Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 75/2012-T
Data da decisão: 2012-11-30  IRC  
Valor do pedido: € 345.027,28
Tema: Dedutibilidade das contribuições suplementares para fundos de pensões; Decisões interlocutórias
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Processo n.º 75/2012-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Amândio Silva e Dr. José Ramos Alexandre (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 9-7-2012, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

REQUERENTE – …, S.A., (doravante, Requerente) com sede em …, …, contribuinte fiscal n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, sociedade dominante do Grupo de Empresas que inclui a A…, S.A. (doravante, A…), sociedade comercial com sede na …, concelho da …, contribuinte fiscal n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da … sob o mesmo número, e a B…, S.A. (doravante, “B…”), sociedade comercial com sede no …, contribuinte fiscal n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, requereu abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, a Constituição de Tribunal Arbitral tendo como objectivo:

a declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial do acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal de certas contribuições para fundos de pensões realizadas pelas sociedades, do Grupo Fiscal C…, A… E B…, às quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 345.027,28.

 

 

A Requerente entende, em suma, que deve ser deduzido para determinação do lucro tributável o valor de contribuições suplementares para fundo de pensões no valor de € 842.592,84, efectuadas pela A… e contribuições suplementares para fundo de pensões no valor € 347.156,40, efectuadas B… que não foram consideradas no apuramento do lucro tributável do Grupo Fiscal, em razão de informação vinculativa negativa, por parte dos Serviços do IRC, a respeito da sua dedutibilidade fiscal, sancionada pelo Director Geral do Impostos.

A Requerente entende que, em termos de impacto na sua autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente) de 2010, incluindo a tributação adicional de IRC designada de derrama estadual e incidente, à taxa de 2,5%, sobre matéria colectável constituída pelo lucro tributável individual da A… e da B… – na parte em que excede € 2.000.000,00 – (taxa total de 29%), estão em causa € 345.027,28 (842.592,84 + 347.156,40) x 29%), pagos indevidamente em excesso pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção de intempestividade e colocando uma questão atinente a eventual execução de julgado, além de defender que o acto praticado não enferma de ilegalidade.

A excepção foi apreciada em acórdão de 2-10-2012, em que se decidiu que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.

Por acórdão de 25-10-2012 foi determinado prosseguimento do processo sem alegações orais e com produção de alegações escritas, que as partes vieram a apresentar.

 

2. Matéria de facto

 

Com base nos elementos que constam do processo consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a apreciação da questão prévia, fundando-se os juízos probatórios nos documentos e afirmações das partes indicados:

 

  1. Em 31-5-2011, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 que constitui o documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativa ao ano de 2010;

  2. Em 5-8-2011, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de … reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC e derrama consequente, respeitantes ao exercício de 2010 (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. Em 13-10-2011, a Requerente foi notificada, através de carta registada com aviso de recepção expedida em 12-10-2011, pelo Serviço de Finanças de …, com o ofício n.º …, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida em b) (documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  4. Em 11-11-2011, a Requerente apresentou na Direcção de Finanças de … recurso hierárquico, dirigido ao Senhor Ministro de Estado e das Finanças (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. O recurso hierárquico referido foi remetido à Direcção de Serviços de IRC em 22-11-2011, com o ofício n.º … da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de … (documentos n.ºs 5 e 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  6. Pelo Despacho n.º 2228/2012, publicado no Diário da República, II Série, de 15-2-2012, o Senhor Director da Autoridade Tributária e Aduaneira subdelegou em subdirectores gerais a competência para a apreciação de recursos hierárquicos, nos termos aí indicados (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  7. O recurso hierárquico não foi decidido até 16-5-2012, data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (registo no sistema informático do CAAD);

  8. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, de que fazem parte a A… –, S.A., e B…, S. A.;

  9. Em 31-12-2010 foi registada a B…, S. A. resultante da fusão das sociedades D…, S.A., e E…, S.A. (documento n.º 10, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  10. A A… estabeleceu em 1988 um plano de complemento de pensões de reforma por velhice ou invalidez para todos os seus colaboradores, alargado em 1990 a pensões de sobrevivência (documentos n.º 18 e 22, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  11. Em 29-12-2000, a D…, S.A. instituiu dois fundos de pensões, denominados … I e II, destinados a assumir responsabilidades com complementos de reforma associados aos seus trabalhadores transferidos da C…, S.A., da F…, Lda., e da A… – Sociedade, S.A. (documento n.º 23, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  12. Até 2005, para efeitos do registo contabilístico das responsabilidades da A… e da D… para com os referidos fundos de pensões era adoptada a metodologia de "corridor”, a que se refere o parágrafo 95 da na norma internacional de contabilidade (IAS/NIC) n.º 19, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 1725/2003 da Comissão, de 21 de Setembro de 2003, segundo a qual, os ganhos e perdas actuariais apurados só terão reflexo nos resultados do exercício na medida em que, no início do período, o seu valor acumulado ultrapasse 10% do valor do fundo afecto à cobertura das responsabilidades da Empresa, ou 10% do valor das responsabilidades por serviços passados, dos dois o mais elevado (documentos n.ºs 28, 29, 76 e 77, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  13. Em 2005, a A… e a D… deixaram de utilizar a metodologia de “corridor”, na sequência de alteração da IAS/NIC 19 no sentido de consagrar, em alternativa à aplicação do método «corridor», a metodologia de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais directamente em capitais próprios, método que passaram a adoptar (artigo 56.º da petição inicial e documentos n.ºs 28 29, 76 e 77, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  14. Nos relatórios e contas da A… e da D… relativos ao ano de 2004, foi indicado que, em 31-12-2004, as suas responsabilidades suspensas de reconhecimento ao abrigo do método «corridor» eram de € 15.286.172,00 e € 1.901.322,00, respectivamente (documentos n.ºs 24, 25, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  15. Nos relatório e contas da A… relativo ao ano de 2005, reconheceu, em resultados transitados, um montante de € 11.082.475, correspondente ao saldo acumulado dos ganhos e perdas actuariais no início de 2005, no montante de € 15.286.172, líquido do respectivo imposto diferido, no montante de €4.203.697 (documento n.º 28, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  16. No relatório e contas da D… relativo ao ano de 2005, refere-se que esta sociedade, na sequência de ter deixado de utilizar a metodologia de “corridor”, no ano de 2005, reconheceu, em resultados transitados, um débito no montante de € 1.378.458, correspondente ao saldo acumulado dos ganhos e perdas actuariais no inicio de 2005, no montante de € 1.901.322, líquido do respectivo imposto diferido, no montante de € 522.864 (documento n.º 29, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  17. A IAS/NIC n.º 19 era a única norma internacional de contabilidade utilizada pela A… e pela D…, S.A. no período de 2001-2004, utilizando, no restante, o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e as Directrizes Contabilísticas que o complementavam, regime este que se manteve até à vigência do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), em 1-1-2010 (facto afirmado no art. 55.º do pedido de pronúncia arbitral cuja veracidade não é posta em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira);

  18. O reconhecimento contabilístico destas responsabilidades não foi acompanhado de qualquer dedução fiscal relativa ao ano de 2005 (documentos n.ºs 70, 71, 72 e 73, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  19. Nos relatórios e contas referentes ao ano de 2009 da A… e da D…, refere-se que, dos débitos reconhecidos em 2005 com efeitos em capitais próprios relativos aos saldos acumulados dos ganhos e perdas actuariais, ainda se mantinham em 31-12-2009 desacompanhados de contribuições para os respectivos fundos de pensões os montantes de € 13.758.659 no caso da A…, e de € 2.847.769, no caso da D… (documentos n.ºs 74 e 75, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  20. Em 30-12-2010, a A… entregou a G… , Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., a quantia de € 7.022.000,00 ( 1 ), referente a contribuição para o Fundo de Pensões A… (documento n.º 78 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  21. Em 14-1-2010, a D…, S.A. entregou a G…, Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., a quantia de € 689.000,00, referente a contribuição para o Fundo de Pensões D… (documento n.º 79 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  22. Na declaração modelo 22 da A… relativa ao ano de 2010 no apuramento do lucro tributável foi inscrito, no campo 715 (Gastos de benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados) o montante de € 2,893,010,13 (documento n.º 11, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), no qual se incluem € 1.840.626,15, relativos a “Contribuições Extraordinárias para o Fundo de Pensões A…” (documento n.º 13, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  23. Na mesma declaração da A… inscreveu-se no campo 723, relativo a «Realizações de utilidade social não dedutíveis (art. 43. º)» o montante de € 842.592,84, por ultrapassar o limite geral, previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRC, de 15% da massa salarial (documentos n.ºs 11 e 13, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  24. Na declaração modelo 22 da B… relativa ao ano de 2010 no apuramento do lucro tributável foi inscrito, no campo 761 (Pagamento ou colocação à disposição dos beneficiários de benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados) o montante de € 689.000,00 (documento n.º 12, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

  25. Na mesma declaração da B… inscreveu-se no campo 723, relativo a «Realizações de utilidade social não dedutíveis (art. 43.º)» o montante de € 353.861,52, por ultrapassar o limite geral, previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRC, de 15% da massa salarial (documentos n.ºs 12 e 13, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  26. No Relatório e Contas da A… relativo ao ano de 2009 refere-se que, de acordo com estudos actuariais reportados a 31-12-2009, a insuficiência do respectivo fundo de pensões era de € 13.758.659 (documento n.º 74 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  27. No Relatório e Contas da B… relativo ao ano de 2009 refere-se que, de acordo com estudos actuariais reportados a 31-12-2009, a insuficiência do respectivo fundo de pensões era de € 2.847.769 (documento n.º 75 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  28. A A… e a B… fizeram estimativas de que, se tivessem deixado de aplicar o método do «corridor» apenas em 2010, as perdas actuariais líquidas acumuladas e não reconhecidas até 2009, ascenderiam, respectivamente, a € 11.365.871 e € 1.735.782 (documentos n.ºs 76 e 77, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  29. A A…, entre os anos de 2011 e 2004 efectuou contribuições para os respectivos fundos de pensões que nunca foram deduzidas fiscalmente, no montante de € 6.047.143,60 (documentos n.ºs 81, 82, 83 e 84 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);

  30. A Autoridade Tributária e Aduaneira em informação vinculativa requerida por contribuinte não identificado, referiu, além do mais, o seguinte (documento n.º 80, junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido):

 

13. Na situação em concreto, o sujeito passivo adoptou as NIC, no período de 2010 e optou por reconhecer, à data da transição, nos capitais próprios todos os ganhos e perdas actuariais cumulativos. As contribuições suplementares para o fundo de pensões foram efectuadas nos períodos de 2005 a 2009, não tendo as mesmas sido dedutíveis para efeitos fiscais à data.

14. Tendo em conta que o sujeito passivo adoptou pela primeira vez as NIC no período de 2010, que, nesse período, procedeu a ajustamentos nos capitais próprios decorrentes dessa transição e que já foi efectuada a adequada cobertura financeira das responsabilidades para o fundo de pensões, parece-nos que a dedutibilidade fiscal das contribuições já efectuadas nos períodos de 2005 a 2009, e, que não foram dedutíveis para efeitos fiscais, passa pelo cabal enquadramento na alínea e) do nº13 do art.º 43º do CIRC.

15. Nos termos dessa norma, os gastos relativos a estas responsabilidades são considerados, em partes iguais, no período em que se aplique pela primeira vez o SNC e nos quatro períodos seguintes, sem serem aplicáveis os limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º43º do CIRC.

16. Dos elementos remetidos, conclui-se que o total das contribuições efectuadas nos períodos de 2005 a 2009 corresponde a 58 804 078, que o montante total não aceite para efeitos fiscais corresponde a 20 792 197,59 e que o montante total registado como variação patrimonial negativa, no período de 2010, corresponde a 18 970 248,52.

17. Face ao exposto, parece-nos que a variação patrimonial negativa, reconhecida no período de 2010, no montante de 18 970 248,52 tem cabal enquadramento na alínea e) do nº13 do art.º 43º do CIRC, sendo, portanto, dedutível em partes iguais, no período em que se aplique pela primeira vez o

SNC e nos quatro períodos seguintes, ou seja, nos períodos de 2010 a 2014.

 

  1. A Requerente efectuou um pagamento por conta relativo à autoliquidação impugnada, no montante de € 2.634.111,74 e requereu a fixação de garantia relativamente à parte da liquidação que foi impugnada através de reclamação graciosa (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. A Requerente apresentou um pedido de informação vinculativa, que foi sancionada por despacho de 20-11-2011, do Senhor Director-Geral dos Impostos, informação essa em cuja parte conclusiva se refere o seguinte: (documentos n.ºs 32 e 33, juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos)

 

«28. Assim, para efeitos do regime do artigo 43º do CIRC, é necessário, para que os gastos sejam dedutíveis que os encargos associados a responsabilidades com pensões de reforma sejam objecto da adequada cobertura financeira, podendo esta ser concretizada quer no exercício quer em exercícios anteriores e sejam reconhecidos em gastos ou em resultados transitados. No presente caso, no exercício de 2010, não há lugar ao registo de qualquer gasto ou resultados transitados, mas apenas à entrega dos fundos respeitantes às responsabilidades não financiadas.

29. Assim, uma vez que a A… já reconheceu em 2005, em resultados transitados, as perdas actuariais líquidas acumuladas e não reconhecidas até 2004 e só em 2010 é que procederá à cobertura das responsabilidades inerentes, não é possível a aceitação fiscal das contribuições em questão como gasto dado que não é registado como tal neste exercício, tendo a sua dedução sido efectuada num período de tributação anterior. De facto, na situação em análise, o reconhecimento em resultados transitados não foi acompanhado da realização das respectivas contribuições».

 

Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Deram-se provados os factos com base nos documentos referidos relativamente a cada ponto da matéria de facto, por não ter sido invocada qualquer razão para duvidar da sua autenticidade e, quanto aos elementos provenientes de órgãos das sociedades referidas e técnicos de contas, por ser de presumir a sua correspondência à realidade, à face das regras da experiência, por se tratar de entidades cuja actividade em matéria tributária está sujeita a controlo da Administração Fiscal. Para além disso, no que concerne às declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, como é o caso das declarações modelo 22, beneficiam de presunção de veracidade, por força do disposto no art. 75.º da LGT.

A isto acresce que, em 2004 não era previsível que viesse a ser adoptado o regime que veio a ser introduzido em 2009 no art. 43.º, n.º 13, do CIRC e no art. 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, pelo que não há razão para duvidar de que o que se refere nos relatórios de contas anteriores quanto à natureza das contribuições para fundos de pensões não corresponda à realidade.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posição da Requerente

 

A questão que é objecto do presente processo é a da legalidade da liquidação impugnada de IRC e consequente derrama municipal, relativa ao ano de 2010, na parte em que nela se não consideraram dedutíveis ao lucro tributável os montantes de contribuições suplementares para fundos de pensões efectuadas pelas sociedades do grupo da Requerente, nos montantes, de € 842.592,84 no que concerne à A… –, S.A., e de € 347.156,40.

Estes montantes não foram deduzidos ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 43.º do CIRC por excederem 15% das massas salariais das sociedades A… e B… .

A Requerente pretende que esses montantes sejam deduzidos ao lucro tributável do ano de 2010, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 13 do mesmo art. 43.º e dos n.ºs 1 e 5 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

Entende a Requerente, em suma, que, embora as perdas actuariais a que se referem as contribuições para fundos de pensões referidas na matéria de facto fixada, tenham sido reconhecidas contabilisticamente no ano de 2005, a situação manteve-se até 2010, por nenhuma consequência fiscal ter tido o seu reconhecimento contabilístico, e, por isso, surgindo em 2010 um regime legal que cria «um novo espaço de dedutibilidade para essa situação de reconhecimento contabilístico de perdas suspensas de reconhecimento, por mudança do referencial contabilístico adoptado (abandono do referencial do corredor)» não haverá obstáculo a que este regime legal «se aplique a todas as situações fácticas que não tenham esgotado a sua relevância no plano fiscal, independentemente da data em que tenham assumido relevância contabilística».

No entender da Requerente, teria, em princípio, «direito a deduzir como gasto fiscal ao longo de cinco anos a contar de 2010, inclusive, (...) sujeito à condição resolutiva da realização das correspondentes contribuições (...)» as importâncias de € 13.758.659 e € 2.847.769, referentes aos fundos as A… e da B…, respectivamente. Mas, como a Requerente entende que deve ser assegurada igualdade de tratamento de contribuintes em situação idêntica que só tivessem procedido ao abandono do método do «corridor» em 2010, aquando da adopção do SNC pela primeira vez, calculou que as perdas neste momento ascenderiam a € 11.365.871 e € 1.735.782, respectivamente para a A… e para a B…, sendo estes valores que entende deverem relevar fiscalmente como deduções, ao longo de cinco anos a contar de 2010, inclusive, o que se reconduz a valores anuais de € 2.273.174,20 e € 347.156,40, respectivamente.

A Requerente refere ainda uma informação vinculativa, requerida por um contribuinte não identificado, em que entende que foi adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira a tese que defende e que, no caso da I… foi adoptado entendimento diferente do que veio a ser perfilhado no caso da Requerente, quanto à possibilidade de dedução fiscal de contribuições para fundos de pensões em exercício posterior ao do reconhecimento contabilístico da variação patrimonial negativa associada às responsabilidades financiadas pelas referidas contribuições, o que, no seu entendimento põe em causa os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e proibição de restrições desproporcionadas e injustificadas a direitos fundamentais, entre os quais se encontra o da propriedade privada (arts. 2.º, 13.º, 18.º e 62.º da CRP), bem como os princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real (artigos 2.º, 13.º e 104.º, n 2, da CRP).

Finalmente (artigos 626.º a 631.º da petição inicial), refere a Requerente que, se assim não for, a A… realizou em 2001, 2002 e 2004 contribuições para o fundo de pensões que não foram objecto de qualquer dedução fiscal, que cobrem responsabilidades respeitantes a perdas actuariais acumuladas cujo impacto em capitais próprios foi reconhecido em 2005. Designadamente, a Requerente refere que, entre 2001 e 2004 efectuou contribuições no montante de € 6.047.142,53

 

3.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em primeiro lugar, que as contribuições em causa não são ordinárias, mas suplementares, pelo que a sua dedutibilidade apenas é permitida com o limite de 15% indicado no n.º 2 do art. 43.º do CIRC, e, de qualquer modo, a prova documental junta não é susceptível de comprovar a matéria de facto alegada, designadamente no que concerne à possibilidade de discriminação da natureza das dotações efectuadas em cada exercício e que é à Requerente que compete a prova dos factos.

Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que os montantes em causa poderiam ter sido financiados no período entre 2005 e 2009, a título de contribuições suplementares, sendo dedutíveis ao abrigo dos n.ºs 7 e 8 do art. 43.º do CIRC, não tendo sido efectuadas por opção da Requerente e que a pretensão da Requerente a coloca em situação que viola o princípio da igualdade perante outros contribuintes que tinham responsabilidades reconhecidas em 2005 e apenas puderam deduzir as contribuições ao abrigo daquelas normas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que aos custos a que se refere o art. 43.º do CIRC é aplicável o princípio da especialização dos exercícios, sendo a exigência de efectiva realização da contribuição um requisito adicional de dedutibilidade.

No que concerne ao enquadramento da situação na alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Requerente não preenche nenhum dos pressupostos legais. Designadamente, o regime transitório pretende tratar ajustamentos decorrentes de uma transição, que sejam dela contemporâneos, no caso a alteração de referencial normativo e, no caso, os ajustamentos, calculados e reconhecidos na contabilidade desde 2005, são bastante anteriores à adopção pela primeira vez do SNC, em 2010. Refere ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que as responsabilidade reconhecidas em 2005 nem sequer resultaram da aplicação pela primeira vez da NIC/IAS 19, pois ela já vinha sendo adoptada desde 2011, tendo em 2005 sido abandonado, dentro daquela regra, o método de reconhecimento de perdas actuariais. Para além disso, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que se o n.º 13 alínea c) do art. 43.º do CIRC comporta derrogação do n.º 7, apenas permitirá efectuar deduções que não pudessem ter sido efectuadas no período de 2005 a 2009, ao abrigo deste n.º 7, e não está comprovado que nos anos de 2005 a 2009 tenha sido atingido o limite de dedutibilidade previsto para as deduções nos termos dos n.ºs 7 e 8.

Refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, que, embora a Requerente tenha adoptado o SNC em 2010, pela primeira vez, as perdas acumuladas não resultam desse facto, pelo que não pode beneficiar do regime transitório respectivo.

A ser aplicável o regime da alínea c) do n.º 13 do art. 43.º, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que apenas poderá ser deduzido em 2010 1/5 das importâncias de € 842.592,84 e € 353.861,52.

Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tendo sido introduzido pelo DL n.º 159/2009 um regime específico para as contribuições suplementares em causa, não lhe é aplicável o regime transitório geral previsto no art. 5.º daquele diploma.

Relativamente a casos de outros contribuintes que a Requerente entende estarem em situação idêntica à sua e foi adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira entendimento que a Requerente entende ser o que defende, a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma que esses casos são distintos ao destes autos e está vinculada à Lei e não a precedentes. Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que as entidades do sector bancário e segurador tiveram tratamento diferenciado atentas as exigências especiais que então lhes eram impostas quanto à organização da contabilidade e que o tratamento dado à I… ocorreu no contexto da transferência dos seus Fundos de Pensões para a Caixa Geral de Aposentações, com o regime específico do Decreto-Lei n.º 140-B/2010, de 30 de Dezembro.

 

3.3. Apreciação do mérito das pretensões da Requerente

 

Considerou-se provado que as contribuições cuja dedutibilidade a Requerente pretende se destinaram à cobertura de responsabilidades por encargos com pensões, efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais, que produziram perdas acumuladas.

Está-se, assim, perante «contribuições suplementares», à face do critério adoptado no n.º 7 do art. 43.º do CIRC em que se alude às «as contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com pensões (...)».

As sociedades A… e D (a que sucedeu a B…), que integram o grupo da Requerente, reconheceram contabilisticamente as perdas actuariais referidas no ano de 2004, por alteração do critério para o seu reconhecimento.

Como resulta da matéria de facto fixada, aquelas sociedades, antes do final de 2004, seguiam a metodologia de "corridor”, a que se refere o parágrafo 95 da na norma internacional de contabilidade (IAS/NIC) n.º 19, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 1725/2003 da Comissão, de 21 de Setembro de 2003, segundo a qual, os ganhos e perdas actuariais apurados só terão reflexo nos resultados do exercício na medida em que, no início do período, o seu valor acumulado ultrapasse 10% do valor do fundo afecto à cobertura das responsabilidades da Empresa, ou 10% do valor das responsabilidades por serviços passados, dos dois o mais elevado.

Em 2005, a A… e a D… deixaram de utilizar a metodologia de “corridor”, na sequência de alteração da IAS/NIC 19 no sentido de consagrar, em alternativa à aplicação do método «corridor», a metodologia de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais directamente em capitais próprios, método que passaram a adoptar.

Foi com a adopção deste novo método que se determinaram as perdas actuariais cuja dedução está em causa nos presentes autos.

O art. 43.º do CIRC estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º

 

Realizações de utilidade social

 

1 – São também dedutíveis os gastos do período de tributação, incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis, relativos à manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respectivos familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.

2 – São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 % das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.

3 – O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25 %, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.

4 – Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:

a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;

b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;

c) Sem prejuízo do disposto no n.º 6, a totalidade dos prémios e contribuições previstos nos n.ºs 2 e 3 deste artigo em conjunto com os rendimentos da categoria A isentos nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não devem exceder, anualmente, os limites naqueles estabelecidos ao caso aplicáveis, não sendo o excedente considerado gasto do período de tributação;

d) Sejam efectivamente pagos sob a forma de prestação pecuniária mensal vitalícia pelo menos dois terços dos benefícios em caso de reforma, invalidez ou sobrevivência, sem prejuízo da remição de rendas vitalícias em pagamento que não tenham sido fixadas judicialmente, nos termos e condições estabelecidos em norma regulamentar emitida pela respectiva entidade de supervisão, e desde que seja apresentada prova dos respectivos pressupostos pelo sujeito passivo;

e) As disposições de regime legal da pré-reforma e do regime geral de segurança social sejam acompanhadas, no que se refere à idade e aos titulares do direito às correspondentes prestações, sem prejuízo de regime especial de segurança social, de regime previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de outro regime legal especial, ao caso aplicáveis;

f) A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português;

g) Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

5 – Para os efeitos dos limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3, não são considerados os valores actuais dos encargos com pensionistas já existentes na empresa à data da celebração do contrato de seguro ou da integração em esquemas complementares de prestações de segurança social previstos na respectiva legislação, devendo esse valor, calculado actuarialmente, ser certificado pelas seguradoras ou outras entidades competentes.

6 – As contribuições destinadas à cobertura de responsabilidades com pensões previstas no n.º 2 do pessoal no activo em 31 de Dezembro do ano anterior ao da celebração dos contratos de seguro ou da entrada para fundos de pensões, por tempo de serviço anterior a essa data, são igualmente aceites como gastos nos termos e condições estabelecidos nos n.ºs 2, 3 e 4, podendo, no caso de aquelas responsabilidades ultrapassarem os limites estabelecidos naqueles dois primeiros números, mas não o dobro dos mesmos, o montante do excesso ser também aceite como gasto, anualmente, por uma importância correspondente, no máximo, a um sétimo daquele excesso, sem prejuízo da consideração deste naqueles limites, devendo o valor actual daquelas responsabilidades ser certificado por seguradoras, sociedades gestoras de fundos de pensões ou outras entidades competentes.

7 – As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios de reforma, quando efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes, podem também ser aceites como gastos nos seguintes termos:

a) No período de tributação em que sejam efectuadas, num prazo máximo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos actuariais;

b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos n.ºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos actuariais e os valores das contribuições efectuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos de tributação.

8 – Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, não são consideradas as contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades com pensionistas, não devendo igualmente ser tidas em conta para o cálculo daquelas diferenças as eventuais contribuições efectuadas para a cobertura de responsabilidades passadas nos termos do n.º 6.

9 – Os gastos referidos no n.º 1, quando respeitem a creches, lactários e jardins-de-infância em benefício do pessoal da empresa, seus familiares ou outros, são considerados, para efeitos da determinação do lucro tributável, em valor correspondente a 140 %.

10 – No caso de incumprimento das condições estabelecidas nos n.ºs 2, 3 e 4, à excepção das referidas nas alíneas c) e g) deste último número, ao valor do IRC liquidado relativamente a esse período de tributação deve ser adicionado o IRC correspondente aos prémios e contribuições considerados como gasto em cada um dos períodos de tributação anteriores, nos termos deste artigo, agravado de uma importância que resulta da aplicação ao IRC correspondente a cada um daqueles períodos de tributação do produto de 10 % pelo número de anos decorridos desde a data em que cada um daqueles prémios e contribuições foram considerados como gastos, não sendo, em caso de resgate em benefício da entidade patronal, considerado como rendimento do período de tributação a parte do valor do resgate correspondente ao capital aplicado.

11 – No caso de resgate em benefício da entidade patronal, não se aplica o disposto no número anterior se, para a transferência de responsabilidades, forem celebrados contratos de seguro de vida com outros seguradores, que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, ou se forem efectuadas contribuições para fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional, ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português, em que, simultaneamente, seja aplicada a totalidade do valor do resgate e se continuem a observar as condições estabelecidas neste artigo.

12 – No caso de resgate em benefício da entidade patronal, o disposto no n.º 10 pode igualmente não se aplicar, se for demonstrada a existência de excesso de fundos originada por cessação de contratos de trabalho, previamente aceite pela Direcção-Geral dos Impostos.

13 – Não concorrem para os limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 as contribuições suplementares para fundos de pensões e equiparáveis destinadas à cobertura de responsabilidades com benefícios de reforma que resultem da aplicação:

a) Das normas internacionais de contabilidade por determinação do Banco de Portugal às entidades sujeitas à sua supervisão, sendo consideradas como gastos durante o período transitório fixado por esta instituição;

b) Do Plano de Contas para as Empresas de Seguros em vigor, aprovado pelo Instituto de Seguros de Portugal, sendo consideradas como gastos, de acordo com um plano de amortização de prestações uniformes anuais, por um período transitório de cinco anos contado a partir do exercício de 2008;

c) Das normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia ou do SNC, consoante os casos, sendo consideradas como gastos, em partes iguais, no período de tributação em que se aplique pela primeira vez um destes novos referenciais contabilísticos e nos quatro períodos de tributação subsequentes.

14 – A Direcção-Geral dos Impostos pode autorizar que a condição a que se refere a alínea b) do n.º 4 deixe de verificar-se, designadamente, em caso de entidades sujeitas a processos de reestruturação empresarial, mediante requerimento, a apresentar até ao final do período de tributação da ocorrência das alterações, em que seja demonstrado que a diferenciação introduzida tem por base critérios objectivos.

15 – Consideram-se incluídos no n.º 1 os gastos suportados com a aquisição de passes sociais em benefício do pessoal do sujeito passivo, verificados os requisitos aí exigidos.

 

Em regra, enunciada no art. 17.º, n.º 1, do CIRC, a determinação do lucro tributável «é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

Relativamente à imputação aos exercícios das componentes positivas e negativas do lucro tributável, art. 18.º, n.º 1, do CIRC, estabelece o denominado princípio da especialização dos exercícios, através da regra de que «são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica».

Não é, assim, permitido aos contribuintes de IRC que imputem os rendimentos e custos aos períodos de tributação que entenderem, sendo-lhes imposta, em regra, a obrigação de os imputarem ao exercício em que devam ser contabilizados, à face das regras contabilísticas.

Nos n.ºs 2 e 3 do art. 43.º do CIRC, relativamente às «realizações de utilidade social», estabelece-se, em sintonia com o princípio da especialização dos exercícios, que são considerados gastos do período de tributação, com limites de 15% ou 25% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, as despesas com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.

Porém, o n.º 7 do art. 43.º do CIRC, relativamente às contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios de reforma, quando efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades, consagra um regime excepcional, em que se afasta o princípio da especialização dos exercícios, permitindo-se que os montantes relativos aquelas contribuições sejam deduzidos ao lucro tributável no período de tributação em que essas contribuições forem pagas, independentemente do período de tributação em que essas responsabilidades são reconhecidas contabilisticamente.

O objectivo perceptível desta exigência de que as contribuições sejam efectivamente pagas para poderem ser deduzidas como custos é incentivar as entidades que têm responsabilidades para com fundos de pensões a não as descurarem, abstendo-se de efectuar os pagamentos devidos depois do reconhecimento contabilístico dos custos.

No entanto, como se vê pela limitação que conta da alínea a) do n.º 7, a liberdade do contribuinte escolher o exercício a que vão ser imputadas fiscalmente aquelas contribuições que lhe é fornecida pela possibilidade de opção quanto ao momento de efectuar o seu pagamento não é total, pois só são relevantes fiscalmente como gastos os pagamentos de contribuições que sejam efectuados num período de tributação incluído num prazo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos actuariais.

A alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC, aditada pelo DL n.º 159/2009, de 13 de Julho ( 2 ), que adaptou as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas, veio estabelecer um nova excepção ao princípio da especialização dos exercícios, ao permitir, para além do afastamento dos limites previstos nos n.ºs 2 e 3, que as contribuições suplementares para fundos de pensões destinadas à cobertura de responsabilidades com benefícios de reforma que resultem da aplicação das normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia ou do SNC, consoante os casos, sendo consideradas como gastos, em partes iguais, no período de tributação em que se aplique pela primeira vez um destes novos referenciais contabilísticos e nos quatro períodos de tributação subsequentes.

Também quanto a esta excepção ao princípio da especialização dos exercícios se constata que a possibilidade de o contribuinte imputar gastos a exercícios diferentes daquele em que devem ser reconhecidos contabilisticamente tem limitações, pois as contribuições suplementares efectuadas apenas são consideradas como gastos, em partes iguais, no período de tributação em que se aplique pela primeira vez um destes novos referenciais contabilísticos e nos quatro períodos de tributação subsequentes.

Como se vê pelo corpo deste número por esta alínea c), o afastamento dos limites à dedutibilidade de contribuições suplementares nela previsto apenas é aplicável quando elas se destinem «à cobertura de responsabilidades com benefícios de reforma que resultem da aplicação (...) «das normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia ou do SNC, consoante os casos, sendo consideradas como gastos, em partes iguais, no período de tributação em que se aplique pela primeira vez um destes novos referenciais contabilísticos e nos quatro períodos de tributação subsequentes».

No caso em apreço, as contribuições suplementares em causa não resultaram da adopção do SNC, mas resultaram da adopção de normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia, a IAS/NIC 19, na versão de 2004, que veio a ser concretizada pelo aditamento dos parágrafos 93-A a 93-D, alteração adoptada pela União Europeia através do Regulamento (CE) n.º 1910/2005, da Comissão, de 8 de Novembro, que alterou o Regulamento (CE) n.º 1725/2003, de 13 de Outubro. ( 3 )

Na verdade, embora as sociedades A… e D… já aplicassem esta NIC anteriormente, foi da alteração ocorrida em 2004, em que foi permitida a opção por um novo método de contabilização das perdas actuariais, que resultou a determinação das perdas actuariais em causa.

Como se infere do próprio facto de esta norma ter sido introduzida no próprio texto do CIRC e não num diploma avulso, não se está perante uma norma de aplicação transitória, pois ela é potencialmente aplicável a todas as situações futuras em que venham a ter se ser efectuadas contribuições suplementares resultantes da aplicação de normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia ou do SNC (tanto a União Europeia como o SNC, pode vir a adoptar novas normas contabilísticas, naturalmente).

Não há nenhum sinal seguro de que se tenha pretendido legislativamente que esta nova alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC se reporte a situações passadas. Pelo contrário, os seus próprios termos, designadamente a expressão «se aplique» (e não «se tenha aplicado», por exemplo), indiciam que ela não teve em vista situações passadas, mas sim situações futuras, como, de resto, é regra do direito tributário, em que vigora, como princípio primacial de aplicação na lei no tempo, a regra de que «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor».

Que é este o campo de aplicação desta norma, confirma-se pelos art. 5.º, n.ºs 1 e 5, do mesmo DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, que aditou aquela alínea c) ao n.º 13 do art. 43.º do CIRC.

Os n.ºs 1 e 5 deste art. 5.º estabelecem o seguinte:

 

 

 

Artigo 5.º

Regime transitório

 

1 – Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

(...)

5 – O regime transitório estabelecido nos números anteriores é igualmente aplicável à adopção, pela primeira vez, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, das Normas de Contabilidade Ajustadas, aprovadas pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2005, ou do Plano de Contas para as Empresas de Seguros, aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, do Instituto de Seguros de Portugal, sem prejuízo de, relativamente às entidades que já vinham aplicando estes novos referenciais contabilísticos, o período referido no n.º 1 se contar a partir do período de tributação em que os mesmos tenham sido adoptados pela primeira vez.

 

Está-se, neste artigo 5.º, perante um «Regime transitório», assim mesmo denominado na respectiva epígrafe, que é naturalmente vocacionado para regular situações preexistentes, que subsistam à data da entrada em vigor deste diploma.

A inclusão neste DL n.º 159/2009 de um artigo reunindo as disposições transitórias, deixa perceber que só os regimes que aí são indicados têm essa natureza, o que reforça a conclusão de que o regime introduzido por esse mesmo diploma no art. 43.º, n.º 13 do CIRC visará situações em que a efectivação de contribuições suplementares resulte da aplicação de normas contabilísticas que venham a ser adoptadas pela União Europeia ou pelo SNC e não regular situações em que a aplicação das IAS/NIC já ocorreu anteriormente.

Por outro lado, o regime do n.º 5 deste artigo 5.º revela que, relativamente a essas situações passadas em que se verificaram efeitos em capitais próprios derivados da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade ou do SNC, o período de cinco anos de relevância desses efeitos se conta a partir do período de tributação em que os mesmos tenham sido adoptados pela primeira vez.

Se o regime que o mesmo diploma introduziu na alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC tivesse em vista a sua aplicação a situações passadas, decerto se teria feito uma menção semelhante, por razões de coerência legislativa, reclamadas pelo princípio da unidade do sistema jurídico, erigido pelo n.º 1 do art. 9.º do Código Civil em valor primacial.

Por outro lado, como resulta do teor expresso da alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC e do n.º 5 do art. 5.º do DL n.º 159/2009, o que é relevante para determinar os períodos de tributação em que podem ocorrer a dedução de gastos é o momento em que são adoptados os novos referenciais contabilísticos e não o momento ou momentos em que esses gastos venham a ser concretizados.

Na verdade, tanto as situações previstas nos n.ºs 1 e 5 do art. 5.º do DL n.º 159/2009 como as que se enquadram na alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC têm como termo inicial o primeiro período de tributação em que foram adoptadas as normas contabilísticas que provocaram efeitos em capitais próprios ou de que adveio a necessidade de efectuar contribuições suplementares para fundos de pensões.

Por isso, não tendo a Requerente ou as sociedades do seu grupo adoptado em 2010 ou em algum dos quatro anos anteriores qualquer norma internacional de contabilidade de que tenha resultado o reconhecimento de passivo relativo a contribuições suplementares para fundos de pensões, está afastada a possibilidade de efectuar as deduções que pretende.

É, aliás, um regime que se justifica pelo facto de as sociedades A… e D… terem já podido anteriormente, no período de 2005 a 2009, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 43.º do CIRC, deduzir nos respectivos lucros tributáveis de IRC os gastos correspondentes às responsabilidades com os fundos de pensões resultantes da adopção em 2005 de normas internacionais de contabilidade, adoptadas pela União Europeia.

Tendo perdido o direito à dedução das quantias que vieram a pagar em 2010 a título de contribuições suplementares, por não terem efectuado os pagamentos dessas contribuições no longo período de cinco anos em que a lei lhe permitia aproveitar daquele efeito, não se justifica que possa aproveitar de um novo período.

Assim, as soluções legislativas adoptadas na alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC e nos n.ºs 1 e 5 do art. 5.º do DL n.º 159/2009, ao não permitirem a dedução de contribuições relativamente às quais já decorreu todo o período em que lhes era atribuída relevância fiscal, não viola o princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa. Pelo contrário, estes princípios seriam violados e aquelas normas seriam materialmente inconstitucionais se fossem interpretadas com o entendimento propugnado da Requerente, que lhe permitiria usufruir do privilégio de um prazo de 10 anos a contar do reconhecimento contabilístico das responsabilidades para efectuar o pagamento das contribuições suplementares, sem perder o direito deduzir os pagamentos no lucro tributável, enquanto à generalidade dos contribuintes a que se aplicam aquelas normas apenas é proporcionado um prazo de 5 anos.

Por outro lado, assente que o tratamento fiscal das contribuições em causa foi adequado, fica-se com viabilidade reduzida para detectar na actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira no presente caso a violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da justiça que devem ser observados na actuação da Administração Pública por força do disposto no art. 266.º, n. 2, da Constituição da República Portuguesa e que são impostos também pelo art. 55.º da Lei Geral Tributária especificamente à actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, no domínio da actividade vinculada da Administração Pública, o princípio primacial que deve ser observado é o da legalidade, a subordinação à Constituição e à lei que é indicada prioritariamente no referido art. 266.º, n.º 2, da CRP.

Por isso, em situações em que uma determinada conduta é imposta a Administração por uma norma ou um conjunto de normas que abstractamente regulam uma situação jurídica, só em casos em que a sua aplicação, devido a especificidades de determinada situação, se reconduza a manifesta injustiça ou iniquidade, será viável postergar a aplicação do regime legal previsto especificamente, fazendo prevalecer o conflituante valor da justiça e da equidade.

No caso em apreço, ao não permitir à Requerente deduzir no lucro tributável durante um novo período de 5 anos, as contribuições suplementares que não deduziu no período de 5 anos em que tal lhe era permitido se preenchesse as condições previstas na lei, não se está a dar um tratamento injusto, mas a observar um princípio básico de direito, ditado por razões de segurança jurídica, que é perda de direitos pelo seu não exercício tempestivo.

Por outro lado, quanto aos princípios da igualdade e da imparcialidade, se a Autoridade Tributária e Aduaneira deu o tratamento pretendido pela Requerente a outros contribuintes que se encontrassem em situação essencialmente idêntica, é de concluir que violou a lei nesses outros casos, pelo que a haver tratamento discriminatório ilegal é de suspeitar que ele terá ocorrido nesses alegados casos e não neste. De qualquer modo, não é imposto por aqueles princípios à Administração Tributária que mantenha indefinidamente uma actuação ilegal, o que se reconduziria a que qualquer actuação ilegal constituiria um precedente vinculativo de observância eterna. Na verdade, como resulta do disposto no art. 68.º-A, n.º 1, da LGT, só relativamente a interpretações da lei que venham a ser consagradas em orientações genéricas constantes de circulares é imposta a observância de actuações precedentes.

Por isso, a eventualidade de a casos idênticos ter sido dado tratamento diferente e ilegal, não implica violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade.

Para além disso, há que notar que a violação do princípio da igualdade apenas se pode colocar relativamente a situações essencialmente idênticas e que não são idênticos ao caso da Requerente o de entidades bancárias, a quem era aplicável um regime contabilístico distinto, nem o da I… em que o tratamento de responsabilidades relativas a fundos de pensões foi acordado no âmbito de um contrato bilateral, com contrapartidas mútuas, materializado no DL n.º 140-B/2010, de 30 de Dezembro. No que concerne à alegada inconstitucionalidade material e orgânica deste diploma, que a Requerente invoca no art. 363.º do pedido de pronúncia arbitral, trata-se de uma questão de inconstitucionalidade abstracta, pois não está em causa a aplicação desse diploma à situação da Requerente e, por isso, trata-se de matéria que apenas ao Tribunal Constitucional cabe apreciar, no âmbito dos seus poderes exclusivos de fiscalização abstracta da constitucionalidade das leis (art. 281.º da CRP). De resto, a possibilidade de ser dada relevância fiscal a contribuições suplementares para fundos de pensões, subsequente ao reconhecimento contabilístico das respectivas responsabilidades, é genericamente permitida pelo n.º 7 do art. 43.º do CIRC, como se referiu, pelo que não é nesse ponto que se pode detectar um tratamento privilegiado da I… .

No que concerne aos princípios da proporcionalidade, da tributação em função da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente pelo rendimento real e da propriedade privada (artigos 2.º, 13.º, 18.º, 62.º e 104.º, nº 2, da CRP), não decorre deles, naturalmente, que o direito a dedução de despesas que não foi exercido tempestivamente, não seja eliminado, por razões de segurança jurídica. A perda de direitos por falta de exercício no prazo previsto na lei é uma consequência perfeitamente adequada, particularmente quando se está perante um anormalmente longo prazo de 5 anos, só excepcionalmente previsto nas leis tributárias.

Conclui-se assim, que a Requerente não se encontra nas condições previstas na alínea c) do n.º 13 do art. 43.º do CIRC nem nas previstas nos n.ºs 1 e 5 do art. 5.º do DL n.º 159/2009, pelo que improcedem as suas pretensões, quer a principal, quer a subsidiária a que se referem os artigos 626.º a 631.º da petição inicial.

 

4. Decisão

 

Termos em acordam neste Tribunal Arbitral em

– julgar improcedente os pedido de declaração parcial da ilegalidade e anulação da autoliquidação de IRC e derrama consequente da Requerente relativa ao ano de 2012, na parte que é objecto do pedido de pronúncia arbitral que é a relativa às contribuições suplementares para fundos de pensões, a que corresponde o imposto de € 345.027,28;

– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 345.027,28.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 30-11-2012

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Dr. Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Dr. Amândio Silva)

 

 

 

(Dr. José Ramos Alexandre)

 

 

 

 

1(  ) No documento n.º 13, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral refere-se valor de € 7.022.000, mas é o de € 7.042.000 que se refere no recibo, reproduzido no documento n.º 78.

No entanto, a Requerente refere no artigo 599.º do pedido de pronúncia arbitral, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, que está incluída naquele recibo a quantia de € 20.000 pagos por uma outra sociedade denominada «».

2(  ) O aditamento verificou-se no art. 40.º do CIRC, na redacção anterior à renumeração deste Código operada por esse mesmo DL n.º 159/2009, em que o art. 43.º corresponde àquele art. 40.º.

3(  ) Nos termos do parágrafo 159C da IAS 19 «a opção dos parágrafos 93A-93D pode ser usada para períodos anuais que terminem em ou após 16 de Dezembro de 2004».

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 75/2012-T

Tema: Decisão interlocutória

 

Processo n. ° 75/2012-T

 

Acordam os Árbitros no processo n.º 75-2012-T:

 

A A..., S.A., vem requerer, ao abrigo do princípio do contraditório e da boa fé e cooperação processual,  na formulação das alíneas a) e f) do artigo 16.° do DL n.º 10/2012, de 20 de Janeiro (RJAT),

 - que seja concedido prazo à requerente para se pronunciar sobre a questão (suscitada

pela AT) da força probatória da prova documental que juntou;

 - para juntar prova documental (inclusive de fonte "externa”, conforme pretendido pela AT) adicional sobre a factualidade invocada e para documentar a utilização do limite geral de 15% da massa salarial em despesas com realizações de utilidade social, entre 2005 e 2009;

 - seja pedido à AT, através dos seus mandatários neste processo arbitral, que confirme

a autenticidade dos casos, analisados e decididos pela Direcção de Serviços do IRC com sancionamento superior do Director Geral, constantes dos documentos juntos com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral com os números 67 e 80;

 - que   lhe   seja   permitido   exercer   contraditório   por   escrito,   sumariamente,

relativamente à resposta da AT, juntamente com a pronúncia acima referida, sem prejuízo do direito de resposta subsequente que a AT possa querer exercitar e sem prejuízo, e sem prejuízo de alegações orais.

 

Concomitantemente, no email com que enviou o requerimento, a Requerente indica a data em que tem disponibilidade para a marcação da reunião para a apresentação de alegações, o dia 31 de Outubro, às 10H30.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, opondo-se à junção de prova

documental, concordando com as alegações por escrito e dizendo que não são pertinentes para os presentes autos os casos concretos que a Requerente refere.

 

2 - A tramitação regra do processo arbitral, é definida nos artigos 10.°, 17.° e 18.° do RJAT, que estabelecem o seguinte:

 

Artigo 10.º

Pedido de constituição de Tribunal Arbitral

           

1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.

 

2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

a ) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido,

b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;

c) A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral;

d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;

e) A indicação do valor da utilidade económica do pedido;

f) O comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial, nos casos em que o sujeito passivo não tenha optado por designar árbitro ou comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem, caso o sujeito passivo manifeste a intenção de designar o árbitro;

g) A intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º .

 

 

Artigo 17.º

Tramitação

 

 

1 - Recebido o requerimento a que refere o artigo 10.º, o tribunal arbitral notifica o dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 15 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional.

 2- A administração tributária remete ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.° 5  do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

 

Artigo 18.º

Primeira reunião do tribunal arbitral

 

1- Apresentada a resposta, o tribunal arbitral promove umo primeira reunião com os partes para:

 

a) Definir a tramitação processual a adoptar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo;

b) Ouvir as partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido; e

c) Convidar as partes a corrigir as suas peças processuais, quando necessário.

2 -  Na reunião referida no número anterior, deve ainda ser comunicada às partes uma data para as alegações orais, caso sejam necessárias, bem como o data para a decisão arbitral, tendo em conto o disposto no artigo 21º.

 

Como se vê por estas normas, há apenas dois articulados no processo arbitral: o requerimento de pronúncia arbitral, formulado com o pedido de constituição do tribunal arbitral (art. 10.º), e a resposta (art. 17.°).

Não está prevista a existência de qualquer outro articulado escrito designadamente

réplica e tréplica. Na verdade, como se vê pelo art. 18.º, n.° 1, alínea b), a audição das partes sobre excepções deve ser efectuada oralmente, na reunião aí prevista. E, se é certo que não provoca qualquer atraso na tramitação do processo a eventual tomada de posição por escrito pelo sujeito passivo sobre excepções, antes da reunião referida, já o mesmo não sucede com articulados posteriores.

Esta estrutura simplificada do processo arbitral corresponde à concretização de um dos objectivos primaciais da criação dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, que é o de «imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo» (Preâmbulo do DL n.º 10/2011).

 

Tendo em vista atingir necessária celeridade processual, foi «adoptado um processo sem formalidades especiais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros no condução do processo» (Preâmbulo do DL n.°10/2011).

Por outro lado, impõe-se também ao Tribunal Arbitral, no exercício do seu dever de definir a tramitação do processo, que o exerça «atendendo aos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais» (art. 29.º, n.º 2, do RJAT).

No caso em apreço, gerou-se uma situação especial com as deficientes condições de legibilidade da resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que levou o Tribunal Arbitral, com o acordo das partes, a conceder à Requerente o prazo de 10 dias para apresentar resposta às questões prévias suscitadas pela Requerida na sua resposta, depois do que o Tribunal decidiria qual a tramitação processual subsequente, no prazo de 10 dias a contar da resposta da Requerente (acta da reunião prevista no art. 18.º do RJAT).

A Requerente apresentou a sua resposta às excepções no dia 24-9-2012.

Porém, tendo a Requerente incluído no documento de resposta às excepções alegações sobre a matéria de facto e juntado documentos de prova de factos que alegou e tendo-se oposto a isso a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi já decidido por este Tribunal Arbitral, por acórdão de 2-10-2012, que tal contraria a tramitação acordada na referida reunião, sendo determinado desentranhamento dos documentos e decidido considerar não escritos os artigos 61.º a  75.º da peça processual apresentada pela Requerente.

Este incidente gerado pela apresentação de alegações sobre a matéria de facto e junção

de novos documentos sobre factos alegados no documento de resposta às excepções provocou

já atraso do processo em relação à tramitação definida na reunião prevista no art. 18.º.

Tendo os Árbitros acordado que deveria seguir-se uma reunião para alegações orais, foi solicitado aos serviços do CAAD que apurassem junto das partes possíveis datas para a sua realização.

Na sequência do contacto dos serviços do CAAD para aquele efeito, a Requerente, além de mostrar disponibilidade para alegações orais em três datas entre 23 e 31 de Outubro, inclusive, requereu que lhe seja permitido apresentar uma nova peça processual, para se pronunciar por escrito sobre a questão da força probatória da prova documental que ela própria apresentou, e que lhe seja permitido apresentar prova documental adicional e exercer contraditório por escrito, sumariamente, relativamente à resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

           

 

As pretensões formuladas pela Requerente não têm cobertura legal, no que concerne à apresentação de peça escrita sobre a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, na parte que excede as questões prévias.

Na verdade, a possibilidade de pronúncia global sobre a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira reconduzir-se-ia a uma réplica, na terminologia do processo civil, que manifestamente não foi pretendida num processo que se pretendeu que tivesse uma tramitação especialmente célere, designadamente em relação ao processo de impugnação judicial (prazo de seis meses para o processo arbitral e de dois anos no processo de impugnação judicial, nos termos dos arts  21º, n.° 1, do RJAT e 96.°, n.° 2, do CPPT), em que também, por razões de simplificação e celeridade, não se prevê a possibilidade de réplica.

Para além disso, no que concerne à discussão das questões de facto e de direito suscitadas pela resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, as alegações orais são o meio processual legislativamente previsto, como se conclui do n.º 2 do art. 18.º  do RJAT.

Por outro lado, como resulta do teor expresso das alíneas c) e d) do n.° 2 do art. 10.° do RJAT, o momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é o adequado para exposição das questões de facto e de direito objecto do pedido de pronúncia arbitral e para apresentar os elementos de prova dos factos invocados e indicar os meios de prova a produzir.

Por isso, não há suporte legal para alegação de novos factos nem para concessão de prazo para apresentação de novos documentos, nem para a realização de diligência junto da Autoridade Tributária e Aduaneira para tendente à prova dos factos invocados no pedido de constituição do tribunal arbitral.

Neste contexto, não pode olvidar-se que mesmo que se tratasse de factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes, a sua dedução só poderia ser feita até à fase de alegações (como resulta do preceituado no art. 86.°, n.° 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 29.°, n.º 1, alínea c), do RJAT), fase esta que no presente processo se tem de considerar iniciada com a diligência para a marcação de data para serem produzidas alegações orais. Por isso, por maioria de razão estará afastada a possibilidade de invocação de factos não supervenientes, após a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.

Para além disso, designadamente no que concerne aos documentos com os n.ºs 67 e

80, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira não os

 impugnou com fundamento em falsidade, pelo que não se está perante uma situação em que a lei processual preveja a realização de qualquer diligência de prova tendo em vista confirmar a sua autenticidade.

Em face do exposto, e uma vez que as partes estão de acordo com a apresentação de

alegações por escrito, o processo deverá prosseguir com estas.

 

Termos em que acordam em indeferir as pretensões da Requerente e determinar a notificação da Requerente para apresentar alegações escritas em 10 dias, com subsequente notificação da sua apresentação da Autoridade Tributária e Aduaneira, por igual período, para o mesmo efeito.

 

Lisboa, 25-10-2012

 

Os Árbitros

 

 

Jorge Lopes de Sousa

 

Dr. Amândio Silva

 

Dr. José Ramos Alexandre

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 75/2012-T

Tema: Decisão interlocutória relativa às questões prévias.

 

Processo n.° 75/2012-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Amândio Silva e Dr. José Ramos Alexandre (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 9-7-2012, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., (doravante, A... ou Requerente) com sede em ..., contribuinte fiscal n °..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o mesmo número, sociedade dominante do Grupo de Empresas que inclui a B..., SP. (doravante, B...), sociedade comercial com sede na Freguesia de ..., concelho da ..., contribuinte fiscal n.º ... matriculada na Conservatória do Registo Comercial da ... sob o mesmo números e a C..., S.A. (doravante, “C..."), sociedade comercial com sede no ..., ..., ...-... ..., contribuinte fiscal n.º ... matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o mesmo número, requereu abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 e Março, a Constituição de Tribunal Arbitral tendo como objectivo:

a declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial do acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal de certas contribuições para fundos de pensões realizadas pelas sociedades, do Grupo Fiscal D..., B... E C..., às quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de €345.027.28.

 

A Requerente entende, em suma, que deve ser deduzido para determinação do lucro tributável o valor de contribuições suplementares para fundo de pensões no valor de € 842.592,84 efectuadas pela B... e contribuições suplementares para fundo de pensões no valor de €347.156.40, efectuadas C... que não foram consideradas no apuramento do lucro tributável do Grupo Fiscal, em razão de informação vinculativa negativa, por parte dos Serviços do IRC, a respeito da sua dedutibilidade fiscal, sancionada pelo Director Geral do Impostos.

A Requerente entende que, em termos de impacto na sua autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente) de 2010, incluindo a tributação adicional de IRC designada de derrama estadual e incidente, à taxa de 2,5%, sobre matéria colectável constituída pelo lucro tributável individual da B... e da C... -  na parte em que excede €2.000.000,00— (taxa total de 29%), estão em causa €345.027,28 (842.592,84 + 347.156,40 x 29%), pagos indevidamente em excesso pela Requerente.

A Autoridade Tributária   e Aduaneira respondeu suscitando a excepção de intempestividade e colocando uma «questão prévia», além de defender que o acto praticado não enferma de ilegalidade.

A «questão prévia» reporta-se ao pagamento da quantia liquidada, feito apenas parcialmente, como a própria Requerente nos arts. 20.º a 23.º do pedido de pronúncia arbitral, Trata-se, assim, de questão de cuja resolução não depende a possibilidade de conhecimento do mérito da causa, só se podendo colocar, a final, no caso de procedência da pretensão da Requerente.

Assim, como possível obstáculo à apreciação do mérito da causa, apenas é invocada a intempestividade.

É esta questão que cabe apreciar no presente acórdão interlocutório, como foi decidido na reunião prevista no art. 18.° do RJAT.

 

2. Matéria de facto

 

Com base nos elementos que constam do processo consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a apreciação da questão prévia, fundando-se os juízos probatórios nos documentos e afirmações das partes indicados:

           

a) Em 3-5-2011, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo q2 que constitui o documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativa ao ano de 2010;

b) Em 5-8-2011, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de ... reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC e derrama consequente, respeitantes ao exercício de moro (documento n.º2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c) Em 13-10-2011, a Requerente foi notificada, através de carta registada com aviso de recepção expedida em 12-10-2011, pelo Serviço de Finanças de..., com o ofício n.° ... da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida em b) (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d) Em 11-11-2011, a Requerente apresentou na Direcção de Finanças de .. recurso hierárquico, dirigido ao Senhor Ministro de Estado e das Finanças (documento n.° 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e) O recurso hierárquico referido foi remetido à Direcção de Serviços de IRC em 22-11-2011, com o ofício n.° ... da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ... (documentos n.ºs 5 e 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 f) Pelo Despacho n.° 2228/2012, publicado no Diário da República, II Série, de 15-2-2012, o Senhor Director da Autoridade Tributária e Aduaneira subdelegou em subdirectores gerais a competência para a apreciação de recursos hierárquicos,

nos termos aí indicados (documento n.° 7. junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g) O recurso hierárquico não foi decidido até 16-5-2012, data em que foi apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (registo no sistema informático do CAAD).

 

3. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a questão da. intempestividade

 

           

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado intempestivamente pelas seguintes razões, em suma:

- o recurso hierárquico do indeferimento expresso da reclamação graciosa foi interposto em 11-11-2011;

- o prazo de 60 dias previsto no n.º 5 do art. 66.° do CPPT inicia-se a partir da data em que o recurso hierárquico foi interposto (artigo 16 da resposta);

- não há lugar a aplicação subsidiária do CPA;

- por isso, o indeferimento tácito do recurso hierárquico produziu-se em 10-1-2012;

- consequentemente, o prazo de 90 dias previsto no art. 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT terminou em 9-4-2012 (ou em 20-3-2012, como também defende no art. 38.º da resposta) e o pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 16-5-2012, é intempestivo;

- no regime do CPPT, ao contrário do que sucede com o do CPA, o recurso hierárquico é interposto sempre perante o autor do acto recorrido, pelo que não há, no primeiro, necessidade de acautelar qualquer hiato temporal entre a entrega do requerimento e a remessa ao superior hierárquico, como se faz  no art. 175.º, n.° 1, do CPA;

- a contagem do prazo de decisão do recurso hierárquico desde a data da interposição evita que a administração tributária prolongue a duração do recurso hierárquico e a contagem do prazo para deduzir impugnação judicial, o que não sucede se se entender que o prazo de decisão se conta da remessa do processo ao superior hierárquico;

- a diferença de regime justifica-se por no Direito Administrativo poderem suscitar- se mais frequentemente dúvidas sobre a entidade hierarquicamente competente para a apreciação do recurso, o que não sucede no Direito Tributário por a competência caber quase exclusivamente ao Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira;

- no prazo de 15 dias para a intervenção do órgão recorrido (pronúncia e remessa do processo ao órgão competente para a decisão) é um prazo específico e autónomo, que precede o prazo fixado para a decisão do recurso hierárquico;

- se se entender aplicar o art. 175.º, n.º 1, do CPA, o prazo de decisão iniciar-se-á findos os 15 dias subsequentes à interposição de recurso, a que alude o art. 172.º n.º1, sendo, também por esta via, intempestiva a apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

- não existe nenhuma estipulação no CPA que obrigue a Administração a notificar o recorrente da subida do recurso hierárquico;

- não sendo decidido o recurso hierárquico no prazo de 60 dias, deve o mesmo considerar-se tacitamente indeferido, por aplicação supletiva do art 175.º n.º 3 do CPA, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea d) do CPPT, pois não há no CPA um prazo para formação do indeferimento tácito diferente do prazo para decisão;

- o art. 57.°, n.° 1, da LGT aplica-se apenas a procedimentos de 1.º grau.

 

 

4. Posição da Requerente sobre a questão da intempestividade

 

A Requerente defende sobre esta questão o seguinte, em suma:

- tem de atender-se aos textos legais, de aplicação geral, e não a decisões judiciais com efeitos restritos a casos concretos;

- não indicando o art. 66.º, n.º 5, do CPPT qual o termo inicial do prazo de 60 dias para decisão do recurso hierárquico, tem de fazer-se aplicação subsidiária do CPA, em cujo art. 175 °, n.° 1, se refere que o prazo para decisão do recurso hierárquico se conta a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer;

- se esta norma pretende acautelar as hipóteses em que o recurso hierárquico não é interposto directamente perante a entidade competente para o decidir, ela é aplicável por maioria de razão ao recurso hierárquico em matéria tributária, em que essa situação se verifica sempre;

- da aplicação conjugada dos arts. 66.°, n.° 5 do CPPT e 175.°, n.° 1, do CPA resulta como termo inicial do prazo de decisão do recurso hierárquico o dia 22-12-2011 e como termo final o dia 20-2-2012, data esta em que se formou indeferimento tácito, por via do art. 57.º, n.º 5. da LGT ou dos arts. 109.º e 175.º, n.º 3, do CPA;

- termos em que, como se concluiu no pedido de constituição de Tribunal Arbitral, apresentado em 16-5-2012, foi-o tempestivamente dentro do prazo de 90 dias contado do indeferimento tácito ocorrido em 20-2-2012, que terminava em 21-5-2012;

 - nenhum texto legal dá suporte à interpretação no sentido de o prazo de decisão do recurso hierárquico se iniciar 15 dias após a apresentação do requerimento de interposição;

- tal interpretação, que foi adoptada no contencioso administrativo, é incompatível com o princípio da segurança e certeza jurídicas, pois afecta a confiança e certeza que um destinatário normal e razoavelmente conhecedor da linguística deve poder depositar na interpretação declarativa das normas, por oposição a uma qualquer dita interpretação que se desliga do texto legal;

- nível de confiança este que tem neste tipo de casos uma circunstância aumentativa da sua importância: a descoberta do que diz ou não diz a lei no ponto aqui em causa condiciona decisivamente o direito fundamental de acesso aos tribunais para tutela e defesa dos direitos (cfr. artigos no.°, n.° 20.º n.º 1, e 268.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa — CRP), uma vez que em termos finais tudo está em saber qual exactamente o prazo de que o anónimo titular do direito e destinatário da norma disciplinadora do exercício do mesmo, dispunha para o exercitar;

- daí que, nesta área, se se pode aceitar que praeter legem se entenda que o titular do direito possa também (adicionalmente) reagir, fazendo uso da ficção do indeferimento tácito, quando o prazo para a decisão, somada ao prazo para a remessa do recurso ao órgão competente para decidir, já se tenha esgotado (tutela adicional do direito constitucional de acesso aos tribunais), seja juridicamente inaceitável, pela mesmíssima razão de tutela do direito constitucional de acesso aos tribunais, substituir-se a regra (em vez da mera adição de alternativa) que se revela mediante interpretação declarativa do texto legal relevante (“prazo inicia-se com remessa do processo ao órgão competente para decidir”) por regra diferente que se não revela na letra da lei;

- é por a remessa do processo ser o termo inicial do prazo de decisão e de formação de indeferimento tácito que explica que seja comunicada ao recorrente a remessa do processo ao superior hierárquico (art. 172.º, n.º 1, do CPA), que, sem esse alcance, teria mero efeito interno;

 - no caso de falta de remessa no prazo legal, o contribuinte não fica desprotegido, dispondo de vários remédios, inclusivamente, no contencioso tributário, a intimação para um comportamento;

- o princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos, consagrado nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.°, n.° 4. da CRP, não se compagina com prazos de preclusão de direitos que não estejam explicitamente indicados e com que os seus titulares não possam, com a diligência e conhecimentos normais, seguramente contar;

 - fere noções elementares de justiça, substituir-se um prazo integrante de um prazo disciplinador do exercício do direito de acesso aos tribunais, revelado objectivamente mediante interpretação declarativa do texto legal (e que é reforçada por outros pontos do sistema legal e justificada por uma teleologia perfeitamente razoável e compreensível), por um outro que a contraria;

- é inconstitucional, por violar o princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos, previsto nos artigo 20.°, n.º1, e 268.°, n.° 4. da CRP, o artigo 175.º, n.° 1, in fine, do CPA (“a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer”), na interpretação, contrária à sua interpretação declarativa, de que para efeitos de contagem do prazo de indeferimento tácito dele dependente relevariam no máximo os 15 dias previstos para a remessa do processo ao órgão competente para conhecer do recurso hierárquico;

- a consequência da intempestividade é a absolvição da instância e não do pedido.

 

5. Decisão da questão da intempestividade

 

A questão da tempestividade que é colocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira reconduz-se a saber qual o termo inicial do prazo de 60 dias para decisão do recurso hierárquico, previsto no art. 66.°, n.° 5, do CPPT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que tal prazo se inicia a partir da data da interposição de recurso ou do termo do prazo de 15 dias previsto no art. 66.°, n.° 3, do CPPT para a subida do processo ao órgão competente para a sua decisão. A contagem do prazo de 60 dias para decisão do recurso hierárquico contar-se-á independentemente de o processo de recurso hierárquico subir ou não à entidade competente para o decidir.

A Requerente defende que o prazo de decisão do recurso hierárquico se inicia com a remessa do processo à entidade competente para decidir o recurso hierárquico, fazendo aplicação subsidiária do art. 175.°, n.° 1, do CPA.

O recurso hierárquico é um dos tipos de procedimento tributário, expressamente indicado na alínea f) do n.° 1 do art.°54 da LGT, em que o artº. 57º se insere entre as «regras gerais», que constam do Título III da LGT, relativo ao «Procedimento tributário».

No entanto, o facto de no n.° 5 do art.º 57.° da LGT se indicar a presunção de indeferimento da petição também para efeitos de recurso hierárquico, sugere a conclusão de que se tem em vista nesta norma a falta de decisão de actos primários, actos de que pode ser interposto recurso  hierárquico, e não a falta de decisão dos recursos hierárquicos. ( [1] )

A não aplicação directa do n.° 5 do art.º  57.º da LGT, à formação de indeferimento tácito sobre petições de recurso hierárquico não significa, no entanto, que a regra base sobre a contagem do prazo de formação de indeferimento tácito de actos de primeiro grau que aí se prevê não possa ser aplicada, por analogia, ao indeferimento tácito de quaisquer decisões em matéria tributária, na falta de norma especial que regule recurso hierárquico, nesse ponto.

A LGT não contém normas específicas sobre a tramitação dos recursos hierárquicos, estabelecendo apenas, no seu art. 80.º, que «a decisão do procedimento é susceptível de recurso hierárquico para o mais elevada superior hierárquico do autor do acto mas, salvo disposição legal em sentido contrário, este é sempre facultativo».

No art. 66.º do CPPT indica-se o prazo de decisão, mas não o seu termo inicial, pelo que, não se podendo determinar o termo final de um prazo sem se conhecer o termo inicial, é forçoso concluir que é necessário fazer apelo a outras normas para apurar quando termina o prazo de decisão do recurso hierárquico.

Partindo do pressuposto de que o art. 57.º, n.º 5, da LGT visa apenas a formação de indeferimento tácito relativamente a actos de primeiro grau, poderá aventar-se como solução a aplicação analógica do seu regime a actos de segundo grau.

No entanto, a regra de que o prazo de conclusão do procedimento é contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária pressupõe, para efeitos de formação de indeferimento tácito, que seja um mesmo serviço o competente para tramitar e decidir o procedimento. Isto conclui-se do facto de o art. 107.° do CPPT prever, apenas e especialmente para os casos de delegação e subdelegação de poderes, que o indeferimento tácito se forma mesmo que a petição ou requerimento não seja remetido ao delegado ou subdelegado, atendendo-se à data da respectiva entrada, para efeito de formação de indeferimento tácito. Na verdade, a previsão deste regime específico para os casos de delegação e subdelegação de poderes seria desnecessária se existisse uma regra geral no sentido de que, em todos os casos em que a entidade a quem é apresentado o requerimento ou petição não é a competente para a decisão o prazo, o prazo de formação de indeferimento tácito se contava da entrada do requerimento ou petição e não da remessa do processo à entidade competente para a decisão ou a sua recepção por esta.

Uma outra norma que confirma que o regime do art. 57.°, n.° 5, da LGT, ao referir como termo inicial do prazo de formação de indeferimento tácito a entrada da petição tem em vista situações em que o serviço em que a petição dá entrada é o da entidade competente para a decisão, é o art. 106.º do CPPT. Na verdade, apesar de ter uma redacção pouco feliz, este art. 106.°, ao estabelecer que «a reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnarão judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente» inculca também que o que releva para a formação de indeferimento tácito é a falta de decisão pelo órgão competente no prazo de que ele próprio dispõe para decidir, não relevando para este efeito o período que decorrer enquanto o requerimento ou petição está no poder de órgão incompetente para decidir. Com efeito, se relevasse para efeito de formação de indeferimento tácito o período que decorre desde a entrada do requerimento, independentemente de o processo ser colocado na disponibilidade da entidade competente para decidir, a referência ao «órgão competente» que se inclui naquele art. 106.° seria absolutamente inútil.

Sendo assim, como no caso do recurso hierárquico regulado pelo art. 66.° do CPPT, a petição é apresentada ao autor do acto recorrido e, depois, o processo é enviado ao superior hierárquico, para decisão (art. 66.°, n.°s 1 e 3, do CPPT), não será aplicável aquele regime de contagem do prazo de decisão a partir da data de entrada da petição, previsto no art. 57.º, n.º 5 da LGT.

Assim, como no art. 66.° do CPPT não se indica o termo inicial do prazo de decisão

do recurso hierárquico e este também não se encontra no referido art. 57.º n.º 5, da LGT ou

noutra lei tributária, não se podendo determinar o termo final de um prazo sem se conhecer o termino inicial, é forçoso concluir que, há no art. 66.° do CPPT uma lacuna de regulamentação, quanto ao termo inicial do prazo, que tem de ser preenchida, atenta a natureza do caso omisso, com aplicação subsidiária do CPA, nos termos do art.2.º, alínea d), do CPPT.

O art. 175.°, n.°  1, do CPA indica expressamente o termo inicial da contagem do prazo de decisão do recurso hierárquico estabelecendo que «quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias contado a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer».

Como é óbvio, o facto de o recurso hierárquico no regime do CPPT ter de ser obrigatoriamente apresentado perante o autor do acto recorrido (art. 66.°, n.° 2), enquanto no regime do CPA pode ser apresentado, à escolha do recorrente, perante o autor do acto recorrido ou a entidade a quem é dirigido, não constitui fundamento de soluções diferentes para esta mesma questão, pois, em ambos os regimes, o processo administrativo tem de ser remetido ao superior hierárquico e enquanto este não for recebido não estarão reunidas as condições para ser preferida decisão. Por isso, em ambos os regimes se justifica que não seja contado como o prazo de decisão o período anterior à remessa do processo administrativo. É, pois, por via de aplicação subsidiária do art.º 175.º n.° 1, do CPA, a partir do remessa do processo administrativo que tem de contar o prazo de 60 dias previsto non.º 5 do art. 66.º do CPPT como prazo máximo de decisão do recurso.

É certo que a Secção do Contencioso Administrativo do STA tem entendido, restringindo o alcance literal do n.º 1 do art.º 175.º do CPA, que a remessa do processo apenas constitui termo inicial do prazo de decisão, quando ela ocorrer dentro do prazo de 15 dias que se prevê no n.°1 do art. 172.°, com remissão para o art. 171. º ([2] )

Porém, os fundamentos em que assentou essa interpretação restritiva, para além de

só valerem nos casos de recurso hierárquico necessário e na vigência da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, já revogada, nunca valeram no direito tributário, em que vigora a regra do recurso hierárquico facultativo (arts. 8o.° da LGT e 67.º, n.° 1, do CPPT, na esteira do art. 92.°, n.º 1, do CPT), para além de essa interpretação não ter suporte legislativo constitucionalmente admissível, no âmbito do contencioso tributário.

A referida jurisprudência da Secção do Contencioso Administrativo do STA concretiza uma interpretação restritiva do art. 175.°, n.°1, do CPA, pois, enquanto nesta norma se diz expressamente que o prazo para decisão do recurso hierárquico se conta «a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer», aquela jurisprudência limita a aplicação deste termo inicial aos casos em que ele ocorra antes do prazo de 15 dias previsto para a remessa no art. 172.º n.º 1.

Esta interpretação está em manifesta dissonância com o teor literal do n.° 1 do art. 175.º que fixa a remessa, e não o termo do prazo para efetuar, como termo inicial da contagem do prazo para decisão do recurso hierárquico.

Nessa jurisprudência não se indicam quais as regras interpretativas utilizadas, à face das elencadas no art. 9.° do Código Civil, para chegar à conclusão a que se chegou e é evidente que ela está ao arrepio do princípio interpretativo de que se tem de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.°. n.° 3, do Código Civil), pois indicar a «remessa», um acto material que tem como efeito prático disponibilizar o recurso hierárquico à entidade competente para o decidir, proporcionando- lhe a possibilidade de decidir, não é o mesmo que dizer «termo do prazo previsto para a remessa», que abre a porta à possibilidade de a entidade competente poder não ter sequer oportunidade de decidir do recurso hierárquico, caso a entidade que proferiu o acto de primeiro grau atrase a remessa por período superior aos 15 dias acrescido do prazo de decisão.

Uma solução deste tipo estaria ao arrepio do princípio básico da hierarquia administrativa, de que a possibilidade de revogação das decisões dos subalternos pelos órgãos superiores da Administração é uma das manifestações mais relevantes. No âmbito de uma administração hierarquizada (como é caso da generalidade da Administração estadual e, nomeadamente, da Administração Tributária), permitir-se-ia que as decisões dos subalternos se impusessem aos seus superiores, sendo aqueles a decidir quando é que estes poderiam ou não decidir os recursos hierárquicos, o que consubstanciaria uma solução legislativa tão manifestamente desacertada que tem de se presumir não ter sido adoptada na lei, como impõe o n.° 3 do art. 9.° do Código Civil.

De qualquer modo, os dois argumentos invocados no acórdão do STA de 25-2-2010,

processo n.° 320/08 (único que se reporta a uma situação posterior à entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a que é aplicável o regime actualmente vigente), são improcedentes no âmbito do contencioso tributário.

Um dos argumentos é o de que «não é aceitável, na medida em que como alega o recorrente, consente  uma indesejável margem de incerteza, quanto à data em que o recurso deve considerar-se indeferido (art. 175/3 CPTA)›. Este argumento, que poderia ter algum valor à face da redacção inicial do CPA, em que não se estabelecia qualquer forma de o recorrente saber a data em que o recurso hierárquico tinha sido remetido à entidade competente para o decidir e, consequentemente, saber a data do início do prazo de formação de indeferimento tácito, deixou de ter valor após a alteração introduzida pelo DL n.º 6/96, de 31 de Janeiro, no n.° 1 do artº. 172.°, que passou a dizer: «No mesmo prazo referido no artigo anterior deve também o autor do acto recorrido pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao orgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo». Não há, naturalmente, forma mais e eficiente e segura de o recorrente saber exactamente a data da remessa do processo do que a sua comunicação através de notificação, pelo que não se vislumbra onde possa haver a invocada «indesejável margem de incerteza, quanto à data em que o recurso deve considerar-se indeferido». É de notar, à face deste novo regime, que, se esta notificação for omitida e o recorrente deixar passar o prazo de impugnação do indeferimento tácito, nunca poderá ser prejudicado no seu direito de impugnação contenciosa, pois, neste contexto, a remessa do processo assume-se que um acto que influencia negativamente a esfera jurídica do recorrente e, por isso, só pode produzir esses efeitos negativos em relação a este depois de notificado, como decorre da regra do art. 36.º, n.° 1, do CPPT, que está em consonância com a do art. 132.º n.° 1, do CPA.

O outro argumento invocado neste acórdão do STA de 25-2-2010, é o de que a interpretação no sentido da contagem do prazo de decisão do recurso hierárquico apenas a partir da efectivação da remessa do processo ao órgão competente para a decisão, «permitiria, afinal, que a Administração protelasse indefinidamente a decisão do recurso hierárquico, bastando que a autoridade competente, quando lhe fosse apresentado, o não remetesse à autoridade recorrida, para pronúncia, ou que esta, quando aquele mesmo recurso, diretamente, lhe fosse apresentado, o não remetesse ao órgão competente para decisão».

É claro que, conte-se o prazo como se contar, a administração pode sempre, ilegalmente, violando a norma que impõe prazo para a remessa ou a que fixa prazo para decidir, protelar a decisão ou até nunca vir a proferi-la, pelo que este inconveniente não é afastado pelo facto de o prazo se contar da remessa efectiva ou do termo do prazo para a concretizar.

Quanto ao inconveniente a que, decerto, se pretenderá aludir com este argumento, que é o de, não se iniciando o prazo de decisão por não ser efectuada a remessa, não se formar indeferimento tácito e o interessado não poder aceder nos tribunais para o impugnar, é explicitamente invocado no referido no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do STA de 20-11-2002, processo n.° 46077 , em que se defende que o entendimento aí adoptado é «o único entendimento racional que suportoa o n.° 1 do referido artigo 175° e que permite não frustrar o objectivo do instituto do indeferimento tácito, que é proteger os administrados contra a inacção da Administração, permitindo- lhes o recurso aos tribunais em certos casos em que esta se verifique».

Se é certo que esta argumentação podia ter valor no âmbito do contencioso administrativo, relativamente aos recursos hierárquicos necessários, no momento em que foi proferido o acórdão (na vigência da LPTA e da restrição da impugnabilidade contenciosa aos actos verticalmente definitivos que decorria do n.° 1 do seu art. 25.°), não podia ser-lhe reconhecido relevo, já então, no âmbito do contencioso tributário, em que vigorava, como hoje, a regra da facultatividade dos recursos hierárquicos (arts. 8o.° da LGT e 67.°, n.º 1, do CPPT), em que o acesso à via contenciosa não depende da decisão ou não do recurso hierárquico. Na verdade, quando o recurso hierárquico é facultativo, o acesso à via contenciosa ocorre e sempre ocorreu com o acto primário, o acto que de que é interposto o recurso hierárquico, como decorre do preceituado no art. 167.º, n.° 1, do CPA.

Actualmente, a improcedência desta argumentação é mais clara, pois, como resulta

do teor expresso do art. 59.º n.º 5. do CPTA, na pendência da impugnação administrativa o interessado pode optar pela impugnação contenciosa, pelo que a referida situação de falta de remessa, à face do regime vigente, nunca impede o interessado de aceder aos tribunais, quer seja proferida decisão do recurso hierárquico quer não o seja.

Assim, o único argumento invocado por aquela jurisprudência da Secção do Contencioso Administrativo do STA que podia justificar uma interpretação restritiva do n.° 1 do art. 175º do CPA, para além de só poder valer quando o recurso hierárquico tem natureza de necessário não tem qualquer validade à face do regime vigente e nunca a teve no contencioso tributário.

Por outro lado, a solução perfilhada pela Secção do Contencioso Administrativo do STA, alegadamente adoptada para acautelar os direitos do administrado contra a passividade ilegal da administração, redundou em prejuízo dos recorrentes em ambos os casos abordados naqueles acórdãos, o que é um irónico indício da fragilidade desta argumentação. Na linha do que defende a Requerente na resposta a esta excepção, deverá reconhecer-se que, a ser a garantia do direito do administrado ao acesso à via contenciosa que justifica a interpretação restritiva do n.° 1 do art. 175.° essa restrição só será teleologicamente fundada se se limitar aos casos em que é necessária para garantir tal direito de acesso, não podendo com ela, perversa e injustificadamente, eliminar-se este direito relativamente aos administrados que, legitimamente, confiaram numa interpretação de acordo com o teor literal daquela norma. As interpretações restritivas visam fazer coincidir o alcance da lei com a sua razão de ser ( [3] ), pelo que não, podem deixar elas próprias de valer quando deixa de valer a sua própria justificação.

Na verdade, é inaceitável, num Estado de Direito (art. 2.° da CRP), que as consequências das omissões da administração, em vez de a penalizarem a ela, que violou a lei, acabem por prejudicar o administrado que viu violado o seu direito à remessa tempestiva do processo e à notificação da data em que ela se efectuar.

O administrado que pretende exercer o seu direito de impugnação contenciosa na sequência de um recurso hierárquico tem direito a aguardar que lhe seja efectuada a comunicação da remessa do processo, prevista no art. 172.°, n.° 1, do CPA, para iniciar a contagem do prazo de decisão e consequente formação de indeferimento tácito, e tem também direito, num Estado de Direito, a que os tribunais lhe reconheçam esse direito e não beneficiem a administração por o ter violado.

Por outro lado, perante o teor literal do art. 175.°. n.° 1, que fixa explicitamente a remessa do processo como termo inicial do prazo de decisão do recurso hierárquico, o administrado, que não é o legislador, não pode ser penalizado no seu direito de acesso aos tribunais, garantido pelos arts, 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da CRP por uma eventual falta de correspondência entre esse teor literal e uma hipotética intenção legislativa. O princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos não se compagina com prazos

de preclusão de direitos que não estejam explicitamente indicados e com que os seus titulares não possam, com a diligência e conhecimentos normais, seguramente contar.

Por isso, seria materialmente inconstitucional, por violadora daquelas normas constitucionais, uma interpretação do art.º 175.º, n.º 1, da CPA de que resultasse a perda do direito à impugnação contenciosa em situações em que o interessado o exerceu dentro do

prazo legal, contado nos termos aí indicados.

De qualquer modo, mesmo que o referido entendimento da Secção do Contencioso Administrativo do STA se pudesse aceitar no âmbito do direito administrativo, ele é inaceitável em matéria tributária, atento o especial relevo que nele é dado às garantias dos contribuintes em que o direito ao recurso hierárquico manifestamente se inclui.

Na verdade, sendo o direito ao recurso hierárquico uma garantia dos contribuintes, a respectiva regulamentação está incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, por força do disposto nos arts 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, pelo que o Governo só pode legislar sobre tal matéria munido de autorização legislativa e em sintonia com os seus sentido e limites, nos termos dos arts. 112.º, n.º 2,, 165.º, n.º 2, e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

O direito ao recurso hierárquico foi reconhecido aos contribuintes pelo art. 80.° da LGT, emitida ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 41/98, de Agosto, em que cuja alínea 23) do art. 2.º expressamente se impôs ao Governo a inclusão na LGT de normas sobre o recurso hierárquico.

O conteúdo essencial do recurso hierárquico é proporcionar ao contribuinte uma segunda apreciação da sua pretensão por uma entidade de nível hierárquico superior ao autor do acto impugnado.

Por isso, a regulamentação do recurso hierárquico não pode eliminar esta possibilidade de reapreciação pelo superior hierárquico, pois ela reconduz-se à própria eliminação do direito ao recurso hierárquico.

A tese que sustenta que pode formar-se indeferimento tácito do recurso hierárquico sem sequer ser apresentada ao superior hierárquico a pretensão do contribuinte, por o prazo de decisão poder decorrer integralmente antes de o processo lhe ser remetido, tem como corolário, nestes casos, a supressão do direito ao recurso hierárquico.

Por isso, esta interpretação, transformando o direito ao recurso hierárquico, que é o direito a uma segunda apreciação das pretensões em matéria tributária, numa mera possibilidade de apresentação da pretensão ao autor do acto, com transposição para este do poder, contenciosamente incontrolável, de decidir se a apreciação pelo superior hierárquico vai ter lugar ou ser eliminada, é incompatível com o art. 80.° da LGT, que atribuiu ao contribuinte um direito ao recurso hierárquico e não apenas o direito de deixar à consideração do subalterno autor do acto a eventual submissão da pretensão do contribuinte à apreciação do superior, fora dos casos em que o autor do acto recorrido o revogue ele próprio, situação em que o recurso hierárquico se tornará supervenientemente inútil.

Esta interpretação dos n.°s 2, 3 e 5 do art. 66.º do CPPT, por ser incompaginável com o art. 80.º da LGT, é de rejeitar, desde logo, pois o art. 1.º do CPPT expressamente reconhece a supremacia da LGT, ao estabelecer que se aplica sem prejuízo do disposto na LGT.

Por outro lado, tratando-se de legislação atinente às garantias dos contribuintes, a constitucionalidade orgânica da intervenção legislativa do Governo materializada na aprovação do CPPT está dependente da sua subordinação à respectiva autorização legislativa, concedida pelo art.51.º, n.º 1, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, em cuja alínea c) se impôs a compatibilização das normas do Código de Processo Tributário com as da LGT e não a eliminação e substituição de normas desta. A autorização legislativa foi concedida apenas para alteração de normas do CPPT e não da LGT.

Nesta perspectiva, os n.ºs 2, 3 e 5, do art. 66.º do CPPT serão organicamente inconstitucionais, por restringirem uma garantia dos contribuintes sem suporte legislativo da Assembleia da República, se interpretados como permitindo a contagem e esgotamento do prazo para decisão do recurso hierárquico sem a submissão do recurso à apreciação da entidade competente para decidir.

Assim, tem de se concluir que é a data da remessa do processo ao superior hierárquico que determina o início do prazo de 6o dias para sua decisão, previsto no art. 66.°, n.° 5, do CPPT.

No caso em apreço, a remessa do processo ocorreu em 22-12-2011 [como se refere na alínea e) da matéria de facto fixada], pelo que o prazo para decisão e consequente formação de indeferimento tácito não podia terminar antes de 20-2-2012.

Por isso, o prazo de 90 dias, contado do termo do prazo para decisão do recurso hierárquico, previsto na alínea a) do n.° 1 do art. 10.º do RJAT, não podia terminar antes de 20-5-12, que é Domingo.

Consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 21-5-2012 é tempestivo.

 

Improcede, assim, a questão prévia da intempestividade.

 

Notifique as partes.

 

Lisboa, 2-10-2012

 

 

Os Árbitros

 

 

Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente)

 

Dr. Amândio Silva

 

Dr. José Ramos Alexandre

 

 

 



[1] Neste sentido, pode ver-se, além do citado acórdão de 20-6-2007, processo n.° 1015/o6, o acórdão do STA de 18-9-2008, processo n.° 338/08.

[2] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA do STA: de 1-7-1997, processo n.° 41245;

de 17-12-1998, processo n.º 43277; de 20-11-2002, processo n.° 46077,de 25-2-2010, processo n.° 320/08.

 

[3] Cessante ratione legis cessat eius dispositio (là onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186).