Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 540/2015-T
Data da decisão: 2016-01-18  Selo  
Valor do pedido: € 8.661,02
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. A… – …, S.A., com o NIPC … e com sede no Lugar …, …-… (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada da liquidação de Imposto de Selo, referente ao ano de 2014 e efectuada ao abrigo do disposto na verba 28 da TGIS introduzida pela Lei n.º 55.º-A/2012, de 29/10, no montante global de €12.991,55, apresentou, a 7/8/2015, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a), do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é Entidade Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»), visando, em síntese, a “declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade do referido acto tributário”.

 

            1.2. A 5/11/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta em 9/12/2015, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente e invocado excepção. Notificada, por despacho de 4/1/2016, para se pronunciar sobre a referida excepção, a Requerente fê-lo através do seu requerimento de 5/1/2016.

           

1.4. Por despacho de 12/1/2016, o Tribunal considerou, ao abrigo do disposto no art. 16.º, als. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. O Tribunal fixou, ainda, a prolação da referida decisão para o dia 18/1/2016.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “está em causa nos autos saber se liquidação de IS referente ao ano de 2014, efectuada pela aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), deve ou não manter-se no ordenamento jurídico”; b) “a liquidação de IS em causa nos autos não tem qualquer fundamento tributário de suporte, nem qualquer justificação material, constituído um verdadeiro desfalque patrimonial contrário aos mais basilares princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça”; c) “para além de ilegal, a tributação pretendida é também manifestamente inconstitucional”; d) “a medida em causa [subjacente à Proposta de Lei n.º 96/XII, de 20/9/2012,] nunca foi divulgada e entendida de outro modo senão o de tributar a «habitação de luxo»”; e) “isso mesmo resultou claro da discussão na generalidade da proposta de lei n.º 96/XII”; f) “afigura-se claro e indiscutível – conforme sucessivamente reiterado pela Jurisprudência Arbitral e Judicial – que, com a verba em causa, o legislador jamais pretendeu tributar a propriedade de terrenos para construção”; g) “a alteração legislativa [que incluiu os terrenos para construção] apenas visou a «eficácia e eficiência do sistema fiscal» se tal desiderato for entendido, como parece ser pela AT, como arrecadação, a qualquer custo, de receita fiscal”; h) “a tributação em IS dos terrenos para construção «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», para além de sacrificar precisamente um dos sectores de actividade mais prejudicados com a crise financeira de 2008, viola os princípios constitucionais da igualdade em matéria tributária e capacidade contributiva”; i) “o preceito que, com a redacção dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, aditou à verba n.º 28 da TGIS os terrenos para construção está ferido de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva”; j) “não se vislumbra qualquer motivo para discriminar negativamente os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, em relação aos terrenos, com VPT superior a um milhão de euros, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, por exemplo, para indústria, comércio ou serviços”; l) “não se vislumbra qualquer fundamento material, jurídico, fiscal, económico ou outro capaz de justificar que a tributação não incida sobre todas utilizações e destinações do terreno para construção”; m) “com a diferenciação negativa, acrítica, arbitrária e aleatória, entre terrenos para a construção de habitação e terrenos com outras afectações, confere-se um tratamento diferenciado a situações que, do ponto de vista material, são em tudo semelhantes”; n) “não se vislumbra qualquer fundamento ou justificação minimamente plausível e racional para defender que os contribuintes que sejam proprietários de terrenos para construção de habitação devam ser fiscalmente penalizados em relação aos contribuintes que são proprietários de terrenos, de igual valor, para construção de indústria, comércio ou serviços”; o) “não existe qualquer fundamento material para sustentar a tributação dos terrenos para construção (com edificação, autorizada ou prevista, para habitação)”; p) “é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 os terrenos para construção”; q) “mesmo que exista um licenciamento ou projecto – e, por maioria de razão, quando seja admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção –, a finalidade construtiva pode vir a ser alterada, com a construção de um prédio destinado a outro fim”; r) “a AT não pode classificar, ab initio, como se de uma realidade concretizada e consolidada se tratasse, que os terrenos para construção são afectos à habitação quando os mesmos podem ser destinados, conjunta ou isoladamente, a muitas outras finalidades (e.g. comércio, serviços, industria, estacionamento, arrecadação, etc)”; s) “a tributação em causa constitui uma violação do princípio constitucional do rendimento real”; t) “a liquidação em causa sustenta-se numa alteração legal acrítica, improvisada e injustificada, com vista a incidir o IS sobre o VPT de terrenos para construção – em manifesta dissonância com aquilo que foi, declaradamente, o sentido e propósito da medida fiscal em causa”; u) “essa alteração [é] (i)legal [e] acarreta a violação directa dos mais basilares princípios constitucionais em matéria tributária – mormente da igualdade e da capacidade contributiva”; v) “deve ser julgado materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, no segmento que aditou à verba n.º 28 à TGIS os terrenos para construção”; x) “considerando que, segundo é entendimento da Impugnante, a liquidação em causa padece de ilegalidade, com a procedência da presente impugnação, tem direito à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.”

 

            2.2. Conclui a ora Requerente que, em face do supra mencionado, deve o presente Tribunal julgar a presente impugnação procedente e, em consequência, deve “a) ser anulada a liquidação de imposto aqui impugnada; [...] b) ser a Fazenda Pública condenada a restituir à Impugnante o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios; c) ser a Fazenda Pública condenada a pagar custas e demais encargos com o processo, porque ao mesmo deu causa.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “no petitório deduzido a final, pede a Requerente a anulação da liquidação de imposto impugnada e, consequentemente, a condenação da Requerida a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios [...]. Considerando que à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (2015-08-07), a 3.ª prestação de imposto do selo a suportar pela Requerente – a ocorrer até ao final do mês de Novembro do presente ano civil – não se encontrava vencida, nem paga, terá, necessariamente, de se entender que o pedido de pronúncia arbitral apenas poderá ter por objecto os valores de imposto já anteriormente vencidos e pagos (1.ª e 2.ª prestações), o que sempre obstaculizaria a condenação da Requerida à restituição da totalidade do imposto liquidado. [...] semelhante entendimento se aplica aos juros indemnizatórios peticionados, sendo que a Requerente só teria, eventualmente, direito ao ressarcimento por referência aos valores de imposto vencidos e já pagos”; b) “o Tribunal Arbitral incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material, «por violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, do artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, no segmento que aditou à verba n.º 28 à TGIS os terrenos para construção»”; c) “A liquidação de imposto impugnada não padece de qualquer vício, porquanto resulta da aplicação directa da norma legal aplicável, que tem como pressuposto elementos objectivos, não havendo lugar a qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”; d) “a inscrição do imóvel na matriz urbana como terreno para construção (originalmente sob o artigo …, que veio a dar origem ao actual artigo …) ocorreu na sequência da apresentação de declaração Modelo 1 de IMI n.º …, em 2007-10-08, onde consta a afectação habitacional, conforme declaração de viabilidade construtiva emitida pela Câmara Municipal de … em 2007-04-02 [...]. [...] da avaliação subsequente que apurou a afectação habitacional do imóvel [...] não foi apresentado qualquer pedido de segunda avaliação ou deduzida impugnação, nos termos dos artigos 76.º e 77.º do CIMI. Nem até à presente data foi submetida qualquer declaração Modelo 1 de IMI posterior, designadamente em nome da ora Requerente, a solicitar a alteração da afectação prevista para o imóvel”; e) “estando a Administração tributária vinculada ao princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 103.º, nºs 2 e 3, da Constituição e transposto para o artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT), não poderia deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estão em vigor no ordenamento jurídico tributário”; f) “o acto tributário de liquidação impugnado não viola qualquer princípio constitucionalmente consagrado, nomeadamente o princípio da igualdade fiscal e o princípio da capacidade contributiva”; g) “[pode] concluir[-se] sobre esta regulação objecto da verba 28.1 da TGIS, como já foi feito no acórdão do STA, de 9.4.2014, proc. n.º 1870/12, reiterado no acórdão do mesmo STA de 14.1.2015, proc. n.º 0541/14 que do seu ‘espírito’, «apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza ‘mais poupadas’ no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade». E apesar da alteração promovida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, esta motivação manteve-se inalterada”; h) “no seguimento do doutamente asseverado no acórdão n.º 187/2013 do Tribunal Constitucional [...], é imperioso respeitar o primado do discurso do legislador (Dictum des Gesetzgebers) quanto às opções politico-normativas, o que implica deixar à liberdade de conformação legislativa uma ampla margem de discricionariedade sobre as medidas que se julgam necessárias e apropriadas para realizar os objectivos de política económica e fiscal, assumidos”; i) “não se vislumbra, segundo este paramento constitucional, qualquer violação do princípio da igualdade ou da capacidade contributiva. Este entendimento propugnado pela Requerida foi integralmente sancionado pelo recentíssimo Acórdão n.º 590/2015, de 2015-11-11, do Tribunal Constitucional”; j) “concluiu o douto Tribunal [Constitucional] que a norma sindicada, i.e., a verba 28 da TGIS, não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade”; l) “resulta claro que a liquidação de imposto de selo impugnado não padece de qualquer vício, devendo o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios improceder.”

 

            2.4. Conclui a AT, pelo supra exposto, que: “deve ser julgada procedente a excepção dilatória supra invocada, absolvendo-se em conformidade a Requerida da instância quanto ao pedido respectivo” e, caso assim não se entenda, “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A Requerente tem como objecto a realização de investimentos na área imobiliária, nomeadamente a compra e venda de imóveis, para si ou para revenda, a construção, a urbanização, o loteamento, a administração e locação de bens imobiliários próprios ou de terceiros, entre outras actividades.

 

ii) A Requerente era proprietária do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de … e …, sob o artigo U – …, que corresponde a um terreno para construção, afecto a «habitação» (vd. PA apenso aos autos, nomeadamente fls. 12 ss.), ao qual foi atribuído um VPT de €1.299.155,11.

 

iii) Em cumprimento da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, a Requerida procedeu, em 20/3/2015, à liquidação do Imposto do Selo com referência ao período de 1/1/2014 a 31/12/2014.

 

iv) De acordo com o previsto no art. 120.º, n.º 1, al. c), do Código do IMI, aplicável por força do disposto no n.º 5 do art. 44.º do Código do Imposto do Selo (CIS), o pagamento do imposto é feito em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro. À data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (7/8/2015), a 3.ª prestação de imposto do selo a suportar pela Requerente não se encontrava (ao contrário das duas primeiras prestações, como se pode observar por fls. 6 a 11 do PA apenso aos presentes autos) nem vencida nem paga.

 

            v) A ora Requerente procedeu à alienação do imóvel em causa, em Março de 2015, à empresa B… – …, S.A., pelo valor de €650.000,00 (vd. doc. n.º 2 anexo à petição inicial).

 

            vi) Inconformada com as liquidações em causa, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 7/8/2015.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

           

            IV – Questões Prévias

 

            Quanto à primeira questão, relativa ao valor do processo, convirá ter presente, antes do mais, que, à semelhança do que sucede com as prestações de IMI, o pagamento de cada uma das prestações do IS não constitui pagamento parcial da liquidação, antes uma mera técnica de cobrança do imposto.      

 

            Neste sentido se pronunciaram diversas Decisões Arbitrais, como é o caso, por ex., da DA proferida no proc. 726/2014-T, de 10/3/2015, ou da DA proferida no proc. n.º 205/2013-T, de 7/3/2014.

 

No mesmo sentido dessas Decisões, veja-se, por ex., a DA proferida no proc. 90/2015-T, de 25/9/2015: “a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação, pelo que quando a lei prevê o seu pagamento em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas [...]. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial, é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de imposto isoladas uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do acto tributário de liquidação que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único acto tributário. Assim, do acima exposto resulta que as notas de cobrança de Imposto do Selo, objecto do [...] pedido de pronúncia arbitral, não são impugnáveis de per si, porquanto não constituem actos de liquidação de tributos”. (Sublinhado nosso.)

 

Contudo, lendo os presentes autos, verifica-se que a petição de pronúncia arbitral não visa a impugnação autónoma das (primeiras) prestações do Imposto do Selo (e, por tal razão, não as identifica, como tais, como sendo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral) – afirma, ao invés, que pretende a “declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade do referido acto tributário” (e não, de per si, de prestações do mesmo).

 

No entanto – e como bem assinala a AT na sua resposta –, se é certo que a Requerente pede “a anulação da liquidação de imposto impugnada e, consequentemente, a condenação da Requerida a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios [...]. [não pode deixar de ser relevante notar que,] considerando [a] data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (2015-08-07), a 3.ª prestação de imposto do selo a suportar pela Requerente [...] não se encontrava vencida, nem paga, [pelo que] terá, necessariamente, de se entender que o pedido de pronúncia arbitral apenas poderá ter por objecto os valores de imposto já anteriormente vencidos e pagos (1.ª e 2.ª prestações)”. Acresce que não consta dos (nem foram trazidos aos) autos quaisquer provas de que a 3.ª prestação tenha sido paga em momento subsequente.

 

            Nestes termos, com os quais se concorda, procede-se à alteração do valor do processo ora em análise para €8661,02 (= €4330,51+€4330,51). Esta delimitação não implica alteração do valor das custas.

 

            Quanto à segunda questão prévia, relativa à excepção invocada pela AT de que existe “incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material do artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, no segmento que aditou os terrenos para construção à verba n.º 28 da TGIS” (pedido que consta do art. 146.º da petição de pronúncia arbitral), verifica-se que assiste, igualmente, razão à Recorrida.

 

            Com efeito, não merece quaisquer dúvidas que o mencionado pedido de declaração de inconstitucionalidade foi peticionado (“deve ser julgado materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, no segmento que aditou à verba n.º 28 à TGIS os terrenos para construção”) e que o presente Tribunal Arbitral não possui competência para declarar a inconstitucionalidade da referida norma (ou de qualquer outra).

 

            Pelo exposto, conclui-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar (e decidir sobre) o referido pedido (o qual não esgota os pedidos objecto do presente litígio), por ocorrer excepção dilatória conducente à absolvição da instância da AT quanto ao mesmo, de acordo com o disposto nos arts. 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), e 278.º, n.º 1, todos do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

            V – Do Direito

 

            No presente caso, as questões essenciais que se colocam são as de saber se, como alega a ora Requerente: i) “a tributação em IS dos terrenos para construção «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» [...] viola os princípios constitucionais da igualdade em matéria tributária e capacidade contributiva [...] [e] constitui uma violação do princípio constitucional do rendimento real”; ii) “os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 os terrenos para construção”; iii) “a liquidação em causa sustenta-se numa alteração legal acrítica, improvisada e injustificada”. Por último, analisar-se-á o pedido da Requerente de restituição do imposto alegadamente “indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios” [iv)].

 

i) a iii) Para a resolução das questões elencadas, importa ter presente a evolução e enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (que é a redacção aplicável ao presente caso).

 

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28 ora em análise:

 

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é uma função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. [Fim de citação.] (Sublinhado nosso.)

 

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, é que se mostrava necessário averiguar, fazendo uso de diversos elementos interpretativos, se, na ausência de referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da mencionada verba 28. E, por essa razão, o referido aresto prosseguiu, dizendo:

 

“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. [Sublinhado nosso.]

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.

 

[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” [Fim de citação.]

 

Em síntese, daqui se depreende que: 1) com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (aplicável aos presentes autos, por se tratar de imposto do ano de 2014), alargou-se, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais; 2) a aplicação da referida redacção é inequívoca, não deixando lugar a dúvidas, atento o elemento literal da norma.

 

Com efeito, para a correcta interpretação jurídica é necessário atender, desde logo, ao ponto de partida e limite que constitui o elemento literal.

 

No mesmo sentido, veja-se, entre muitos outros arestos, o seguinte: “Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.” (Acórdão do STA de 29/11/2011, proc. 701/10).

 

Do exposto decorre que não se afasta a possibilidade de fazer uso dos vários elementos interpretativos para, a partir deles, reconstituir o pensamento legislativo (vd. art. 9.º, n.º 1, do C.Civil); no entanto, tendo sempre presente que esse pensamento legislativo terá que ter um mínimo de correspondência com a letra da lei (vd. art. 9.º, n.º 2) e que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (vd. art. 9.º, n.º 3).

De outro modo, haveria o risco de cair num subjectivismo que o referido art. 9.º não permite – risco esse que poderia, sem qualquer justificação atendível, impedir a aplicação de textos legais claros, simplesmente por causa da sobrevalorização de elementos a ele estranhos mas que se reputavam como sendo os que traduziriam a “verdadeira vontade do legislador”.

 

Neste mesmo sentido, veja-se o seguinte aresto: “Refere BAPTISTA MACHADO, a propósito da posição do nosso Código Civil perante o problema da interpretação: «O art. 9.º deste Código, que à matéria se refere, não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à ‘vontade do legislador’, nem à ‘vontade da lei’, mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do ‘pensamento legislativo’ (art. 9.º, 1). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer. [...] Começa o referido texto por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o ‘pensamento legislativo’. Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve – como não podia deixar de ser – procurar este a partir daquela. A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) ‘que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso’. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto ‘falhado’ se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.»” (Acórdão do STJ n.º 4/2015, de 24/3/2015).

 

Ora, do presente texto legal não se retira qualquer das situações de excepção supra identificadas (e que, em tese, poderiam conduzir a uma interpretação restritiva ou até mesmo correctiva): não decorre do texto ora em causa uma alusão sequer ao sentido que a Requerente para ele propõe nos autos; e não há nele contradição insanável ou ambiguidade (nem pequena, nem grande) que justifique recorrer aos elementos externos para determinar, por eles, o que deve entender-se da leitura linear do texto literal. Estas conclusões estavam já subjacentes na análise que o Acórdão – supra citado – do Venerando STA fez da inclusão “inequívoc[a] para o futuro [dos] terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação [no] âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo”.

 

Pelo supra exposto, conclui-se que não assiste razão à Requerente quando esta diz que “a liquidação em causa sustenta-se numa alteração legal acrítica, improvisada e injustificada”, ou ainda quando procura impor uma interpretação que faça uso de “elementos interpretativos” (como o histórico, ou o teleológico) sem uma mínima correspondência com a nova redacção literal da norma.

 

O que se mostra inegável reconhecer é que a alteração literal em causa, para além de ser inequívoca, expressa uma alteração do pensamento legislativo à qual o aplicador não pode ser insensível (sob pena de passar da “interpretação” para a “alteração de sentido” da norma, o que, como se sabe, lhe está vedado); para além de que se mostra evidente que a nova redacção permite identificar, de forma mais clara, e com recurso a conceitos legalmente definidos no art. 6.º do CIMI, o âmbito de incidência objectiva da norma em causa.

 

Relativamente à alegação da Requerente de que “a tributação em IS dos terrenos para construção «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» [...] viola os princípios constitucionais da igualdade em matéria tributária e capacidade contributiva [...] [e que] constitui uma violação do princípio constitucional do rendimento real”, cabe remeter, in totum, para a fundamentação do recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11/11/2015, segundo o qual a norma da verba 28 e 28.1 da TGIS não viola os mencionados princípios constitucionais ao impor a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a €1.000.000,00 (note-se, a este respeito, que, ainda que esta decisão analise a anterior redacção da norma – e, portanto, não considere, especificamente, os terrenos para construção –, não se vislumbra razão para não estender aos mesmos a linha argumentativa utilizada). Com efeito, leiam-se os seguintes excertos:

 

“A recorrente entende que a normação questionada merece censura constitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, fundamentalmente a partir da consideração, por um lado, de que a medida não reveste aptidão para o fim invocado e, por outro, de que atinge arbitrariamente apenas alguns proprietários de algum património. [...] a argumentação da recorrente [considera que a tributação sindicada assume], na sua ótica, carácter assistemático e arbitrário, a partir da consideração de que a tributação do património imobiliário deveria ser feita em sede de IMT e IMI, e por discriminar sem fundamento racional contribuintes com a mesma capacidade contributiva. Sem razão, adiante-se. Desde logo, da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário [...], a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional [...]. Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. [...] a alteração legislativa [determinada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10] teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição do contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido «princípio da equidade social na austeridade». [...]. Cabe referir que a Constituição não impõe a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar. Pode, como aponta CASALTA NABAIS, em prossecução de tal objectivo constitucional, «proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas» (ob. cit., pág. 436). E mesmo que se possa extrair do princípio da capacidade contributiva um modelo geral sobre o património com uma base tributável alargada a todas as manifestações de riqueza, os obstáculos de praticabilidade que se lhe opõem são suscetíveis de conduzir na realidade à criação de desigualdades entre contribuintes. [...]. [...] persiste uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, sem infringir o princípio da capacidade contributiva, cujo alcance, não sendo excluído, diminui no âmbito da tributação do património, face ao que acontece na tributação sobre o rendimento. [...]. Não se verificando a violação dos parâmetros de constitucionalidade invocados pela recorrente, nem de quaisquer outros, improcede [...] o recurso.” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11/11/2015).

 

            Alega, ainda, a ora Requerente que, “mesmo que exista um licenciamento ou projecto – e, por maioria de razão, quando seja admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção –, a finalidade construtiva pode vir a ser alterada, com a construção de um prédio destinado a outro fim”, e que “a AT não pode classificar, ab initio, como se de uma realidade concretizada e consolidada se tratasse, que os terrenos para construção são afectos à habitação quando os mesmos podem ser destinados, conjunta ou isoladamente, a muitas outras finalidades (e.g. comércio, serviços, industria, estacionamento, arrecadação, etc.)”.

 

            Não se vislumbra como tais argumentos possam proceder. Com efeito, a norma da verba 28 é bem explícita quando afirma que nela se incluem os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”. O que significa, procedendo a uma mera interpretação declarativa, que a previsão de edificação para habitação está contemplada, mesmo que uma tal previsão não se venha a concretizar, ou que a finalidade construtiva possa, num plano hipotético, vir a ser alterada. Tendo sido juntos aos autos os elementos suficientes para considerar que, no presente caso – e como se pode ver por fls. 12 ss. do PA –, se trata de terreno para construção com edificação autorizada, conclui-se que não assiste qualquer razão à ora Requerente.

 

iv) À luz do disposto no n.º 5 do art. 24.º do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que tal norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

 

Justifica-se, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.   

 

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT).

 

            É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

Ora, não tendo havido, como decorre do que se disse a respeito dos pontos i) a iii), qualquer erro imputável aos serviços – o que, portanto, determina a manutenção da liquidação na ordem jurídica e impede a devolução do valor pago – conclui-se, em conformidade, pela improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

***

 

            VI – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente a excepção dilatória, por incompetência material, relativamente ao pedido de declaração da inconstitucionalidade material do artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, no segmento que aditou os terrenos para construção à verba n.º 28 da TGIS.

- Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte relativa à liquidação de IS do ano de 2014, mantendo-se a mesma integralmente na ordem jurídica, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

            - Julgar improcedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

           

 

Fixa-se o valor do processo em €8661,02 (oito mil seiscentos e sessenta e um euros e dois cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerente, no montante de €918,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Janeiro de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

Miguel Patrício

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.