Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 268/2015-T
Data da decisão: 2016-01-29  IRC  
Valor do pedido: € 204.236,88
Tema: IRC – Lucros afetos a seguros “unit linked”; artigo 51º, do CIRC
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Os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), António Lobato das Neves e Diogo Feio, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, acordam no seguinte

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

I RELATÓRIO

A sociedade “A…, S.A.“, [anteriormente denominada “B…, SA”] com o NIF  …, com sede na Avenida…, nº … –…º em Lisboa , doravante designada  por Requerente, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC do ano de 2012, efectuada na sequência duma acção da Inspecção Tributária,   contestando especificamente a correcção positiva à matéria colectável no valor de 204.236,88 relativa dedução ao abrigo do artigo 51º do Código do IRC dos lucros distribuídos aos  títulos afectos a  seguros “unit-linked”.

 

A requerente alega, em sintese, o seguinte:

a)      Os Tribunais Arbitrais já se pronunciaram no processo nº 65/2014-T sobre a questão objecto do presente processo, concluindo de forma inequivoca no sentido da aplicação do mecanismo previsto no artigo 51º do IRC na esfera da Seguradora aos rendimentos decorrentes da comercialização dos produtos “unit-linked”;

 

b)      Os seguros de capitalização “unit-linked” consistem numa apólice de seguro, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um activo subjacente escolhido pela Requerente, que poderão ser acções ou unidades de participação detidas pela mesma;

 

c)      Os seguros em questão constituem um produto do ramo vida associado a uma carteira de investimentos cuja titularidade pertence à Requerente;

 

d)     O tomador do seguro não é titular dos activos subjacentes aos investimentos efectuados pela seguradora, sendo inequivoco que os “fundos autónomos” - onde a Seguradora engloba os citados activos subjacentes - são da titularidade da Requerente;

 

e)      Como é referido no acordão proferido no processo nº 65/2014-T, “apenas no fim do contrato há um rendimento do beneficiário. Até aí o património da contraparte da seguradora mantêm-se inalterado, intocado. As variações no valor da unidade de conta, que foram tendo provisionamento obrigatório levado a cabo pela seguradora, não têm qualquer influência no património da contraparte desta. Não dão causa, em suma, a nenhum rendimento do titular do produto “unit-link”;

 

f)       Como também é referido no mencionado acordão, “em caso de insolvência da seguradora, as contrapartes nos contratos “unit-link” não terão qualquer direito próprio quer sobre os activos adquiridos pela seguradora em função do seu contrato, quer sobre os rendimentos que por aqueles haja sido gerado e distribuido à seguradora”;

 

g)      A requerente é a única titular dos investimentos por si realizados, independentemente do risco dos produtos ser assumido pelo tomador do seguro ou pela própria seguradora; o risco faz parte do próprio produto e os clientes recebem(ou não) um rendimento do produto subscrito e não um rendimento proveniente de acções, obrigações ou outros investimentos que a Seguradora entenda fazer;

 

h)      Os seguros “unit-linked” implicaram desde sempre a constituição de provisões técnicas, por forma a acautelar os pagamentos futuros a efectuar aos respectivos subscritores;

 

i)        Com a aprovação do novo Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES07) em 2008, as operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (tal como os seguros “unit linked”) deixaram de obrigar à contabilização de provisões técnicas na Classe 3 do Plano de Contas, passando os mesmos valores a ser obrigatóriamente registados numa conta da classe 4 – Outros Activos s Passivos, como passivos na subconta “45 – Outros passivos financeiros;

 

j)        A Requerente discorda do entendimento da Autoridade Tributária de que o artigo 51º do CIRC não é aplicável aos rendimentos decorrentes de investimentos em seguros unit-linked;

 

k)      A Requerente contesta, especificamente, que “apenas as comissões cobradas pela gestão dos produtos unit-linked (…) afectam/alteram o resultado contabilistico da seguradora, já que: (i) os lucros distribuidos, (ii) as valorizações, e as (iii) desvalorizações, que respeitam a investimentos a que estão indexados os produtos em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro, embora possam ser registados em contas de Rendimentos e Ganhos (…) são integralmente compensadas por um lançamento registado em conta de Custos e perdas (…) fazendo com que o resultado contabilistico da seguradora (…) fique apenas influenciado pelo valor das comissões de gestão cobradas”;

 

l)        O lucro, que é a base tributável do IRC, corresponde à diferença entre os proveitos e os custos do exercício e, sendo a Requerente titular dos activos financeiros, os proveitos gerados com os activos detidos nos fundos autónomos estão incluidos na sua base tributável;

 

m)    Os lucros distribuidos são considerados proveitos ou ganhos, quer do ponto de vista fiscal quer contabilistico, facto não contestado e até assumido pela Autoridade Tributária no relatório final de inspecção;

 

n)      O único requisito previsto no artigo 51º do CIRC é a inclusão na base tributável, não sendo o facto do proveito contabilistico decorrente dos rendimentos gerados pelas participações sociais da Requerente ser integralmente compensado por um correspondente custo que exclue  tais rendimentos da base tributável da seguradora;

 

o)      O facto de tais proveitos estarem indissociavelmente associados a um custo contabilístico (ou a uma provisão) não pode desvirtuar a qualificação dos mesmos como rendimentos e a sua relevância para efeitos de apuramento do lucro final  do exercício;

 

p)      Ou seja, não existe qualquer operação de anulação contabilística do proveito, pois o objectivo da provisão ou do custo é contabilizar e relevar fiscalmente as responsabilidades da seguradora;

 

q)      Além disso, se o único rendimento da Requerente fosse uma “comissão” pela gestão da carteira associada aos seguros unit-linked, então o PCES teria estabelecido que o proveito a registar fosse a “comissão”  e não a totalidade dos rendimentos derivados das participações sociais associadas aos fundos de investimento;

 

r)       O artigo 51º do CIRC não exige que os rendimentos afectem a base tributável mas antes que sejam incluidos na base tributável, e se o objectivo do legislador fosse limitar a dedução por dupla tributação económica nos termos pretendidos pela Autoridade Tributária teria adoptado o método da imputação e não o da isenção;

 

s)       Assim, estando os mencionados rendimentos incluídos na base tributável, a Requerente tem direito à eliminação da dupla tributação económica por força da verificação dos requisitos previstos no artigo 51º do CIRC;

 

t)       A requerente contesta igualmente  o entendimento da Administração Tributária de que “os rendimentos obtidos com essas acções, estando afectas a operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro, não estão no PCES07 afetos às provisões técnicas/reservas técnicas”;

 

u)      O facto de os valores deixarem de ser contabilizados em contas especificamente denominadas por “provisões” em nada afecta o enquadramento no nº 2 do artigo 51º do CIRC, até porque a referida disposição não se refere a “provisões técnicas” mas a “reservas técnicas”;

 

v)      Ainda que se entendesse que os rendimentos auferidos pela Seguradora não seriam aplicados em reservas técnicas, sempre haveria de se equiparar os contratos unit-linked a contratos de invstimentos comercializados por sociedades de investimento, os quais beneficiam do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica;

 

w)    Como  se refere no acordão proferido no Processo nº 65/2014-P, “tais sociedades realizarão investimentos por conta dos seus clientes, recebendo os correspondentes retornos, que, nos termos do contrato de investimento, serão reconduzidos àqueles, sendo o rendimeno económico das sociedades em questão correspondente às comissões que cobrem. Tal como ocorre com as seguradoras, nos contratos unit-linked”.

 

Resposta

 

Na Resposta a AT apresentou o seu entendimento de que o “benefício económico do pedido arbitral corresponderá ao valor da liquidação apurada, na parte em que a mesma resulta da correcção de €204.236,88, calculado do seguinte modo:

 

Correcção ao lucro tributável                                    204.236,88

Dedução de prejuizos fiscais                                     153.177,66

Valor após prejuizos fiscais                                       51.059,22

Colecta – 25%                                                           12.764,81

Derrama – 1,5%                                                       3.063,55

Derrama Estadual – 5%                                            10.211.84

Soma colecta + derrama + derrama estadual                                  26.040,20

 

Concretizou a AT essa divergência alegando, em síntese:

a)      As operações do ramo vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro não são na realidade contratos de seguro, pois não têm essa natureza e não são legalmente enquadráveis nessa categoria, conforme resulta dos parágrafos B8 e B19 do Apendice B da Norma Internacional de Relato Financeiro (IFRS 4);

b)      Ao contrário do que sustenta a Requerente, os rendimentos decorrentes dos produtos “unit-linked” não influenciam o resultado contabilístico do exercício a que respeitam, pois o efeito desses proveitos no resultado será inexistente se for neutralizado através do registo do mesmo montante numa conta de gastos ou perdas;

 

c)      O único caso em que o legislador faz depender a sua aplicação ab inicio do pressuposto de que os rendimentos estejam incluídos na base é tributável é o regime do nº 1 do artigo 51º do CIRC;

 

d)     E cabe perguntar a razão de tal exigência quando, por força do artigo 17º, a contabilidade deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo;

 

e)      Os rendimentos contabilizados pela Requerente (lucros distribuídos) decorrentes dos produtos unit-linked  não integram  o resultado contabilistico ou a base tributável da seguradora, pois se o registo de um rendimento estiver “indissociavelmente associado” (como consta no artº 135º do Requerimento Inicial) o registo de um gasto ou perda pelo mesmo montante, o efeito no lucro contabilistico é nulo e, portanto, não podem considerar-se incluídos na base tributável;

 

f)       É completamente alheio a esta questão o argumento de que a gestão dos investimentos está fora do alcance dos tomadores do seguro,  a titularidade é da seguradora e os rendimentos associados à carteira são proveitos da seguradora, pois o que está causa é que ao mesmo tempo que são registados como rendimentos também são registados como gastos da seguradora e, portanto, na esfera desta entidade, elimina-se qualquer ocorrência de dupla tributação económica daqueles rendimentos;

 

g)      Se uma seguradora recebeu dividendos no valor de 1 000 relativos às acções afectas à carteira de produtos unit-linked, registou essa importância na conta 74 – Rendimentos de Investimentos e registou a mesma exacta importância na conta de custos correspondente (65 ou 67), então se, por mera hipótese teórica, essa seguradora não tivesse realizado outras operações, o seu resultado contabilistico seria nulo;

 

h)      Nessas circunstâncias, como se pode argumentar que os dividendos integram a base tributável ou que há dupla tributação, se os rendimentos não constam do resultado contabilistico (“lucro”)?

 

i)        Alem disso, se se considerasse que os rendimentos estavam incluídos na base tributável, ainda assim não seria aplicável no caso em apreço o disposto no nº 1 do artigo 51º do CIRC, porque não se mostram cumpridos requisitos das alinas a) a c) daquele normativo;

 

j)        A Requerente não pode beneficiar do regime previsto no nº 2 do artigo 51º do CIRC, pois, para além deste normativo pressupor a inclusão dos rendimentos na base tributável – o que não é o caso, como ficou demonstrado -  não estão aqui em causa rendimentos de participações em que tivessem sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros;

 

k)      Como consta da respectiva nota explicativa, O PCES07 reune na Classe 3 – Provisões Técnicas “todas as provisões técnicas constituídas, de acordo com a regulamentação em vigor, para fazer face aos compromissos decorrentes de contratos de seguro”, nos quais há um risco de seguro significativo transferido do tomador do seguro para a seguradora;

 

l)        Nessa lista de provisões não consta nenhuma destinada a fazer face a riscos financeiros decorrentes de contratos de investimento, como os unit-linked, em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro;

 

m)    Na classe  4 – Outros activos e passivos, numa conta de terceiros, a conta 45 – Outros passivos financeiros, encontra-se a subconta 45.0 – passivos financeiros da componente de depósito de contratos de seguro e de contratos de seguro e operações consideradas para efeitos contabilisticos como contratos de investimento;

 

n)      Ao exigir que as operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro – unit-linked – passem desde 2008 a estar reflectidas na mencionada conta 45.0, o novo PCES veio, assim, introduzir um aperfeiçoamento no plano de contas, reflectindo melhor a substância da realidade subjacente e contibuindo para se alcançar a imagem verdadeira e apropriada do património, da situação financeira e dos resultados da empresa de seguros;

 

o)      Se, por um lado, temos no Activo os activos subjacentes que compõem o produto Unit Linked, temos, por outro, no Passivo a responsabilidade da seguradora para com o investidor (a “dívida” para com o tomador do seguro), uma vez que o investimento é totalmente realizado por conta e risco deste;

 

p)      Assim, visto que no novo PCES deixou de haver constituição de quaiquer provisões ou reservas técnicas relativamente ao produto financeiro “unit-linked”,   em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro, não é aplicável o nº 2 do artigo 51º do CIRC.

 

Alegações finais da Requerente

Nas Alegações Finais, a Requerente reiterou os argumentos apresentados no Requerimento Inicial, que a seguir sumariamente se reproduzem:

a)      Os fundos autónomos relativos aos seguros unit-linked são da titularidade da Requerente e a existência ou não do risco faz parte do próprio produto;

 

b)      Inúmeros são os contratos em que o risco corre por conta do tomador do seguro  em que os activos subjacentes (e os respectivos rendimentos) são da titularidade dos veículos de investimento – a título de exemplo, o participante que investe em unidades de participação de um fundo de investimento que compra obrigações;

 

c)      Sendo a Requerente titular (jurídica e economicamente) dos activos financeiros aos quais estão indexadas as unidades de conta – os quais fazem parte do seu activo – os proveitos gerados com os activos detidos nos fundos autónomos, devidamente registados como tal na sua contabilidade e integrantes   do resultado contabilistico do exercício, encontram-se incluídos na sua base tributável;

 

d)     Não existe qualquer operação de anulação contabilística do proveito registado na contabilidade pelo facto de a Requerente estar legalmente vinculada a registar o correspondente custo, isto é, a  provisão técnica, que não desvirtua a natureza do proveito  ou a sua inclusão na base tributável, sendo este o único critério previsto no artigo 51º do CIRC;

 

e)      Não é relevante para a aplicação do disposto no referido artigo a distinção entre os produtos qualificados como contratos de Seguro (ao abrigo da IFRS 4) face aos instrumentos financeiros enquadrados na IAS 39;

 

f)       Aliás, existem outros produtos classificados na IAS 39 (capitalização com participação nos resultados) ou mesmo produtos IFRS 4 (capitalização com paricipação nos resultados) em que os registos de proveitos em ganhos  podem ser neutralizados por rubricas de gastos e perdas  relativamente aos quais  a dedução do artigo 51º do CIRC tem sido aceite pela AT;

 

g)      Relativamente ao exemplo da AT da seguradora que recebe 1 000 de dividendos, a Requerente contrapõe o exemplo da empresa que vende 1 000 de mercadorias e leva outros 1 000 a custos, não afectando a base tributável, mas defende que o ponto em discussão não é se essa operação (tal como a dos autos) gera um lucro, mas sim se os proveitos são levados a tributação, questão diametralmente oposta;

 

h)        No exemplo apresentado, os proveitos foram à base tributável mas foram neutralizados por custos de idêntico montante, o que sucede exactamente, no caso em apreco, no entender da Requerente;

 

i)        A Requerente não concorda com o entendimento da AT de que o nº 2 do artigo 51º do CIRC não tem aplicação no caso em apreço, porque os valores registados actualmente na classe 4 são os mesmos que eram registados até 2008 ao abrigo do PCES94 na classe 3 das provisões técnicas, sendo incorrecto afirmar que com a entrada em vigor do PCES07 os rendimentos de participações sociais das operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro deixaram de estar aplicados ou contabilizados em reservas técnicas;

 

j)        Estamos perante uma mera alteração de classe de contas de registo contabilistico, a qual em nada alterou as obrigações legais da Requerente, nem os critérios e valores registados nestas rubricas, com base nos mesmos termos e condições expressamente previstos no Diploma que regula a actividade seguradora;

 

k)      Referindo-se o nº 2 do artigo 51º do CIRC a “reservas técnicas”, o espirito subjacente à citada norma é abranger todas as situações em que, prudencialmente, é determinado que a seguradora reserve ganhos, o que se verifica exactamente no caso concreto, tal como é referido no Acordão do processo nº 65/2014-T;

 

l)        Alem disso, se se entendesse que os rendimentos auferidos pela Seguradora não seriam aplicados em reservas técnicas, sempre se haveria de equiparar os contratos unit-linked a contratos de investimento comercializados por sociedades de investimento, os quais beneficiam do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica.

 

Alegações finais da Autoridade Tributária e Aduaneira

Nas Alegações Finais a Autoridade Tributária (AT) reiterou também os argumentos apresentados na Resposta, nos termos que a seguir sumariamente se reproduzem:

a)      Ao contrário do que parece decorrer das alegações da requerente, a AT não baseia a sua posição no facto de haver uma relação directa entre os rendimentos gerados pelas aplicações financeiras realizadas pela seguradora e os investidos em produtos unit-linked, quando, na realidade, a análise da verificação do pressuposto a que o nº1 do artigo 51º do CIRC subordina o exercício do direito à eliminação da dupla tributação económica centra-se em exclusivo na esfera da empresa seguradora;

 

b)      O PCES07 impõe às empresas seguradoras os seguintes movimentos contabilisticos, pela percepção de dividendos relativos a activos afectos a contratos unit-linked:

                         - Movimento a débito da conta 21 (Investimentos relativos à Componente de Depósitos de Contratos de Seguro e Contratos de Seguro e Operações consideradas para efeitos contabilistiscos como Contratos de  Investimento), por contrapartida do crédito na conta 74 (Rendimentos de Investimentos)

                        - em simultâneo, pelo aumento das responsabilidades,  débito na conta 67 (Perdas e Gastos em Passivos Financeiros) por crédito da conta 45 ( Outros Passivos Financeiros da Componente de Depósito de  Contratos de Seguro e Contratos de Seguro e Operações consideradas para efeitos contabilístiscos como Contratos de  Investimento);

 

c)      estes movimentos são indissociáveis, em resultado de o aumento do valor dos activos afectos aos contratos unit-linked implicar um aumento correspondente das responsabilidades da empresa seguradora perante os investidores;

 

d)      É o efeito conjugado destes movimentos contabilísticos relativos a contratos unit-linked que leva a que a percepção de rendimentos gerados ou as perdas incorridas pelos mesmos não influenciam o resultado contabilístico da empresa seguradora;

 

e)      Não existe, de facto, qualquer forma de dupla tributação dos rendimentos provenientes dos lucros distribuídos, na esfera da seguradora, na medida em que não estão reflectidos no respectivo resultado contabilístico e fiscal;

 

f)       Tal como foi explicado na Resposta, o PCES07 confere um tratamento contabilístico aos contratos unit-linked diferente do que constava do PCES94, diferenciando-os melhor dos contratos de seguro e, por consequência, os activos subjacentes e os rendimentos associados não podem considerar-se como “rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros”, nos termos previstos no nº 2 do artigo 51º do CIRC.

 

Saneador

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir a decisão quanto ao mérito do pedido.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados

Não existe divergência entre as partes no que respeita aos factos subjacentes ao caso sub juditio.

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

a)      Em 16 de Janeiro de 2015 foi efectuada a liquidação adicional de IRC nº 2015…, no montante de 422.711,04 euros, relativa a correcções à matéria colectável do ano de 2012, entre as quais o acréscimo de 204.236,88 euros referente à dedução que tinha sido efectuada ao abrigo do artigo 51º do CIRC dos lucros distribuídos a Fundos “Unit-linked” detidos pela Requerente;

 

b)      A Requerente tem por objecto social a produção e comercialização de produtos de seguros do ramo vida, entre os quais figuram os seguros de capitalização, também denominados “Unit-linked”, que consistem em apólices de seguro, expressas em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um activo escolhido pela seguradora ;

 

c)      O tomador do seguro ou investidor entrega à seguradora um prémio a que esta faz corresponder um determinado número de unidades de conta, sendo as prestações recebidas dos investidores aplicadas na aquisição de activos financeiros e contabilizados pela seguradora no seu Activo, embora afectos a um “Fundo”;

 

d)     O valor de cada unidade de conta é determinado pela divisão do património do fundo pelo número de unidades de conta emitidas;

 

e)      A seguradora adquire os activos que servem de base à determinação do valor das unidades de conta em que são convertidos os montantes recebidos, dos investidores e faz a gestão profissional desses activos;

 

f)       A seguradora  obriga-se  a pagar, aquando do resgate ou do final da maturidade e salvo quando haja garantia de pagamento de quantias mínimas,   um montante correspondente ao valor das unidades de conta na data desse evento, deduzido de eventuais comissões;

 

g)      A seguradora regista no seu passivo as responsabilidades assumidas perante os investidores, como contrapartida dos activos afectos aos ”fundos autónomos” dos produtos “Unit-linked” em que são investidos as entregas efectuadas;

 

h)      Os montantes dessas responsabilidades reflectem as variações de valores ocorridas naqueles activos e os rendimentos por eles gerados, v.g. dividendos, juros,  traduzidas na variação das unidades de conta;

i)        Os activos que geram os rendimentos que são reflectidos nas unidades de conta  pertencem  à seguradora;

j)        O tomador do seguro “Unit-linked” não recebe juros nem é titular de quaisquer acções ou outros valores mobiliários, mas tem uma quota ideal sobre um rendimento futuro, o qual está indexado aos activos detidos pela seguradora;

k)      A requerente organizou a sua contabilidade no exercício de 2012 de acordo com o Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES07);

l)        O PCES07 impõe às empresas seguradoras os seguintes movimentos contabilisticos, pela percepção de dividendos relativos a activos afectos a contratos unit-linked:

- Movimento a débito da conta 21 (Investimentos relativos à Componente de                  Depósitos de Contratos de Seguro e Contratos de Seguro e Operações                           consideradas para efeitos contabilistiscos como Contratos de  Investimento),             por contrapartida do crédito na conta 74 (Rendimentos de Investimentos)

 

- em simultâneo, pelo aumento das responsabilidades,  débito na conta 67                                    (Perdas e Gastos em Passivos Financeiros) por crédito da conta 45 ( Outros             Passivos Financeiros da Componente de Depósito de  Contratos de Seguro e                    Contratos de Seguro e Operações consideradas para efeitos contabilistiscos                                   como Contratos de  Investimento);

 

m)    O Instituto de Seguros de Portugal entende que “constitui apenas rendimento efectivo da empresa de seguros os encargos de gestão e de subscrição cobrados, não tendo o rendimento global gerado pelos investimentos afectos aos unit-linked impacto em termos dos resultados da empresa”.

 

Factos não provados

Não se antolha a existência de factos essenciais não provados tendo presento o objeto do pedido.

 

Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam ou que sejam relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Assim é que, ponderada essa relevância, a convicção do Tribunal relativamente à formação do quadro factual supra, se fundou nos documentos e processo administrativo instrutor, incorporados nos autos sem impugnação e na posição das partes espelhada nos respetivos articulados e reveladora da inexistência de qualquer controvérsia quanto à pura materialidade dos factos descritos.

 

 

II FUNDAMENTAÇÃO

                                                                                             

O Direito

O objeto do litígio é a discussão da legalidade (violação ou não do artigo 51º, do CIRC) da liquidação  adicional de IRC/2012 decorrente da não consideração da natureza dedutível à matéria coletável,  para efeitos de IRC, da importância de €204.236,88 de lucros afetos a seguros denominados “unit linked”.

 

A argumentação de cada uma das partes está espelhada nos articulados e a da AT está-o ainda no processo administrativo instrutor e no respetivo relatório juntos aos autos.

Assinale-se que os Tribunais (incluindo, naturalmente, os arbitrais) não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes conforme tem sido desde há muito repetidamente afirmado pela Jurisprudência (Vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc,  de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094), mas apenas as questões suscitadas salvo no caso de limitações legais desse dever (v.g., se for julgada procedente alguma das excepções, ficará prejudicado o conhecimento da subsequente ou subsequentes na ordem de apreciação. Com efeito, cada uma das excepções, só por si, será um obstáculo intransponível à apreciação do mérito da causa, justificando uma decisão de absolvição da instância [artigo 89.º, n.º 4, do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], pelo que, a proceder uma delas, não terá utilidade apreciar qualquer outra).

 

Vejamos então a questão.

Os contratos de seguro ligados a fundos de investimento são vulgarmente conhecidos como “unit-linked”. São contratos de seguro, do ramo vida, cujo saldo da apólice se expressa através de unidades de conta, representativas de fundos autónomos constituídos por ativos do segurador ou por unidades de participação de um ou vários fundos de investimento e cuja rendibilidade está dependente da evolução do valor desses ativos. 

 

Os seguros ligados a fundos de investimento são qualificados como instrumentos de captação de aforro estruturado.

 

Os ativos subjacentes que integram um ou os vários fundos autónomos que compõem o “unit-linked” – devidamente destacados na esfera patrimonial da seguradora – são variados e permitem a exposição a diferentes tipos de risco. 

 

Entre os possíveis ativos subjacentes dos fundos de investimento, podem constar:

1.      instrumentos financeiros, como por exemplo, ações e obrigações;

2.      instrumentos financeiros derivados ou fundos de investimento, como por exemplo os denominados  hedge funds;

3.      matérias-primas, incluindo, entre outros, metais preciosos, cereais ou petróleo;

4.      taxas de câmbio ou taxas de juro. 

 

Os contratos de seguro ligados a fundos de investimento podem assumir diferentes modalidades, podendo destacar-se as seguintes:

·         duração determinada ou indeterminada; 

·         comercialização contínua ou com um período definido de subscrição; 

·         entrega única ou com entregas periódicas, programadas, ou extraordinárias; 

·         com ou sem garantia de capital e/ou rendimento; 

·         com ou sem reembolsos programados no período.

 

Nos “unit linked” coexiste, frequentemente, uma componente de risco suportada pela seguradora, nomeadamente, a existência de uma parcela de capital garantido em caso de morte do tomador do seguro, e a existência de uma componente financeira cujo risco de investimento é suportado, pelo menos parcialmente, pelo tomador do seguro. 

 

Os unit-linked têm o risco de mercado dos ativos que compõem o fundo ou fundos autónomos ou o fundo ou fundos de investimento, incluindo o risco de preço, o risco de taxa de juro e o risco cambial. 

O valor desses ativos pode reduzir-se alterando o valor da unidade de conta e originando a perda do capital investido.

 

Em determinados produtos há impossibilidade de proceder ao resgate, durante um período considerável de tempo ou são aplicadas penalizações por reembolso antecipado, quer por via de comissionamento, quer por via da perda de garantia do capital investido.

O risco de contraparte ou risco de crédito está associado à capacidade financeira das contrapartes ou dos emitentes dos ativos detidos pelo fundo ou fundos autónomos ou o fundo ou fundos de investimento.

 

Existe o risco de conflitos de interesses por força de coincidência ou ligações entre as várias entidades envolvidas na criação do produto, por exemplo, seguradora e emitente dos ativos que integram o fundo autónomo, e o respetivo comercializador.

 

Existe ainda risco jurídico associado a eventuais alterações no regime legal de tributação ou de transmissão e exercício de direitos.

 

O cerne do problema, tal como configurado pela AT, reside na circunstância de os rendimentos derivados da titularidade de participações sociais e em fundos de investimento, no quadro daquele tipo de contratos (unit linked), terem, por força das normas prudenciais que vinculam a actividade seguradora, uma correspondência no estabelecimento obrigatório de provisões de igual montante, relativas às responsabilidades assumidas com a contraparte naqueles contratos, o que, na prática, se traduziria na circunstância de, em si próprios, aqueles referidos rendimentos não aumentarem a matéria colectável da entidade seguradora.

 

Deste enquadramento factual decorre, na opinião da AT, a inaplicabilidade da norma do artigo 51.º/1 e 2), do CIRC bem como da norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 90° do CIRC.

 

Já a requerente, por seu turno, entende não existir qualquer óbice, legal ou de facto, à aplicabilidade das normas indicadas.

 

Vejamos.

Dispõe o artigo 51º, do CIRC (redacção vigente em 2012):

 

Artigo 51.º

Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos


 

1 — Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10 % e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período. (Redacção dada pela  Lei n.º 55-A/2010-31/12)

2 — O disposto no número anterior é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

a) Sociedades de desenvolvimento regional;

b) Sociedades de investimento;

c) Sociedades financeiras de corretagem.

 

3 - Não obstante o disposto no n.º 1, o regime aí consagrado é aplicável, nos termos prescritos no número anterior, às agências gerais de seguradoras estrangeiras, bem como aos estabelecimentos estáveis de sociedades residentes noutro Estado membro da União Europeia e do espaço económico europeu que sejam equiparáveis às referidas no número anterior. (Redacção dada pela  Lei n.º 3-B/2010-28/04)

4 — O disposto no n.º 1 é igualmente aplicável, verificando-se as condições nele referidas, ao valor atribuí do na associação em participação, ao associado constituído como sociedade comercial ou civil sob forma comercial, cooperativa ou empresa pública, com sede ou direcção efectiva em território português, independentemente do valor da sua contribuição relativamente aos rendimentos que tenham sido efectivamente tributados, distribuídos por associantes residentes no mesmo território.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é também aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro da União Europeia, desde que ambas as entidades preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro.(Redacção da  Lei n.º 66-B/2012 - 31/12)

6 - O disposto nos n.os 1 e 5 é igualmente aplicável aos rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos que sejam imputáveis a um estabelecimento estável, situado em território português, de uma entidade residente noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, que detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente num Estado membro, desde que ambas essas entidades preencham os requisitos e condições estabelecidas no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou, no caso de entidades do Espaço Económico Europeu, requisitos e condições equiparáveis. (Redacção da  Lei n.º 66-B/2012 - 31/12)

7 — Para efeitos do disposto nos nºs 5 e 6:

a) A definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação;

b) O critério de participação no capital referido no n.º 1 é substituído pelo da detenção de direitos de voto quando este estiver estabelecido em acordo bilateral.

8 — (Revogado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com efeitos a partir do período de tributação que se inicia após 31 de Dezembro de 2010)   

9 - Se a detenção da participação mínima referida no n.º 1 deixar de se verificar antes de completado o período de um ano, deve corrigir-se a dedução que tenha sido efectuada, sem prejuízo da consideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional a que houver lugar, nos termos do disposto no artigo 91.º (Redacção dada pela  Lei n.º 55-A/2010-31/12)

10 - A dedução a que se refere o n.º 1 só é aplicável quando os rendimentos provenham de lucros que tenham sido sujeitos a tributação efectiva. (Redacção dada pela  Lei n.º 55-A/2010-31/12)

11 - O disposto nos n.os 1 e 2 é igualmente aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos mesmos termos e condições, em entidade residente noutro Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, desde que ambas as entidades reúnam condições equiparáveis, com as necessárias adaptações, às estabelecidas no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro. (Redacção da  Lei n.º 66-B/2012 - 31/12)

12 - Para efeitos do disposto nos n.os 5 e 11, o sujeito passivo deve provar que a entidade participada e, no caso do n.º 6, também a entidade beneficiária cumprem as condições estabelecidas no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou, no caso de entidades do Espaço Económico Europeu, condições equiparáveis, mediante declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu de que é residente. (Redacção da  Lei n.º 66-B/2012 - 31/12).

 

E dispõe o artigo 90º, do CIRC:

Procedimento e forma de liquidação


 

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:(Redacção dada pela  Lei n.º 3-B/2010-28/04) 

 

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada; (Redacção dada pela  Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida).

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 —(Revogado  pela  Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida).

4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

 5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 — Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos nºs 2 a 4.

9 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

 

A correção efetuada pela AT e que tem a discordância da Seguradora Requerente, resulta de ter sido incluída na dedução efetuada à matéria tributável de IRC rendimentos dos citados títulos a afetos a carteiras “unit linked” os quais, não tendo afetado a base tributável, não cumpririam os condicionalismos expressamente previstos para beneficiar da dedução relative à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, prevista no citado artigo 51º, do CIRC.

 

A matéria em questão foi objecto de detalhado e pertinente estudo da autoria de Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, publicado na revista Fiscalidade, no ano de 2008, já citado no Acórdão Arbitral proferido no processo CAAD nº 65/2015-T que se seguirá  de muito perto.

 

Após analisarem o enquadramento económico e jurídico do tipo de contratos em questão (“seguros unit linked”) em termos coincidentes, grosso modo, com aqueles sumariamente já apontados, concluem aqueles autores, apontando uma característica a tais contratos, essencial para a compreensão da matéria em causa, que é a circunstância de que a seguradora “não entrega as unidades de conta, que não têm existência nem valor fora desta relação. Entrega aquilo a que está obrigada e aquilo a que segurado tem direito – o valor das unidades de conta, que constitui o objecto desta relação jurídica, ou seja, a quantia em que consiste o seu dever de prestar.”

 

 Ou seja: a obrigação primária/principal da seguradora no quadro dos contratos “unit-linked”, é uma obrigação única, pecuniária, de entrega de um montante liquidado em função do valor que, no momento do evento que extingue o contrato, tenha a unidade de conta.

 

Deste modo, apenas nesse momento, no fim do contrato, é que há um rendimento (grifado nosso) do beneficiário, pago pela seguradora. Até aí, sublinhe-se, o património da contraparte da seguradora mantém-se inalterado, intocado. As variações no valor da unidade de conta, que foram tendo correspondência no provisionamento obrigatório levado a cabo pela seguradora, não têm qualquer influência no património da contraparte desta. Não dão causa, em suma, a nenhum rendimento do titular do produto “unit linked”.

 

Nas palavras dos mesmos autores, “(…)as seguradoras não são intermediárias financeiras, nem actuam por conta dos segurados (não são agentes, corretores, mandatários ou comissionistas). Elas actuam por sua própria conta nos mercados. As unidades de conta não são unidades de participação em fundos, títulos de qualquer outra espécie que pertençam aos clientes. São meras unidades de cálculo nacionais(…)”

 

 Para se perceber que isto é assim, de resto, basta atentar, desde logo, que em caso de insolvência da seguradora, sem que os respetivos contratos se hajam vencido, as contrapartes nos contratos unit linked não terão qualquer direito próprio quer sobre os ativos adquiridos pela seguradora em função do “seu” contrato, quer sobre os rendimentos que por aqueles haja sido gerado e distribuído à seguradora. Em tal caso (insolvência da seguradora), as contrapartes nos contratos unit linked terão de se apresentar como credores da seguradora, sendo pagos de acordo com as regras de concurso aplicáveis, pela totalidade do património daquela, na medida que lhes caiba, e não em função do contrato que celebraram ou da sua suposta “participação” dos ativos contabilisticamente afetos àquele.

 

Prosseguindo a sua análise, os autores citados apontam mais algumas características próprias do regime contratual em causa, dignas de especial nota na perspectiva que nos ocupa. Assim, “(…)do ponto de vista prático, não é de excluir, também, que, se tal não for proibido pelos contratos, as seguradoras não cheguem sequer a deter os activos indexantes ou que não os vendam no momento em que o contrato com os clientes cessa (…) ”, acrescentando-se que “ (…)o  dever da seguradora no evento é sempre o da entrega de determinados valores, mesmo que não adquira quaisquer activos, adquira menos ou diferentes, ou os não venda (…)”, evidenciando-se deste modo “(…)que os unit-linked implicam dois tipos de relação jurídica, diferentes em quase todos os seus elementos.”

 

Fica assim claro, pensa-se, que, quer em termos jurídicos quer em termos económicos, não existe, no quadro dos chamados “seguros unit linked” qualquer relação entre os sujeitos geradores dos rendimentos devidos pelas aplicações financeiras realizadas pela seguradora, e o cliente desta titular daquele produto.

 

Neste quadro, não têm dúvidas os autores que os segurados “(…)não compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a Seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela consequentemente, as obrigações tributárias activas e passivas”, pelo que  “os rendimentos que venha a obter por ser detentora de acções e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto. a IRC”, mais referindo aqueles que “quando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.º do EBF e todo o regime do IRC – incluindo os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica do artigo 51.º do respectivo

Código - lhe são aplicáveis.”

 

Como recordam ainda os autores citados “(…)para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel.” Deste modo, só terá cabal aplicação nestas situações o artigo 46.º do CIRC (atual 51º).

 

 “Se a companhia de seguros não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades comerciais suportaram, teria de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado. que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na pessoa colectiva e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização que iria receber”, que “anularia o benefício fiscal que o legislador procurou conceder à poupança”

 

Como refere o trabalho aqui seguido “a lei estrutura um sistema que tem a sua trave-mestra na neutralidade fiscal da companhia de seguros que cria e gere os unit linked, prevendo que esta, como qualquer pessoa colectiva, se vá desonerando de uma série de encargos fiscais cobrados antecipadamente (retenções na fonte e tributação de lucros distribuídos), pela razão de que a jusante todos esses rendimentos serão tributados

na esfera do segurado pessoa singular.”

 

Efetivamente, “as provisões, ao cativarem lucros que de outra forma seriam distribuídos, vão traduzir-se na libertação de fundos que vão ser investidos em determinados activos, com maior ou menor risco com maior ou menor rentabilidade. A questão do maior ou menor risco do seguro é uma questão distinta da forma mais ou menos segura como pode ser feito o investimento que vai permitir pagar futuramente as prestações desse seguro, as quais são sempre devidas independentemente da política concreta de investimentos da seguradora”, já que “se a companhia de seguros faz uma provisão de l00, pode ao mesmo tempo investir esses 100 num depósito a prazo, em obrigações, em acções ou noutros activos quaisquer.”

 

Por fim, diga-se também que o artigo 50.º do CIRC, na redacção que resultou do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, veio de alguma forma esclarecer que, na perspectiva do legislador, os rendimentos resultantes dos ativos “afectos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro” concorrem para o lucro tributável da seguradora.

 

Destarte, por tudo o que vem de se expor, entende-se que carece de suporte legal e de facto a liquidação adicional de IRC objeto destes autos e daí ter fundamento a anulação pedida.

 

Juros Indemnizatórios

Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação cuja quantia a Requerente pagou é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento efetivo até integral reembolso à Requerente das quantias liquidadas, calculados com base no valor efetivamente pago à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal.

*

III DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o ato tributário objeto dos presentes autos e condenar a AT a restituir à Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos expostos supra e

b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €4.284,00.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €204.236,88, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do

n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida,

uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e

22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

§  Notifique-se.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2016

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Diogo Feio

(Vogal)

 

 

 

António Lobato das Neves

(Vogal)