Acórdão Arbitral
Na sequência e em execução do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, em recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, decretou, por acórdão de 19-9-2017, comunicado ao CAAD em de 22-11-2017, a nulidade da decisão arbitral proferida neste processo arbitral em 6-2-2016, profere-se a seguinte nova decisão:
I RELATÓRIO
A…– SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA. (doravante designada por “Requerente”), com sede em …, na …-…, …, pessoa colectiva nº…, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 1.º e 2.º n.º 1 al) a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011 de 20 de janeiro (doravante RJAT) requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a apreciação da legalidade de atos tributários (infra identificados) da demandada, Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças de …) e a seguir também designada por “Requerida” ou “AT”.
Concretamente, pede a Requerente:
A - A declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IUC identificados no documento nº 1, junto com o requerimento inicial e
B - Subsidiariamente, “(…)o pagamento à Requerente da indemnização que venha a revelar-se devida, nos termos do artigo 171º do CPPT, pelo facto de lhe ter sido exigida a prestação de uma garantia (na forma de hipoteca voluntária sobre bens móveis, para suspensão dos processos de execução instaurados na sequência do não pagamento das liquidações) que, em resultado deste processo de Reclamação, terá de ser consequentemente considerada manifestamente inoportuna e indevida (…)”.
Fundamenta assim o pedido (no essencial):
a) A ora Requerida emitiu 156 liquidações de Imposto Único de Circulação (“IUC”) e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 98.614,20, identificadas em 52 demonstrações de liquidação (que englobam os anos 2009, 2010 e 2011) e cujas cópias se juntam em anexo sob a designação de Documento 1, referentes às 52 viaturas (das categorias C e D) devidamente identificadas em tais demonstrações de liquidação, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes.
b) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, tendo sido notificada do despacho de indeferimento da mesma em 17 de Dezembro de 2015 ( doc 3).
c) Atendendo ao elevado número de liquidações em causa, bem como ao volume de documentação necessária para comprovar os factos alegados, a Requerente solicita a apreciação conjunta dos pedidos que aqui formulará, isto é, a anulação das 156 liquidações de IUC em referência, relativas aos anos 2009 a 2011, por uma questão de economia processual e atendendo à identidade da argumentação que será aduzida, pois não obstante tratarem-se de liquidações autónomas, as mesmas apresentam-se numa relação de interconexão (identidade dos veículos e do imposto) e culminam na identidade da causa de pedir subjacente à presente contestação.
d) A referida solicitação deverá ser admitida nos termos do disposto no artigo 3.º n.º 1 do RJAT, o qual prevê a aceitação da cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
e) Considerando a identidade única do tributo e do órgão competente para a decisão, bem como a apreciação dos mesmos factos, dos mesmos fundamentos de direito invocados e, consequentemente, a aplicação das mesmas regras jurídicas, entende a Requerente que nada obsta, face ao disposto no referido artigo 3.º n.º 1 do RJAT, antes o aconselhando, a admissibilidade da cumulação de pedidos.
f) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, de direito português, integrada num grupo de empresas de génese francesa, cujo objecto social consiste, essencialmente, na realização de transportes rodoviários de mercadorias.( doc 2)
g) No âmbito da sua atividade, os veículos que realizam os transportes sofrem um desgaste natural pela sua utilização diária, sendo periodicamente efectuada pela Requerente uma avaliação do estado dos veículos.
h) Nas situações em que a Requerente considera que as suas viaturas já não reúnem as condições necessárias ao exercício da sua atividade, procede à alienação de tais veículos.
i) Para suporte documental da transmissão de cada veículo, a Reclamante emite a correspondente factura e procede à assinatura do Modelo nº 2 da então Direcção-Geral dos Registos e Notariado, atual Instituto dos Registos e Notariado (“Requerimento - declaração para registo de propriedade - contrato verbal de compra e venda”), no qual fica efectuada a referência à matrícula, marca e número de quadro da viatura, e à identidade do comprador e do vendedor (através dos respectivos NIFs, endereços e denominação social), recebendo igualmente uma declaração por parte do adquirente, comprovando que a viatura foi por si adquirida ( docs 6 a 56)
j) Em Novembro de 2013, a Requerente foi notificada de 52 demonstrações de liquidação de IUC e juros compensatórios, referentes a 2009, 2010 e 2011, por falta de pagamento atempado do IUC considerado devido, nesses anos, sobre 52 veículos das categorias C e D que, alegadamente, seriam propriedade da Requerente na data em que se verificou, no entender da Autoridade Tributária (AT), a eventual exigibilidade do imposto.(doc 1)
k) Estas liquidações de IUC baseiam-se, de acordo com a fundamentação constante das mesmas, no facto de não ter sido pago, até ao final do mês em que seria alegadamente devido, o IUC incidente sobre os veículos mencionados nessas mesmas liquidações, e que aqui se identificam:
Matrículas dos Veículos
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l) De acordo com os factos que irá descrever infra, entende a Requerente que as 156 liquidações de IUC em causa estão assentes num erro de pressuposto, considerando que respeitam a veículos que não só já não eram sua propriedade no momento em que ocorreria o facto gerador do IUC, se devido, como nem sequer havia nos anos 2009 a 2011 qualquer conexão objectiva a nível de IUC com estas viaturas (apesar de ainda) matriculadas em Portugal, atendendo a que as mesmas já haviam, entre 2004 e 2006, sido adquiridas por entidades não residentes e, consequentemente, saído definitivamente de Portugal
m) A requerente desconhece mesmo o paradeiro dos veículos desde a altura em que procedeu à sua venda, data em que os mesmos deixaram de integrar a sua esfera jurídica.
n) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, tendo sido notificada do despacho de indeferimento da mesma em 17 de Dezembro de 2015.(doc. 3)
o) Admite a Requerente que tais liquidações terão resultado de um erro de enquadramento por parte da AT, eventualmente justificável considerando a informação pública disponível e acessível à data das liquidações, mas que pelo presente meio se entende que será devidamente esclarecido que estava desatualizada e, consequentemente, crê a requerente que não irão subsistir dúvidas à AT de que a única forma de garantir a justiça e legalidade tributária, neste contexto, será por via da anulação das liquidações em referência.
p) A lei procura a concretização do princípio de que o IUC deve ser um encargo da entidade que efetivamente utiliza o veículo, isto é, de quem o coloca em circulação no território nacional, na óptica do conceito de “poluidor-pagador” ou de “utilizador-pagador”.
q) À Requerente não poderia nunca ser assacada qualquer responsabilidade no que às liquidações de IUC aqui em causa diz respeito, na medida em que os veículos subjacentes às mesmas, tendo sido transmitidos pela Requerente entre 2004 e 2006, nem sequer qualificam para efeitos de incidência objectiva do imposto.
r) Assim, não obstante a norma de incidência subjetiva prevista no referido número 1 do artigo 3º do Código do IUC, esta norma admite que, mediante prova sustentada dos factos alegados, a Requerente torne inequívoco que apesar de ser a pessoa (colectiva) em nome da qual os veículos se encontravam, entre 2009 e 2011, registados na Conservatória do Registo de Veículos, na verdade já não era proprietária dos mesmos desde o exacto momento em que os transmitiu a terceiros.
s) Ao proceder, com sucesso, à venda dos veículos, a Requerente entende que cessam, nesse momento e para os efeitos legais e fiscais tidos como relevantes, todos os direitos e obrigações fiscais que recaíam na sua esfera relativamente a cada veículo.
t) Tal decorre do disposto nos artigos 1316º e 1317º do Código Civil, que referem que “O direito de propriedade adquire-se por contrato”, e que “o momento da aquisição do direito de propriedade é, no caso de contrato, o designado nos artigos 408º (…)” desse mesmo diploma, onde se prevê que a constituição ou transferência de direitos reais (como o direito de propriedade) sobre um bem determinada se dá, por regra, por mero efeito do contrato.
u) Com a venda dos veículos em causa pela Requerente às entidades melhor identificadas nos Documentos 2, 3 e 4 em anexo, suportada pelos contratos de compra e venda celebrados entre aquela e cada um dos compradores, bem como pela emissão das respectivas facturas no contexto em análise, considera-se que a propriedade dos veículos foi transmitida nos termos definidos e aceites pelas partes, uma vez que a “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”, tendo como efeitos, entre outros, a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de a entregar e de ser pago o respectivo preço [conforme artigos 874º e 879º, ambos do Código Civil].
v) Desta forma, sendo os contratos celebrados entre a Requerente e os compradores dos 52 veículos que estão na base das liquidações de IUC (e consequentes juros compensatórios) aqui reclamadas, contratos verbais de compra e venda, os mesmos terão, forçosamente, de ser considerados prova suficiente da transferência de propriedade dos bens sobre os quais cada contrato, individualmente, versa.
x) O comprador de cada veículo transmitido pela Requerente adquiriu, desde a data da transmissão (entre os anos 2004 a 2006), a qualidade de proprietário de pleno direito desses mesmos veículos, facto demonstrável pela documentação emitida à data, e aqui em anexo, que como se comprova terá obrigatoriamente de ser aceite.
z) É, portanto, com a celebração dos referidos contratos de compra e venda de veículos, com a transmissão da respectiva posse para o comprador e com a faturação dos bens transmitidos que, para o efeito em análise, se considera transferida a propriedade dos bens, independentemente da questão do Registo dessa mesma propriedade, que não poderá afectar o direito real em causa mas apenas limitar-se a conferir-lhe publicidade: isto é, o Registo Automóvel não é condição de eficácia da transmissão da propriedade, não tem carácter constitutivo, pelo que uma eventual irregularidade na atualização desse registo, imputável à Requerente, não pode ter por efeito destruir a eficácia plena conferida, pela compra e venda, à transmissão da propriedade conforme vontade das partes.
aa) De acordo com o número 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo Automóvel, desde então já actualizado por diversas vezes, o registo de veículos “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos (…) tendo em vista a segurança do comércio jurídico” [sublinhado e negrito nosso], e não tem por conseguinte carácter constitutivo.
bb) O Registo Automóvel é instrumento de carácter meramente informativo e declarativo que identifica perante terceiros, e com base na melhor informação disponível, a entidade que se presume ser a proprietária do bem móvel registado/matriculado – não é, portanto, um ato constitutivo de quaisquer direitos reais (nem obrigações) sobre bens móveis.
cc) A expressão “consideram-se” estatuída no número 1 do artigo 3.º do Código do IUC, conjugada com a restante redação do artigo, bem como com o espírito do legislador já plasmado no princípio da equivalência disposto no artigo 1.º do referido Código - que, relembre-se, associa o pagamento do tributo ao custo viário e ambiental provocado pela utilização de veículos – não pode ser mais do que uma presunção, necessariamente ilidível nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, contanto que quem a pretende afastar – no caso, a Requerente – demonstre de forma cabal e inequívoca que a realidade é, efetivamente, diferente daquela que poderia resultar da presunção prevista no referido artigo 3º.
dd) Adicionalmente, a Requerente junta ainda cópias das declarações emitidas pelos compradores, nas quais estes atestam a aquisição dos veículos em causa e onde é feita menção ao número e data da factura que dá origem à transferência de propriedade, com referência à matrícula do veículo transmitido
ee) Sob a designação de Documento 4, a Reclamante anexa a informação que suporta a venda de 18 veículos à entidade B… e a informação relativa à venda dos restantes 33 veículos à C…, ambas sociedades de direito francês.
ff) A Reclamante junta a título de documentação adicional à presente petição inicial a documentação de suporte à transmissão de propriedade da viatura …-…-… (na base das liquidações de IUC números …, … e …, e das liquidações dos juros compensatórios respectivos, números…, … e …, num total de € 2.370,22), (doc 5), porquanto foi esta objecto de um contrato de empréstimo entre a ora Requerente e a D… .
gg) O facto de a data da transmissão dos restantes 51 veículos, atestada pelas facturas e pelos acordos de compra e venda celebrados entre 2004 e 2006, ser significativamente anterior à data em que o facto gerador do IUC ocorreria (data do aniversário das matrículas em 2009, 2010 e 2011), tornam evidente a comprovação de que a Requerente não era a proprietária no momento em que se verificaria a exigibilidade do IUC caso os veículos estivessem em território nacional naqueles anos.
hh) Perante a evidência de que a presunção sobre a qual a AT, ora requerida se baseou não tem correspondência com a verdade material dos factos, insistir em imputar à esfera da Requerente a obrigatoriedade de pagamento de um tributo que, a todos os níveis (subjectivo e objectivo), não era devido, é absolutamente desproporcional e violador dos mais elementares princípios subjacentes ao normativo jurídico-tributário português.
ii) Em jeito de súmula e pela relevância na temática em apreço, a Requerente sumariza neste fecho a jurisprudência que permite enquadrar e validar toda a tese aqui defendida: Decisões arbitrais produzidas pelo CAAD no âmbito dos processos n.º 26/2013-T, de 19 de Julho de 2013, n.º 27/2013-T, de 10 de Setembro de 2013, nº 73/2013-T de 5 de Dezembro de 2013 e n.º 14/2013-T, de 15 de Outubro de 2013 e n.º 42/2014-T de 25 de Junho de 2014.
jj) No que respeita às liquidações de juros compensatórios, o artigo 35.º da LGT estatui que estes são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, seja retardada a liquidação e pagamento de parte ou da totalidade de imposto.
jj) Estando demonstrado que os pressupostos legais em que assentam as liquidações de IUC que nesta sede se contestam não se adequam à realidade, e visto que não houve qualquer atraso efetivo ou falta de entrega de imposto ou prestação tributária legalmente devida pela Requerente, requer-se a anulação das liquidações de IUC referidas supra e, em conformidade, a anulação das correspondentes liquidações de juros compensatórios, porque consequentemente indevidas e ilegais.
Constituição do Tribunal Arbitral.
A autora não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
Em 13-5-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal ficou constituído em 3-6-2015 [artigo 11º-1/c), do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31-12] e veio a ser reconstituído, em 22-11-2017, por força do sobredito acórdão do TCAS.
Resposta da AT
A Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-7-2015 apresentou resposta e juntou os processos administrativos, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e que os atos tributários impugnados se devem manter na ordem jurídica.
Reconduz-se, no essencial, a douta posição da AT a divergências interpretativas da Lei, incluindo a crítica, salutar, à Jurisprudência Arbitral que, maioritariamente, defende posição interpretativa contrária pese embora pareça estabelecer um dualismo, que seria incompreensível, entre a Lei e a Jurisprudência, aparentemente entendendo esta de forma autónoma e independente relativamente àquela. O que não deixaria de ser surpreendente fora do sistema da common law ou mesmo, algum modo neste.
No essencial, sufraga a AT a interpretação jurisprudencial de um Tribunal estadual de 1ª instância (TAF de Penafiel) no processo n.º 210/13.0BEPNF, ou seja, que “(...)o facto gerador do IUC é determinado pelo art. 6.º, n.º 1, do CIUC, sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. Isto é, enquanto o veículo tiver matrícula ou estiver registado em território nacional (art. 2.º do CIUC – incidência objectiva), é devido IUC pelo proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa singular ou colectiva, de direito público ou privado, em nome da qual o mesmo se encontre registado, que é o sujeito passivo do imposto (art. 3.º, n.º 1, do CIUC) (...). A propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto. Resulta do recurso que o recorrente admite que no ano de 2008 o veículo estava registado em seu nome, apesar de não ser seu proprietário desde 15/2/2006.Mas, independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (art. 5.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º (DL) 54/75, de 12 de Fevereiro) e da recorrente ter vendido o veículo automóvel, nem a elisão da presunção do registo do direito de propriedade automóvel. O que está em causa é a determinação do facto gerador do imposto e a determinação da sua incidência subjectiva, que são fixados pelo direito de propriedade do veículo “tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”, isto é, independentemente das presunções derivadas do registo automóvel e da sua ilação e/ou elisão. De acordo com os arts. 1.º a 6.º do IUC, em particular do art. 3.º, n.º 1, do CIUC, verificam-se todos os elementos de incidência subjectiva e objectiva, facto gerador e exigibilidade do imposto, para a liquidação do IUC do referido veículo no ano de 2008 em nome da recorrente, independentemente das transmissões do direito de propriedade e não se verifica qualquer isenção. A venda do veículo em 15/2/2006 é irrelevante. Para a liquidação do IUC do ano de 2008 e determinação do responsável pelo seu pagamento, os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo automóvel em território nacional e o registo do direito de propriedade na Conservatória do registo Automóvel independentemente da sua alienação efectiva. O alienante tem o dever de no momento da alienação cuidar de proceder ao registo da venda para o novo adquirente, sendo a única de forma a assegurar-se que o registo é realizado para o novo adquirente. No caso em apreço, em 2008 não houve cancelamento da matrícula ocorreu e até aí o veículo estava matriculado em Portugal e registada a sua propriedade em nome da recorrente. Logo, é no recorrente que se verificam o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objectiva e subjectiva do IUC (arts. 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1, do CIUC). A falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 3.º, n.º 1, do CIUC) se mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva. Logo, a liquidação do IUC relativa a 2008 em nome da recorrente não padece de qualquer ilegalidade e a falta de pagamento do respectivo imposto no prazo legal é também da sua responsabilidade, constituindo a falta de pagamento no prazo legal (art. 17.º, n.º 2, do CIUC) uma infracção contra-ordenacional prevista e punida pelo art. 114.º, n.º 2, do RGIT. (...). Em suma, o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (...)”.
Ulteriormente, em requerimento autónomo apresentado em 26-10-2015, a AT, sem que entretanto surgisse qualquer circunstância superveniente que o justificasse, veio complementar a sua defesa (resposta) invocando a exceção de caducidade do direito de ação arbitral e a consequente absolvição da instância da Requerida, fundando-se, no essencial, na circunstância de serem os atos sindicados as liquidações de IUC identificadas na petição de pronúncia e não, como deveria (objeto imediato), o despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº …2014…, alegadamente notificado à Requerente em 16-12-2014; assim sendo, o pedido foi apresentado (em 17-3-2015) para além do prazo de 90 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário que era o dia 11-12-2013.
Conclui que sendo o prazo de caducidade peremptório e de conhecimento oficioso, não sendo pedida a apreciação da legalidade do ato de segundo grau e estando o Tribunal limitado pelo pedido, este terá de ser considerado intempestivo.
Alegou ainda subsidiariamente, que tendo sido a Requerente notificada em 16-12-2014 do ato de indeferimento da reclamação graciosa, no dia de apresentação do pedido arbitral estaria sempre esgotado o prazo de 90 dias previsto no artigo 10º-2/a), do RJAT.
Naturalmente que não cumpre nem é dever do Tribunal apreciar todos e cada um dos argumentos das partes[1] mas sobretudo o que deve é decidir as questões suscitadas, fazendo-o, naturalmente, interpretando a Lei e de forma fundamentada.
Reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT)
Por despacho de 3-1-2016, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT.
Provas adicionais e alegações finais
Foram dispensadas, sem oposição das partes, nos termos do despacho de 3-1-2016.
Saneador/Pressupostos processuais
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
Tratando-se do mesmo tributo (IUC) e ponderada a identidade dos fundamentos de facto e de direito em todas as impugnações das liquidações, verificam-se os pressupostos previstos nos arts 104º, do CPPT e 3º, do RJAT, para a cumulação dos pedidos.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Tendo sido suscitada a questão da caducidade do direito da ação, o Tribunal apreciará e decidirá a questão com a apreciação infra do mérito do pedido.
II FUNDAMENTAÇÃO
Os factos provados[2]
Considerando as posições das partes, o processo administrativo instrutor e os documentos incorporados nos autos e não impugnados, consideram-se provados os seguintes factos essenciais:
a) A ora Requerida emitiu 156 liquidações de Imposto Único de Circulação (“IUC”) e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 98.614,20, identificadas em 52 demonstrações de liquidação (que englobam os anos 2009, 2010 e 2011) e cujas cópias se juntam em anexo sob a designação de Documento 1, referentes a 52 viaturas (das categorias C e D) devidamente identificadas em tais demonstrações de liquidação;
b) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, sendo notificada do despacho de indeferimento em 17 de Dezembro de 2015 ( doc 3, com menção de data de receção no topo);
c) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, de direito português, integrada num grupo de empresas de génese francesa, cujo objecto social consiste, essencialmente, na realização de transportes rodoviários de mercadorias.( doc 2)
d) No âmbito da sua atividade, os veículos que realizam os transportes sofrem um desgaste natural pela sua utilização diária, sendo periodicamente efectuada pela Requerente uma avaliação do estado dos veículos.
e) Nas situações em que a Requerente considera que as suas viaturas já não reúnem as condições necessárias ao exercício da sua atividade, procede à alienação de tais veículos.
f) Para suporte documental da transmissão de cada veículo, a Reclamante emite a correspondente fatura e procede à assinatura do Modelo nº 2 da então Direcção-Geral dos Registos e Notariado, atual Instituto dos Registos e Notariado (“Requerimento - declaração para registo de propriedade - contrato verbal de compra e venda”), no qual fica efectuada a referência à matrícula, marca e número de quadro da viatura, e à identidade do comprador e do vendedor (através dos respectivos NIFs, endereços e denominação social), recebendo igualmente uma declaração por parte do adquirente, comprovando que a viatura foi por si adquirida ( docs 6 a 56)
g) Em Novembro de 2013, a Requerente foi notificada de 52 demonstrações de liquidação de IUC e juros compensatórios, referentes a 2009, 2010 e 2011, por falta de pagamento atempado do IUC considerado devido, nesses anos, sobre 52 veículos das categorias C e D que, alegadamente, seriam propriedade da Requerente na data em que se verificou, no entender da Autoridade Tributária (AT), a exigibilidade do imposto único de circulação (IUC).(doc 1)
h) Estas liquidações de IUC basearam-se, de acordo com a fundamentação constante das mesmas, no facto de não ter sido pago, até ao final do mês em que seria alegadamente devido, o IUC incidente sobre os veículos mencionados nessas mesmas liquidações, infra identificadas:
Matrículas dos Veículos
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i) Tais veículos que não só já não eram propriedade da Requerente no momento em que ocorreria o facto gerador do IUC, se devido, como nem sequer havia nos anos 2009 a 2011 qualquer conexão objectiva a nível de IUC com estas viaturas ainda matriculadas em Portugal, atendendo a que as mesmas tinham sido adquiridas, por compra, entre 2004 e 2006, por entidades não residentes e saído definitivamente de Portugal;
j) A requerente desconhece mesmo o paradeiro dos veículos desde a altura em que procedeu à sua venda;
k) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa pedindo a anulação das mesmas por ilegalidade, tendo sido notificada do despacho de indeferimento em 17 de Dezembro de 2015 (doc 3 e processo administrativo instrutor)
l) O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 17-3-2015.
Motivação
Os factos mencionados estão documentalmente comprovados ou não foram especificamente impugnados.
Designadamente as datas de matrícula dos veículos mencionados estão documentadas nos processos administrativos juntos pela AT.
A requerida não impugnou os documentos, invocando, designadamente, a sua falsidade.
Ao contrário do que alega a Requerida, verifica-se, pela análise do documento 3 junto pela Requerente e não impugnado, que esta foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 17-12-2014.
II FUNDAMENTAÇÃO (continuação)
O Direito
Atenta as posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimentes saber:
Questão prévia
Se o pedido foi apresentado tempestivamente ou, dito doutro modo, se aquando da apresentação do pedido estava verificada a caducidade do direito de ação.
Trata-se aqui de conhecer da questão que o Tribunal Central Administrativo Sul considerou que deveria ter sido conhecida e, com base nessa omissão, fundamentou a anulação do acórdão arbitral inicial.
Vejamos:
Para sindicar a citada caducidade, o Tribunal o que tem é de verificar se o pedido [anulação, por ilegalidade, dos atos de liquidação de IUC], foram apresentados no prazo a que alude o artigo 10º-1/a), do RJAT, ou seja, dentro do prazo de 90 dias contado a partir dos factos a que alude o artigo 102º-1 e 2, do CPPT.
Da análise e interpretação destes normativos decorre que, estando demonstrado que o SP apresentou reclamação graciosa (com conteúdo e objeto idênticos ao do pedido de pronúncia arbitral ulterior) e que esta foi indeferida, por ato expresso (como foi o caso dos autos), a apresentação de pedido de pronúncia arbitral é ou deve ser admitida, se tiver sido apresentada dentro do prazo de 90 dias contado desde a notificação do indeferimento da reclamação. Independentemente de haver ou não impugnação expressa, no pedido de pronúncia arbitral, desse ato de segundo grau.
Dito doutro modo: o Tribunal Arbitral o que verdadeiramente sindica são os atos de primeiro grau (as liquidações) [cfr artigo 2º, do RJAT] e não os atos de segundo ou terceiro grau, especialmente quando estes enfermem de ilegalidade com contornos diversos da que padece o ato de primeiro grau. O que não é o caso.
Ao sindicar os atos de liquidação – que são, insiste-se, os atos que são e podem ser verdadeiramente objeto do processo arbitral – a Requerente implicitamente está a impugnar o ato de segundo grau (o indeferimento da reclamação graciosa) na medida em que constituiria um absurdo ficar-se pela impugnação das liquidações com aceitação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
Subsumindo:
À luz do exposto, tendo a Requerente sido notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 17-12-2014 e apresentado o pedido de pronúncia arbitral em 17-3-2015, torna-se evidente a tempestividade do pedido pela apresentação do mesmo no prazo de 90 dias contados da data em que a Requerente foi notificada [17-12-2014] do ato de indeferimento da reclamação graciosa
Consequentemente, improcede a exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Quanto ao mérito do pedido, são suscitadas as seguintes questões:
A - Se, na data da ocorrência dos factos geradores do imposto [artigo 3º-1, do CIUC[3]], os proprietários dos veículos não forem os que constam do registo, serão apesar disso estes (os que constam do registo) que serão sempre considerados os sujeitos passivos do IUC, não sendo por consequência ilidível a presunção de titularidade revelada pelo registo OU, dito doutro modo, se a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3º nº 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção e
B – Se o proprietário do veículo à data do facto tributário (matrícula ou aniversário do veículo[4]) o tiver alienado, designadamente por contrato de compra e venda, será mesmo assim sujeito passivo de IUC.
Estas questões foram já, no essencial, abordadas em diversas decisões do CAAD, algums delas já publicadas em www.caad.org.pt e outras em vias de publicação [Cfr., v. g., decisões proferidas nos processos nºs 14/2013, 26/2013, 27/2013, 42/2014, 73/2013, 170/2013, 294/2013, 154/2014, 429/2015, 841/2015 e 845/2015].
Não se antolham razões para inverter o alterar o sentido essencial desta Jurisprudência.
Vejamos então:
Dispõe o artigo 3º do CIUC (Código do Imposto único de Circulação):
“Artigo 3º
Incidência subjetiva
1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
Estabelece, por seu lado, o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
Resolver as dúvidas que se suscitem na aplicação de normas jurídicas pressupõe a realização de uma atividade interpretativa.
Há assim que ponderar qual a melhor interpretação[5] do art. 3º, nº 1 do CIUC, à luz, em primeiro lugar, do elemento literal, ou seja aquele em que se visa detetar o pensamento legislativo que se encontra objetivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.
A questão que se coloca é, no caso sub juditio, a de saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de presunção ao dispositivo legal em apreço.
A nosso ver e ao contrário do que defende doutamente a AT, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que da análise do nosso ordenamento jurídico se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.
Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:
~ no âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar”;
~ também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “(…)as invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho (…)”;
~ e, por último, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo.
Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.
Importa, de seguida, submeter a norma em apreço aos demais elementos de interpretação lógica, designadamente, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.
Dissertando sobre a atividade interpretativa diz FRANCESCO FERRARA que esta “é a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se, e reclama fino trato, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito não só do material positivo, como também do espírito de uma certa legislação. (…) A interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão, arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre respeitadora da lei” (Cfr. Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2ª ed.), Arménio Amado, Editor, Coimbra, 1963, p. 129).
Como refere BAPTISTA MACHADO “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.
O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista “ (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp.175/176).
“A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a vis potestas legis.(…) A lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei. (…) Por outro lado, o comando legal tem um valor autónomo que pode não coincidir com a vontade dos artífices e redatores da lei, e pode levar a consequências inesperadas e imprevistas para os legisladores. (…) O intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris (Cfr. FRANCESCO FERRARA,Ensaio, pp. 134/135).
Entender uma lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis”(loc. cit., p.128).
Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. BAPTISTA MACHADO, loc. Cit., p. 181; J.OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p.361).
Entre nós, é o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas.
O texto do nº 1 do artigo 9º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.
Sobre a expressão “pensamento legislativo” diz-nos BAPTISTA MACHADO que o artigo 9º do CC “não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjetivista e a doutrina objetivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador” nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da atividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (artº. 9º, 1º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exatamente que o legislador não se quis comprometer” (loc. cit., p. 188).
No mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA em anotação ao artigo 9º do CC (Cfr. Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16).
E sobre o nº 3 do artigo 9º do CC refere aquele autor: “ este nº 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas (mais corretas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correta. Este modelo reveste-se claramente de características objetivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorreto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstrato: sábio, previdente, racional e justo” (loc. cit. p. 189/190).
Logo a seguir este insigne Mestre chama a atenção de que o nº 1 do artigo 9º, refere mais três elementos de interpretação a “unidade do sistema jurídico”, as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada” (loc. cit, p. 190).
Quanto às “circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada”, explica BAPTISTA MACHADO que esta expressão “representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os fatores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa” (loc. cit., p.190).
Relativamente às “condições específicas do tempo em que é aplicada” diz este autor que este elemento de interpretação “tem decididamente uma conotação atualista (loc. cit., p. 190) no que coincide com a opinião expressa por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA nas anotações ao artigo 9º do CC.
No que respeita à “unidade do sistema jurídico”, BAPTISTA MACHADO considera este o fator interpretativo mais importante: “a sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica” (loc. cit., p. 191).
É também este autor que nos diz, relativamente ao elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) que este “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos: se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador” (loc. cit., p. 182).
Referindo-se ao elemento racional ou teleológico, diz este autor que ele consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura política-económica-social que motivou a decisão legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime” (loc. cit., pp. 182/183).
É ainda BAPTISTA MACHADO que nos diz, agora no que respeita ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos) que “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (loc.cit., p. 183).
Como ensina JOSEF KOHLER, citado por MANUEL DE ANDRADE “(…) Em particular havemos de tomar em consideração o encandeamento das diversas leis do país, porque uma exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas (Ensaio, p. 27).
Descendo ao caso dos autos:
Através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular esta matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC [cfr Lei nº 22-A/2007, com as alterações da Lei 67-A/2007 e 3-B/2010], foi consagrada a presunção [grifado nosso] dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.
Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objetivo de tributar o verdadeiro e efetivo proprietário (ou locatário, em caso de locação financeira e ALD) e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente.
O mesmo se diga quando nos socorremos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica.
Com efeito, o atual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
Ora a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem[6].
Assim, também, da interpretação efetuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efetivos proprietários-utilizadores dos veículos(sublinhado e grifado nossos) pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.
Por outro lado, estabelece o art. 73º da LGT que “(…) as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis (…)”.
Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção juris tantum [e, portanto, ilidível], a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade, na data do facto tributário, é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.
Analisados os elementos carreados para o processo pela Requerente e os factos provados, extrai-se a conclusão que aquela não era a proprietária dos veículos desde há alguns anos considerando o aniversário dos veículos para efeitos de tributação em IUC, por, entretanto, já ter transferido a propriedade dos mesmos, nos termos da lei civil.
As operações de transmissão de propriedade não foram impugnadas e são oponíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos em relação a terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial [aplicável por remissão do Código do Registo Automóvel], a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º do Código do Registo Predial, aplicável por força do Código do Registo Automóvel, ou seja: não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
Nestas circunstâncias, as mencionadas e ora impugnadas liquidações devem ser anuladas.
Quanto ao pedido subsidiário:
Subsidiariamente, pediu a Requerente “(…)o pagamento da indemnização que venha a revelar-se devida, nos termos do artigo 171º do CPPT, pelo facto de lhe ter sido exigida a prestação de uma garantia (na forma de hipoteca voluntária sobre bens móveis, para suspensão dos processos de execução instaurados na sequência do não pagamento das liquidações) que, em resultado deste processo de Reclamação, terá de ser consequentemente considerada manifestamente inoportuna e indevida (…)”.
Nada se tendo demonstrado a este respeito, obviamente que improcede totalmente tal pedido.
III – DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente a exceção de caducidade do direito de impugnação suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar, totalmente procedentes os pedidos de anulação das liquidações de IUC sob impugnação e, em consequência,
b) Declarando a sua ilegalidade, anular esses atos tributários e
c) Julgar improcedente o demais peticionado pela Requerente.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 98.614,20
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 8 de março de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
José Nunes-Barata
(Vogal)
António Correia Valente
(Vogal)
Decisão arbitral substituída pela decisão de 08 de março de 2018.
Acórdão Arbitral
I RELATÓRIO
A… LDA. (doravante designada por “Requerente”), com sede em …, na … …, …, pessoa colectiva nº…, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 1.º e 2.º n.º 1 al) a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011 de 20 de janeiro( doravante RJAT) requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a apreciação da legalidade de atos tributários (infra identificados) da demandada, Autoridade Tributária e Aduaneira ( Serviço de Finanças de …) e a seguir também designada por “Requerida” ou “AT”.
Concretamente, pede a Requerente:
A - A declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IUC identificados no document nº 1, junto com o requerimento inicial e
B - Subsidiariamente, “(…)o pagamento à Requerente da indemnização que venha a revelar-se devida, nos termos do artigo 171º do CPPT, pelo facto de lhe ter sido exigida a prestação de uma garantia (na forma de hipoteca voluntária sobre bens móveis, para suspensão dos processos de execução instaurados na sequência do não pagamento das liquidações) que, em resultado deste processo de Reclamação, terá de ser consequentemente considerada manifestamente inoportuna e indevida (…)”.
Fundamenta assim o pedido (no essencial):
a) A ora Requerida emitiu 156 liquidações de Imposto Único de Circulação (“IUC”) e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 98.614,20, identificadas em 52 demonstrações de liquidação (que englobam os anos 2009, 2010 e 2011) e cujas cópias se juntam em anexo sob a designação de Documento 1, referentes às 52 viaturas (das categorias C e D) devidamente identificadas em tais demonstrações de liquidação, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes.
b) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, tendo sido notificada do despacho de indeferimento da mesma em 17 de Dezembro de 2015 ( doc 3).
c) Atendendo ao elevado número de liquidações em causa, bem como ao volume de documentação necessária para comprovar os factos alegados, a Requerente solicita a apreciação conjunta dos pedidos que aqui formulará, isto é, a anulação das 156 liquidações de IUC em referência, relativas aos anos 2009 a 2011, por uma questão de economia processual e atendendo à identidade da argumentação que será aduzida, pois não obstante tratarem-se de liquidações autónomas, as mesmas apresentam-se numa relação de interconexão (identidade dos veículos e do imposto) e culminam na identidade da causa de pedir subjacente à presente contestação.
d) A referida solicitação deverá ser admitida nos termos do disposto no artigo 3.º n.º 1 do RJAT, o qual prevê a aceitação da cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
e) Considerando a identidade única do tributo e do órgão competente para a decisão, bem como a apreciação dos mesmos factos, dos mesmos fundamentos de direito invocados e, consequentemente, a aplicação das mesmas regras jurídicas, entende a Requerente que nada obsta, face ao disposto no referido artigo 3.º n.º 1 do RJAT, antes o aconselhando, a admissibilidade da cumulação de pedidos.
f) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, de direito português, integrada num grupo de empresas de génese francesa, cujo objecto social consiste, essencialmente, na realização de transportes rodoviários de mercadorias.( doc 2)
g) No âmbito da sua actividade, os veículos que realizam os transportes sofrem um desgaste natural pela sua utilização diária, sendo periodicamente efectuada pela Requerente uma avaliação do estado dos veículos.
h) Nas situações em que a Requerente considera que as suas viaturas já não reúnem as condições necessárias ao exercício da sua actividade, procede à alienação de tais veículos.
i) Para suporte documental da transmissão de cada veículo, a Reclamante emite a correspondente factura e procede à assinatura do Modelo nº 2 da então Direcção-Geral dos Registos e Notariado, actual Instituto dos Registos e Notariado (“Requerimento - declaração para registo de propriedade - contrato verbal de compra e venda”), no qual fica efectuada a referência à matrícula, marca e número de quadro da viatura, e à identidade do comprador e do vendedor (através dos respectivos NIFs, endereços e denominação social), recebendo igualmente uma declaração por parte do adquirente, comprovando que a viatura foi por si adquirida ( docs 6 a 56)
j) Em Novembro de 2013, a Requerente foi notificada de 52 demonstrações de liquidação de IUC e juros compensatórios, referentes a 2009, 2010 e 2011, por falta de pagamento atempado do IUC considerado devido, nesses anos, sobre 52 veículos das categorias C e D que, alegadamente, seriam propriedade da Requerente na data em que se verificou, no entender da Autoridade Tributária (AT), a eventual exigibilidade do imposto.(doc 1)
k) Estas liquidações de IUC baseiam-se, de acordo com a fundamentação constante das mesmas, no facto de não ter sido pago, até ao final do mês em que seria alegadamente devido, o IUC incidente sobre os veículos mencionados nessas mesmas liquidações, e que aqui se identificam:
Matrículas dos Veículos
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l) De acordo com os factos que irá descrever infra, entende a Requerente que as 156 liquidações de IUC em causa estão assentes num erro de pressuposto, considerando que respeitam a veículos que não só já não eram sua propriedade no momento em que ocorreria o facto gerador do IUC, se devido, como nem sequer havia nos anos 2009 a 2011 qualquer conexão objectiva a nível de IUC com estas viaturas (apesar de ainda) matriculadas em Portugal, atendendo a que as mesmas já haviam, entre 2004 e 2006, sido adquiridas por entidades não residentes e, consequentemente, saído definitivamente de Portugal
m) A requerente desconhece mesmo o paradeiro dos veículos desde a altura em que procedeu à sua venda, data em que os mesmos deixaram de integrar a sua esfera jurídica.
n) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, tendo sido notificada do despacho de indeferimento da mesma em 17 de Dezembro de 2015.(doc. 3)
o) Admite a Requerente que tais liquidações terão resultado de um erro de enquadramento por parte da AT, eventualmente justificável considerando a informação pública disponível e acessível à data das liquidações, mas que pelo presente meio se entende que será devidamente esclarecido que estava desactualizada e, consequentemente, crê a requerente que não irão subsistir dúvidas à AT de que a única forma de garantir a justiça e legalidade tributária, neste contexto, será por via da anulação das liquidações em referência.
p) A lei procura a concretização do princípio de que o IUC deve ser um encargo da entidade que efectivamente utiliza o veículo, isto é, de quem o coloca em circulação no território nacional, na óptica do conceito de “poluidor-pagador” ou de “utilizador-pagador”.
q) À Requerente não poderia nunca ser assacada qualquer responsabilidade no que às liquidações de IUC aqui em causa diz respeito, na medida em que os veículos subjacentes às mesmas, tendo sido transmitidos pela Requerente entre 2004 e 2006, nem sequer qualificam para efeitos de incidência objectiva do imposto.
r) Assim, não obstante a norma de incidência subjectiva prevista no referido número 1 do artigo 3º do Código do IUC, esta norma admite que, mediante prova sustentada dos factos alegados, a Requerente torne inequívoco que apesar de ser a pessoa (colectiva) em nome da qual os veículos se encontravam, entre 2009 e 2011, registados na Conservatória do Registo de Veículos, na verdade já não era proprietária dos mesmos desde o exacto momento em que os transmitiu a terceiros.
s) Ao proceder, com sucesso, à venda dos veículos, a Requerente entende que cessam, nesse momento e para os efeitos legais e fiscais tidos como relevantes, todos os direitos e obrigações fiscais que recaíam na sua esfera relativamente a cada veículo.
t) Tal decorre do disposto nos artigos 1316º e 1317º do Código Civil, que referem que “O direito de propriedade adquire-se por contrato”, e que “o momento da aquisição do direito de propriedade é, no caso de contrato, o designado nos artigos 408º (…)” desse mesmo diploma, onde se prevê que a constituição ou transferência de direitos reais (como o direito de propriedade) sobre um bem determinada se dá, por regra, por mero efeito do contrato.
u) Com a venda dos veículos em causa pela Requerente às entidades melhor identificadas nos Documentos 2, 3 e 4 em anexo, suportada pelos contratos de compra e venda celebrados entre aquela e cada um dos compradores, bem como pela emissão das respectivas facturas no contexto em análise, considera-se que a propriedade dos veículos foi transmitida nos termos definidos e aceites pelas partes, uma vez que a “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”, tendo como efeitos, entre outros, a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de a entregar e de ser pago o respectivo preço [conforme artigos 874º e 879º, ambos do Código Civil].
v) Desta forma, sendo os contratos celebrados entre a Requerente e os compradores dos 52 veículos que estão na base das liquidações de IUC (e consequentes juros compensatórios) aqui reclamadas, contratos verbais de compra e venda, os mesmos terão, forçosamente, de ser considerados prova suficiente da transferência de propriedade dos bens sobre os quais cada contrato, individualmente, versa.
x) O comprador de cada veículo transmitido pela Requerente adquiriu, desde a data da transmissão (entre os anos 2004 a 2006), a qualidade de proprietário de pleno direito desses mesmos veículos, facto demonstrável pela documentação emitida à data, e aqui em anexo, que como se comprova terá obrigatoriamente de ser aceite.
z) É, portanto, com a celebração dos referidos contratos de compra e venda de veículos, com a transmissão da respectiva posse para o comprador e com a facturação dos bens transmitidos que, para o efeito em análise, se considera transferida a propriedade dos bens, independentemente da questão do Registo dessa mesma propriedade, que não poderá afectar o direito real em causa mas apenas limitar-se a conferir-lhe publicidade: isto é, o Registo Automóvel não é condição de eficácia da transmissão da propriedade, não tem carácter constitutivo, pelo que uma eventual irregularidade na actualização desse registo, imputável à Requerente, não pode ter por efeito destruir a eficácia plena conferida, pela compra e venda, à transmissão da propriedade conforme vontade das partes.
aa) De acordo com o número 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo Automóvel, desde então já actualizado por diversas vezes, o registo de veículos “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos (…) tendo em vista a segurança do comércio jurídico” [sublinhado e negrito nosso], e não tem por conseguinte carácter constitutivo.
bb) O Registo Automóvel é instrumento de carácter meramente informativo e declarativo que identifica perante terceiros, e com base na melhor informação disponível, a entidade que se presume ser a proprietária do bem móvel registado/matriculado – não é, portanto, um acto constitutivo de quaisquer direitos reais (nem obrigações) sobre bens móveis.
cc) A expressão “consideram-se” estatuída no número 1 do artigo 3.º do Código do IUC, conjugada com a restante redacção do artigo, bem como com o espírito do legislador já plasmado no princípio da equivalência disposto no artigo 1.º do referido Código - que, relembre-se, associa o pagamento do tributo ao custo viário e ambiental provocado pela utilização de veículos – não pode ser mais do que uma presunção, necessariamente ilidível nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, contanto que quem a pretende afastar – no caso, a Requerente – demonstre de forma cabal e inequívoca que a realidade é, efectivamente, diferente daquela que poderia resultar da presunção prevista no referido artigo 3º.
dd) Adicionalmente, a Requerente junta ainda cópias das declarações emitidas pelos compradores, nas quais estes atestam a aquisição dos veículos em causa e onde é feita menção ao número e data da factura que dá origem à transferência de propriedade, com referência à matrícula do veículo transmitido
ee) Sob a designação de Documento 4, a Reclamante anexa a informação que suporta a venda de 18 veículos à entidade B… e a informação relativa à venda dos restantes 33 veículos à C…, ambas sociedades de direito francês.
ff) A Reclamante junta a título de documentação adicional à presente petição inicial a documentação de suporte à transmissão de propriedade da viatura …-…-… (na base das liquidações de IUC números …, … e…, e das liquidações dos juros compensatórios respectivos, números …, … e …, num total de € 2.370,22), (doc 5), porquanto foi esta objecto de um contrato de empréstimo entre a ora Requerente e a D… .
gg) O facto de a data da transmissão dos restantes 51 veículos, atestada pelas facturas e pelos acordos de compra e venda celebrados entre 2004 e 2006, ser significativamente anterior à data em que o facto gerador do IUC ocorreria (data do aniversário das matrículas em 2009, 2010 e 2011), tornam evidente a comprovação de que a Requerente não era a proprietária no momento em que se verificaria a exigibilidade do IUC caso os veículos estivessem em território nacional naqueles anos.
hh) Perante a evidência de que a presunção sobre a qual a AT, ora requerida se baseou não tem correspondência com a verdade material dos factos, insistir em imputar à esfera da Requerente a obrigatoriedade de pagamento de um tributo que, a todos os níveis (subjectivo e objectivo), não era devido, é absolutamente desproporcional e violador dos mais elementares princípios subjacentes ao normativo jurídico-tributário português.
ii) Em jeito de súmula e pela relevância na temática em apreço, a Requerente sumariza neste fecho a jurisprudência que permite enquadrar e validar toda a tese aqui defendida: Decisões arbitrais produzidas pelo CAAD no âmbito dos processos n.º 26/2013-T, de 19 de Julho de 2013, n.º 27/2013-T, de 10 de Setembro de 2013, nº 73/2013-T de 5 de Dezembro de 2013 e n.º 14/2013-T, de 15 de Outubro de 2013 e n.º 42/2014-T de 25 de Junho de 2014.
jj) No que respeita às liquidações de juros compensatórios, o artigo 35.º da LGT estatui que estes são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, seja retardada a liquidação e pagamento de parte ou da totalidade de imposto.
jj) Estando demonstrado que os pressupostos legais em que assentam as liquidações de IUC que nesta sede se contestam não se adequam à realidade, e visto que não houve qualquer atraso efectivo ou falta de entrega de imposto ou prestação tributária legalmente devida pela Requerente, requer-se a anulação das liquidações de IUC referidas supra e, em conformidade, a anulação das correspondentes liquidações de juros compensatórios, porque consequentemente indevidas e ilegais.
Constituição do Tribunal Arbitral.
A autora não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
Em 13-5-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal ficou constituído em 3-6-2015 [artigo 11º-1/c), do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31-12]
Resposta da AT
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou os processos administrativos, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e que os atos tributários impugnados se devem manter na ordem jurídica.
Reconduz-se, no essencial, a douta posição da AT a divergências interpretativas da Lei, incluindo a crítica, salutar, à Jurisprudência Arbitral que, maioritariamente, defende posição interpretativa contrária pese embora pareça estabelecer um dualismo, que seria incompreensível, entre a Lei e a Jurisprudência, aparentemente entendendo esta de forma autónoma e independente relativamente àquela. O que não deixaria de ser surpreendente fora do sistema da common law ou mesmo, algum modo neste.
No essencial, sufraga a AT a interpretação jurisprudencial de um Tribunal estadual de 1ª instância (TAF de Penafiel) no processo n.º 210/13.0BEPNF, ou seja, que “(...)o facto gerador do IUC é determinado pelo art. 6.º, n.º 1, do CIUC, sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. Isto é, enquanto o veículo tiver matrícula ou estiver registado em território nacional (art. 2.º do CIUC – incidência objectiva), é devido IUC pelo proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa singular ou colectiva, de direito público ou privado, em nome da qual o mesmo se encontre registado, que é o sujeito passivo do imposto (art. 3.º, n.º 1, do CIUC) (...). A propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto. Resulta do recurso que o recorrente admite que no ano de 2008 o veículo estava registado em seu nome, apesar de não ser seu proprietário desde 15/2/2006.Mas, independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (art. 5.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º (DL) 54/75, de 12 de Fevereiro) e da recorrente ter vendido o veículo automóvel, nem a elisão da presunção do registo do direito de propriedade automóvel. O que está em causa é a determinação do facto gerador do imposto e a determinação da sua incidência subjectiva, que são fixados pelo direito de propriedade do veículo “tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”, isto é, independentemente das presunções derivadas do registo automóvel e da sua ilação e/ou elisão. De acordo com os arts. 1.º a 6.º do IUC, em particular do art. 3.º, n.º 1, do CIUC, verificam-se todos os elementos de incidência subjectiva e objectiva, facto gerador e exigibilidade do imposto, para a liquidação do IUC do referido veículo no ano de 2008 em nome da recorrente, independentemente das transmissões do direito de propriedade e não se verifica qualquer isenção. A venda do veículo em 15/2/2006 é irrelevante. Para a liquidação do IUC do ano de 2008 e determinação do responsável pelo seu pagamento, os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo automóvel em território nacional e o registo do direito de propriedade na Conservatória do registo Automóvel independentemente da sua alienação efectiva. O alienante tem o dever de no momento da alienação cuidar de proceder ao registo da venda para o novo adquirente, sendo a única de forma a assegurar-se que o registo é realizado para o novo adquirente. No caso em apreço, em 2008 não houve cancelamento da matrícula ocorreu e até aí o veículo estava matriculado em Portugal e registada a sua propriedade em nome da recorrente. Logo, é no recorrente que se verificam o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objectiva e subjectiva do IUC (arts. 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1, do CIUC). A falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 3.º, n.º 1, do CIUC) se mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva.Logo, a liquidação do IUC relativa a 2008 em nome da recorrente não padece de qualquer ilegalidade e a falta de pagamento do respectivo imposto no prazo legal é também da sua responsabilidade, constituindo a falta de pagamento no prazo legal (art. 17.º, n.º 2, do CIUC) uma infracção contra-ordenacional prevista e punida pelo art. 114.º, n.º 2, do RGIT. (...). Em suma, o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (...)”.
Naturalmente que não cumpre nem é dever do Tribunal apreciar todos e cada um dos argumentos das partes[7] mas sobretudo o que deve é decidir as questões suscitadas, fazendo-o, naturalmente, interpretando a Lei e de forma fundamentada.
Reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT)
Por despacho de 3-1-2016, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT.
Provas adicionais e alegações finais
Foram dispensadas, sem oposição das partes, nos termos do despacho de 3-1-2016.
Saneador/Pressupostos processuais
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
Tratando-se do mesmo tributo (IUC) e ponderada a identidade dos fundamentos de facto e de direito em todas as impugnações das liquidações, verificam-se os pressupostos previstos nos arts 104º, do CPPT e 3º, do RJAT, para a cumulação dos pedidos.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa.
II FUNDAMENTAÇÃO
Os factos provados[8]
Não havendo factos essenciais controvertidos mas tão só divergências interpretativas ou de enquadramento legal dos atos de liquidação, não será despiciendo fixar aqui o seguinte quadro essencial quanto à matéria de facto:
a) A ora Requerida emitiu 156 liquidações de Imposto Único de Circulação (“IUC”) e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 98.614,20, identificadas em 52 demonstrações de liquidação (que englobam os anos 2009, 2010 e 2011) e cujas cópias se juntam em anexo sob a designação de Documento 1, referentes a 52 viaturas (das categorias C e D) devidamente identificadas em tais demonstrações de liquidação;
b) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, sendo notificada do despacho de indeferimento em 17 de Dezembro de 2015 ( doc 3);
c) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, de direito português, integrada num grupo de empresas de génese francesa, cujo objecto social consiste, essencialmente, na realização de transportes rodoviários de mercadorias.( doc 2)
d) No âmbito da sua actividade, os veículos que realizam os transportes sofrem um desgaste natural pela sua utilização diária, sendo periodicamente efectuada pela Requerente uma avaliação do estado dos veículos.
e) Nas situações em que a Requerente considera que as suas viaturas já não reúnem as condições necessárias ao exercício da sua actividade, procede à alienação de tais veículos.
f) Para suporte documental da transmissão de cada veículo, a Reclamante emite a correspondente factura e procede à assinatura do Modelo nº 2 da então Direcção-Geral dos Registos e Notariado, actual Instituto dos Registos e Notariado (“Requerimento - declaração para registo de propriedade - contrato verbal de compra e venda”), no qual fica efectuada a referência à matrícula, marca e número de quadro da viatura, e à identidade do comprador e do vendedor (através dos respectivos NIFs, endereços e denominação social), recebendo igualmente uma declaração por parte do adquirente, comprovando que a viatura foi por si adquirida ( docs 6 a 56)
g) Em Novembro de 2013, a Requerente foi notificada de 52 demonstrações de liquidação de IUC e juros compensatórios, referentes a 2009, 2010 e 2011, por falta de pagamento atempado do IUC considerado devido, nesses anos, sobre 52 veículos das categorias C e D que, alegadamente, seriam propriedade da Requerente na data em que se verificou, no entender da Autoridade Tributária (AT), a exigibilidade do imposto único de circulação (IUC) (doc 1)
h) Estas liquidações de IUC basearam-se, de acordo com a fundamentação constante das mesmas, no facto de não ter sido pago, até ao final do mês em que seria alegadamente devido, o IUC incidente sobre os veículos mencionados nessas mesmas liquidações, infra identificadas:
Matrículas dos Veículos
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i) Tais veículos que não só já não eram propriedade da Requerente no momento em que ocorreria o facto gerador do IUC, se devido, como nem sequer havia nos anos 2009 a 2011 qualquer conexão objectiva a nível de IUC com estas viaturas ainda matriculadas em Portugal, atendendo a que as mesmas tinham sido adquiridas, por compra, entre 2004 e 2006, por entidades não residentes e saído definitivamente de Portugal;
j) A requerente desconhece mesmo o paradeiro dos veículos desde a altura em que procedeu à sua venda;
k) Contra as referidas liquidações apresentou a ora requerente Reclamação Graciosa por entender que as mesmas são ilegais, tendo sido notificada do despacho de indeferimento da mesma em 17 de Dezembro de 2015.(doc 3)
Motivação
Os factos mencionados estão documentalmente comprovados ou não foram especificamente impugnados.
Designadamente as datas de matrícula dos veículos mencionados estão documentadas nos processos administrativos juntos pela AT.
A requerida não impugnou os documentos, invocando, designadamente, a sua falsidade.
II FUNDAMENTAÇÃO (continuação)
O Direito
Atenta as posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimentes saber:
A - Se, na data da ocorrência dos factos geradores do imposto [artigo 3º-1, do CIUC[9]], os proprietários dos veículos não forem os que constam do registo, serão apesar disso estes (os que constam do registo) que serão sempre considerados os sujeitos passivos do IUC, não sendo por consequência ilidível a presunção de titularidade revelada pelo registo OU, dito doutro modo, se a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3º nº 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção e
B – Se o proprietário do veículo à data do facto tributário (matrícula ou aniversário do veículo[10]) o tiver alienado, designadamente por contrato de compra e venda, será mesmo assim sujeito passivo de IUC.
Estas questões foram já, no essencial, abordadas em diversas decisões do CAAD, algums delas já publicadas em www.caad.org.pt e outras em vias de publicação [Cfr., v. g., decisões proferidas nos processos nºs 14/2013, 26/2013, 27/2013, 42/2014, 73/2013, 170/2013, 294/2013, 154/2014, 429/2015, 841/2015 e 845/2015].
Não se antolham razões para inverter o alterar o sentido essencial desta Jurisprudência.
Vejamos então:
Dispõe o artigo 3º do CIUC (Código do Imposto único de Circulação):
“Artigo 3º
Incidência subjetiva
1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
Estabelece, por seu lado, o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
Resolver as dúvidas que se suscitem na aplicação de normas jurídicas pressupõe a realização de uma atividade interpretativa.
Há assim que ponderar qual a melhor interpretação[11] do art. 3º, nº 1 do CIUC, à luz, em primeiro lugar, do elemento literal, ou seja aquele em que se visa detetar o pensamento legislativo que se encontra objetivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.
A questão que se coloca é, no caso sub juditio, a de saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de presunção ao dispositivo legal em apreço.
A nosso ver e ao contrário do que defende doutamente a AT, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que da análise do nosso ordenamento jurídico se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.
Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:
~ no âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar”;
~ também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “(…)as invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho (…)”;
~ e, por último, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo.
Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.
Importa, de seguida, submeter a norma em apreço aos demais elementos de interpretação lógica, designadamente, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.
Dissertando sobre a atividade interpretativa diz FRANCESCO FERRARA que esta “é a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se, e reclama fino trato, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito não só do material positivo, como também do espírito de uma certa legislação. (…) A interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão, arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre respeitadora da lei” (Cfr. Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2ª ed.), Arménio Amado, Editor, Coimbra, 1963, p. 129).
Como refere BAPTISTA MACHADO “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.
O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista “ (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp.175/176).
“A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a vis potestas legis.(…) A lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei. (…) Por outro lado, o comando legal tem um valor autónomo que pode não coincidir com a vontade dos artífices e redatores da lei, e pode levar a consequências inesperadas e imprevistas para os legisladores. (…) O intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris (Cfr. FRANCESCO FERRARA,Ensaio, pp. 134/135).
Entender uma lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis”(loc. cit., p.128).
Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. BAPTISTA MACHADO, loc. Cit., p. 181; J.OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p.361).
Entre nós, é o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas.
O texto do nº 1 do artigo 9º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.
Sobre a expressão “pensamento legislativo” diz-nos BAPTISTA MACHADO que o artigo 9º do CC “não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjetivista e a doutrina objetivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador” nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da atividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (artº. 9º, 1º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exatamente que o legislador não se quis comprometer” (loc. cit., p. 188).
No mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA em anotação ao artigo 9º do CC (Cfr. Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16).
E sobre o nº 3 do artigo 9º do CC refere aquele autor: “este nº 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas (mais corretas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correta. Este modelo reveste-se claramente de características objetivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorreto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstrato: sábio, previdente, racional e justo” (loc. cit. p. 189/190).
Logo a seguir este insigne Mestre chama a atenção de que o nº 1 do artigo 9º, refere mais três elementos de interpretação a “unidade do sistema jurídico”, as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada” (loc. cit, p. 190).
Quanto às “circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada”, explica BAPTISTA MACHADO que esta expressão “representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os fatores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa” (loc. cit., p.190).
Relativamente às “condições específicas do tempo em que é aplicada” diz este autor que este elemento de interpretação “tem decididamente uma conotação atualista (loc. cit., p. 190) no que coincide com a opinião expressa por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA nas anotações ao artigo 9º do CC.
No que respeita à “unidade do sistema jurídico”, BAPTISTA MACHADO considera este o fator interpretativo mais importante: “a sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica” (loc. cit., p. 191).
É também este autor que nos diz, relativamente ao elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) que este “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos: se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador” (loc. cit., p. 182).
Referindo-se ao elemento racional ou teleológico, diz este autor que ele consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura política-económica-social que motivou a decisão legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime” (loc. cit., pp. 182/183).
É ainda BAPTISTA MACHADO que nos diz, agora no que respeita ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos) que “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (loc.cit., p. 183).
Como ensina JOSEF KOHLER, citado por MANUEL DE ANDRADE “(…) Em particular havemos de tomar em consideração o encandeamento das diversas leis do país, porque uma exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas (Ensaio, p. 27).
Descendo ao caso dos autos:
Através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular esta matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC [cfr Lei nº 22-A/2007, com as alterações da Lei 67-A/2007 e 3-B/2010], foi consagrada a presunção [grifado nosso] dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.
Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objetivo de tributar o verdadeiro e efetivo proprietário (ou locatário, em caso de locação financeira e ALD) e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente.
O mesmo se diga quando nos socorremos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica.
Com efeito, o atual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
Ora a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem[12].
Assim, também, da interpretação efetuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efetivos proprietários-utilizadores dos veículos(sublinhado e grifado nossos) pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.
Por outro lado, estabelece o art. 73º da LGT que “(…) as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis (…)”.
Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção juris tantum [e, portanto, ilidível], a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade, na data do facto tributário, é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.
Analisados os elementos carreados para o processo pela Requerente e os factos provados, extrai-se a conclusão que aquela não era a proprietária dos veículos desde há alguns anos considerando o aniversário dos veículos para efeitos de tributação em IUC, por, entretanto, já ter transferido a propriedade dos mesmos, nos termos da lei civil.
As operações de transmissão de propriedade não foram impugnadas e são oponíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos em relação a terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial [aplicável por remissão do Código do Registo Automóvel], a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º do Código do Registo Predial, aplicável por força do Código do Registo Automóvel, ou seja: não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
Nestas circunstâncias, as mencionadas e ora impugnadas liquidações devem ser anuladas.
Quanto ao pedido subsidiário:
Subsidiariamente, pediu a Requerente “(…) o pagamento da indemnização que venha a revelar-se devida, nos termos do artigo 171º do CPPT, pelo facto de lhe ter sido exigida a prestação de uma garantia (na forma de hipoteca voluntária sobre bens móveis, para suspensão dos processos de execução instaurados na sequência do não pagamento das liquidações) que, em resultado deste processo de Reclamação, terá de ser consequentemente considerada manifestamente inoportuna e indevida (…)”.
Nada se tendo demonstrado a este respeito, obviamente que improcede totalmente tal pedido.
III – DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar, totalmente procedentes os pedidos de anulação das liquidações de IUC sob impugnação e, em consequência,
b) Declarando a sua ilegalidade, anular esses atos tributários e
c) Julgar improcedente o demais peticionado pela Requerente.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 98.614,20
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 6 de fevereiro de 2016
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
José Nunes-Barata
(Vogal)
António Correia Valente
(Vogal)
[1] É o que tem sido repetidamente afirmado, desde há muito, pela Jurisprudência (Vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094.
[2] E não há factos essenciais não provados
[3] Acrónimo de Código do Imposto Único de Circulação.
[4] CIUC - Artigo 4.º
Incidência temporal
1 - O imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita.
2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G.
3 - O imposto é devido até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei. (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
[5] A génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários ao seu surgimento, a saber: o elemento real, o elemento pessoal e o elemento temporal. (Neste sentido veja-se, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., Fiscalidade, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009).
[6] Sob a epígrafe “princípio da equivalência” estabelece o artigo 1º do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Sobre a noção do princípio da equivalência diz-nos SÉRGIO VASQUES: “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria actividade”(Cfr. Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2000, p. 110).
E, mais à frente, explica este Professor, relativamente aos automóveis: “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.
[7] É o que tem sido repetidamente afirmado, desde há muito, pela Jurisprudência (Vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094.
[8] E não há factos essenciais não provados
[9] Acrónimo de Código do Imposto Único de Circulação.
[10] CIUC - Artigo 4.º
Incidência temporal
1 - O imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita.
2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G.
3 - O imposto é devido até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei. (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
[11] A génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários ao seu surgimento, a saber: o elemento real, o elemento pessoal e o elemento temporal. (Neste sentido veja-se, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., Fiscalidade, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009).
[12] Sob a epígrafe “princípio da equivalência” estabelece o artigo 1º do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Sobre a noção do princípio da equivalência diz-nos SÉRGIO VASQUES: “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria actividade”(Cfr. Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2000, p. 110).
E, mais à frente, explica este Professor, relativamente aos automóveis: “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.