Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Ricardo Marques Candeias e Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
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No dia 09 de Junho de 2015, A..., Ld.ª, NIPC..., com sede na..., n.º..., ..., Loures, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) e juros compensatórios referentes ao exercício de 2011, no valor total de 63.209,98€.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que não se verificam os pressupostos de facto do artigo 38.º do CIRC, aplicado na liquidação contra a qual se insurge, e que, mesmo que assim não se entenda, atentas as circunstâncias concretas da sua actividade, o cumprimento literal daquele normativo seria impossível, tendo a Requerente, na medida do possível, dado cumprimento ao mesmo.
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No dia 11-06-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 29-07-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-08-2015.
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No dia 01-10-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
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No dia 13-10-2015, notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se, por escrito, sobre a matéria de excepção contida na resposta da Requerida, suscitando, para além do mais e para o caso de ser necessário, a ampliação do pedido.
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No dia 23-10-2015, a Requerida apresentou pronúncia sobre a suscitada ampliação do pedido.
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No dia 30-10-2015, a Requerente exerceu o contraditório sobre a pronúncia da Requerida referida no ponto anterior.
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No dia 16-12-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi prescindida a inquirição da testemunha arrolada pela Requerida, e onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente, e produzidas alegações orais, onde as partes reiteraram e desenvolveram as posições anteriormente defendidas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, prazo esse que se suspendeu, nos termos do artigo 17.º-A do RJAT, durante o período de férias judiciais do Natal.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
2. Decisão
2.1. Matéria de facto
2.1.1. Factos que se consideram provados
Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:
1) A Requerente é, e era à data do facto tributário, uma sociedade comercial que tem como atividade principal a produção e venda de produtos de pastelaria, nomeadamente, pão e todo o tipo de bolos e a sua produção destina-se a ser comercializada, na sua maior parte embalada.
2) Os clientes da Requerente eram, à data do facto tributário, empresas de catering ou de comércio de produtos alimentares.
3) A Requerente tinha, naquela mesma data, sede em ...–... .
4) A Requerente estava, à data, enquadrada no regime de IVA normal, de periodicidade mensal.
5) Teve lugar por parte da AT uma ação inspectiva à Requerente, ao abrigo do despacho DI2012..., que incidiu sobre o exercício do ano 2011.
6) No Relatório de Inspecção Tributária foi entendido que “atendendo a que não foram cumpridos os requisitos estipulados no Art.º 38º do CIRC, para que tais desvalorizações sejam consideradas como gasto do período de tributação, estas terão que ser acrescidas ao Resultado Tributável do exercício”.
7) Concluiu a referida inspecção que que o lucro tributável corrigido determinado por correções meramente aritméticas à matéria colectável, para o exercício de 2011, é de:
RESULTADO TRIBUTAVEL
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2011
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Resultado Tributável Declarado
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57.746,74€
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Valor a Corrigir
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284.719,25€
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Resultado Tributável Corrigido
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226.972,51€
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8) Em cada um dos exercícios entre 2008 e 2011, a Requerente declarou regularizações de existências cujos valores oscilam entre os €270.000,00 e €320.000,00, representando entre 17,00% e 24,79% do total das existências iniciais acrescidas das compras.
9) No exercício de 2011 a Requerente registou perdas em inventários/regularização de existências relativas a abates de mercadorias no valor de 298.627,23€ que representam, 21,72%, do total das existências iniciais acrescidas das compras.
10) A Requerente enviou, com 5 dias de antecedência, as correspondentes comunicações de abate ao Serviço de Finanças da área onde os abates iriam ocorrer, juntando as relações discriminativas com as quantidades e valorização dos bens a abater.
11) As comunicações de abate enviadas pela Requerente ao Serviço de Finanças mencionaram a data e a hora previstas e a relação dos bens a destruir e a inutilizar.
12) A documentação justificativa dos abates não integrava o processo de documentação fiscal da Requerente.
13) Constam do processo inspectivo cópias de todas as comunicações enviadas ao Serviço de Finanças, relativas aos abates
14) As comunicações dos abates não se encontram certificadas por nenhuma pessoa independente dos órgãos de gestão da sociedade, verificando-se uma semelhança de conteúdo, tendo sempre sido elaboradas a uma segunda-feira, e assinados e presenciados sempre pelas mesmas testemunhas.
15) As destruições/abates foram realizados com a mesma frequência durante o ano em causa – 2 abates mensais – e foram sempre concretizados ao sábado.
16) O valor comunicado dos produtos destruídos/abatidos oscilou entre os 9.500,00€ e 10.600,00€.
17) Entre os produtos comunicados como tendo sido objecto de destruição, encontram-se açúcar, farinha, canela, bem como caixas de cartão e embalagens/formas de alumínio e material de embalagem.
18) Na actividade da Requerente são normais e recorrentes as percas de mercadoria, designadamente bolos de pastelaria, semifrios, ovos e natas que rapidamente se degradam e se estragam ou que ultrapassam os prazos de qualidade e validade.
19) Na actividade da Requerente há artigos que são devolvidos pelos clientes por não terem sido por estes vendidos dentro dos respetivos prazos de validade, ou por terem sido danificados ou, por qualquer outra maneira, alterados durante, o transporte, inutilizando-se neste processo, também, as embalagens e restantes materiais necessários ao acomodamento e transporte dos artigos em causa.
20) Na actividade da Requerente há artigos que fizeram parte do processo de fabrico, tal como farinhas, canelas e açúcar, que sobram e que não podem integrar produtos acabados nem voltar a ser usadas.
21) A Requerente procedeu a ajustamentos em inventários por perdas de mercadoria fácil e rapidamente perecível de forma regular e periódica.
22) Os ajustamentos em inventário registados pela Requerente, que deram lugar à dedução no apuramento do lucro tributável, corresponderam às comunicações a que se referem os documentos constantes de folhas 55 a 133 do processo administrativo, que são autos que foram assinados pelas pessoas neles identificadas, como tendo presenciado o aí comunicado.
23) A Requerente registou essas perdas contabilisticamente como perdas em inventário (quebras) movimentando as contas 38 e 68(4).
24) A Requerente foi notificada da liquidação de IRC do exercício de 2011 com data limite de pagamento em 8 de Agosto de 2014.
25) A Requerente interpôs, em 27 de Novembro de 2014, reclamação graciosa, pedindo a anulação do acto reclamado.
26) Tal reclamação graciosa foi indeferida, tendo o mandatário da reclamante sido notificado desse indeferimento no dia 2 de Junho de 2015
2.1.2. A Factos que se consideram não provados
Inexistem.
2.1.3. Fundamentação da matéria de facto.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Designadamente, no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 18) a 22), foram especialmente determinantes os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Requerente, que foram coerentes com a normal experiência das coisas relativa ao funcionamento de um estabelecimento do género do explorado pela Requerente.
No que diz respeito aos factos indicados nos pontos 12) e 13), a Requerente afirma que as comunicações relativas aos abates integram o processo de documentação fiscal. A AT impugna isso expressamente. A Requerente acrescenta que a AT teve acesso aos documentos durante a ação de inspeção, tendo deles extraído cópia. Pela consulta do processo administrativo, verifica-se que nele se encontram cópias das comunicações. No entanto, não se logra afirmar, com a necessária segurança que tais documentos integrassem o processo de documentação fiscal organizado nos termos do artigo 130.º do CIRC, ou qualquer outra pasta de arquivo da Requerente. Em todo o caso, deveria a Requerente, pretendendo demonstrar o que alegou, juntar o Processo de Documentação Fiscal, em causa, o que não fez e esclareceria qualquer dúvida.
2.2. Matéria de Direito
i. Da matéria de excepção
Começa a Requerida a sua defesa por suscitar a questão da “intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” (sic), já que, no seu entender “se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de actos de liquidação em sede arbitral”, já que “não obstante ter feito alusão e identificado” a que “Requerente arbitral impugnou administrativamente os actos de liquidação adicional em causa nos autos”, e que “A Administração Tributária indeferiu/negou a revisão do acto na dimensão que lhe havia sido solicitada”, “a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido.”, pelo que “inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente aos actos de liquidação”.
Subjacente à posição da AT, está o entendimento de que a Requerente deveria ter identificado como objeto da pronúncia arbitral o acto de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada.
Ressalvado o devido respeito, entende-se não assistir, nesta matéria, razão à AT. De facto, e desde logo, necessariamente que o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, tem subjacente, pelo menos tacitamente, o pedido de declaração de ilegalidade de todos os actos subsequentes[1] e cuja validade seja afetada por aquela declaração, onde se inclui, obviamente, o acto de indeferimento da reclamação graciosa.
Aliás, na parte relativa ao indeferimento, e na medida em que não sejam suscitados vícios do próprio acto de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, ou do respetivo procedimento, aquele acto será meramente confirmativo, e, como tal, irrecorrível em si mesmo.
Por outro lado, e como tem sido reconhecido pela jurisprudência nacional, se, em casos como o dos autos, o objecto imediato do processo é o acto de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, o seu objecto mediato será o próprio acto primário de liquidação[2].
Esta situação, de resto, é perfeitamente clara no contencioso administrativo, como resulta do artigo 50.º/1 do CPTA, devidamente conjugado com o artigo 59.º/4 do mesmo Código.
Também o regime do contencioso arbitral tributário corrobora este entendimento, já que o artigo 2.º do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários[3], sendo os actos secundários relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º/1/a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ou seja, em suma e em bom rigor, a pretensão da Requerente foi correctamente formulada, já que se reporta à al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (acto de liquidação), e foi apresentada dentro do prazo fixado pela al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma (90 dias contados a partir da decisão da reclamação graciosa).
Deve, deste modo, improceder a excepção da extemporaneidade do pedido, invocada pela AT, ficando prejudicadas as restantes questões levantadas pela Requerente, na sequência da referida excepção.
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ii. Do fundo da causa
A Requerente insurge-se contra o acto de liquidação em questão no presente processo, contestando a conformidade do referido acto tributário com a lei, por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, alegando, em suma que foi incorrecto o processo de aplicação do direito aos factos, ali encetado.
Vejamos se tem razão.
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Na parte relativa à motivação decisória, e para o que releva no presente processo, como consta dos factos acima dados como provados, no RIT entendeu-se que “atendendo a que não foram cumpridos os requisitos estipulados no Art.º 38º do CIRC, para que tais desvalorizações sejam consideradas como gasto do período de tributação, estas terão que ser acrescidas ao Resultado Tributável do exercício”.
Resulta de forma meridianamente clara da leitura do RIT, e da passagem acima transcrita, que a decisão da AT assenta, basilarmente, na aplicação ao caso do artigo 38.º do CIRC, vigente à data dos factos, e no não acatamento, pela Requerente, quer do prazo fixado no n.º 3/c) daquela norma, no que diz respeito à comunicação dos abates realizados, quer da obrigação de documentação imposta pelo n.º 6 da mesma, daí concluindo pelo não preenchimento dos pressupostos do artigo 28.º e 23.º do CIRC.
A redacção do artigo 38.º do CIRC, em causa no presente processo, era a seguinte:
“Artigo 38.º
Desvalorizações excepcionais
1 — Podem ser aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excepcionais referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo deve obter a aceitação da Direcção-Geral dos Impostos, mediante exposição devidamente fundamentada, a apresentar até ao fim do primeiro mês do período de tributação seguinte ao da ocorrência dos factos que determinaram as desvalorizações excepcionais, acompanhada de documentação comprovativa dos mesmos, designadamente da decisão do competente órgão de gestão que confirme aqueles factos, de justificação do respectivo montante, bem como da indicação do destino a dar aos activos, quando o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização destes não ocorram no mesmo período de tributação.
3 - Quando os factos que determinaram as desvalorizações excepcionais dos activos e o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização ocorram no mesmo período de tributação, o valor líquido fiscal dos activos, corrigido de eventuais valores recuperáveis pode ser aceite como gasto do período, desde que:
a) Seja comprovado o abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos bens, através do respectivo auto, assinado por duas testemunhas, e identificados e comprovados os factos que originaram as desvalorizações excepcionais;
b) O auto seja acompanhado de relação discriminativa dos elementos em causa, contendo, relativamente a cada activo, a descrição, o ano e o custo de aquisição, bem como o valor líquido contabilístico e o valor líquido fiscal;
c) Seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles bens se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos.
4 - O disposto nas alíneas a) a c) do número anterior deve igualmente observar-se nas situações previstas no n.º 2, no período de tributação em que venha a efectuar-se o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização dos activos.
5 — A aceitação referida no n.º 2 é da competência do director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou do director dos Serviços de Inspecção Tributária, tratando-se de empresas incluídas no âmbito das suas atribuições.
6 — A documentação a que se refere o n.º 3 deve integrar o processo de documentação fiscal, nos termos do artigo 130.º “
Conforme a leitura da norma legal em análise desvela, a mesma dirige-se a situações qualificadas como “desvalorizações excepcionais”, referidas na al. c) do n.º 1 do artigo 35.º do CIRC (“verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento”), provenientes de causas anormais (“desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal”).
Ora, face à factualidade apurada no presente processo, e já no próprio RIT, afigura-se evidente que não estamos perante “desvalorizações excepcionais”, nos termos pressupostos pela norma aplicada pela AT, no acto tributário impugnado.
Com efeito, constava já do RIT que a Requerente procedia regularmente a abates, e que os produtos, quantidades e valores, são similares em cada abate.
Também na sua resposta, e relativamente aos referidos abates, a Requerida neste processo reconhece, por exemplo, a sua constância e periodicidade (cfr., p. ex. artigo 64.º da Resposta), o que é, julga-se, incompatível com o carácter excepcional manifestamente pressuposto pelo artigo 38.º do CIRC, aplicado no acto tributário em crise neste processo.
Por fim, resulta dos factos dados como provados que:
- Na actividade da Requerente são normais e recorrentes as percas de mercadoria, designadamente bolos de pastelaria, semifrios, ovos e natas que rapidamente se degradam e se estragam ou que ultrapassam os prazos de qualidade e validade;
- Na actividade da Requerente há artigos que são devolvidos pelos clientes por não terem sido por estes vendidos dentro dos respetivos prazos de validade, ou por terem sido danificados ou, por qualquer outra maneira, alterados durante, o transporte, inutilizando-se neste processo, também, as embalagens e restantes materiais necessários ao acomodamento e transporte dos artigos em causa;
- Na actividade da Requerente há artigos que fizeram parte do processo de fabrico, tal como farinhas, canelas e açúcar, que sobram e que não podem integrar produtos acabados nem voltar a ser usadas;
- A Requerente procedeu a ajustamentos em inventários por perdas de mercadoria fácil e rapidamente perecível de forma regular e periódica;
- Os ajustamentos em inventário registados pela Requerente, que deram lugar à dedução no apuramento do lucro tributável, corresponderam às comunicações a que se referem os documentos constantes de folhas 55 a 133 do processo administrativo, que são autos que foram assinados pelas pessoas neles identificadas, como tendo presenciado o aí comunicado;
- A Requerente registou essas perdas contabilisticamente como perdas em inventário (quebras) movimentando as contas 38 e 68(4)
Neste contexto, não restarão dúvidas que não se encontram demonstrados os pressupostos de aplicação das normas do artigo 38.º do CIRC, vigente á data, e acima transcritas, maxime, dos seus n.ºs 3/c) e 6. Ou seja, e em suma, não estamos perante “desvalorizações excepcionais”, mas, antes, perante a eliminação de produtos perecíveis resultantes do normal processo produtivo da Requerente, e insusceptíveis de reaproveitamento naquele.
Para além disso, será de notar também que, no fundo, a AT parece até reconhecer o quadro factual subjacente aos registos contabilísticos efectuados pela Requerente, ou seja, a ocorrência efectiva de perdas ou quebras regulares decorrentes da perecibilidade das matérias primas e produtos próprios da actividade da Requerente e do respectivo processo produtivo, o que, diga-se, será até um facto notório, atento o sector de actividade onde aquela opera. O que a AT contestará, no fundo, será a quantificação de tais perdas ou quebras[4]. Ou seja, desde a própria motivação da acção inspectiva, até ao elenco de factos realçados por esta, tudo aponta no sentido de que aquilo que a AT pretenderia questionar não seria a ocorrência ou não do tipo de perdas ou quebras registadas, inquestionavelmente – julga-se – correntes ou ordinárias (por contraposição a excepcionais), mas o quantitativo das mesmas, suspeitando que a Requerente declarará e registará quebras superiores às efectivamente decorrentes da sua actividade normal. Ora, a ser esse o entendimento da AT, como parece que será, deveria ter sido, evidentemente, outro o trilho percorrido por aquela[5].
Em todo o caso, como se escreveu no Acórdão do STA de 04-09-2013, proferido no processo 0164/12[6], “São estes os fundamentos que a AT utilizou para fundamentar a referida correcção do lucro tributável declarado e a consequente liquidação adicional. É à luz desses fundamentos, e exclusivamente à luz dos mesmos, que deve aferir-se a legalidade da liquidação adicional impugnada, pois para este efeito não podem considerar-se outros fundamentos que não os que foram externados aquando da prática do acto. Na verdade, em sede de contencioso de mera anulação, como o é o presente, e em que o pedido seja de anulação do acto recorrido, a legalidade deste acto deve aferir-se, atentos os vícios que lhe são assacados (as causas de pedir invocadas) ou os que sejam do conhecimento oficioso, em face dos fundamentos externados pela Administração para a prática do acto e quando da prática deste”.
À luz desta jurisprudência[7], serão irrelevantes as considerações formuladas pela AT, já em sede de contencioso arbitral, como a de que “ocorre a falta de comprovação documental dos custos e a insusceptibilidade dos mesmos serem deduzidos para efeitos fiscais, porquanto não se mostram cumpridos os requisitos exigidos no artigo 23.º do CIRC”[8], já que não foi em tais circunstâncias de facto e de direito que assentou o acto tributário em crise no presente processo arbitral.
Deste modo, carecendo de fundamento de facto a aplicação das normas do artigo 38.º do CIRC, vigente à data, efectuada no acto tributário objecto da presente acção arbitral, deverá aquele ser considerado ilegal, não se validando, consequentemente, as conclusões retiradas no RIT, e atrás transcritas, pelo que deverá o referido acto ser anulado, nos termos peticionados pela Requerente.
3. Dispositivo
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) e juros compensatórios referentes ao exercício de 2011 da Requerente, objecto do presente processo.
4. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 63.209,98€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
5. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.448,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Ricardo Marques Candeias)
O Árbitro Vogal
(Amândio Silva)
[1] Que são nulos, não precisando, portanto, de ser declarada a respectiva ilegalidade (cfr. artigo 133.º/1 e 2/i) do CPA).
[2] Neste sentido, cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 16-11-2011, proferido no processo 0723/11, e disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação.”.
[3] (Cfr. artigo 2.º/1/a) ) “actos de liquidação de tributos, de autoliquidação,...”.
[4] O que se evidencia, para além do mais, nas constatações veiculadas pela AT, segundo a qual “Em cada um dos exercícios entre 2008 e 2011, a Requerente declarou regularizações de existências cujos valores oscilam entre os €270.000,00 e €320.000,00, representando entre 17,00% e 24,79% do total das existências iniciais acrescidas das compras.” e “No caso do exercício de 2010, a ora Requerente declarou regularizações de existências no montante de €320.200,98 que representam 18.10% do total das existências iniciais acrescidas das compras.”.
[5] Sendo esse o caso, deveria a AT ter procurado determinar, de forma directa, se possível, ou indirecta, se necessário, o quantitativo que entendesse ser o que melhor corresponderia, na sua óptica à realidade tributária da Requerida.
[7] Que se subscreve, com a precisão de que se deverá ter sempre presente a distinção entre fundamentação (também referida como “fundamentação formal”) e fundamento (também referido como “fundamentação substancial”), estando o Tribunal vinculado aos fundamentos (de facto e de direito) em que assentou o acto impugnado, mas não há fundamentação utilizada naquele. A propósito da distinção entre “fundamentação formal” e “fundamentação substancial”, cfr. o Ac. do TCA-Sul de 19-06-2012, proferido no processo n.º 03096/09 (disponível em www.dgsi.pt), onde, para além do mais, se pode ler que “uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa”.
[8] Artigo 85.º da Resposta.