a cada um dos andares destinados à habitação, nos casos em que apenas da soma dos valores patrimoniais resulta o apuramento de um valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00. Como nenhum dos andares que compõe o prédio tem um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, não se aplica a verba n.º 28.1 da TGIS.

 

 

Dos juros indemnizatórios

 

Peticiona a Requerente a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante total de € 32.536,80, bem como dos respectivos juros indemnizatórios.

 

O art. 43.º/1 da Lei Geral Tributária prescreve que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Por seu turno, o art. 24.º/1, al. b) do RJAT dispõe que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

Dado que, no caso sub iudice, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária que procedeu às liquidações impugnadas, por incorrecta aplicação e interpretação do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, tem a Requerente direito ao reembolso do imposto pago no montante e aos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até integral pagamento, à taxa de juros resultante do art. 43.º/ 4 da Lei Geral Tributária.

 

 

Decisão:

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Requerida;

b)      Julgar procedente o pedido e, em consequência, declarar ilegal as liquidações de Imposto do Selo, por referência aos anos de 2012 e 2013, das quais resultou imposto a pagar no montante de € 32.536,80.

c)      Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente do valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios desde a data em que cada um dos pagamentos foi efectuado até à data do seu integral reembolso;

d)     Condenar a Requerida nas custas do presente processo.

 

Valor do processo:

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º/1 e 2 do Código do Processo Civil, conjugado com o art. 97.º-A/1 al. a) do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT) e e art.º 3.º/2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 32.536,80, que constitui o montante total do imposto resultante da liquidação impugnada cuja liquidação se peticionou.

 

Custas:

Para os efeitos do disposto no art. 12.º/2 e no art. 22.º/4 do RJAT e art. 4.º/4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

Lisboa, 22 de Janeiro de 2016

 

 

O Árbitro,

 

(Alexandra Gonçalves Marques)

 

 

 

 

 

 



[1] Todos disponíveis na base de dados do CAAD (www.caad.pt).

[2] Disponível em www.dgsi.pt

[3] Seguiremos, de perto, a jurisprudência já firmada e o texto da decisão proferida no âmbito do CAAD no processo n.º 153/2015-T e 420/2015, ambas redigidas pela signatária.  

[4] Cf. DAR I Série n.º 9/XII-2, de 11 de Outubro, pág. 32.

[5] Silvério Mateus e Freitas Corvelo (2005), Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto de Selo, Comentados e Anotados, Engifisco, pp. 159-160.