Decisão Arbitral
Os árbitros José Poças Falcão (árbitro presidente), José Ramos Alexandre e Nuno Miguel Morujão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante “CAAD”) para formarem o tribunal arbitral, constituído em 28/7/2015, acordam o seguinte:
I. Relatório
1. A Requerente A…, LDA., pessoa coletiva n.º … com sede na…, n.º…, …-…, …, …-…, Lisboa, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do art. 10.º e seguintes do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por “RJAT”[1]), requerer a constituição de tribunal arbitral, para o que formulou pedido nesse sentido, em 14/5/2015.
2. A pretensão objeto do requerimento de pronúncia arbitral consiste no pedido de anulação das liquidações oficiosas de IVA relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014 e das correspondentes liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor global de € 108.473,74 (dos quais € 104.496,30 relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, e € 3.977,44 relativos ao exercício de 2014), bem como no pedido de indemnização à Requerente por todos os custos suportados com a suspensão da garantia que irá prestar, face aos processos de execução fiscal que já foram instaurados.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”) em 18/5/2015.
a) A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo legal.
b) Em 13/7/2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
c) Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28/7/2015.
d) Nestes termos, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) No âmbito da sua atividade, a Requerente importa implantes e pilares que vende, posteriormente, a médicos dentistas ou a técnicos de prótese dentária;
b) Os implantes são uma estrutura posicionada cirurgicamente no osso maxilar abaixo da gengiva, “substituindo” a função da raiz do dente. O pilar consiste numa estrutura de ligação ou fixação da prótese dentária, inserida no implante. Finalmente, sobre o pilar é introduzida uma coroa que visa substituir a parte visível do dente;
c) Os implantes e pilares são produzidos em série, ao contrário da coroa, que é elaborada pelos técnicos de prótese dentária e necessita de se ajustar às características da dentição do paciente em causa, pelo que é especificamente produzida para cada doente;
d) Segundo informação da Ordem dos Médicos Dentistas de 20/2/2013, “ocorrendo uma dada reabilitação oral sobre (na aceção de “por cima de”) um dado implante, tal resultará na necessidade de colocação de uma peça de ligação e de uma prótese, em períodos que podem ser temporalmente desencontrados”, acrescentando que “a prescrição da prótese a realizar sobre o(s) implante(s) – ao pressupor necessário diagnóstico e orientações prévios do Médico dentista – pode resultar em encomenda realizada por protésico de, tão-somente, peças acessórias ou instrumentais desconectadas no tempo de aquisição face aos restantes componentes que contribuem para o resultado final da reabilitação oral”.
e) Para além disso, de acordo com Parecer da Comissão Científica da Ordem dos Médicos Dentistas de 27/2/2014, os “implantes dentários são dispositivos médicos colocados no osso dos maxilares com o objetivo de efetuar a reabilitação oral dos pacientes desdentados, restabelecendo a função e a estética dos pacientes, e por consequência, a saúde dos mesmos”, servindo “de suporte a próteses dentárias que sem a colocação a colocação dos mesmos não seriam viáveis”, sendo que “o procedimento clínico que permite colocar uma prótese neste tipo de reabilitação inclui, de uma forma geral, a colocação do implante, de uma peça de ligação entre a prótese e o implante. Todos os procedimentos podem ser realizados num único momento ou de forma faseada, dependendo do caso clínico em questão, após a análise do médico dentista”, concluindo que “não existem dúvidas que todos os dispositivos necessários ao procedimento clínico que culmina com a colocação da prótese dentária sobre implantes devem ser considerados como parte integrante da mesma. Sem qualquer um destes componentes, como exposto, a colocação da respetiva prótese nunca poderia ser realizada”.
f) Por outro lado, os implantes e pilares somente podem ser utilizados no âmbito da implantologia, tendo em vista a substituição no todo ou em parte do dente do doente, não sendo suscetíveis, dadas as suas características, de qualquer outra utilização, como decorre da Informação da Ordem dos Médicos Dentistas de 20/2/2013, onde consta “o implante dentário é um dispositivo médico para uso único ao qual são atribuídas as finalidades acima descritas [restabelecimento da função mastigatória e estética] apoiando a reabilitação oral, referentes à alínea t) do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 145/2009, 17 de junho, servindo de suporte à prótese dentária; carecendo de elementos designados conectores - peças de ligação - também estes acessórios específicos e com finalidade médica”.
g) Segundo a AT, a “os implantes aplicados em medicina dentária não são mais do que meras raízes metálicas osteointegráveis no maxilar (parte superior da boca) ou na mandíbula (parte inferior e móvel da boca) destinados a servir de suporte ou ancoradouro de uma estrutura de um ou mais dentes artificiais (coroa, ponte, etc.);”, acrescentando que “os restantes componentes, partes, peças e acessórios (designadamente pilares, abutments, etc.), objeto de transação isolada, autónoma ou avulsa, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou a função do órgão dentário (função mastigatória, de verbalização e estética)”, e concluindo que “a transmissão das citadas peças (de ligação ou implantação de prótese) são tributadas à taxa normal, por não terem cabimento na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA”. Refere ainda que “tratando-se a A…, LDA. sociedade importadora de materiais para implantes, tem perfeita noção de que a taxa aplicada, na alfândega é, efetivamente, a taxa normal. É esta taxa que paga aquando do desalfandegamento dos produtos que adquire a países terceiros”. Ainda segundo a AT “atente-se na definição de «prótese dentária» enquanto «estrutura fixa ou móvel constituída por um dente ou conjunto de dente s artificiais que substitui dentes em falta» (...), para não se compreender a razão pela qual os implantes dentários, quando transacionados isoladamente ou de modo autónomo, isto é, sem os elementos adicionais que o tornam, efetivamente, um implante (peças de ligação + dente), sejam considerados como material de prótese e, consequentemente, subsumíveis à previsão normativa da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA”, para daqui retirar que “isto leva-nos ao “Princípio da Neutralidade” o que, do contexto da interpretação das taxas, significa que situações materialmente idênticas devem estar sujeitas à mesma taxa, sob pena de se criar distorções no normal funcionamento do mercado”.
h) A posição da AT baseia-se na ficha doutrinária de 11 de maio de 2007, sendo hoje pacífico o entendimento segundo o qual os ofícios-circulados não são fontes de direito, consubstanciando antes orientações genéricas emitidas pela Administração fiscal, que não vinculam nem os contribuintes nem os tribunais, não sendo, por isso, fonte de direito, entendida como meio de criação de normas jurídicas.
i) Não obstante as orientações administrativas não vincularem nem os contribuintes nem os tribunais, nem por isso deixa a AT de ter legitimidade para as emitir. Não pode contudo fazer uma qualquer interpretação das normas jurídico-tributárias, mas sim uma interpretação que, respeitando as regras gerais da interpretação das leis (artigo 9.º do Código Civil), seja conforme “… ao princípio geral da prossecução do interesse público e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos que recai sobre a administração pública (art. 266.º da CRP) e que impõe a esta uma atuação igual, proporcional, justa, imparcial e de boa fé”.
j) Segundo a interpretação da Requerente, convocando um parecer do Prof. Dr. Z…, a correta interpretação das normas jurídicas relevantes, leva a concluir ser aplicável, no caso, a taxa reduzida de IVA.
k) Quanto ao elemento gramatical, entende a Requerente em função do disposto na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, aplicável a “aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão, do corpo humano ou tratamento de fraturas”, não restam dúvidas de que os implantes e pilares são artefactos (objetos produzidos pelas artes mecânicas), como são considerados material de prótese (material utilizado na criação de uma peça artificial que substitui uma parte do corpo humano; in casu um dente artificial destinado a restabelecer a função mastigatória e estética dos dentes perdidos ou fraturados).
l) Quanto ao elemento teleológico, sendo o IVA um imposto de matriz europeia e encontrando-se, nos seus aspetos essenciais, harmonizado, através da Diretiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (doravante apenas “Diretiva”), há diretrizes que devem ser especialmente tidas em atenção. Designadamente, “os estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas” sendo que “as taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das Categorias constantes do Anexo III” (n.ºs 1 e 2 do artigo 98.º da Diretiva), sendo que o ponto 4 do referido anexo alude a “equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências (...)” e ponto 17 menciona que também os “tratamentos médicos e dentários” poderão estar incluídos nas taxas reduzidas de cada Estado (vide Anexo III à Diretiva). Sendo certo que a introdução de taxas reduzidas é uma prerrogativa de cada estado, que as estabelecerá, querendo, de acordo com os seus objetivos sociopolíticos, em Portugal, a taxa reduzida do IVA é aplicada aos bens e serviços considerados de primeira necessidade, não havendo dúvida de que a saúde oral é uma das vertentes da saúde Pública. Pelo que, aludindo a verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA a artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano, pretendeu o legislador incluir as próteses dentárias em geral, sem qualquer tipo de restrição. Por outro lado, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA as prestações de serviços efetuadas no âmbito da atividade de médico-dentista são, por regra, isentas (sem prejuízo da possibilidade de renúncia àquela isenção, nos termos do artigo 12.º do mesmo diploma). Ora, inexistindo renúncia à isenção do IVA, todo o IVA suportado pelo médico-dentista na aquisição de implantes e pilares (à taxa máxima, de acordo com aquele que é o entendimento da AT) não poderá ser deduzido, o que significa que o mesmo acabará por ser repercutido no valor da prestação do serviço médico, gerando um considerável aumento dos custos do utente, o que desvirtua por completo o objetivo do legislador.
m) Adicionalmente, os implantes e pilares somente podem ser utilizados no âmbito da implantologia, tendo em vista a substituição no todo ou em parte do dente do doente, não sendo suscetíveis, dadas as suas características, de qualquer outra utilização, o que portanto inviabiliza qualquer possibilidade, porventura considerada pela AT, de esses materiais serem objeto de venda separada.
n) Caso tivesse provimento a interpretação da AT, no sentido de aplicar somente a taxa reduzida a situações de transmissões unitárias de unidades únicas de implante – a mesma traduzir-se-ia numa manifesta distorção da concorrência, violando-se, por conseguinte, o princípio da neutralidade. Esta posição da AT condicionaria os médicos e técnicos de prótese a adquirir unidades únicas de implantes, ao contrário de poderem adquirir individualmente cada um dos respetivos componentes, o que teria um efeito destorcedor da concorrência, contrário aos fundamentos da Diretiva.
o) No Processo n.º 429/2014-T (entre outros), do CAAD, o tribunal arbitral decidiu, por unanimidade, que a comercialização dos pilares e implantes está sujeita à taxa reduzida de IVA, de acordo com o previsto na Verba 2.6, da Lista I anexa ao Código do IVA. Nesse Processo, o citado tribunal arbitral sustentou, na decisão referente ao Processo n.º 429/2014-T, que: «O sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter [em] consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respetivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação não restritiva», referindo que “todos os elementos de interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso presente, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA à transmissão dos implantes, coroas e pilares ora sob análise, termos em que se dá razão à Requerente”.
p) O antes exposto releva especialmente para a Requerente contestar as liquidações adicionais de IVA relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013. Quanto às liquidações respeitantes ao exercício de 2014, a Requerente alega que as mesmas não foram objeto de qualquer fundamentação por parte da AT, pelo que supõe que tais liquidações traduzem “acertos relativos às próprias correções dos anos de 2011 a 2013”.
5. Por despacho de 2/8/2015, o tribunal arbitral proferiu um despacho de notificação ao Sr. Diretor Geral da AT para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
6. A AT apresentou Resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:
a) A prova pericial produzida não corrobora a tese que propugna a Requerente pois que, quanto ao destino que cada uma das peças em questão poderá ter, a resposta do perito não é perentória quanto à sua utilização exclusiva, afinal, segundo conclui, “os componentes protéticos, geralmente só podem ser utilizados em conjunto com o respetivo implante” [destaque da Requerida].
b) Tem sido entendimento da Requerida, conforme veiculado pela Divisão de Conceção da Direção de Serviços do IVA, que os materiais de prótese apenas são tributados à taxa reduzida se se destinarem ao fim definido na verba, ou seja, à substituição de parte do corpo com deficiência ou enfermidade ou da sua função, como, de resto, resulta diretamente da lei. Tal interpretação implica que os bens que consistam em peças, partes e acessórios daquelas próteses não sejam abrangidos pela verba 2.6, dado que, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função.
c) Em informação vinculativa anterior (informação n.º 1717, de setembro de 1996, processo I…….), decidiu-se a AT no seguinte sentido: “Assim, apesar de ser difícil distinguir entre componentes e próteses (implantes) completas, afigura-se que quando transacionados completos [e sublinhamos: a informação era prestada por referência a um catálogo apresentado pela empresa em causa, que incluía as próteses propriamente ditas e os demais materiais para a sua fixação, como os implantes e pilares] de modo a constituir uma unidade de implante propriamente dito + peças de ligação + “dente”, constituindo uma unidade de venda por enquadráveis na verba 2.5 da Lista I anexa ao CIVA, são passíveis de IVA pela taxa reduzida. As transmissões dos diversos componentes avulsos, partes e peças, são passíveis de IVA pela taxa normal”. Considerou, portanto, que, quando o sujeito passivo faturasse ao adquirente um conjunto de bens constituído por prótese, implante e peças de ligação, ao mesmo seria aplicável a taxa reduzida. Porém, se se transmitisse apenas implantes e peças de ligação, ou ambos, sendo estes considerados componentes avulsos, partes ou peças, seria de aplicar a taxa normal do imposto.
d) Pelo que, como tem sido veiculado pela Requerida, a verba 2.6 apenas abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial que substitua o órgão do corpo humano ou parte dele, ou seja, “autonomamente ou unitariamente”. Assim, na prótese dentária por implante, aplica-se a taxa normal do imposto à transmissão das peças de ligação ou fixação, dado que as mesmas, não cumprem, em si, objetivamente, a função descrita na verba 2.6. da Lista I anexa ao CIVA.
e) Acrescenta que, “a matéria aqui controvertida versa sobre a aplicação da taxa reduzida do imposto e, tendo em consideração que as situações de tributação à taxa reduzida constituem exceções à aplicação da taxa normal do IVA e, por via disso, representam um desvio à aplicação do regime geral do imposto, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem-se orientado, nesta matéria, pela aplicação do princípio da interpretação estrita”, citando o Acórdão de 18 de janeiro de 2001, processo Comissão contra Espanha, C – 83/99 e o Acórdão de 17 de janeiro de 2013, igualmente em processo da Comissão contra Espanha, C – 360/11.
f) Esta conclusão, sustenta a AT, está “em linha com o disposto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), que proíbe a integração analógica para as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República”.
g) A respeito do elemento gramatical e teleológico da disposição controvertida em questão, refere a Requerida que que “não basta estarmos perante “aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação”, sendo necessário que estes bens sejam aptos a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano” [destaque da Requerida].
h) A Requerida distingue implante do conceito de “material de prótese”, convocando o Parecer da Ordem dos Médicos Dentistas de 20/2/2013, concluindo que “na prótese por implante, agora em discussão, e como deriva do próprio conceito, o implante é o modo de fixação da prótese. A prótese, construída ou elaborada por um técnico especializado, por referência ao paciente a que se destina, consiste na peça designada por coroa (dente artificial em porcelana), a qual não é fornecida pelo sujeito passivo”.
i) Daí resulta, segundo a Requerida, que “o implante (a forma de fixação da prótese) não beneficia do mesmo tratamento fiscal da prótese, como sucede, aliás, com os componentes utilizados na elaboração das demais próteses”.
j) Acrescentando que “as próteses dentárias, em geral, independentemente do método de aplicação, têm, no seu destino final, o mesmo tratamento fiscal, ou seja, a isenção prevista no artigo 9.º do CIVA”, e que “a prótese, em si, pode ser objeto de comercialização em estágios anteriores à colocação à disposição do paciente, caso em que é tributada à taxa reduzida”.
k) A Requerida sustenta ainda que “a questão deve ser centrada em saber se a verba 2.6 da Lista I tem por finalidade tributar à taxa reduzida a transmissão de próteses, seja de que tipo forem, ou se o legislador pretendeu abranger aqui, também, a venda de todos os tipos de dispositivos de fixação que não são prótese e fabricados em série e que, quando considerados isoladamente, nomeadamente no momento da sua transmissão por fornecedores como o sujeito passivo, não substituem um membro ou um órgão do corpo humano”.
l) No que ao elemento gramatical de interpretação da norma diz respeito, a Requerida sublinha que “o legislador se refere a material de prótese e não a material para prótese (para aplicação numa prótese), o que indica excluir as peças de ligação ou fixação de próteses, como as transacionadas pelo sujeito passivo” [destaque da Requerida].
m) Acrescenta que, por referência à letra da verba 2.6, “a norma restringe a aplicação da taxa reduzida aos bens que sejam, eles próprios, aptos à função de substituição de um membro ou órgão do corpo humano” [destaque da Requerida].
n) Daí concluir a Requerida que, “ao contrário do que a Requerente pretende, afigura-se não ter acolhimento na letra da lei a tese de que a verba 2.6 engloba a comercialização de todo o tipo de peças destinadas à fixação de próteses ou à sua ligação, em vez de se referir à prótese em si, produto acabado apto à substituição de um órgão ou parte do corpo humano”, discordando que os implantes dentários são enquadráveis na aplicação da taxa reduzida, visto que “os bens em apreço, transacionados pela Requerente, não são materiais de prótese”, convocando o já referido parecer da Ordem dos Médicos Dentistas, segundo o qual “tais bens servem de suporte à prótese dentária”. Com efeito, “o implante (…) e o pilar são apenas componentes, cada um desempenhando a função para a qual foram concebidos, de suporte e fixação da prótese, mas que, de per se, objetivamente considerados, não desempenham nem substituem a função do órgão dentário”, e “não obstante não terem outra aplicação que não seja em medicina dentária, são, tão-somente, peças acessórias ou instrumentais, que contribuem para o resultado final da reabilitação oral”, cabendo concluir que “a transmissão das citadas peças (de ligação ou implantação da prótese) são tributadas à taxa normal, por falta de enquadramento em qualquer das listas anexas ao CIVA, nomeadamente a verba 2.6 da lista I”.
o) Quanto à alegação da Requerente sobre a violação do princípio da neutralidade e da não discriminação, a Requerida manifesta a sua discordância. Segundo a Requerida, a Diretiva “propunha garantir a neutralidade do sistema comum de impostos (…) quanto à origem dos bens e das prestações de serviços, de modo a instituir a prazo um mercado comum que permita uma concorrência sã e apresente características análogas às de um verdadeiro mercado interno”, por outro lado, resulta ainda da Diretiva que “o sistema comum do IVA deve, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição”, pelo que “o princípio da neutralidade é um corolário importante do clássico princípio jurídico da não discriminação: «A neutralidade concorrencial do IVA deve ser entendida no sentido de que, no interior do país, sobre bens idênticos, transacionados sobre o mesmo preço, deve incidir o mesmo encargo fiscal, independentemente do número de transações a que os bens forem sujeitos em fases anteriores e da extensão do circuito produtivo”. A Requerida acrescenta que “nos considerandos 18 e 19 do acórdão Comissão contra Espanha, no processo C83/99, o TJUE interpretou o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º da Sexta Diretiva no sentido de a aplicação de (uma ou duas) taxas reduzidas pelos Estados membros constituir uma derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal”, insistindo que “tratando-se de uma mera faculdade, os Estados membros podem não prever uma taxa reduzida para algumas das transmissões de bens ou prestações de serviços, tributando-as à taxa normal”, e precisando que “o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a uma diferenciação na tributação de bens ou serviços de idêntica natureza, considerando-se verificado quando o imposto não influi na escolha do consumidor”[2].
p) Ainda quanto à questão da neutralidade fiscal, convocando Pitta e Cunha, a Requerida refere que “toda a fiscalidade produz hoje inevitáveis modificações na economia; entende-se hoje que o imposto é ‘neutro’ quando opera modificações homotéticas, iguais para todos os elementos do meio económico”. Convoca ainda a Advogada Geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT (Acórdão de 23 de Abril de 2009, Processo C-357/07, Colect., p. I-5189), quando referiu que “o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (…)”. Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...)”.
q) Conclui, a respeito da neutralidade, que “se estamos a falar da neutralidade sobre a tributação dos diferentes tipos de prótese temos de comparar a transmissão da prótese amovível com a da prótese fixa. E não com a da prótese fixa acrescida de peças de fixação e de ligação”.
r) Por fim, a Requerida refere, citando o relatório de inspeção tributária, que “tratando-se a A… LDA. de sociedade importadora de materiais para implantes, tem perfeita noção de que a taxa aplicada, na alfândega é, efetivamente, a taxa normal. É esta taxa que paga efetivamente aquando do desenfaldegamento dos produtos que adquire a países terceiros” [destaque da Requerida], acrescentando que “a Nomenclatura Combinada é uma peça fundamental no circuito comercial dos bens, uma vez que é através da mesma que se procede à identificação dos bens objeto de importação ou exportação, com o consequente enquadramento tributário, pelo que o recurso a esta ferramenta, pelo intérprete, fortalece o crédito da interpretação” de ser essa taxa de tributação aplicável à transmissão dos bens, sendo que essa Nomenclatura Combinada “tem carácter obrigatório aquando da sua entrada em território comunitário”. A este respeito a Requerida sublinha que “o Regulamento (UE) n.º 111/2011, da Comissão de 7 de Fevereiro de 2011, classifica um dos produtos objetivamente comercializados pelo sujeito passivo no código NC 9021 29 00, como uma peça de um implante dentário, à semelhança de vários acessórios para dentistas destinados a fazer coroas ou próteses dentárias, com base nos fundamentos que constam da coluna 3 em anexo ao citado regulamento”, e que “os direitos de importação serem regulados pela Pauta Aduaneira Comum (PAC), que tem em consideração a classificação pautal (com base na Nomenclatura Combinada), a origem e o valor aduaneiro das mercadorias, com base nos quais são calculados os direitos aduaneiros. Os bens, no momento da importação, são classificados segundo a referida nomenclatura, sendo o IVA aduaneiro apurado nesse pressuposto”. E assim conclui que “se um bem objeto de importação é classificado de acordo com os critérios constantes da Pauta Aduaneira Comum, a que corresponde uma determinada taxa de IVA, e esse bem é introduzido no mercado interno sem sofrer qualquer transformação, é legítimo, e até desejável do ponto de vista da neutralidade do imposto, que o intérprete se auxilie da Nomenclatura Combinada, como critério subsidiário de interpretação das verbas, de forma a verificar-se uma consonância com o critério utilizado nas alfândegas”.
s) Quanto ao pedido da Requerente de reconhecimento do direito à indemnização prevista nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, a Requerida refere que “é o mesmo manifestamente improcedente visto que não se verificou qualquer prestação de garantia”.
7. Por despacho do tribunal arbitral de 24/10/2015:
a) Quanto à reunião do tribunal com as partes (art. 18.º do RJAT), decidiu-se dispensar a reunião, visto que se considerou que o processo não é passível de uma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais, e atendendo a que não há exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido nem necessidade aparente de correção das pelas processuais;
b) Quanto à prova testemunhal, analisadas as peças processuais de ambas as partes, o tribunal considerou inexistir controvérsia relativamente aos factos essenciais para a boa decisão da causa, sendo suficiente a prova documental não impugnada, pelo que, ponderada a inutilidade da requerida diligência de inquirição de testemunhas e atento o disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e 130º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), o RJAT, indeferiu-se o pedido de produção de prova testemunhal formulado pela Requerente;
c) Quanto às alegações finais, decidiu-se que ambas as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 10 (dez) dias (a começar pela Requerente), alegações escritas, de facto e de direito;
d) Quanto à data para prolação e notificação da decisão final, fixou-se o dia 18/12/2015 como data limite para a prolação e notificação da decisão final;
e) No âmbito do princípio da cooperação, o tribunal arbitral convidou ambas as partes a enviar ao CAAD os seus respetivos articulados em formato editável (Word) com vista a facilitar e abreviar a tarefa do tribunal na elaboração do acórdão; e
f) Quanto à taxa de arbitragem remanescente, deliberou-se que a Requerente deverá dar cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
8. As partes apresentaram alegações escritas no prazo legal, tendo nestas mantido, no essencial, a sua argumentação inicial (com a exceção do agora omisso pedido de indemnização, por parte da Requerente, por custos suportados com a inicialmente alegada garantia que iria prestar, face aos processos de execução fiscal instaurados), pronunciando-se relativamente à matéria de facto a dar por provada e concluindo no sentido de dever proceder a sua pretensão.
9. Por despacho de 18/12/2015, o tribunal, ponderado o disposto no artigo 21º-1 e 2, do RJAT, prorrogou até ao limite do período mínimo o prazo para a decisão, por não ter sido possível concluir ainda a elaboração da decisão (Acórdão) arbitral final, fixando-se agora como data limite previsível para notificação dessa decisão às partes, o próximo dia 25/1/2016.
II. Saneamento
O tribunal é competente.
O processo é o próprio e as partes são legítimas e capazes.
Não existem questões prévias e/ou exceções, alegadas ou de conhecimento oficioso.
O processo é isento de nulidades que o invalidem.
Cumpre apreciar o mérito da causa.
III. Fundamentação
III.1 Matéria de Facto
1. Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:
a) A A… , LDA., é uma sociedade por quotas, com o seguinte objeto social: “Distribuição por grosso de dsipositivos médicos, importação e exportação de produtos médicos odontológicos. Formação profissional” (vide Relatório da Inspeção Tributária junto ao Processo administrativo).
b) É uma empresa que é sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, e para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado é enquadrado no regime trimestral nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41º do CIVA;
c) Tendo por base três ordens de inspeção externas – OI2014…, OI2014… e OI2014…, a AT procedeu a correções em sede de IVA, das quais a Requerente foi notificada por Ofício remetido em 13/1/2015 (PA) com cópia do Relatório Final.
d) Em sede de IVA, conforme Relatório de Inspeção, a AT verificou que “… todas as faturas sobre as quais foi liquidado IVA à taxa reduzida (em 2011, 2012 e 2013) se referiam a componentes, partes, peças e acessórios, designadamente pilares, uclas, brocas, implantes, réplicas de implantes, etc, logo produtos cuja venda deveria ter sido sujeita à taxa normal e foi sujeita à taxa reduzida” (pág. 13 do Relatório);
e) Isto porque a AT entende que a Requerente deveria ter adotado o procedimento estabelecido nas informações vinculativas emitidas sobre a matéria (nº … de Set de 1996, …, de Março de 200 e Informação de 11/5/2007), e nomeadamente a mais recente Informação nº …, de 4/8/2014 de “aclaração da taxa de IVA aplicável às transmissões de implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação de próteses dentárias”, da qual transcreve partes (vide pág. 10 do Relatório Final).
f) A AT efetuou correções de IVA nas transações faturadas à taxa de 6% para a taxa de 23%, que vieram a dar origem às seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios (cópias juntas aos autos):
Ano 2011 - Com prazo limite de pagamento até 30/4/2015
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 7.860,69-01/11T;
Liquidação de JC n.º …, no montante total a pagar de € 1.139,69 - 01/11-T
Liquidação de IVA n.º …, no montante total a pagar de € 9.494,42-02/11-T
Liquidação de JC n.º…, no montante total a pagar de € 1.280,84-02/11-T
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 14.258,50-03/11-T
Liquidação de JC n.º…, no montante total a pagar de € 1.779,77-03/11-T
Ano de 2011 - Com prazo limite de pagamento em 10/4/2015
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 1.505,76 – 04/11-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total de € 172,93- 04/11-T
Ano de 2012- Com prazo limite de pagamento em 10/4/2015
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 13.500,01- 01/12-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 1.417,31-01/12-T
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 3.143,48 - 02/12-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 297,98 -02/12-T
Liquidação de IVA n.º 2015…, no montante total a pagar de € 3.438,20-03/12-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 291,63 - 03/12/T
Liquidação de IVA, n.º 2015…, no montante total a pagar de € 7.043,88-04/12-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 526,45 – 04/12-T
Ano de 2013 - Com prazo limite de pagamento em 10/4/2015
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 6.300,76 - 01/13-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 409,46 - 01/13-T
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 14.471,68 – 02/13-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 792,96 – 02/13-T
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 5.903,49 - 03/13-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 264,58 – 03/13-T
Liquidação de IVA n.º…, no montante total a pagar de € 8.894,78 – 04/13-T
Liquidação de JC n.º 2015…, no montante total a pagar de € 307,05 - 04/13-T
Ano de 2014 - Com data limite de pagamento em 10/4/2015
Liquidação de IVA nº…, no montante de 3 820,69 – 01/14-T
Liquidação de JC nº 2015…, 156,75€-01/01/14-T
g) O imposto total liquidado com referência aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, acrescido dos juros compensatórios, ascende ao valor total de 108.463,74 €.
h) A Requerente não efetuou o pagamento, no prazo legal, das sobreditas importâncias liquidadas, tendo sido já citada nalguns processos executivos que contra ela foram instaurados pela AT.
i) Em alguns desses processos executivos a Requerente informou que iria, tempestivamente, solicitar a prestação de garantia e a suspensão do respetivo processo de execução.
j) Os dispositivos médicos comercializados pela Requerente são de vária ordem, tendo em comum destinarem-se a ser utilizados no tratamento de anomalias e deficiências dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas;
k) No âmbito da sua atividade, a Requerente importa implantes e pilares que vende, posteriormente, a médicos dentistas ou a técnicos de prótese dentária;
l) O dente é um órgão formado por raiz, colo e coroa;
m) A prótese dentária, que substitua o dente na íntegra e que implique a realização de implante, é constituída por três elementos: implante, pilar e coroa;
n) Qualquer um destes elementos se destina a substituir parte do órgão dente;
o) O implante é uma estrutura posicionada cirurgicamente no osso maxilar abaixo da gengiva, “substituindo” a função da raiz do dente e servindo, em regra, para suportar um pilar de fixação e uma coroa;
p) O pilar consiste numa estrutura de ligação inserida entre o implante e a coroa, em situação em que todo o órgão dente se encontra em falta;
q) Sobre o pilar é introduzida uma coroa que visa substituir a parte visível do dente;
r) A coroa é concebida pelo protésico, especificamente para cada paciente, atendendo às suas características morfológicas;
s) O procedimento cirúrgico de colocação de uma prótese dentária envolve, em regra, várias etapas. Estas podem suceder-se com maiores ou menores intervalos, o que depende, não só da técnica utilizada, mas também das características do paciente;
t) Os implantes e os pilares não são suscetíveis de ser comercializados em termos unitários, nomeadamente porque a escolha do pilar ocorre em momento posterior à aplicação do implante, depende das características de cada paciente (tais como altura e largura da gengiva) ou do modo de colocação do implante (sendo necessário escolher pilares com a angulação adequada);
u) Do mesmo modo, não se comercializam unidades únicas de implante formadas por implante, pilar e coroa;
v) Os implantes, pilares e coroas constituem “artefactos” ou “materiais de prótese”.
2. Factos não provados
Considera-se não provado que o sujeito passivo tenha suportado custos com a prestação de garantia visando a suspensão de processos de execução fiscal.
3. Fundamentação das decisões em matéria de facto
Os factos elencados e dados como provados têm como base o Relatório da Inspeção Tributária junto aos autos, tanto com a PI como com o PA, e também nos documentos juntos pelas partes, incluindo pareceres junto aos autos pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
Quanto às liquidações de imposto e juros compensatórios relativas ao ano de 2014, juntas aos autos, não foram juntos ao processo, por qualquer das partes, documentos que fundamentem a sua razão de existir. Contudo, o descritivo das mesmas inclui referências a “estornos” e “acertos”, além do prazo limite de pagamento ser coincidente com o das liquidações relativas aos anos anteriores, conduzindo à convicção deste tribunal arbitral que efetivamente respeitam a correções relativas ao processo inspetivo levado a efeito pela AT, que incidiu sobre os anos de 2011 a 2013, como alega a Requerente.
Não há factos ou documentos cuja veracidade tenha sido impugnada.
III.2 Matéria de Direito
1. Questões a resolver
a) A primeira questão prende-se com o primeiro pedido formulado pela Requerente, no sentido da anulação, por ilegalidade, das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas a 2011, 2012 e 2013, efetuadas pela AT e acima identificadas.
b) A segunda questão prende-se com a apreciação do pedido de anulação da liquidação referente ao IVA e juros compensatórios, referente ao ano de 2014.
c) Finalmente deve ser sindicado por este Tribunal o pedido de pagamento de uma indemnização, relacionada com os custos suportados com a suspensão e garantia dos processos de execução.
2. Do Direito aplicável
2.1. A primeira questão de direito a considerar, no presente processo, prende-se com o primeiro pedido formulado pela Requerente, no sentido da anulação das liquidações adicionais, relativas a 2011, 2012 e 2013, acima identificadas, efetuadas pela AT.
As correções de liquidação realizadas pela Requerida assentam na circunstância de esta considerar aplicável às transmissões que têm por objeto implantes e pilares dentários, à taxa normal de IVA de 23%[3], quando, de acordo com o entendimento da Requerente (refletido na na autoliquidação por si efetuada), a tais transações deve ser aplicada a taxa reduzida de 6%[4].
A AT sustenta, assim, ser aplicável o art. 18.º, n.º 1, c) do CIVA, nos termos do qual é aplicável a taxa de 23%.
Diferentemente, defende, o sujeito passivo, ser de aplicar o art. 18.º, n.º 1, a) do mesmo diploma.
O IVA constitui um imposto geral sobre o consumo, de natureza indireta e plurifásica e de fonte comunitária[5], sendo que, de acordo com a norma acabada de referir,
“1 - As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%”.
Nos termos do ponto 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA, representam bens sujeitos a taxa reduzida:
“Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos veículos semelhantes, acionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo”, sendo que a taxa normal só se aplica a título subsidiário, ou seja, caso não haja lugar a aplicação de uma taxa reduzida.
Em causa está, em suma, apurar se os implantes e pilares dentários representam ou não “material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo”.
2.1.1.Importa, para tanto, de modo particular, determinar em que se traduzem as noções de material de prótese e de órgão do corpo humano, bem como verificar se os bens transacionados se incluem em material de prótese e se se destinam a substituir, total ou parcialmente, órgão do corpo humano.
Da prova produzida nos autos (como supra exposto, em sede de decisão da matéria de facto), no contexto médico que se considera, entende-se, por material de prótese, todo o elemento artificial introduzido no corpo humano.
Decorreu, por outro lado, que o dente é um órgão do corpo humano, constituído por três partes: raiz, colo e coroa.
Resulta também que o implante constitui uma estrutura protésica, com a forma de parafuso, destinada a substituir a raiz; que a coroa é moldada, em laboratório, de modo personalizado, para cada doente, representando construção protésica que tem por fim substituir a coroa natural e que o pilar representa elemento protésico que assegura a ligação entre o implante e a coroa.
Da prova produzida resulta que qualquer um dos referidos elementos (implante, pilar e coroa) consubstancia material de prótese.
De qualquer um dos mencionados elementos de prova resulta, assim, serem os referidos significados, os únicos a atribuir, com precisão e rigor científicos, a cada um dos termos em análise (de coroa, implante, pilar e prótese), irrelevando os sentidos inexatos que, na gíria incorreta de leigo, lhes pode ser atribuído, quando, por exemplo, incorretamente se designa por implante toda a reconstrução dentária ou por prótese a coroa.
Atentos os referidos pressupostos de facto, verifica-se, no caso concreto, que qualquer um dos bens objeto de transmissão pela Requerente representa material de prótese, que se destina a substituir, no todo ou em parte, órgão do corpo humano.
Revela-se, pelo exposto, carecido de qualquer fundamento, o entendimento, sustentado pela AT, no sentido de que os bens em causa não são próteses, bem como de que os mesmos bens não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo humano ou da sua função.
Os bens em causa constituem, assim, material de prótese (que não material para prótese), com função substitutiva de parte ou totalidade de órgão do corpo humano, destinados a promover, designadamente, o adequado desempenho da função mastigatória.
Como Z… refere, no parecer junto aos autos, trata-se de elementos de prótese e não de matéria-prima utilizada na elaboração de próteses, observando: “Talvez a administração pretenda dizer que não têm enquadramento na Lista I os materiais de que são feitas as três peças acima referidas, ou seja, que não podem beneficiar da taxa reduzida as peças e materiais a partir dos quais os fabricantes obtêm os implantes, os pilares e a coroa que, por fases, são introduzidos na cavidade oral do paciente. Se fosse essa a doutrina, estaria tudo certo. De facto, a taxa reduzida não se estende para montante, para os materiais que depois são transformados nas peças da prótese (…) O princípio seguido é, pois, o de que, quando se trata de peças ou materiais que se incorporam no processo de produção de próteses dentárias ou de outros produtos similares, será de aplicar a taxa normal do IVA, porque tais bens não se destinam diretamente ao fim prosseguido pela prótese, mas quando as peças, pelas suas características objetivas, se possam aplicar, sem ser objeto de transformação posterior, na prótese, então já beneficiam da aplicação da taxa reduzida do IVA. Ora os implantes, pilares e coroa que constituem a prótese são aplicados no paciente, em diferentes fases do procedimento, sem qualquer transformação”.
Nestes termos, tal transmissão encontra perfeito e direto enquadramento legal no elemento literal da norma contida no ponto 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA, aplicando-se, em consequência, a tais transações, a taxa reduzida de 6%, contemplada no art. 18.º, n.º 1, a) do referido diploma.
2.1.2.Igualmente improcede a interpretação, defendida pela mesma Requerida, no sentido de que a taxa reduzida só se aplicaria quando estivesse em causa a transação de “unidade única de implante”.
a)A referida interpretação não encontra, por um lado, suporte no elemento literal da norma, constituindo uma visão que representa a adoção de um regime que não o legalmente previsto, sem acolhimento no texto legal e insuscetível, por isso, de ser sustentável no quadro do presente litígio. Na verdade, e como identicamente se explicita designadamente nos Acórdãos 429/2014-T, 530/2014-T, 67/2015-T e 188/2015-T do CAAD (que incidem sobre o mesmo problema), em nenhum segmento da norma se exige que os materiais de prótese sejam transmitidos de modo agregado, notando-se, na última decisão mencionada, que: “nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na aceção que a AT pretende veicular”.
No mesmo sentido, Z… refere, em parecer em que se pronuncia sobre esta questão, que o referido entendimento da AT “não resulta de todo da letra da norma do CIVA. Com efeito, não se faz aí distinção que autorize a só dar o benefício da taxa reduzida às próteses constituídas por uma “unidade única de implante””. Mais refere que “não consta da lei e na formulação legislativa nada existe, mesmo imperfeitamente expresso, que indicie que tal restrição está, de algum modo, contida no pensamento legislativo”.
b) De outro lado, tal perspetiva, além de não encontrar acolhimento na letra da lei (o que, por si só, nos termos do previsto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil[6], exclui a possibilidade de representar entendimento adotável) e de assentar numa noção errada de implante, sempre se revelaria insuscetível de aplicação prática, constituindo, assim, entendimento inaplicável por natureza. Na verdade, como Z… explicita no parecer acima referido, “a unidade única de implante pura e simplesmente não existe”, pelo que, a proceder o entendimento da AT, dele decorreria que “este tipo de próteses nunca beneficia de taxa reduzida”.
Na verdade, como acima explicitado em sede de matéria de facto, resultou provado, na sequência da instrução, que as peças utilizadas na reconstrução do dente humano, como um todo, não se encontram à venda, no mercado, em packs unitários.
Diferentemente, são vendidas separadamente. Existem, por exemplo, inúmeras referências de pilares, adquiríveis a fornecedores distintos, cabendo, em cada caso, selecionar aquela que mais se adequa à situação clínica do doente em tratamento.
A coroa, por seu turno, é moldada, pelo protésico, em laboratório, exatamente à medida e em função das características da estrutura dentária do paciente, de acordo com o molde para esse efeito tirado.
Por outro lado, cada uma das peças em análise é aplicada, no processo de tratamento, em fases temporalmente distintas, pelo que não se torna necessária, nem, frequentemente, adequada, a aquisição de todas elas no mesmo momento, designadamente porque a seleção do tipo de pilar a adotar só ocorre na fase pós-cirúrgica (de colocação do implante).
Não faria, por estas razões, sentido (e não ocorre, por isso) a comercialização conjunta de tais peças, não se transacionando “unidades únicas de implante”.
Não constituindo estas, objeto de transmissão no giro comercial, revela-se infundado o entendimento de que a taxa reduzida de IVA de 6% só se aplicaria quando estivesse em causa a aquisição e venda das designadas unidades conjuntas.
c) Ainda que, porém, acontecesse diferentemente e os elementos integrantes da reconstrução protésica da totalidade do dente fossem vendáveis em conjunto, sempre a interpretação de que a referida taxa reduzida se aplicaria apenas quando tais elementos fossem adquiridos em separado se revelaria, por um lado, inconsistente com a razão de ser da norma e, assim, com o elemento teleológico[7] que a justifica e, por outro lado, ofensiva de princípios e valores jurídicos fundamentais.
c.1) A fixação legal de taxa reduzida de IVA justifica-se, na hipótese que se considera, em ordem a criar a possibilidade de mais fácil acesso, pelos cidadãos, a cuidados de saúde que envolvam o recurso aos materiais em causa.
A última razão de ser da norma corresponde, assim, ao intuito de garantir e promover a saúde pública no âmbito da saúde oral.
É, de resto, essa intenção legislativa que justifica que, no âmbito do artigo 9.º do Código do IVA, se preveja, na al. a), encontrarem-se isentas de imposto “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas” (destaque nosso) e, na al. b), que, identicamente isentas de imposto, se encontram “as prestações de serviços efetuadas no exercício da sua atividade por protésicos dentários” (destaque nosso).
Constituindo, assim, o objetivo do legislador, assegurar o acesso a cuidados de saúde que reputa essenciais, incompreensível seria que se aplicasse a taxa reduzida de IVA quando os materiais de tratamento fossem vendidos em conjunto e já não quando fossem vendidos em separado, criando, injustificadamente, em ofensa ao princípio da igualdade, tratamento desigual entre doentes igualmente carentes de cuidados de saúde, quando, nos termos do previsto no art. 64.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a promover e defender” e, segundo o n.º 3 do mesmo preceito, “incumbe prioritariamente ao Estado: a) garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação” (destaque nosso).
Tal tratamento desigual revelar-se-ia tanto mais clamoroso quanto, para além do exposto, o paciente carece, em determinados casos, de apenas um ou alguns dos referidos materiais de prótese para que o seu tratamento fique completo. Nestes casos, o material de prótese torna-se necessário para substituir apenas parte do órgão que o dente representa. Assim, por exemplo quando a peça de implante seja incrustada no maxilar do paciente apenas para evitar o processo de absorção do osso, que não para que sirva de suporte à aplicação de pilar e coroa. Assim também se, por exemplo, o doente dispuser de raiz, tornando-se desnecessária a aplicação de implante que sirva de suporte à coroa (protésica) criada em laboratório e que precise de ser aplicada ao doente em causa.
Incompreensível seria, nestes termos, que tais doentes, em virtude do tipo de patologia da cavidade oral que os afeta, houvessem de vir a suportar, por repercussão, taxa normal de IVA, quando outros, também carentes, em virtude de diferente doença ao nível do sistema dentário, da aplicação dessa peça, suportariam, quanto à mesma, taxa reduzida de IVA, apenas porque adquirida, aquela, conjuntamente com outras de que também necessitam.
Tanto demonstra, ainda, que cada um dos referidos materiais de prótese representa, em si, unidade autónoma, assim de transação subordinável a taxa reduzida ainda que se entendesse que esta se aplicava apenas ao número total de peças envolvido no tratamento de patologia oral.
Por outro lado, aquele entendimento induziria a que os doentes, com menor capacidade económica e carentes de próteses integralmente substitutivas de um ou mais dentes, optassem pelas tradicionais próteses compactas (comummente designadas por “placas”), para beneficiarem de um preço mais acessível, quando essa solução implica um maior desconforto para o doente e menor qualidade desse tipo de alternativa. Com tanto, produzir-se-ia o efeito oposto àquele que a norma pretende – em vez de promover a qualidade dos serviços de saúde a que, com taxa reduzida, se pretende que os cidadãos tenham acesso, fomentar-se-ia o retrocesso e o recurso a meios técnicos de tratamento oral marcadamente inferiores, com a agravante de que tal efeito se refletiria, em tratamento desigual, ao nível dos cidadãos economicamente menos favorecidos.
Violar-se-ia, ainda, o princípio da uniformidade do IVA, nos termos do qual atividades económicas semelhantes devem ser tratadas da mesma forma, devendo-se, em obediência ao princípio da objetividade, como se enfatiza no Proc. n.º 429/2014 – T, do CAAD, aplicar “uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Diretiva IVA”.
c.2) O princípio da igualdade revelar-se-ia ofendido também sob o ponto de vista do produtor e fornecedor dos bens em causa, na medida em que o sujeito que produzisse ou vendesse os bens em conjunto beneficiaria de tratamento fiscal privilegiado relativamente àquele que apenas o fizesse separadamente, o que não encontra suporte nas razões justificativas da redução da taxa, representando, consequentemente, em distorção das regras da União Europeia vigentes em matéria fiscal, violação da imposição de neutralidade concorrencial[8] (máxima cuja importância é salientada, também jurisprudencialmente, a nível interno e da União Europeia, designadamente nos acórdãos proferidos no proc. n.º 429/2014-T do CAAD, no caso Rompelman (Acórdão de 22 de Junho de 1993, Proc. 268/83), quando este tipo de neutralidade constitui um dos aspetos integrantes da neutralidade fiscal e esta corresponde a princípio a que, como Z… nota, “o imposto é particularmente sensível”.
d) Nem, por outro lado, se revela argumento passível de sustentar o entendimento defendido pela Requerida, a alegação de que deve haver interpretação restritiva quanto às exceções à aplicação da taxa normal de IVA. Na verdade, o único princípio defensável seria o de que, em caso de regime de exceção, não pode, o intérprete, alargar tal regime a outras situações, ainda que as repute análogas.
Está-lhe vedado, assim, alargar o benefício, legalmente previsto, a outras hipóteses, não constantes da lei.
Tanto não retira, porém, que o intérprete esteja proibido de não aplicar o benefício legal a hipóteses contidas na norma em causa. Quando aplica a estatuição à hipótese normativa, o intérprete limita-se a cumprir o seu dever – aplicar o direito nos termos legalmente previstos -, não lhe incumbindo (antes lhe estando vedado) ampliar ou restringir o alcance do regime legal.
O intérprete deve, assim, proceder, não a uma interpretação restritiva, mas a uma interpretação estrita da lei, ou seja, a uma interpretação declarativa do preceito a aplicar, como identicamente se explicita no acórdão proferido no Proc. n.º 171/2013-T, do CAAD[9], não podendo o poder administrativo desvirtuar o sentido do fruto do exercício do poder legislativo.
Da adequada interpretação da norma que se aprecia, resulta, como acima se concluiu, que a taxa reduzida de IVA se deve aplicar ao implante, pilar e coroa, enquanto materiais de prótese.
Sustentar a não aplicação da taxa reduzida de IVA aos materiais de prótese que se consideram, em desrespeito do regime legalmente fixado, ofenderia, em consequência, a segurança e confiança que a redação legal deve poder assegurar aos cidadãos objeto da norma. Tanto, não representaria interpretação restritiva da norma (essa, operação em que se restringe o alcance literal da norma, se dúbio, para que coincida com a sua razão de ser), mas indevida desaplicação desta, sendo certo, por outro lado, que, no quadro do preceito que se considera, o legislador não obedeceu, nem se encontra vinculado, pelos conteúdos constantes da Nomenclatura Combinada. Assim o salienta Xavier de Basto quando esclarece que: “a Nomenclatura Combinada serve para efeitos estatísticos e de aplicação da pauta aduaneira comum, mas não tem qualquer relevo em matéria de classificação de bens e serviços, para os efeitos do IVA português”, aditando que a adoção da classificação pautal “seria muito pouco amigável, para não dizer hostil” ante os sujeitos passivos, dado que são estes que, no âmbito do IVA, procedem à liquidação do imposto.
No mesmo sentido, sublinha-se, no Proc. 171/2013-T, do CAAD, que “Se é verdade que de acordo com o artigo 98.º, n.º 3 da Diretiva IVA os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exatidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, certo é que o legislador português não seguiu esse caminho (nem a tal era obrigado)”, acrescentando-se, adiante, que é “irrelevante, para efeitos de IVA, a classificação que as peças em causa tenham na Nomenclatura Combinada”, bem como que “sem prejuízo da liberdade de que o legislador português goza na delimitação das transmissões de bens e prestações de serviços às quais são aplicáveis taxas reduzidas de IVA, dentro do catálogo fechado constante do Anexo III da Diretiva IVA, afigura-se que a correta interpretação da verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA, abrange as partes das cadeiras de rodas e das scooters de mobilidade que estão na origem dos atos de liquidação de IVA controvertidos”.
Adotando idêntica linha de argumentação, refere-se, no Acórdão 429/2014-T, do CAAD (em que se aprecia, no essencial, a mesma matéria objeto de decisão no presente processo), que “a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exatidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros”, nele se explicitando que o “único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respetivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 89060010 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro””, acrescentando-se: “dispositivo este não aplicável na situação em apreço”.
Os materiais de prótese em causa sempre estariam, em todo o caso, abrangidos pela referida nomenclatura, como o refere Xavier de Basto no mencionado parecer: “Os elementos constitutivos do implante, aliás, estão cobertos pela classificação 9021, da Nomenclatura Combinada, que abrange, na respetiva epígrafe, os “artigos e aparelhos de prótese”.
e) Nestes termos, atento o conjunto das razões de facto e de direito aduzidas, considera-se aplicável ao ato de transmissão dos materiais de prótese em que se traduzem o implante, pilar e coroa dentários, a taxa reduzida de IVA de 6%, em conformidade com o previsto no art. 18.º, n.º 1, a) do C.I.V.A. e com o ponto 2.6 da lista àquele anexa, procedendo, em consequência, a pretensão impugnatória, formulada pelo Sujeito Passivo, no presente processo, dos atos de liquidação relativos a 2011, 2012 e 2013, que identifica em sede de requerimento arbitral.
2.2. Quanto à segunda questão de direito a considerar, no que respeita em particular aos atos de liquidação relativos a 2014, impugnados pela Requerente também por falta de fundamentação, cumpre realçar que o dever formal de fundamentação cumpre-se “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”[10], sendo que “o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correção formal do ato, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão” (cfr. o Acordão do STA de 11/12/2002, proc. n.º 1486/02). Adicionalmente, “o dever de fundamentação constitui não só um importante sustentáculo da legalidade administrativa e tributária, mas também um instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa, para além de elemento fundamental da sua interpretação” (cfr. o Acordão do TCAS de 26/6/2014, proc. n.º 1486/02), sendo ainda de realçar que este dever resulta do art. 77.º da LGT e do art. 268.º n.º 3 da CRP.
Em sede de contestação a Requerida foi omissa quanto à alegação feita pela Requerente, de que as liquidações de 2014 não foram devidamente fundamentadas.
Sendo certo que a falta de contestação pela Requerida não representa a confissão dos factos articulados pela Requerente, tal falta de contestação é livremente apreciada pelo Tribunal (cfr. n.º 6 e n.º 7 do art. 110.º do CPPT).
Tendo o Tribunal dado como provado que tais liquidações de 2014 estão relacionadas com as respeitantes aos anos de 2011 a 2013 (como exposto supra), a pretensão impugnatória formulada pela Requerente no presente processo, dos atos de liquidação relativos a 2014 que identifica em sede de requerimento arbitral, procederá porquanto tais atos enfermam de ilegalidade nos mesmos termos dos sobreditos atos de liquidação de IVA relativos aos anos anteriores e apreciados supra.
2.3. No que diz respeita à terceira questão de direito, não se tendo provado quaisquer custos suportados com a prestação de garantia à AT relativos a processos de execução fiscal, que de resto não foram sequer quantificados.
Não se encontrando verificados os requisitos previstos no art. 53.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, termos em que se julga improcedente o requerimento de condenação em prestação indemnizatória.
IV. Decisão
Nestes termos, o presente tribunal acorda em:
a) Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de IVA e respetivos juros objeto de impugnação na presente ação, ou seja, as liquidações oficiosas de IVA relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014 e correspondentes liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor global de € 108.463,74 (dos quais € 104.486,30 relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, e também € 3.977,44 relativos ao exercício de 2014);
b) Julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida; e
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo, nos termos infra.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 108.463,74.
VI. Custas
Nos termos do previsto nos arts. 22.º, n.º 4 e 12.º, n.º 2 do RJAT, no art. 2.º, no n.º 1 do art. 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do art. 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, a pagar pela Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de janeiro de 2016
O Tribunal Arbitral Coletivo
Presidente
(José Poças Falcão),
Árbitro Vogal,
(José Ramos Alexandre)
Árbitro Vogal,
(Nuno Miguel Morujão)
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2] Cfr. designadamente, Acórdãos de 12 de junho de 1979, Caso Nederlandse Spoorwegen, Proc. 126/78, Rec., p. 2041, de 11 de Outubro de 2001, Adam, Proc. C-267/99, Colect., p. I-7467, n.° 36; de 23 de outubro de 2003, Comissão/Alemanha, Proc.C-109/02, Colect., p. I-12691, n.° 20, e de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello, Proc. C-498/03, Colect., p. I-4427, n.° 41). 3 In “A tributação do valor acrescentado”, Vinte Anos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado em Portugal: Jornadas Fiscais em Homenagem ao Professor José Guilherme Xavier de Basto, Almedina, Coimbra, Novembro 2008, p. 113.
[3] Em conformidade com o previsto nos arts. 96.º e 97.º da Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro, a taxa normal do IVA foi, assim, fixada em percentagem não inferior a 15%.
[4] Taxa fixada, pelo legislador nacional, em conformidade com a possibilidade para tanto expressamente admitida nos termos dos arts. 98.º e 99.º da referida Diretiva 2006/112/CE. De acordo com o primeiro: “1. Os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas. 2. As taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III. As taxas reduzidas não se aplicam aos serviços prestados por via eletrónica. 3. Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exatidão cada categoria”. De harmonia com o n.º 1 do segundo, “As taxas reduzidas são fixadas numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 5%”. No âmbito do Anexo III, contempla-se, no ponto 4: “Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respetiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”. Este ponto do Anexo III encontrava equivalência em idêntico ponto do Anexo H da Sexta Diretiva (Diretiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de outubro de 1992, implementadora do princípio da harmonização nas taxas de IVA), nos termos do qual se fazia referência a: “Equipamento médico e outros aparelhos, normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respetiva reparação e assentos de automóvel para crianças”. A adoção de taxa reduzida representa, para cada Estado-Membro, uma possibilidade (que não uma vinculação), como o TJUE acentua na sua jurisprudência, designadamente nos Acórdãos proferidos nos processos Zweckverband zur Trinkwasserversorgung (de 3 de abril de 2008, Proc. C-442/05) e Comissão vs Espanha (de 18 de janeiro de 2011, Proc. C-83/99). No mesmo sentido, vd. o Acórdão proferido no proc. n.º 171/2013-T, do CAAD.
[5] Este imposto foi introduzido em Portugal através do D.L. n.º 394-B/94, de 26 de dezembro, em cumprimento do dever de transposição da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, correspondente à Diretiva n.º 2006/112/CE, de 28 de novembro, atualmente em vigor. Dever que decorre da circunstância de, em conformidade com o previsto no art. 288.º do Tratado da União Europeia, a Diretiva constituir (ao invés do que sucede com o regulamento) ato comunitário que subordina os Estados “quanto ao resultado a alcançar, deixando no entanto às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”.
[6] “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, norma aplicável em conformidade com o previsto no art. 11.º da Lei Geral Tributária, por força do qual o sentido das normas fiscais e a qualificação dos factos a que tais normas se aplicam se apuram segundo as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
[7] Sobre os diversos elementos (literal, teleológico, histórico e sistemático) a considerar em sede de interpretação normativa, vd. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pp. 182 e 183.
[8] De notar que, nos termos do considerando 7 da Diretiva IVA, o sistema de IVA “deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição”. Essa é, aliás, uma condição a observar pelos Estados-Membros quando optem por introduzir taxas reduzidas de IVA, como o refere o TJUE, designadamente, nos Acórdãos proferidos nos processos Comissão vs. Alemanha (de 28 de Outubro de 2003, Proc. C-109/02) e Comissão vs. França (de 3 de Maio de 2001, Proc. C-481/98). Sobre este ponto, vd. o acórdão proferido no proc. n.º 171/2013-T, do CAAD. No âmbito deste acórdão, veio a decidir-se que a taxa de IVA reduzida se aplica, quer a “cadeira de rodas comercializada e faturada num só artigo”, quer àquela “em que, face às especificidades das patologias ou por razões que se prendem com o sistema de organização interna da Requerente, os diversos itens que compõem a cadeira são faturados separadamente. Em ambas as situações se trata da venda de uma cadeira de rodas, ainda que possa ter especificações diversas consoante o caso (deficiência). No que se refere às peças e componentes, como sejam as baterias e os motores, que são em regra comercializados separadamente no contexto da manutenção ou da reparação de uma cadeira de rodas ou “scooter”, não se vislumbra justificação atendível que favorecesse a aplicação de uma taxa reduzida a uma cadeira de rodas nova e uma taxa normal a uma parte dessa cadeira, por exemplo o motor, para integração numa cadeira usada. Ou, ainda, uma tributação à taxa normal da aplicação ulterior (à aquisição da cadeira de rodas) de uma parte que se tenha tornado necessária, em virtude da evolução de uma doença degenerativa”. Quanto à noção de neutralidade fiscal, cfr. Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, CCTF, n.º 164, Lisboa, 1991, pp. 39-73, Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, Almedina, 6.ª Edição, Setembro, 2014, pp. 19-34 e Maria Teresa Lemos, “Algumas observações sobre a eventual introdução de um sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado em Portugal”, CTF, n.º 156, Dezembro, 1971, p. 10.
[9] Sobre a diferenciação entre ambos os tipos de interpretação, vd. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e teoria geral, Almedina, 10.ª Ed., 1999, pp. 418-421.
[10] Cfr. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, p. 239.