DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Carla Castelo Trindade e Catarina Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 19 de Abril de 2015, A…, Lda, pessoa colectiva n.º…, com sede em…, …, …-… …, …, concelho de ..., distrito de Aveiro, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de Liquidação adicional de IRC do ano de 2009, n.º…, no valor de €415.378,33, acrescido de juros compensatórios no valor de €39.187,42.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
i. O acto de liquidação impugnado está inquinado pela ilegalidade decorrente da violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC;
ii. O acto tributário viola o princípio da tributação pelo lucro real, da legalidade e o princípio da justiça nos seus corolários de igualdade, de proporcionalidade e da capacidade contributiva;
iii. O acto tributário viola a lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
iv. O que constitui fundamento de impugnação judicial e de anulação dos actos impugnados (artigo 99.º do CPPT – ex vi artigo 10.º, n.º 2, al. c) do RJAT).
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No dia 21-04-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo em prazo aplicável.
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Em 12-06-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 29-06-2015.
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No dia 10-09-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 27-11-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, à qual faltaram a Requerente e as testemunhas por si arroladas, tendo a AT prescindido da testemunha que, igualmente, havia arrolado, pelo que, nos termos dos artigos 19.º/1 do RJAT e 118.º/4 do CPPT foi determinado o prosseguimento do processo com vista à emissão de decisão arbitral.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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Em 28-12-2015 foi prorrogado o prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, por 60 dias, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22, para o período de 2009, em 31 de Maio de 2010, na qual apurou um lucro tributável de €861,42.
2- Na sequência da ordem de serviço n.º 012010…, foi instaurado o procedimento de inspecção externa àquele exercício, com início a 23-11-2011 e termo em 01-08-2011, no qual foram efectuadas correcções meramente aritméticas que determinaram um apuramento da matéria colectável superior ao declarado pela Requerente.
3- O referido procedimento inspectivo foi alvo de despacho de prorrogação proferido em 24 de Abril de 2012, notificado à Requerente através do ofício…, dessa mesma data.
4- O procedimento inspectivo inseriu-se dentro do âmbito comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo.
5- Em sequência do processo de inquérito n.º …/08… TELSB, relativo ao sócio gerente da Requerente B…, NIF…, foram pedidas diligências adicionais para aferir acerca da existência de indícios de terem sido vendidos imóveis para pagamento da venda de participações sociais de empresas que não seriam declaradas pelo seu valor efetivo.
6- Em procedimento inspectivo levado a efeito à C…, Lda., NIPC…, concluiu-se que o valor da venda das partes sociais ocorreu pelo valor nominal.
7- Atendendo a que o sujeito passivo inspecionado havia adquirido cinco lotes de terreno ao sujeito passivo C…, Lda., foi determinado que serviria o referido procedimento inspectivo para recolher esclarecimentos adicionais relativamente a esta operação.
8- No período de 2006 a 2008, a Requerente reduziu o seu volume de negócios, aumentou os seus encargos financeiros e reduziu o seu resultado.
9- Em 2009, constavam como sócios da Requerente na correspondente Conservatória do Registo Comercial, B…, com uma quota no valor nominal €743.208,87 e D… Ldª, com uma quota no valor nominal de €4.987,98.
10- Em 2 de Dezembro de 2005 foi celebrado com o Banco E…(Portugal) SA um contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada com o montante máximo de utilização de €125.697,08, valor que se encontrava contabilizado no início do ano de 2008 como montante do empréstimo obtido e que se manteve até final do ano.
11- Este empréstimo foi amortizado em 15 de Janeiro de 2009 pelo montante de €125.697,00, sendo feito o acerto do remanescente de €0,08 nos lançamentos de final de exercício.
12- Relativamente a este empréstimo, apurou-se que B… tinha um depósito a prazo não mobilizável nesse banco, e por esse montante, desde 22 de Maio de 2003, e que terá servido para liquidar o empréstimo em causa.
13- Em 25 de Junho de 2007 foi celebrada com o F…, SA uma proposta de contrato de abertura de crédito em conta corrente com uma utilização máxima de crédito de €550.000,00, e cuja utilização contabilizada no início do ano de 2008 ascendia ao montante de €429.150,07, inalterado até final de 2008.
14- A amortização integral deste empréstimo ocorreu em 9 de Fevereiro de 2009.
15- Quanto a este empréstimo, foi verificado o extrato bancário de Junho de 2005, onde eram evidenciados activos superiores a um milhão de euros, que demonstrou que B… tinha capacidade financeira para fazer face ao empréstimo que fez à sociedade e que essa capacidade financeira remontava a anos anteriores a 2005.
16- Em 29 de Dezembro de 2000 foi celebrado com o Banco G…, SA um contrato de abertura de crédito até ao montante de 140.000.000$00, que veio a ser alterado em 28 de Maio de 2002, permitindo desde aí um financiamento máximo de €1.100.000,00, montante este que se manteve contabilizado em 2008 como o valor do empréstimo contraído.
17- A amortização deste empréstimo ocorreu em 30 de Junho de 2009.
18- Quanto a este empréstimo, foi verificado o extrato bancário desse banco para o período compreendido entre 1 de Junho de 2005 e 2 de Junho de 2006, onde são evidenciados um conjunto de depósitos a prazo constituídos por B…, em valor suficiente para fazer face ao empréstimo que realizaria à sociedade, com o qual esta liquidou o empréstimo bancário.
19- Em 21 de Maio de 2007, na sequência da compra de terrenos efetuada pelo sujeito passivo à C…, Lda., foi efectuado sob garantia desses terrenos um contrato de mútuo no valor de €159.498,07 com o Banco H…, SA, com o prazo de 5 anos, reembolsado em 20 prestações trimestrais, a primeira a vencer no terceiro mês após a celebração daquele contrato.
20- Relativamente a este empréstimo não existiu qualquer amortização extraordinária nos exercícios em análise no RIT.
21- No início do ano de 2008 estava contabilizado como empréstimo obtido junto do Banco I… SA, o valor de €1.553.855,75, terminando o mês de Janeiro com o saldo de €1.573.855,75,em virtude da utilização de crédito de mais €20.000,00 ocorrida nesse mês, e tendo sido utilizados mais €30.000,00, em Setembro de 2008, subindo o montante de crédito utilizado para os €1.603.855,75, valor que se mantinha no final desse ano.
22- Em 25/02/2009, a Requerente procedeu à amortização do empréstimo ao Banco I… SA, no valor de €1.603.855,75.
23- A amortização supra foi precedida de um depósito no mesmo montante efectuado a 25/02/2009, por ordem de J… ... ..., tendo esse movimento sido contabilizado a débito na conta 1203 por contrapartida a crédito na conta 2642 – Subscritores de Capital, não existindo qualquer referência adicional a esta operação em qualquer dos elementos que compõem o dossier fiscal do sujeito passivo.
24- Na contabilidade da Requerente, constava a nota de lançamento emitida pela instituição bancária.
25- A Requerente evidenciou no balanço a 31 de Dezembro de 2009 uma obrigação perante a J… ... no valor de €1.603.855,75,por contrapartida do depósito efectuado.
26- Não existia qualquer referência adicional a esta operação em qualquer dos elementos que compunham o dossier fiscal do sujeito passivo, nem existia na contabilidade outra prova que não a nota de lançamento emitida pela instituição bancária.
27- Dos documentos juntos pelo sujeito passivo no decurso do procedimento inspectivo, consta uma “Acta Avulso”, de 17/02/2009, em que foi deliberado pelo sócio maioritário ceder à J… ... parte da sua quota (€112.229,53) e alterar o pacto social da Requerente no sentido de poderem ser exigidas prestações suplementares “até ao décuplo do capital social”, ficando desde logo registado que B…teria disponibilidade para efetuar entregas a título de prestações suplementares de €2.500.000,00, em seu nome, e de €1.500.000,00,em nome da J…..., atingindo assim o montante máximo de €4.000.000,00, deliberado nessa mesma reunião.
28- Nessa mesma data de 17 de Fevereiro de 2009, em Cascais, na sede da K…Portugal, foi outorgado o documento particular que titula o contrato de divisão e cessão de quota em que B… procede à divisão da quota nos termos deliberados, cedendo a menor à J… ..., também representada por si.
29- Nem a cessão de quotas nem a alteração do pacto social foram objecto de registo na Conservatória do Registo Comercial, até 19/01/2012.
30- Na reunião da Assembleia Geral de 20 de Dezembro de 2009, o sócio B…voltou a propor a alteração do artigo 8.º do pacto social, nos mesmos termos que constavam da referida acta avulso da assembleia de 17 de Fevereiro de 2009.
31- Nessa Assembleia de 20 de Dezembro, o referido sócio agiu em representação de si próprio e da D…, Lda., e não foi feita qualquer referência à J… ...., que nunca é mencionada nas actas registadas no respectivo livro.
32- Depois do óbito do sócio B…, realizaram-se duas reuniões da Assembleia Geral da Requerente, uma a 31 de Maio de 2010 e outra em 31 de Março de 2011, onde esteve representada a totalidade do capital social, pelas suas herdeiras, não sendo também referida a existência de outro sócio.
33- Na declaração modelo 1 do Imposto do Selo, entregue em 28 de Julho de 2010 pela cabeça de casal da herança do referido B…, L…, é referido que este detinha a totalidade da quota de €743.208,87.
34- Em 26 de Dezembro de 2011, os serviços de Inspecção endereçaram à Direção de Serviços de Relações Internacionais um pedido de informação ao abrigo do artigo 25.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, para que se conhecesse a efectividade da operação registada em Portugal entre o sujeito passivo inspeccionado e a J…... ....
35- Na primeira resposta obtida das autoridades fiscais do Reino Unido, foi informado que a J… ... ... iniciou a actividade em 21 de Novembro de 2008, tendo sido dissolvida em 13 de Dezembro de 2011.
36- Desde a data do início de actividade que os seus órgãos sociais eram compostos por M…, pela N… e pela O… .
37- Os seus accionistas, a P… e Q…, tinham ambas sede no endereço P.O. … …, Suite 6, …, …, …, …, nas Ilhas Virgens Britânicas.
38- O referido B… tinha na sua posse uma procuração, com mandato conferido por uma cidadã do Uganda (R…) e outra do Reino Unido (S…), na qualidade de directoras da J…, que lhe permitiu realizar as movimentações financeiras referidas
39- Foi ainda enviada cópia das contas J… ... para o período entre 21 de Novembro de 2008, data de início de actividade, e 30 de Novembro de 2009, que incluem informação sobre a sociedade, o relatório de gestão, a demonstração dos resultados, o balanço e outras observações relativas às suas demonstrações financeiras, referindo que a empresa esteve inactiva nesse período.
40- Estas contas foram da responsabilidade da própria J… ..., sendo identificados como seus contabilistas a T…(UK) Limited.
41- Foi posteriormente remetida pelas autoridades fiscais do Reino Unido a resposta da N… à notificação efetuada por aquela autoridade, onde foi confirmado que a sociedade J…... foi dissolvida em 13 de Dezembro de 2011, e referido que aquela sociedade não tem, nem consegue aceder aos elementos solicitados.
42- Em resultado de uma última tentativa, as autoridades do Reino Unido produziram uma informação a comunicar que não conseguiram obter qualquer esclarecimento do senhor M…, anterior administrador da J…..., concluindo que estando a sociedade dissolvida e não conseguindo obter mais esclarecimentos dos seus antigos administradores, não seria possível remeter quaisquer outros elementos.
43- O sócio da Requerente B… faleceu em 27/05/2010.
44- A cabeça-de-casal L… procedeu à regularização da situação descrita, tendo, para o efeito, requerido o registo comercial dos actos e contractos celebrados entre o sócio cedente e a sociedade J… ... ..., em 19/01/2012.
45- Por documento particular datado de 12/10/2012, a J… ... ... cedeu à D… Lda. a quota no valor nominal de €112.229,53, e procedeu ao registo na Conservatória do Registo Comercial daquela operação em 26/11/2012.
46- Em face dos elementos recolhidos, no RIT considerou-se que:
“2. Como vem do artigo 17.º n.º 1 do CIRC o lucro tributável das pessoas coletivas é constituído pela soma algébrica do resultado liquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
3. O conceito de lucro adotado no artigo 3.º n.º 2 do CIRC segue o princípio do rendimento acréscimo, abrangendo todo e qualquer incremento patrimonial, sendo assim dado pela diferença entre os valores do património líquido no fim e no inicio do período de tributação, com as correções estabelecidas nesse Código, pelo que as variações patrimoniais assumem particular importância em sede de IRC.
4. Uma variação patrimonial corresponde a uma alteração da composição e ou do valor do património da empresa, pelo que cabe analisar se um depósito efetuado nas contas do sujeito passivo inspecionado, sem que a este coubesse qualquer obrigação, é definível como variação patrimonial positiva.
5. E como facilmente se infere, melhorando a situação líquida do sujeito passivo inspecionado em 1.603.855,75 € este depósito configura uma variação patrimonial positiva desse montante, sendo esta definitiva desde essa entrega, no ano de 2009, pois demonstrou-se que desde logo que nenhuma obrigação efetiva estava associada a esse depósito.”.
47- Tendo-se então concluído no RIT que:
“1. Para além do que já se disse quanto às componentes da formação do lucro tributável, importa ver o artigo 21.º n.º 1 do CIRC, que determina que concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, com as exceções lá previstas.
2. Sendo certo que não estamos na presença de entradas de capital ou outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre instrumentos de capital próprio da entidade emitente, nem de qualquer outra variação patrimonial positiva excecionada nesse artigo, temos que este depósito deve ser considerado uma variação patrimonial positiva que concorre para a formação do lucro tributável, pelo que o montante de 1.603.855,75 € deve ser acrescido ao lucro tributável no campo 203 do quadro 07 da modelo 22 do IRC do ano de 2009, como se resume:
”
48- Pelo que foi emitida a liquidação adicional nº 2012… .
49- Da qual resultou a nota de cobrança no valor de €461.444,05.
50- Ao valor do imposto apurado acresceu o cálculo dos respectivos juros compensatórios, no montante de €39.187,42.
51- Em 20-02-2012 U…, na qualidade de director da sociedade J…, outorgou a favor da cabeça de casal da herança de B…e ora gerente da Requerente, procuração com poderes de representação incluindo os poderes para negociar consigo mesma.
52- Da acta n.º 65 da Requerente, datada de 12-10-2012, consta que, em assembleia geral extraordinária daquela sociedade, foi deliberada a aquisição da quota detida pela Indico no capital social da Requerente, bem como das prestações suplementares constituídas pela Indico.
53- Por documento particular datado de 12-10-2012, a cabeça de casal de B…e então gerente da Requerente, L…, em representação J… e da D…, declarou ceder a quota que esta detinha no capital social da Requerente, à D…, Ld.ª, pelo seu valor nominal.
54- Por documento particular datado de 28-09-2012, a L…, em representação da J…, da D… e da Requerente, declarou que a primeira cedia à segunda as prestações suplementares do montante de €1.500.000,00, que esta detinha na terceira, declarando ainda que esta consentia em tal cessão.
55- Em 06-05-2013, a mesma L… e ora gerente da Requerente, substituiu a relação de bens apresentada em 28-07-2010, corrigindo o valor da participação relacionada na verba n.º 166 para o valor de €630.979.74.
A.2. Factos dados como não provados
1- Em 2009, o sócio gerente da Requerente B…, estava fortemente envolvido em projectos de investimento em Cabo Verde e no Brasil.
2- O sócio gerente da Requerente, B…, não entregou nem nos serviços administrativos nem directamente ao Técnico Oficial de Contas a cópia da acta de 17-02-2009.
3- O registo na Conservatória do Registo Comercial da acta de 17-02-2009 não foi efectuado no prazo legal por falta de número de identificação fiscal em Portugal da sócia J… ....
4- Em 24-12-2009, o TOC da Requerente, desconhecendo a acta da assembleia geral de 17-02-2009, mas informado da realização de prestações suplementares preparou a acta n.º 57.
5- A elevada confiança que existia entre o TOC da Requerente e o gerente B… levou a que este assinasse aquela referida acta sem ter em conta, que, em 17 de Fevereiro de 2009, já havia sido, por si e em representação das sociedades suas representadas, deliberada a alteração do pacto social no sentido de permitir a exigência de prestações suplementares e fixado o respectivo limite.
6- A cabeça de casal da herança de B… desconhecia a existência dos actos e contratos efectuados entre o seu marido e a sociedade J… sua representada.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
A matéria de facto dada como não provada deve-se à ausência de prova bastante a seu respeito.
B. DO DIREITO
As correcções em causa no acto tributário objecto do presente processo, e contra as quais a Requerente se insurge, decorrem exclusivamente de a AT ter considerado que o depósito a favor da Requerente, no montante de €1.603.855,75, efectuado a 25/02/2009, por ordem de J… ... ..., cujo movimento foi contabilizado pela Requerente a débito na conta 1203 por contrapartida a crédito na conta 2642 – Subscritores de Capital, constitui uma variação patrimonial positiva tributável, enquanto rendimento, em IRC.
Cumpre, então, verificar da legalidade de tal correcção efectuada pela AT.
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Antes de entrar na análise da temática controvertida cumpre definir a questão relativa ao ónus da prova directamente abordada pela AT nas suas Resposta e Alegações.
Entende a Requerida, então, que não lhe assistirá o ónus da prova, na medida em que, não obstante aceitar que “Em sede de IRC a matéria colectável é, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo de existir controlo, por parte da AT, atendendo ao disposto nos arts. 16.º e 17.º do CIRC, podendo a AT proceder à correcção da liquidação nos termos do disposto no art. 99.º do mesmo diploma (art.º 91.º à data dos factos).”, entende que tal regra, no caso, será excepcionada, porquanto “os serviços da AT verificaram que o registo contabilístico em questão não tem suporte em quaisquer documentos justificativos” pelo que cessará, em concreto a presunção de veracidade das declarações fiscais da Requerente, e que “face à recusa ilegítima de colaboração do sujeito passivo cessa igualmente” tal presunção.
Não se subscreve, todavia, o iter argumentativo da Requerida, quer na interpretação, quer na aplicação que faz do Direito.
Com efeito, e desde logo, a presunção de veracidade da declaração do contribuinte, consagrada no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, opera nos casos em que aquele está onerado com o ónus da prova. Assim, previamente à questão de saber se tal presunção é – ou não – infirmada nos termos do n.º 2 da mesma norma, torna-se necessário apurar a quem é que, nos termos do artigo 74.º também da LGT, incumbe em primeira linha o ónus da prova.
Ora, a este respeito, não se tem dúvidas que o referido ónus assiste à AT, na medida em que, pretendendo tributar um acréscimo patrimonial enquanto rendimento, está obrigada a demonstrar a sua ocorrência.
Como se referiu no Ac. do STA de 29-04-2004, proferido no processo 01680/03[1], “Na falta de regras especiais, compete à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo a prova da existência dos factos tributários em que assentou a liquidação adicional impugnada.”.
Efectivamente, como foi referido no Acórdão, também do STA, de 19-06-2015, proferido no processo 0808/14:
“Neste domínio da repartição do ónus da prova, o Professor Vieira de Andrade, que é citado na sentença recorrida, sublinha que no referido âmbito, por força do funcionamento dos princípios do inquisitório e da livre apreciação das provas, não vale um ónus da prova «subjectivo», que implicaria que o juiz só pudesse considerar factos alegados e provados por cada uma das partes, mas tem de valer um ónus da prova «objectivo». E explica:
[…]
«O ónus da prova, entendido neste sentido mais objectivo, vai depender da situação processual das partes, mas – porque depende de valorações normativas e não de imperativos de pura lógica – terá de determinar-se, na ausência de norma expressa, de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras específicas do domínio da vida em causa e nos princípios próprios do direito administrativo.
A regra geral, nos termos da qual quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos [artigo 342º do Código Civil], pode entender-se aplicável, em princípio, no processo administrativo, mas aqui, como de resto no âmbito do direito e do processo civil, não é suficiente para a resolução de todos os tipos de situações – sobretudo se não se fizerem diferenciações conforme as posições das partes e os interesses e situações em jogo nos domínios específicos da realidade, tal como é normativamente concebida.
No direito civil, por exemplo, admitem-se regras diferentes para casos especiais e tende-se na doutrina a sustentar uma distribuição mais equilibrada do ónus da prova, atendendo, nomeadamente, à posição mais favorável para, em concreto, demonstrar o facto.
Mas o problema da distribuição do ónus da prova suscita-se com particular acuidade no processo administrativo, sobretudo no que se refere aos meios impugnatórios de actos e normas.
Nestes processos, impõe-se um regime especial ou uma adaptação do regime comum, seja porque se trata da contestação de decisões administrativas de autoridade, seja porque pode não estar em causa directamente um direito substantivo do recorrente [basta um interesse de facto ou, na acção popular, um interesse difuso, para não falar do caso da acção pública] – aí trata-se sobretudo da conformidade com o ordenamento jurídico de uma decisão administrativa de autoridade [é essa a “questão de direito” a resolver].
Assim, não pode exigir-se ao autor, por sistema, a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação [desde logo e, por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do acto], de modo a caber à Administração apenas provar as excepções invocadas – tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da “presunção de legalidade do acto administrativo”, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova [subjectivo] da ilegalidade do acto impugnado.
Deve, pelo contrário, levar-se em conta, em geral, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade a da juridicidade e, pelo menos no que respeita aos actos desfavoráveis, o dever de fundamentação.
Isto é, parece que há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais [vinculativos] da sua actuação, designadamente agressiva [positiva ou desfavorável]; em contrapartida, caberá ao impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Por outras palavras ainda, deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova [de o juiz não se ter convencido] da verificação dos pressupostos legais que permitem à Administração agir com autoridade [pelo menos, quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares]; deve ser o particular a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova [de o juiz não se ter convencido] de que, no uso dos poderes discricionários, a Administração actuou contra princípios jurídicos fundamentais» [José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012-12ª edição, páginas 447 a 449].
[…]
Na mesma linha, adverte o Professor Aroso de Almeida que «… há que distinguir, nesta matéria, consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
Pois consoante se trate de um ou de outro caso, assim se diferenciam as posições em que as partes se encontram colocadas no quadro da relação subjacente ao recurso.
Comecemos, pois, pela hipótese, estruturalmente mais simples, do recurso de impugnação de um acto de conteúdo positivo. É neste domínio que as partes figuram no recurso em posições invertidas em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica substantiva.
[…] Ora, esta diferença de natureza substantiva deve, a nosso ver, projectar-se no plano da definição das regras de decisão com base nas quais o tribunal deve decidir nas situações em que nenhuma conclusão clara tiver resultado de toda a prova reunida em favor de qualquer das partes: a) Assim, se o recorrente alegar o não preenchimento dos pressupostos do acto, deve recair sobre a Administração o risco da falta de prova da respectiva verificação» [Mário Aroso de Almeida, Anotação ao AC do STA de 26.01.2000, Rº37739, in Cadernos de Justiça Administrativa, 20, Março/Abril de 2000, páginas 48 e 49; ver ainda este autor in Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, 2012, páginas 184 a 186].
E é esta doutrina que, fundamentalmente, tem vindo a ser a adoptada por este Supremo Tribunal em vários dos seus acórdãos [ver a título de exemplo AC STA de 26.01.2000, Rº37739; AC STA de 24.01.2002, Rº048154; AC STA de 25.01.2005, Rº0290/04; e AC STA de 17.05.2007, Rº1011/06].”
Deste modo, e em suma, no caso, o ónus da prova de que a Requerente beneficiou, efectivamente, de um incremento patrimonial não declarado de €1.603.855,75, caberá à AT.
Por outro lado, e em todo o caso, sempre se dirá que se entende não assistir à Requerida razão quando estatui que, no caso, “o registo contabilístico em questão não tem suporte em quaisquer documentos justificativos” e que se verificará “recusa ilegítima de colaboração do sujeito passivo.”.
De facto, e compulsados os factos dados como provados, verifica-se, desde logo que os registos contabilísticos da Requerente em causa estão assentes na nota de lançamento emitida pela instituição bancária, por um lado, nas actas de reunião da Assembleia Geral datadas de 17-02-2009 e de 20-02-2009, e no contrato de cessão de quotas de 17-02-2009[2].
Por outro lado, não foi demonstrada – nem sequer alegada – qualquer recusa de colaboração da Requerente, nem qualquer indício de tal consta quer do RIT, quer do processo administrativo.
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Posto isto, cumpre então aferir se se encontra satisfeito o ónus probatório que impende sobre a AT, de demonstrar a existência de um acréscimo patrimonial não declarado pela Requerente, no montante de €1.603.855,75, facto em que a liquidação objecto do presente processo, como se viu anteriormente, assenta.
Liminarmente, diga-se que tal demonstração não consistirá – unicamente - na demonstração de que na conta da Requerente foi depositado o montante em questão, facto esse que, como se refere no RIT, é incontroverso.
É que tal demonstração nada mais demonstra, passe a redundância, do que isso mesmo, ou seja: que tal montante foi depositado numa conta bancária da Requerente.
Não sendo invocada – seguramente por não existir – nenhuma presunção de que as disposições patrimoniais sem causa conhecida sejam gratuitas ou a título de liberalidade, sempre – no caso – a AT teria de demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável, que era esse o caso, ou seja, que o depósito em questão foi feito com o propósito de aumentar o património da Requerente no respectivo montante, sem qualquer contrapartida[3].
Com efeito, para que conclua, como acontece no RIT, que “Está em toda a linha demostrado que esta quantia foi efetivamente entregue pela J… ..., tendo sido considerado no projeto de correções, que inerente a este depósito, não se encontrava qualquer obrigação constituída entre o sujeito passivo inspecionado e essa sociedade de direito inglês” (sublinhado nosso), não bastará que se demonstre que a obrigação que a Requerente apresenta como correspectivo da disposição patrimonial controvertida não se verifica, mas, pela positiva, que “não se encontrava qualquer obrigação constituída” como correspectiva daquela disposição patrimonial (ou seja, que a mesma ocorreu a título de liberalidade). Torna-se, em suma, e citando novamente o RIT, necessário que se demonstre, efectivamente, “que existe uma entrada de capital no valor de 1.603.855,75 €, que não corresponde à constituição de qualquer tipo de obrigação efetiva perante a entidade que coloca esse dinheiro no sujeito passivo” (sublinhado nosso).
Não bastará assim, ao contrário do que parece entender a AT, demonstrar que a causa da disposição patrimonial declarada pela Requerente não é verdadeira, já que daí não decorre, como se disse, que ela seja outra (designadamente uma liberalidade), nem existe qualquer presunção nesse sentido.
Daí que a demonstração de que não há causa conhecida para uma determinada disposição patrimonial, no limite, se reconduza, unicamente, a isso mesmo, ou seja, a que existiu uma disposição patrimonial sem causa.
Ora, conforme decorre das normas do artigo 473.º e ss. do Código Civil, a verificação de um “enriquecimento sem causa” não redunda num acréscimo patrimonial do “enriquecido”, na medida em que, por força do referido regime legal, tal situação gera uma obrigação de restituir, pelo que, nesse caso, não se poderá validar a ocorrência de um rendimento-acréscimo, pelo menos até que se extinga objectivamente tal obrigação[4].
Deste modo, e em suma, como se referiu acima, a demonstração que onera a AT abrange não só a ocorrência de uma disposição patrimonial, como, ainda, que a mesma foi feita com o propósito de aumentar o património da Requerente no respectivo montante.
No caso, ressalvado o respeito devido a opinião contrária, considera-se que isso não foi feito. É que, embora se possa questionar a que título foi efectuada a transferência do montante de €1.603.855,75 para a conta da Requerente, não se logra retirar da matéria de facto provada, apoio suficiente para afirmar, para lá de qualquer dúvida razoável, que à mesma assistiu espírito de liberalidade, no sentido de ter ocorrido com o propósito de aumentar o património da Requerente em tal montante, sem qualquer obrigação pecuniária da parte desta, como contrapartida.
Não obstará, por qualquer forma, à conclusão formulada, as considerações tecidas pela Requerida, a propósito do funcionamento do Registo Comercial e da falta de registo oportuno dos factos jurídicos societários apresentados pela Requerente como subjacentes à transferência em causa.
Com efeito, ao contrário do que é propugnado, na elucidação da causa da disposição patrimonial em questão não relevará a questão da “eficácia perante terceiros das alterações referidas na Acta Avulsa de 17 de Fevereiro de 2009”. Com efeito, a existência, ou não, de obrigações patrimoniais da Requerente, como contrapartida da referida disposição patrimonial (como sejam, concretamente, a obrigação de restituir as prestações suplementares, em singelo ou com juro, ou de devolver o montante recebido, no caso de lhe falecer causa[5]), não é nem uma questão nem de eficácia nem de terceiros.
É que, desde logo, uma obrigação validamente constituída, ainda que ineficaz, constituirá, em todo o caso, um passivo. Daí que o que esteja em causa é saber se no património da Requerente, se formou uma (ou mais) obrigação(ões) de montante (pelo menos) correspondente ao do depósito de €1.603.855,75 que foi efectuado, e não se tal(is) obrigação(ões) é(são) ou não eficaz(es).
Por outro lado, aquela mesma questão coloca-se inter partes, já que é entre elas que se há-de verificar da existência, validade e, sendo caso disso, eficácia, das obrigações que onerem a Requerente. Com efeito, a Requerente, ou qualquer outra pessoa jurídica, não se poderá subtrair ao cumprimento de uma obrigação alegando que a mesma é ineficaz perante terceiros. Ou, dito de outro modo, as obrigações da Requerente com entidades que não a AT, não estarão nem poderão ser condicionadas à respectiva eficácia perante a AT, já que Requerente não se poderá eximir ao cumprimento de tais obrigações, alegando que as mesmas são ineficazes perante a AT.
Não relevará, igualmente, na apreciação da questão sub judice a circunstância de que “quem transmitiu a quota foi o sócio B…, pelo que o valor de € 112.229,53 deveria ter sido pago a este e não transferido para a conta da sociedade.”. Com efeito, dali não decorre qualquer variação patrimonial positiva para a Requerente, já que o recebimento indevido de um valor destinado a um terceiro (no caso, ao seu sócio), gera a obrigação de o restituir, conforme impõe expressamente o artigo 476.º/3 do Código Civil, que dispõe que “A prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor”.
Também não se considera susceptível de comprometer a conclusão acima formulada, o teor da informação prestada pelas autoridades inglesas a propósito J…, que, no fundo e para o que é relevante no caso, se resume a que aquela não declarou qualquer actividade relevante, vindo a ser, mais tarde, objecto de liquidação.
Com efeito, a verdade é que o próprio acto tributário objecto do presente processo assenta, apodicticamente, numa actividade da referida J…: o depósito realizado por esta na conta bancária da Requerente.
Ora, ressalvado o devido respeito, será contraditório afirmar que a referida empresa foi autora da disposição patrimonial em questão e, por outro, que a mesma não teve qualquer actividade. Sendo, assim, evidente que o teve, a conclusão a retirar da falta de declaração das suas actividades no Reino Unido, não poderá ser a de que tais actividades não existiram, mas, antes, a de que as mesmas ali foram – por qualquer razão que ao caso não releva – omitidas.
Com efeito, se, como refere a AT, é verdade que a J… não “declarou lucro ou prejuízo”, a verdade é que o teria de declarar quer a disposição patrimonial em questão tivesse, como sustenta a Requerente, causa em prestações suplementares, quer a mesma tivesse, como está subjacente ao acto tributário objecto do presente processo, um propósito de liberalidade.
Ou seja e em suma: assente, como está, que a J… foi a autora da disposição patrimonial controvertida, a circunstância de a mesma nada ter declarado no Reino Unido não assume qualquer relevância no que à causa daquela disposição diz respeito, já que, qualquer que fosse essa causa, sempre a J… teria a obrigação de a reportar.
Conclui-se, deste modo, que não satisfez a AT o ónus que sobre ela impendia de demonstrar que “que existe uma entrada de capital no valor de 1.603.855,75 €, que não corresponde à constituição de qualquer tipo de obrigação efetiva perante a entidade que coloca esse dinheiro no sujeito passivo”, já que, mesmo estritamente face à posição sustentada por aquela, o máximo que se poderá ter por demonstrado é a ocorrência de uma atribuição patrimonial sem causa, que constitui sobre a Requerente, por força do regime dos artigos 473.º e ss. do Código Civil, a obrigação (“efectiva”, para usar a terminologia do RIT) de restituir o recebido, não se verificando qualquer variação patrimonial positiva.
Não obstante, face aos factos apurados, encontra-se indiciado que, efectivamente, à “entrada de capital no valor de 1.603.855,75 €” correspondeu à constituição de uma “obrigação efetiva” de restituir tal valor. Com efeito, e como se disse, nada indiciando que a “entrada de capital no valor de 1.603.855,75 €” teve um propósito de liberalidade, tanto mais que ocorre num quadro de liquidação de outros passivos da Requerente, sempre, directa ou indirectamente, à custa de disponibilidades financeiras do seu sócio B…, existirá sempre juridicamente uma obrigação de reembolso daquela quantia, que onerará o património da Requerente, sendo certo que o título a que tal reembolso seja devido (prestação acessória; mútuo; obrigação de restituir derivada da invalidade do negócio subjacente que justificou a atribuição patrimonial, ou do enriquecimento sem causa), não relevará para a apreciação da ocorrência, ou não, de uma variação patrimonial positiva. Posto que a “entrada de capital no valor de 1.603.855,75 €” está sinalagmaticamente relacionada com uma obrigação de restituir montante equivalente ou superior – seja a que título for – a variação patrimonial será então, nula ou, quando muito, negativa.
Falecendo, deste modo, os pressupostos de facto, e consequentemente, de direito, em que assenta o acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, deverá o mesmo ser anulado, procedendo o pedido.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anula-se a liquidação adicional do IRC de 2009 e respectivos juros compensatórios, objecto do presente processo arbitral;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €454.565,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €7.344,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
18 de Janeiro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Carla Castelo Trindade)
O Árbitro Vogal
(Catarina Gonçalves)
[1] Disponível para consulta em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] A existência de documentos de suporte é questão distinta, como é óbvio da sua credibilidade, ou validade, bem como da sua integração no dossier fiscal. No caso, o registo contabilístico tem suporte nos documentos referidos ainda que os mesmos não integrem aqueles dossier. Saber se o suporte é cabal, ou suficiente, é outra questão que pressupõe, naturalmente, a sua existência.
[3] Como se escreveu no Acórdão do STJ de 03-06-2003: “A tradição da coisa doada, (...), não é qualquer entrega material, mas apenas uma tradição jurídica, ou seja, uma tradição produtora de efeitos jurídicos, consubstanciada numa entrega reveladora da vontade de doar.” (sublinhado nosso).
[4] Sendo que, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, a prescrição da obrigação de restituir derivada do enriquecimento sem causa ocorre decorrido que seja o prazo de 3 anos.
[5] O que seria, por exemplo, o caso de, por qualquer motivo, ser dada sem efeito, ou não chegar a ocorrer, a aquisição da qualidade de sócio, pela autora do depósito.