Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1. Pedido
A..., SA., pessoa colectiva e contribuinte n.º ..., com sede na Rua .... n.º..., ...-... Aveiro, doravante designada por Requerente, apresentou, em 07-07-2015, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:
- A anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 do Tabela Geral do Imposto de Selo, corporizados nos documentos:
· 2015 ..., no valor de 289,00 euros, fracção … 01
· 2015 ..., no valor de 272,70 euros, fracção … 02
· 2015 ..., no valor de 272,70 euros, fracção … 03
· 2015 ..., no valor de 287,70 euros, fracção … 04
· 2015 ..., no valor de 469,70 euros, fracção … 05
· 2015 ..., no valor de 338,70 euros, fracção … 06
· 2015 ..., no valor de 287,70 euros, fracção … 07
· 2015 ..., no valor de 469,70 euros, fracção … 08
· 2015 ..., no valor de 338,70 euros, fracção … 09
· 2015 ..., no valor de 287,70 euros, fracção … 10
· 2015 ..., no valor de 469,70 euros, fracção … 12
· 2015 ..., no valor de 257,50 euros, fracção … 14
· 2015 ..., no valor de 288,90 euros, fracção … 15
· 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 17
· 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 18
· 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 19
· 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 20
· 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 21
· 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 22
· 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 23
· 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 24
· 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 25
· 2015 ..., no valor de 273,90 euros, fracção … 26
· 2015 ..., no valor de 273,90 euros, fracção … 27
· 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 28
· 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 29
· 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 30
· 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 31
· 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 32
· 2015 ..., no valor de 405,20 euros, fracção … 33
· 2015 ..., no valor de 224,20 euros, fracção … 34A
· 2015 ..., no valor de 398,20 euros, fracção … 34B
· 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 35
· 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 36
· 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 37
· 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 38
· 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 39
· 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 40
- A restituição à Requerente dos montantes indevidamente pagos relativos às liquidações impugnadas, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.
Para sustentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese:
- A Requerente é proprietária do prédio urbano em propriedade total sito na Avenida ... e ..., números .../.../..., Vila Nova de Gaia, inscrito a matriz predial urbana tributária sob o artigo n.º ... da União de Freguesias de ... e ...;
- A Requerente foi notificada das referidas liquidações, fundamentadas na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS);
- Esta verba faz incidir imposto de selo sobre os prédios urbanos com afectação habitacional, que tenham um valor patrimonial igual ou superior a 1 milhão de euros;
- Não definindo o Código do Imposto de Selo (CIS) o que deve entender-se por “prédio com afectação habitacional”, remete o mesmo Código para esse efeito para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
- O art.º 6.º do CIMI determina que se consideram “habitacionais, comerciais, industriais, (…) os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins”;
- Daqui resulta que, para o legislador, o que efectivamente importa é a utilização normal do prédio, o que exclui da norma de incidência o prédio em causa, porquanto o mesmo não se destina exclusivamente a habitação;
Além disso:
- Para efeitos de IMI, os imóveis em propriedade vertical constituídos por partes susceptíveis de utilização independente obedecem às mesmas regras da inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI respectivo liquidado individualmente em relação a cada uma das partes, com base no respectivo valor patrimonial tributário (VPT);
- Sendo o respectivo IMI, bem como o IS a que eventualmente estejam sujeitas, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, o critério para definir a incidência da verba 28 tem que ser o mesmo;
- A AT – Administração Tributária e Aduaneira admite que assim é, já que nas notas de liquidação e cobrança indica como valor base da liquidação o VPT de cada fracção;
- Portanto, o valor a usar como base de incidência do Imposto de Selo terá que ser o VPT de cada fracção;
- A interpretação na base das liquidações impugnadas, de que, para efeitos de determinar a incidência de Imposto de Selo sobre as fracções, se toma por base o somatório dos VPT das fracções viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal consagrados no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como o princípio da prevalência da verdade material sobre a verdade jurídico-formal, e ainda os princípios da Justiça e da proporcionalidade;
- A mesma interpretação é contrária ao elemento teleológico da norma, sabendo-se que a intenção do legislador ao instituir a tributação da verba 28.1 da TGIS foi a de tributar as habitações de luxo;
2. Resposta
Na sua Resposta, a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, alega, em síntese:
- O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio;
- Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, por vários prédios;
- Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VPT que serve de base ao seu cálculo será, indiscutivelmente, o VPT que a ora Requerente define como «valor global do prédio»;
- No caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente), para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI;
- O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador, através da verba 28.1, quis tributar os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere;
- A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional do imóvel e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;
- De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam (no caso do imposto de 2014);
- Sobre a violação do princípio constitucional da igualdade tributária, a AT entende que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio constitucional da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e de prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações;
- A constituição da propriedade horizontal implica, é um facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente e apenas por isso, arbitrária;
- As normas e procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional;
- O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consiste na propriedade (ou usufruto), de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, e de o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente;
- A verba 28.1 incide, pois, sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00;
3. Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações
Com a concordância das partes, o Tribunal determinou a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
As partes não apresentaram alegações finais.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 14-09-2015, tendo sido o Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
Não foram identificadas nulidades no processo.
III. Fundamentação
1. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:
- A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade vertical formados por partes susceptíveis de utilização independente considerados como um todo, com a consequência de que o valor patrimonial tributário a ter em conta para efeitos de incidência do imposto será, em caso de resposta afirmativa, o valor patrimonial tributário do prédio;
- Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face do princípio constitucional da igualdade.
2. Matéria de facto
São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão:
- A Requerente era, à data do alegado facto tributário, proprietária do prédio urbano em propriedade total sito na Avenida ... e..., números .../... /..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana tributária sob o artigo n.º ... da União de Freguesias de ... e...;
- Trata-se de prédio descrito como urbano, em propriedade vertical total, composto por partes susceptíveis de utilização independente;
- O valor patrimonial tributário do conjunto das partes do prédio com afectação habitacional é de 1.220.800,00 euros;
- A Requerente foi notificada das seguintes liquidações de imposto de selo, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, sobre as partes independentes do referido prédio com afectação habitacional:
¾ 2015 ..., no valor de 289,00 euros, fracção … 01
¾ 2015 ..., no valor de 272,70 euros, fracção … 02
¾ 2015 ..., no valor de 272,70 euros, fracção … 03
¾ 2015 ..., no valor de 287,70 euros, fracção … 04
¾ 2015 ..., no valor de 469,70 euros, fracção … 05
¾ 2015 ..., no valor de 338,70 euros, fracção … 06
¾ 2015 ..., no valor de 287,70 euros, fracção … 07
¾ 2015 ..., no valor de 469,70 euros, fracção … 08
¾ 2015 ..., no valor de 338,70 euros, fracção … 09
¾ 2015 ..., no valor de 287,70 euros, fracção … 10
¾ 2015 ..., no valor de 469,70 euros, fracção … 12
¾ 2015 ..., no valor de 257,50 euros, fracção … 14
¾ 2015 ..., no valor de 288,90 euros, fracção … 15
¾ 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 17
¾ 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 18
¾ 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 19
¾ 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 20
¾ 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 21
¾ 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 22
¾ 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 23
¾ 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 24
¾ 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 25
¾ 2015 ..., no valor de 273,90 euros, fracção … 26
¾ 2015 ..., no valor de 273,90 euros, fracção … 27
¾ 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 28
¾ 2015 ..., no valor de 279,40 euros, fracção … 29
¾ 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 30
¾ 2015 ..., no valor de 278,60 euros, fracção … 31
¾ 2015 ..., no valor de 281,30 euros, fracção … 32
¾ 2015 ..., no valor de 405,20 euros, fracção … 33
¾ 2015 ..., no valor de 224,20 euros, fracção … 34A
¾ 2015 ..., no valor de 398,20 euros, fracção … 34B
¾ 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 35
¾ 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 36
¾ 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 37
¾ 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 38
¾ 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 39
¾ 2015 ..., no valor de 398,00 euros, fracção … 40
- O montante total de imposto liquidado, nas referidas liquidações, é de 12 208,00 euros;
- A Requerente procedeu ao pagamento do imposto referente às seguintes liquidações impugnadas;
- À data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente havia procedido ao pagamento da primeira prestação dos montantes liquidados, perfazendo o total de 6.216,10 Euros;
Os factos indicados foram considerados provados com base na documentação junta ao processo.
3. Do direito
3.1. Da questão da legalidade dos actos de liquidação
A questão a decidir nos presentes autos foi até hoje objecto de inúmeras decisões arbitrais.
A orientação jurisprudencial destas decisões arbitrais não é totalmente uniforme.
Uma parte dessa jurisprudência vai no sentido de considerar contrária ao princípio constitucional da igualdade a interpretação que a Requerida realiza da verba 28.1 da TGIS, no caso de prédios verticais em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização independente, e que consiste em tomar o somatório dos valores patrimoniais tributários das partes com afectação habitacional para determinar a incidência da verba 28.1 da TGIS. Fizeram-se eco desta orientação, entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 218/2013-T, 14/2014-T, entre outras.
Recentemente, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 692/2015, de 16 de Dezembro de 2015 (processo n.º 51/2014), pronunciou-se no sentido da constitucionalidade da norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial.
Entretanto, pronunciou-se sobre esta mesma questão o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 09-09-2015, proferido no processo n.º 47/15.
Neste acórdão, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, profere o STA:
«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.”
E prossegue o Tribunal:
“(…)A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».
Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.
Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».
Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.
Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.
Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.
Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).
Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.
De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].
Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”
Assim, seguindo de perto a jurisprudência do acórdão citado:
A incidência da verba 28.1 da TGIS é composta por vários elementos:
i) A qualificação do prédio como urbano
ii) A afectação habitacional (na redacção em vigor à data do facto tributário)
iii) O valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 000 000 euros.
Um prédio, para efeitos da verba 28.1 da TGIS é o mesmo que um prédio para efeitos do Imposto Municipal sobre Imóveis, por força do artigo 1.º, n.º 6 do CIS.
Não definindo o Código do Imposto de Selo o que deve entender-se por “prédio com afectação habitacional”, a interpretação do conceito deve basear-se na própria letra, como ponto de partida. Com base na letra da lei, prédio com afectação habitacional é aquele cujo destino normal é a habitação.
Se, para aferir a afectação habitacional, a Requerida – interpretando a lei – toma por base cada parte do prédio em propriedade total, como se de um prédio se tratasse, não pode tomar por base todo o prédio, para aferir o preenchimento do elemento relativo ao valor patrimonial tributário.
Mas na verdade a Requerida nem sequer toma por base o valor patrimonial tributário do prédio, mas antes a soma dos valores patrimoniais tributários das várias partes com afectação habitacional, procedimento que não tem qualquer apoio na letra da lei, nem é lógico.
Perante a incerteza da formulação legal, o intérprete tem que decidir se a unidade a considerar para aferir a incidência é a parte ou é o todo. Se é a parte, todos os critérios se devem verificar em relação à parte. Se é o todo, todos os critérios terão se verificar em relação ao todo.
Por todo o exposto, cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributável da soma das mesmas partes.
3.2. Da questão do direito a juros indemnizatórios
Peticiona ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
Em face da fundamentação expendida, deve concluir-se que a ilegalidade das liquidações impugnadas resulta de erros imputáveis exclusivamente à Administração Tributária.
Na verdade, estando demonstrado que a requerente imposto indevido, por força do disposto nos art.os 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre os montantes pagos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPT), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
IV. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
1º: Julga-se totalmente procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação impugnados;
3º: Condena-se a Requerida, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, al. b), ao reembolso da quantia de 6.216,10 Euros (seis mil, duzentos e dezasseis Euros e dez cêntimos), acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.
Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 12 208,00 euros.
Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 14 de Janeiro de 2016
O Árbitro
(Nina Aguiar)