Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 370/2015-T
Data da decisão: 2016-01-25  IRC  
Valor do pedido: € 242.948,96
Tema: IRC - Benefícios Fiscais (RFAI): valor a deduzir à coleta do IRC; dedução à coleta das tributações autónomas e da derrama estadual; PEC’s
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Decisão Arbitral

 

 

A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, requereu pronúncia arbitral sobre o indeferimento parcial de pedido de revisão oficiosa por si apresentado, relativo à autoliquidação de IRC de 2010 (liquidação nº 2013...), pedindo a anulação desta decisão e a consequente anulação parcial da referida liquidação de IRC, bem como a devolução do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

O pedido de revisão oficiosa foi parcialmente indeferido por despacho de 09/03/2015, do Diretor da UGC, de que foi notificada a Requerente através do ofício n.º..., de 10/03/2015, remetido por correio registado da mesma data.

A Requerente apresentou o seu Recurso Arbitral em 09/06/2015, aceite pelo CAAD em 11/06/2015, pelo que é tempestivo. 

É requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente optou por designar árbitro, indicando para exercer tais funções o Sr. Prof. Doutor António Martins. A Requerida designou como árbitro o Sr. Dr. Rodrigo de Castro, tendo o árbitro presidente, Sr. Prof. Doutor Rui Duarte Morais, sido designado por consenso entre aqueles.

O tribunal arbitral ficou constituído em 24/08/2015.

A AT apresentou, oportunamente, a sua resposta.

Foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT.

Não havendo lugar a produção de prova, tiveram lugar, em 03/12/2015, alegações orais.

 

            I - Relatório

 

A Requerente insurge-se contra o indeferimento parcial do pedido de revisão por si apresentado, relativo à auto liquidação do IRC de 2010, por não ter atendido às suas pretensões de: a) deduzir um montante correspondente a benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 às coletas da derrama estadual e das tributações autónomas do grupo de sociedades que encabeça; b) deduzir um crédito relativo a pagamentos especiais por conta, transitados do exercício anterior, às coletas da derrama estadual e das tributações autónomas do grupo que encabeça; c) deduzir, relativamente ao montante de RFAI apurado no exercício de 2009 que ainda permanecia disponível para dedução em 2010, apenas a quantia necessária para que o imposto a pagar corresponda a 75% do montante que seria apurado inexistindo os benefícios fiscais abrangidos pelo artigo 92.º do mesmo Código; d) reconhecimento do direito ao reporte para os exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009 não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92.º do CIRC; d) condenação da AT no pagamento de juros devidos pela não restituição do imposto que considera ter pago em excesso.

A Requerida AT sustenta a legalidade da liquidação, depois de reformada nos termos decorrentes da procedência parcial do pedido de revisão oficiosa. Analisaremos posteriormente, a propósito de cada uma das questões suscitadas, os argumentos aduzidos pelas partes.

 

O processo é próprio e tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer.

 

II - Factos provados

 

Estão documentalmente provados os seguintes factos, com interesse para a boa decisão da causa:

1. Em 2010, a Requerente encabeçava um grupo de sociedades ao qual era aplicado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo, portanto, sujeito passivo do IRC relativo a esse grupo.

2. A Requerente autoliquidou, no prazo legal, o IRC relativo a 2010, incluindo a derrama estadual e as tributações autónomas.

3. Posteriormente, a Requerente apresentou declarações de substituição, a última das quais em 16/12/2013, a qual deu origem à liquidação ora impugnada.

4. Em 02/01/2015, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa de tal autoliquidação.

5. Tal pedido foi objeto de indeferimento parcial, por despacho de 09/03/2015 do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC).

6. Em tal pedido de revisão oficiosa, a Requerente peticionou:

a) - a dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 , no montante de  € 274.262,32, às coletas da derrama estadual e das tributações autónomas do grupo;

b) - a dedução de PEC’s, no montante de € 461.243,19, às coletas da derrama estadual e das tributações autónomas do Grupo;

   c) - o reporte para os exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009, no montante de € 83.117,8, não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92.º do CIRC.

  d) – pagamento de juros indemnizatórios

7. Relativamente ao primeiro pedido, a AT aceitou a dedutibilidade de € 44.203,91, por considerar que os créditos fiscais resultantes do RFAI 2009 poderiam ser deduzidos ao montante de derrama estadual apurado relativamente à sociedade que gerou tais benefícios, fundamentando-se para tal na circunstância de a derrama estadual ser um imposto acessório do IRC.

8. O benefício fiscal RFAI 2009 foi apurado na esfera da sociedade “B..., S.A.”, que integrava o grupo de sociedades relativamente ao qual a requerente apura o imposto nos termos do RETGS.

9. O valor dos PEC’s que a Requerente pretende deduzir relativamente ao exercício de 2010, de € 461.243,19, corresponde à diferença entre o valor que ela entende dedutível, de € 839,707,96 e o valor aceite pela AT, de € 378.464,77.

 10. A divergência quanto ao valor dos PEC’s dedutível em 2010 resultou de correção administrativa ao IRC de 2009 (com uma consequente liquidação adicional), a qual determinou a utilização, neste exercício, do saldo dos PEC’s pagos em exercícios anteriores e, consequentemente, a inexistência de crédito por PEC’s disponível para dedução no exercício de 2010.

11. A liquidação adicional de IRC 2009 foi objeto de impugnação judicial por parte da Requerente, num processo que corre termos sob o n.º.../13...BELRS.

Não existem factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.

 

III - Conhecendo do mérito:

 

A)    Dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 à coleta da derrama estadual do grupo

 

A Requerente sustenta, em resumo, que, sendo a derrama estadual parte integrante da coleta de IRC, os créditos de imposto apurados no âmbito do RFAI podem ser deduzidos até à concorrência do valor da derrama estadual apurada pelo grupo (sujeito ao RETGS) que encabeça.

Isto porquanto, apesar de reconhecer que o IRC stricto sensu e a derrama estadual possuem normas de incidência distintas, entende que a sua liquidação se processa de forma única, sendo feita nos termos previstos no artigo 90.º do CIRC, cujo n.º 2 estipula que ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as deduções aí previstas (nela se incluindo a dedução referente aos benefícios fiscais) e pela ordem nela indicada, ressalvando-se que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

Por seu lado, a AT defende, em resumo, que a dedução do RFAI 2009 só deverá ter lugar relativamente à derrama estadual apurada pela sociedade na esfera da qual se originou o benefício e não já ao somatório das derramas estaduais das várias sociedades que integram o grupo. Isto porquanto – entende a AT - a derrama estadual incide, nos termos do n.º 1 do art.º 87º-A do CIRC, sobre o lucro individual de cada uma das sociedades do grupo, ou seja, “a derrama estadual que a sociedade dominante paga não corresponde a uma derrama estadual do grupo, mas sim ao somatório das derramas estaduais apuradas em cada sociedade individualmente (…) não se podendo propriamente falar de uma derrama estadual de grupo mas sim de um somatório das derramas estaduais individuais, apesar de a sociedade dominante ser responsável pelo respetivo pagamento”. “A derrama estadual não segue, pois, o mesmo regime previsto no art.º 70.º do CIRC para a determinação do lucro tributável do grupo”. “Estamos perante o somatório das diferentes coletas de derrama estadual das diversas sociedades do grupo ao qual se pretende deduzir um benefício fiscal gerado por uma única sociedade do grupo”.

Importa começar por atentar nos dispositivos legais aplicáveis.

Dispunha o n.º 1 do art.º 70.º do CIRC, na versão vigente em 2010: relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

 

Por seu lado, o art.º 87.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, estipula, sob a epígrafe Derrama Estadual:

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %.

2 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

3 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º .

 

É bom de ver que o legislador previu expressamente a situação das sociedades sujeitas ao RETGS relativamente à derrama estadual. Este tributo, não obstante o seu carácter acessório relativamente ao IRC, ficou excluído do âmbito de aplicação do RETGS, uma vez que não incide sobre o lucro global de um grupo de sociedades (sobre a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais das sociedades que o integrem), mas sim sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.

O que bem se compreende, se atentarmos nos objetivos da Lei 12-A/2010, a qual “aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”.

 

É evidente que a soma dos lucros das sociedades integrantes de um grupo resultará, normalmente, em montante superior ao do montante da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de tais sociedades.

Resulta, pois, claro, da letra e da ratio da lei, que à derrama estadual não são aplicáveis as regras gerais do RETGS, que a existência de um grupo de sociedades é irrelevante para efeitos deste imposto.

Assim, improcede necessariamente a pretensão da Requerente de deduzir o crédito de imposto relativo ao RFAI, de que é titular uma das sociedades do grupo por ela dominada, à “coleta da derrama estadual do grupo”, porquanto, pura e simplesmente, esta não existe, como bem entende a AT.

 

 

B)    Dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 à coleta das tributações autónomas.

A Requerente pretende deduzir o crédito resultante do benefício fiscal em questão à coleta das tributações autónomas relativa ao exercício em questão (2010).

Para tal sustenta, em resumo: que as tributações autónomas “são IRC” (integram este imposto), louvando-se, para esta conclusão, em numerosa jurisprudência, quer do STA quer dos Tribunais Arbitrais (CAAD); que o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC se refere à liquidação final de IRC, da qual consta o total do montante de imposto a pagar a este título e que inclui não só a coleta de IRC stricto sensu, mas também a derrama estadual e as tributações autónomas, pois que menciona a liquidação do IRC que se processa com base na declaração de rendimentos apresentada pelos sujeitos passivos ao abrigo do artigo 120.º do CIRC, da qual consta não apenas o lucro tributável que servirá de base ao cálculo da coleta de IRC stricto sensu, mas também a  matéria coletável partir do qual será calculada a derrama estadual na esfera de cada sociedade do grupo e os eventuais gastos aos quais serão aplicáveis as tributações autónomas.

Por seu lado, a AT sustenta, em resumo, que a lei não prevê a possibilidade de se efetuarem as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante devido a título de tributação autónoma pois, se tivesse sido essa a intenção, o legislador tê-lo-ia referido expressamente, dispondo no sentido de que as deduções em causa seriam feitas ao montante apurado nos termos do número anterior e do artigo 88.º; que visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que algumas destas despesas, pela sua natureza, potenciam, não poderá ela mesma, através da consideração do seu montante para efeito de dedução de benefícios, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador; que sendo certo que as tributações autónomas têm natureza de IRC, não se pode, contudo, olvidar que elas tributam despesa e não rendimento, oneram determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC, pelo que apenas lhe são aplicáveis as normas que no Código do IRC a elas diretamente se referem.

 

Apreciando:

Quanto à natureza das tributações autónomas, como constituindo parte integrante do IRC, o entendimento jurisprudencial referido pela Requerente não nos merece qualquer reticência. Porém, questão diferente é saber em que se projeta tal entendimento, ou seja, a natureza das tributações autónomas não resolve, só por si, a questão em análise.

Começaremos por lembrar que tal jurisprudência visava responder a uma questão concreta: se a coleta das tributações autónomas era dedutível à coleta do IRC, o que aconteceria “se não fossem IRC”. Ou seja, não podemos retirar desta jurisprudência a conclusão que às tributações autónomas são aplicáveis, para todos os efeitos, as regras gerais do IRC.

Na realidade, são marcantes as diferenças entre o que se pretende tributar via IRC e via tributações autónomas e, ainda, a diferente intencionalidade que preside a cada uma destas tributações[1].

Assim, outros arestos, a que a Requerente faz também referência, deixaram bem claro que as tributações autónomas não partilham de algumas das características essenciais do IRC, nomeadamente que devem ser havidas como um imposto não periódico[2].

Assente que a resposta à questão sub judice não decorre diretamente da natureza das tributações autónomas, se estas “são ou não IRC”, importa recordar os preceitos legais em causa, na redação vigente em 2010.

Dispunham os n.º 1, 2 e 6 do art.º 90.º do CIRC:

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: 

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) (…)
c) (…)

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

 

 

Por seu lado, os n. 1 a 3 do art.º 3.º  da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, que instituiu o RFAI 2009, dispõem o seguinte:

Incentivos fiscais

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efetuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;

c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;

d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

 

Tendo presente estes normativos importa saber se o montante das tributações autónomas pode ser entendido como coleta de IRC para efeitos deste benefício fiscal.

Transcrevendo, com a devida vénia, do acórdão do CAAD n.º 219/2015-T[3], diremos: “Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à coleta proveniente das tributações autónomas.

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º.

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o montante resultante do lucro tributável residem na determinação da matéria tributação e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capítulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo [3.º, n.º 1, do RFAI], não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

(…)

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal (.) ser limitada à coleta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas”.

Temos, portanto, que o elemento literal da norma não exclui a interpretação feita pela Requerente, pois que a dedutibilidade do benefício fiscal em causa à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil).

É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos (questão que não se coloca no caso concreto), visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.

Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

No confronto entre entes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem.

Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”.

Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.

Aceite a dedutibilidade à coleta das tributações autónomas dos créditos resultantes do RFAI, pergunta-se: relativamente a um grupo de sociedades sujeito ao RETGS, a dedução deverá ser feita à coleta das tributações autónomas relativa ao conjunto das sociedades do grupo ou apenas relativamente à de cada uma das sociedades que aproveitou de tal benefício fiscal?

Pensamos que a resposta decorre diretamente da lei, uma vez que o n.º 6 do art.º 90º do CIRC dispunha que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

              Tem, pois, razão a Requerente.

  

C)    Crédito (dedução à coleta) relativo a PEC’s pagos em anos anteriores

 

Como dado provado em 9., 10. e 11, teve lugar uma correção administrativa ao IRC de 2009 (com a consequente liquidação adicional), a qual determinou a utilização, neste exercício, da totalidade do saldo dos PEC’s pagos em exercícios anteriores, sendo que tal liquidação adicional foi impugnada judicialmente, não tendo ainda sido proferida sentença.

A Requerente entende que tal correção administrativa e a consequente liquidação adicional não se consolidaram na ordem jurídica e que, portanto, a quantificação do imposto a pagar relativamente a 2010 (o imposto cuja liquidação é impugnada nos presentes autos) se deve operar como se tal correção não existisse.

Neste sentido argumenta que a definitividade da liquidação de IRC relativa a 2009 é causa prejudicial quanto à liquidação relativa a 2010, uma vez que o único fundamento que a AT invoca para, neste ponto, fundamentar esta liquidação é o pressuposto de que é legítima a correção efetuada relativa ao exercício de 2009.

Não ignoramos a artificialidade que envolve a divisão da atividade empresarial, que é por natureza contínua, em “exercícios”, nomeadamente para o apuramento do imposto a pagar. Existem na lei fiscal numerosos institutos que visam, precisamente, “ultrapassar” algumas consequências nefastas dessa artificialidade, como seja, no que aqui interessa, a possibilidade de utilização, em exercícios futuros, de créditos fiscais que, por alguma razão legal, não poderão ser feitos valer no exercício em que foram gerados.

A questão, porém, não é essa, mas sim a de saber se um ato administrativo (no caso, liquidação adicional de IRC de 2009) existe válido na ordem jurídica na pendência de um processo de impugnação dirigido à sua anulação.

Com VIEIRA DE ANDRADE[4] - expressando um entendimento que temos por totalmente pacífico - diremos que “o efeito direto da sentença de provimento do pedido de anulação é o efeito ‘constitutivo’ que se traduz na invalidação do ato impugnado, eliminando-o desde o momento em que se verificou a ilegalidade, isto é, em regra, ressalvados os casos de ilegalidade superveniente, desde a sua prática – eficácia “ex tunc” da sentença.

Ou seja, um ato de liquidação (que declara uma pretensão tributária) existe, válido, na ordem jurídica até ao momento em que seja anulado, in casu, judicialmente. Suspensa poderá estar a sua executoriedade, no que toca à cobrança do imposto liquidado, se a ela houver lugar, por força da pendência de um processo de impugnação e, por regra, da prestação de garantia suficiente.

A AT, ao assumir como fundamento da decisão de indeferimento, proferida em sede do processo de reclamação extraordinária, a validade da liquidação adicional relativa ao exercício de 2009, mais não fez que extrair as normais consequências do facto de este ato administrativo permanecer válido na ordem jurídica por não ter ainda sido anulado por decisão judicial.

Ao contrário do que pretende a Requerente, não existe uma qualquer relação de prejudicialidade da liquidação referente a 2009 relativamente à referente a 2010.

Se a Requerente tiver êxito na ação judicial de impugnação que deduziu relativamente à liquidação de 2009, terá direito a ser reembolsada do montante de imposto “pago em excesso” (no caso, do montante dos créditos relativos a PEC’s de anos anteriores que, nessa hipótese, terão sido indevidamente afetados como deduções à coleta nesse exercício), acrescido de juros indemnizatórios, pois só assim se dará cumprimento ao disposto no art.º 100.º da LGT, “à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

Ou seja, a impossibilidade de a Requerente deduzir, no cálculo do imposto a pagar em 2010, o valor dos PEC’s que, no seu entender, deveria ter “transitado” de 2009 em nada a prejudica, caso venha a obter procedência na impugnação judicial que deduziu relativamente à liquidação de 2009. Em vez de permanecer um crédito de imposto, utilizável no apuramento da coleta relativa a 2010, terá direito a ser reembolsada, com juros, do excesso pago relativamente a 2009.

Improcede, pois, o pedido da Requerente de deduzir ao imposto liquidado relativamente a 2010 (a liquidação impugnada nos presentes autos) o crédito relativo a PEC’s de que se afirma titular. Assim sendo, fica prejudicada a questão de saber se tal “saldo” poderia ser dedutível às coletas das tributações autónomas e à derrama estadual relativas a 2010 e se, portanto, nessa medida, a liquidação ora impugnada está ferida de vício de ilegalidade.

 

D)    Aplicação do artigo 92.º do CIRC 

 

A Requerente entende que não tem que proceder à dedução máxima permitida pelo artigo 3.º do RFAI 2009, pois considera que o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC apenas exige que o sujeito passivo deduza parte dos benefícios fiscais a que tem direito e não a totalidade dos mesmos, pois, caso contrário, poderia perder o direito a deduzir determinados benefícios fiscais, - em consequência da aplicação das regras que limitam temporalmente o reporte dos mesmos e de que o artigo 3.º n.º 3 do RFAI é um exemplo -, o que não teria sido a intenção do legislador.

Em concreto, do montante do RFAI 2009 que ainda permanecia disponível para dedução, a Requerente apenas pretende deduzir à coleta de IRC, relativa a 2010, a quantia suficiente para que o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º corresponda exatamente a 75% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios.

Por seu lado, a AT entende que o legislador, ao prever a possibilidade de reporte do benefício fiscal referente RFAI para exercícios futuros, pressupôs que a dedução do benefício se fizesse até ao limite traçado na lei, isto é, 25% da coleta de IRC, porquanto o texto da lei (n.º 3 do art.º 3.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março) refere claramente que apenas se pode reportar o benefício que não foi deduzido por insuficiência de coleta.

Esta conclusão resultaria também - segundo a AT - do disposto no n.º 2, do artigo 90.º, do Código do IRC, uma vez que aí é referido que à coleta de IRC são efetuadas as deduções relativas à dupla tributação internacional, aos benefícios fiscais, ao pagamento especial por conta e às retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso, pela ordem indicada. Ou seja, havendo uma enumeração, fixada imperativamente em termos sequenciais, não pode o contribuinte escolher o exercício em que deduz os benefícios fiscais, de forma a evitar o ajustamento decorrente da aplicação do artigo 92.º do Código do IRC. Assim sendo, cada uma das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º deverá fazer-se pela ordem nele indicada, só se passando de uma dedução para a imediatamente seguinte no caso de ainda existir um valor remanescente de coleta, decorrente da insuficiência do montante da dedução anteriormente efetuado, pelo que a pretensão da Requerente no sentido de apenas deduzir à coleta de IRC parte do montante corresponde ao RFAI, não encontra qualquer suporte no bloco legal.

Mais entende a AT, que o valor do RFAI não deduzido por força da aplicação do disposto no art.º 92.º do CIRC não pode ser reportado para os exercícios seguintes.

 

Começaremos por atentar no teor de tal norma, na redação vigente em 2010:

1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 75 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e do artigo 75.º.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se benefícios fiscais os previstos:

a) Nos artigos 19.º e 67.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

b) Na Lei n.º 26/2004, de 8 de Julho, e nos artigos 62.º a 65.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

c) Em benefícios na modalidade de dedução à coleta, com exceção dos previstos na Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e dos que têm natureza contratual;

d) Em acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal.

 

A primeira conclusão a extrair de tal norma é a de que o benefício fiscal em matéria de IRC previsto no RFAI estava subordinado, em 2010, ao limite global de deduções à coleta então previsto no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC.

Porém, como vem concluindo a jurisprudência arbitral, cujo entendimento sufragamos[5], “esta conclusão não basta para resolver a questão, pois a possibilidade de reporte do benefício fiscal do RFAI não afeta necessariamente o limite do artigo 92.º, n.º 1. Basta que, no ano em causa, seja utilizado o montante do benefício fiscal que, aditado aos restantes benefícios fiscais e regimes aí previstos, não ultrapasse o limite de 25% da coleta, de forma a permitir que o imposto liquidado não seja inferior a 75% do que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.

Isto é, se para atingir os objetivos de garantir que, em cada ano, o imposto cobrado não resulte inferior a determinada percentagem daquele que seria devido se não existissem deduções relativas a benefícios fiscais (excetuados os elencados no n.º 2 do art.º 90) basta que a sua dedução (à coleta) não exceda 25% da coleta.

 Assim sendo, não advém do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC qualquer obstáculo ao reporte de montantes dedutíveis, desde que, em cada ano, não se exceda o limite mínimo de imposto liquidado que se pretende”.

Analisemos, agora, o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI: quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

“É manifesto que esta norma tem subjacente uma intenção legislativa de que os benefícios fiscais de apoio ao investimento sejam aproveitados pelos contribuintes, numa medida razoável, que serão os quatro anos subsequentes àquele em que ocorre o investimento (…).

Esta possibilidade de dedução nos quatro períodos subsequentes constitui uma importante garantia para o contribuinte, por aumentar as possibilidades de este usufruir integralmente do benefício fiscal, libertando-o da contingência de não haver coleta suficiente para a dedução integral no ano do investimento, a possibilidade de reporte deve ser considerada como um fator importante ou mesmo decisivo para motivar decisões de investimento.

Sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) para atingir o objetivo visado de incentivar o investimento, a referência à possibilidade de reporte em caso de insuficiência de coleta não deverá ser interpretada com o alcance de dificultar aos contribuintes usufruírem do benefício fiscal, pois o objetivo da norma é precisamente o contrário, aumentar as possibilidades de os contribuintes poderem vir efetivamente a usufruir do benefício, que legislativamente se entende ser uma contrapartida justa do investimento.

Sendo assim, numa interpretação teleológica, que permita encontrar na lei forma de assegurar os objetivos visados legislativamente e não prejudicá-los, a possibilidade de dedução deverá existir na generalidade das situações em que a coleta de IRC disponível para usufruir do benefício fiscal não seja suficiente para o seu aproveitamento integral, o que não deixa de ser uma interpretação com correspondência na letra da lei, pois do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC resulta uma diminuição da coleta disponível para usufruir de benefícios fiscais em IRC. E, por isso, quando esta coleta disponível for insuficiência para deduzir a totalidade do benefício fiscal resultante do investimento, estar-se-á perante uma situação de «insuficiência de coleta» para efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI.

Assim, conclui-se que a posição defendida pela Requerente encontra na letra da lei, mesmo por interpretação meramente declarativa, correspondência verbal na letra do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, mesmo mais do que o mínimo insuficientemente expresso exigido pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil. Para além disso, mesmo que fosse necessária uma interpretação extensiva, ela seria permitida pelo artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pois é claro que a intenção legislativa subjacente ao n.º 3 do artigo 3.º do RFAI é permitir ao contribuinte utilizar o benefício fiscal a que tem direito em anos subsequentes, até ao limite de quatro, quando não puder utilizá-lo em anos anteriores.

Por outro lado, esta interpretação é a que assegura congruência valorativa do sistema jurídico, pois não seria coerente admitir no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI uma dedução à coleta de IRC até 25% e, ao mesmo tempo, restringir definitivamente o benefício por via do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC.

Por isso, se é certo que as preocupações de consolidação das finanças públicas podem justificar que, em cada ano, se sobreponha a obtenção da receita mínima de IRC ao benefício fiscal, aquelas preocupações já não podem explicar que não haja a possibilidade de utilização do benefício fiscal num dos quatro anos subsequentes, se tal utilização em algum deles não afetar aquela consolidação.

Conclui-se, assim, que o benefício fiscal resultante do RFAI em matéria de IRC apenas pode ser utilizado na medida em que não ponha em causa o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, mas não se vislumbra obstáculo legal a que a parte que não seja utilizada no ano do investimento possa ser utilizada para dedução à coleta de IRC nos anos subsequentes, até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI.

Por isso, no caso em apreço, não permitindo o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC a dedução à coleta do montante total do investimento efetuado que beneficia do regime do RFAI, esta não tinha de imputar todo esse investimento a esse ano, ficando sem direito a dedução na parte em que se ultrapassaria esse limite, podendo usar da faculdade prevista n n.º 3 do artigo 3.º do RFAI”[6].

 

E) Direito ao reporte para exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009 mas não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92º do CIRC.

 

A Requerente pede que lhe seja reconhecido o direito de reportar para os exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009, no montante de € 83.117,8, não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92.º do CIRC.

Começaremos por salientar que este valor foi calculado pela Requerente tendo por pressuposto a procedência total dos seus pedidos, o que não acontece.

Porém, o que aqui releva é o facto de o “reconhecimento de um direito” não caber na competência, em razão da matéria, que a Lei atribui aos Tribunais Arbitrais (CAAD) em matéria tributária, pois apenas lhes conferiu os poderes de cognição que os tribunais tributários estaduais exercem nos processos de impugnação, quais sejam, nomeadamente, os de conhecer da legalidade das liquidações, juros indemnizatórios e indemnização por prestação de garantia indevida. Ou seja, o conhecimento de pedidos que, nos tribunais estaduais, devam ser tramitados por outras formas processuais - no caso, uma ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido - não está incluído na competência que a lei atribuiu aos tribunais arbitrais em matéria tributaria (cf. art.º 2 do TJAT).

Não pode, pois, este tribunal arbitral conhecer de tal pedido[7].

 

 

            F) Juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona juros indemnizatórios relativamente ao montante de imposto indevidamente pago, invocando para tal o disposto no artigo 43.º n.º 3 al. c) da LGT, ou seja, são devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

A AT entende não serem devidos juros indemnizatórios porquanto decidiu o pedido de revisão oficiosa antes de decorrido o prazo de um ano após a entrega do respetivo requerimento, “não podendo ser-lhe imputável qualquer prejuízo decorrente do lapso temporal decorrido desde essa decisão até ao trânsito em julgado de uma decisão arbitral que, por hipótese que cumpre acautelar, venha a julgar procedente o pedido da Requerente”.

Importa, em primeiro lugar, saber o que se deve entender por “revisão do ato tributário”, se tal corresponde à exigência de uma pronúncia expressa da administração sobre o pedido de revisão ou se, tendo razão o sujeito passivo, o ato tributário se deve considerar revisto apenas com a restituição ao contribuinte do imposto indevidamente pago. Concluímos, no seguimento de doutrina que temos por pacífica[8], que só com a prática deste último ato a revisão oficiosa se poderá considerar concluída.

Temos, em segundo lugar, que “o direito a juros indemnizatórios provem, em regra geral, de um dever de indemnização da administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte”[9], pelo que o seu pagamento será a regra e não a exceção.

É certo não está em causa um erro na liquidação imputável aos serviços, uma vez que se tratou de uma autoliquidação. O dever de indemnizar resulta do indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, o que obrigou a Requerente a recorrer a este Tribunal Arbitral para a reposição da legalidade da sua situação tributária. Ou seja, foi a AT, ao decidir como decidiu, que deu causa a uma demora superior a um ano na definitiva resolução do pedido que lhe havia sido presente, na reposição da legalidade.

Assim sendo, há lugar à aplicação do disposto na al. c) do art.º 43º da LGT, sendo devidos juros indemnizatórios, calculados sobre o montante de imposto que se mostre indevidamente pago, a serem contados a partir de um ano após a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa (2/01/2015), ou seja, desde 03/01/2016 (neste sentido, Ac. do STA de 22/06/2005, proc. 0322/05).

 

                 III- Decisão 

 

Pelo exposto, os árbitros que constituem o presente Tribunal Arbitral acordam em:

 

A)      Anular parcialmente o despacho de 09/03/2015 do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) que decidiu do pedido de revisão formulado pela Requerente;

B)      Anular parcialmente a liquidação impugnada, a qual deve ser reformulada como se segue:

B1) Aceitação da dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 à coleta das tributações autónomas do grupo, sujeito ao RETGS, encabeçado pela Requerente;

B2) Relativamente ao montante do RFAI 2009 que ainda permanecia disponível para dedução em 2010, a dedução à coleta de IRC do grupo (incluindo a coleta das tributações autónomas) deverá ser apenas na quantia suficiente para que o valor do imposto a pagar corresponda a 75% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais.

C)      Não conhecer do pedido de reconhecimento do direito ao “reporte para os exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009, no montante de € 83.117,8, não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92.º do CIRC”.

D)      Condenar a Requerida, Administração Tributária e Aduaneira, no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre o montante de imposto indevidamente pago, desde 03 de janeiro de 2016.

E)      Julgar improcedentes os demais pedidos.

 

Fixa-se o valor da causa em € 242.948,96.

As custas do processo (taxa de arbitragem) são da integral responsabilidade da Requerente (art.º 5º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2016

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

 

António Martins

 

 

 

Rodrigo de Castro

 

 

 



[1] As “diferenças” entre a tributação em IRC stricto sensu e as tributações autónomas aparecem claramente explicitadas por Fernando Carreira de Araújo e António Fernandes de Oliveira em «A dedutibilidade em IRC dos encargos fiscais com as tributações autónomas», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 3, 2014, pág. 3 a 19.

O facto de os Tribunais terem considerado – cremos que bem – que a coleta das tributações autónomas não era dedutível à coleta do IRC (questão entretanto expressamente resolvida por via legislativa) não “apaga” tais diferenças.

[2] Cfr. Paula Rosado Pereira, «Novamente a questão da retroactividade da lei fiscal no campo da tributação autónoma de encargos: comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo nº 0281/11, de 6 de julho de 2011, 2ª secção», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, ano IV, n.º 3 (2011), pág. 267 a 284.

 

[3] Árbitros: Jorge Lopes de Sousa; Vasco Valdez; Maria Isabel Guerreiro.

[4] A Justiça Administrativa, 2007, pág. 372.

[5] Ac. CAAD n.º 693/2014, árbitros Jorge de Sousa, Henrique Nogueira Nunes e Nuno Pombo.

[6] Ibidem.

[7] No mesmo sentido o Ac. CAAD n.º 693/2014-T (Jorge Lopes de Sousa, Henrique Nogueira Nunes e Nuno Pombo).

[8] Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, pág. 209.

[9] Ibidem, pág. 205.