DECISÃO ARBITRAL
Partes
Requerente – A..., S.A. NIPC PT..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa.
Requerida – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
I. RELATÓRIO
a) Em 09-07-2015, o Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
b) O pedido está assinado por advogado em representação da Requerente.
O PEDIDO
c) O Requerente pede a anulação das liquidações adicionais de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis IMT (colecta do imposto e juros), relativamente ao facto tributário corporizado na aquisição do direito de propriedade plena, por escritura de dação em cumprimento de 30.03.2010, do prédio urbano composto por edifício destinado a serviços, sito na Rua ... nº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito sob o artigo ...º (actual artigo ...º), na freguesia da ... e ... e Município de Portalegre, correspondendo ao empreendimento turístico “B...”.
d) Liquidações que resultaram de pedido escrito (via e-mail) dirigido pelo Requerente em 27.03.2015 à Requerida, suscitando a emissão de guias de pagamento e geradoras de uma colecta de IMT de 396 500,00 e de juros compensatórios de 79 343,45 euros, num total de 475 843,45 euros.
e) As liquidações (IMT e juros) ora impugnadas constam do documento único de cobrança... de 10.04.2015. Para isso,
f) Aduz que a aquisição se efectuou no pressuposto de que a operação beneficiava de isenção de IMT e de redução do Imposto do Selo (IS) ao abrigo do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05.12, tendo em vista a “instalação de empreendimento turístico destinado a exploração turística” e que se destinou “a permitir a continuidade do processo de instalação do empreendimento de utilidade turística”.
g) Concluindo não existirem os pressupostos da(s) liquidação(ões) impugnadas, uma vez que se não se verificam os pressupostos de legalidade, segurança e da tipicidade, além de se verificar falta de fundamentação, uma vez que propugna no sentido de se verificarem os pressupostos de aplicação da norma isentiva contida no artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05.12.
h) Insurge-se ainda contra os actos impugnados por violarem, nomeadamente, os princípios da proibição da retroactividade e da certeza e segurança jurídicas, porquanto a Requerida “reconheceu a isenção do IMT previamente à celebração da escritura pública”, “tendo … apresentado na escritura pública os documentos confirmativos da sua aplicação, os quais mereceram também a validação do Notário responsável”.
i) E que as liquidações não foram antecedidas da emissão de orientações genéricas que considera uma formalidade essencial, resultando beliscado o princípio da colaboração da AT com os contribuintes e o princípio da boa-fé, razão pela qual não poderia ser exigido o pagamento das liquidações.
j) Invoca, por último que a revogação da isenção, resultante da apresentação da declaração de Modelo I do IMT e da sequente emissão do DUC (que considera integrar um acto constitutivo de direitos), só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano contado da data da escritura (do facto tributário) de 30.03.2010, é ilegal por violar o conteúdo da norma contida no artigo 141º do CPA.
k) Termina pedindo a anulação das liquidações, com consequente reembolso da quantia total paga, acrescida dos juros indemnizatórios.
DO TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO (TAC)
l) O pedido de constituição do TAC foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16-07-2015.
m) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados três árbitros, incluindo os dois primeiros signatários desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 28-08-2015. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
n) Pelo que o Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) se encontra, desde 14-09-2015, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
o) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo com data de 14-09-2015 que aqui se dá por reproduzida.
p) Posteriormente o ilustre árbitro designado na terceira posição indicado no documento referido no inciso anterior, veio pedir escusa que foi considerada justificada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, por despacho de 04.12.2015, na mesma data notificado às partes.
q) No mesmo despacho, em substituição, foi nomeado novo árbitro, ora indicado na terceira posição desta decisão, relativamente ao qual as partes também não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
r) Logo em 15-09-2015 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 19.10.2015 juntando o Processo Administrativo (PA), composto pelo Anexo 1 (com 13 laudas), pelo Anexo 2 (com 10 laudas), pelo Anexo 3 (com 14 laudas), pelo Anexo 4 (com 12 laudas) e pelo Anexo 5 (com 9 laudas), todos em ficheiro informatizado.
s) Por decisão do TAC de 21.10.2015 foi dispensada a realização da reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT por não se verificarem os seus pressupostos. Neste despacho fixou-se prazo de 10 dias para a produção de alegações escritas e sucessivas.
t) Quer a Requerente (requerimento de 02.11.2015), quer a Requerida (Requerimento de 11.11.2015) optaram por não apresentar alegações formais, mas reiteraram as posições já defendidas, respectivamente, no pedido de pronúncia e na resposta.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
u) Legitimidade, capacidade e representação - As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
v) Contraditório - A AT foi notificada nos termos do inciso r). Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD.
w) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito,
O Requerente alega ter sido notificado em 10.04.2015 da liquidação de IMT realizada pelo Serviço de Finanças de Portalegre. A Requerida não colocou em causa essa data, antes veio confirmá-la no ponto 46 da resposta. Uma vez que o pedido de pronúncia deu entrada no CAAD no dia 08.07.2015, não existindo no processo qualquer outro elemento que permita concluir que a entrega do pedido de pronúncia no CAAD, no dia indicado, foi intempestivo, o TAC considera verificado este pressuposto processual.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
x) O Requerente propugna no sentido de que a aquisição do bem imóvel acima indicado beneficia da isenção de IMT constante do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05.12, alegando tratar-se de isenção objectiva “dirigida a beneficiar a concretização do processo de instalação de empreendimentos de utilidade pública” e foi nesse pressuposto de funcionamento da norma isentiva que as adquiriu.
y) Acrescentando que a Autoridade Tributária “confirmou e validou em tempo oportuno a aplicação da isenção de IMT”, tendo o documento de liquidação à taxa zero sido apresentado ao Notário que também validou a aplicação da isenção de IMT.
z) E que a aquisição “foi efectuada tendo em vista instalação do empreendimento turístico destinado a exploração turística”, ou seja, “o imóvel adquirido foi afecto jurídica e economicamente ao empreendimento turístico, com vista a possibilitar a sua completa instalação”.
aa) Uma vez que a “utilidade turística” do empreendimento foi reconhecida pelo prazo de 7 anos até 12 de Junho de 2016, a aquisição do imóvel foi realizada no período de vigência temporal da “utilidade turística”, concluindo que por esta razão “destinou-se a permitir a continuidade do processo de instalação do empreendimento”.
bb) Refere que não se constituiu qualquer facto tributário, na data da(s) liquidação(ões) ora impugnadas porque não foi provada a verificação dos pressupostos de que depende a exigibilidade do imposto, pelo que o acto de liquidação configura a criação de um verdadeiro imposto, sendo nulo, por falta de atribuições na criação de imposto não permitido pela lei.
cc) E aduz ainda que o acto impugnado enferma de falta de fundamentação de facto e de direito, ou pelo menos é insuficiente, obscura e incongruente, para além de que a quantia exigida não tem fundamento legal e factual, suscitando a quantificação do facto tributário fundadas dúvidas.
dd) Entende que a AT o induziu em erro “quando concedeu a isenção de pagamento de IMT previamente à celebração da escritura pública em causa” e agora procede à liquidação do imposto, dada a inexistência de orientações genéricas da AT quanto à matéria e que por força do nº 4 do artigo 68ºA da LGT se impunha a sua publicação, tendo em conta que os fundamentos invocados para a emissão da liquidação são retirados de um acórdão uniformizador de jurisprudência, o que considera ser uma formalidade essencial relativa à formação da vontade administrativa.
ee) Defende que, por não existir previamente orientação genérica publicada pela AT sobre esta matéria, ocorre preterição de formalidade legal e violação do princípio da colaboração e boa-fé.
ff) Por último refere que a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ser concedida, tratando-se de acto constitutivo de direitos, (artigo 141º nº 1 do CPA e artigo 58º do CPTA) uma vez que a isenção foi conferida antes da escritura de 30.03.2010 e a revogação foi comunicada em 10.04.2015.
gg) Assacando, por isso, a ilegalidade da revogação da isenção de IMT, já que este acto revogatório, ocorreu mais de um ano depois do concedente da isenção.
hh) Termina pedindo a declaração de nulidade da liquidação de IMT e juros com as legais consequências.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
ii) Contrapõe a Requerida que, conforme documento que juntou ao processo, citando o alvará de utilização nº ... 2009 de 12.06.2009 emitido pela Câmara Municipal de Portalegre (9ª lauda do Anexo I do PA), o empreendimento “iniciou o seu funcionamento em 12 de Junho de 2009” pelo que à data da aquisição do imóvel pela Requerente (30.03.2010) o empreendimento turístico já se encontrava instalado e em fase de funcionamento.
jj) Dissentindo da leitura que a Requerente faz do âmbito de aplicação da norma isentiva de IMT, avoca em apoio do seu ponto de vista, uma decisão do STA (de 23.01.2013 – processo 0968/12) onde se conclui, quanto à data da aquisição que é “… indiferente se esta ocorreu antes ou depois de o empreendimento já estar instalado e em funcionamento”, relevando isso sim, para efeitos da referida isenção, se a aquisição do bem se destinou à instalação de um empreendimento turístico ou antes, à sua exploração.
kk) Estando em causa neste processo determinar o sentido e alcance da norma contida no artigo 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao inciso “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, conclui que o legislador apenas quis abranger com esta norma as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos, como resulta claro do elemento literal.
ll) E aduz em defesa deste entendimento, mais uma vez, o texto do acórdão do STA de 23.01.2013 tirado no processo acima indicado, no que à definição da expressão “instalação” diz respeito (por contraposição ao “funcionamento” e “exploração”) que quer significar “as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos”.
mm) No caso, uma vez que a aquisição ocorreu em momento posterior ao da emissão da licença de utilização, conclui que se destinou à exploração comercial, uma vez que tinha necessariamente sido ultrapassada a fase da sua “instalação”.
nn) E que, mesmo que assim não fosse – voltando a citar o texto do acórdão do STA acima indicado - “eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo.”
oo) Divergindo do Requerente quanto à invocada nulidade de “falta de atribuições” refere que o que aqui importa apurar é se os pressupostos do benefício fiscal do nº 1 do artigo 20 do Decreto-Lei nº 423/83 de 05/12 se verificam ou não, uma vez que a extinção dos benefícios fiscais implicam a reposição automática da tributação-regra nos termos do artigo 14º-1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), concluindo que a liquidação não enferma desta nulidade.
pp) De igual forma se pronuncia pela não verificação de “falta de fundamentação” uma vez que o Requerente sem dificuldade, percebendo as razões de facto e de direito que levaram à emissão do acto impugnado, optou por accionar o meio jurisdicional aqui em causa.
qq) Discorda da invocada violação do “princípio da segurança e da certeza jurídicas”, quer porque o Requerente dispunha do mecanismo da informação vinculativa antes da celebração da escritura, quer porque o Notário e o Conservador nos termos do artigo 54º do Código do IMT (CIMT) agem apenas numa função de fiscalização não gerando uma expectativa juridicamente protegida com base nas suas leituras da lei fiscal, por não integrarem a administração tributária.
rr) Aduz que o direito à liquidação de IMT não caducou, quer porque foi o Requerente que suscitou a emissão de guias de pagamento do imposto (o que deverá ser entendido como reconhecimento da dívida fiscal), quer porque o prazo do direito à liquidação é de 8 anos (artigo 45º-1 da Lei Geral Tributária – LGT – e nº 1 do artigo 35º do CIMT), prazo que não decorreu, quer ainda porque nos termos do artigo 33º do Decreto-Lei 39/2008, de 07.03, a utilidade turística teria cessado pelo encerramento do empreendimento.
ss) Quanto à alegada ilegal revogação de acto administrativo que tenha conferido o benefício, refere que o benefício em causa é automático e decorre directamente da lei, sem carecer de acto de reconhecimento que gere um acto administrativo, pelo que não poderá ser afastado por acto de revogação de natureza anulatória, não configurando o acto de liquidação uma revogação de um acto válido.
tt) Quanto à preterição de formalidade legal de falta de emissão de orientação genérica de acordo com as decisões do STA invocadas para a liquidação e de violação dos princípios da colaboração e boa fé, esclarece que a AT está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que a aplicação da lei não pode estar dependente da emissão de uma orientação genérica, sendo certo que, no caso, foi o Requerente que suscitou a emissão de guias de pagamento do imposto.
uu) Invoca, por último vários processos idênticos que correram no CAAD, onde foi decidido pela legalidade dos actos impugnados, propugnando pela improcedência do pedido de pronúncia.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
Questão de fundo
A questão de fundo em causa neste processo consiste em determinar qual o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, o que implica determinar o sentido e alcance da norma aí prevista quanto ao segmento “aquisições de prédios ou frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.”
Outras questões relativas ao(s) acto(s) impugnado(s)
-
Apreciar a invocada nulidade de “falta de atribuições” para emissão do acto de liquidação configurando a criação de um novo imposto.
-
Apreciar a alegada falta de fundamentação de facto e de direito ou insuficiência, relativamente ao acto impugnado.
3. Apreciar a alegada violação dos princípios da proibição da retroactividade e da segurança e da certeza jurídicas, face ao alegado de que a AT “reconheceu a isenção do IMT previamente à celebração da escritura pública”, tendo o Requerente apresentado na escritura pública os documentos confirmativos da sua aplicação, os quais mereceram também a validação do Notário responsável.
4. Apreciar a alegada violação dos princípios da colaboração e da boa-fé por inexistência de orientações genéricas da AT sobre a matéria.
5. Apreciar a invocada ilegalidade da revogação da isenção de IMT, já que a liquidação ora em causa, ocorreu mais de um ano depois da aquisição do imóvel.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
1) Ao empreendimento turístico denominado “B...” foi atribuída “utilidade turística” a título definitivo, por 7 anos, até 12 de Junho de 2016, pelo despacho nº .../2010 do Secretário de Estado do Turismo de 09.03.2010, publicado no DR, 2ª Série, nº..., de 13 de Abril de 2010 - conforme 5ª e 6ª laudas do Anexo 1 do PA e 1ª lauda do Anexo 3 do PA, artigo 4º do pedido de pronúncia e nº 3-A da resposta da AT.
2) O empreendimento turístico denominado “B...” iniciou o seu funcionamento em 12 de Junho de 2009, conforme alvará de utilização nº .../2009, de 12 de Junho de 2009, emitido pela Câmara Municipal de Portalegre – conforme 9ª lauda do Anexo I do PA - teor de informação de serviço nº 2010/…/...de 11.02.2010 de Turismo de Portugal.
3) Por escritura de dação em cumprimento de 30.03.2010 o Requerente adquiriu prédio urbano composto por edifício destinado a serviços, sito na Rua ...nº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito sob o artigo ...º (actual artigo...), na freguesia da ...e ...e Município de Portalegre, correspondendo ao empreendimento turístico “B...”– conforme documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia, laudas 2 a 11 do Anexo 3 do PA, artigo 1º do pedido de pronúncia e nº 3-D da resposta.
4) Na escritura referida no inciso anterior consta, quanto ao pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), o seguinte: “declaração para liquidação do IMT e o respectivo documento de cobrança número..., no valor de zero euros” - conforme lauda 8 do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia e lauda 10 do Anexo 3 do PA.
5) Na referida escritura, consta, ainda, que as partes nela intervenientes:
“declaram sob a a sua inteira responsabilidade para efeitos fiscais, que o referido imóvel se destina à instalação de um empreendimento turístico e que já foi requerida a sua qualificação como empreendimento de utilidade turística para efeitos do disposto no Decreto - lei n. 0 423/83 de 5. 12" (vd. Doe. 1, adiante junto).” - conforme lauda 7 do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia.
6) Por fim, na mesma escritura se expressa que:
“Que, acto contínuo a esta escritura, o imóvel vai ser dado em locação financeira à representada dos primeiros outorgantes através de contrato a celebrar por documento particular.” - conforme lauda 7 do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia.
7) Previamente à celebração da escritura o Requerente apresentou em 26.03.2010, no Serviço de Finanças de …, a declaração de liquidação de IMT de Modelo 1, indicando no quadro V, campo 48, o benefício 33, tendo-lhe sido emitido pelo Serviço de Finanças, como sujeito passivo, o documento..., com 0,00 euros de IMT liquidados – conforme lauda 2 do Anexo I ao PA, e lauda 8 do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia e lauda 10 do Anexo 3 do PA.
8) Em 27 de Março de 2015 o Requerente enviou uma comunicação via e-mail ao Serviço de Finanças de … com o seguinte teor: “Na qualidade de proprietário do imóvel acima referido, adquirido em 30.03.2010 e tendo já expirado o prazo de isenção de IMT legalmente previsto, vimos pelo presente solicitar a emissão e o envio (pela mesma via) das guias de pagamento daquele imposto, bem como das eventuais penalizações, por forma a poder efectuar a consequente liquidação…” – conforme laudas 1 e 2 do Anexo 4 do PA e nº 5 –F da resposta.
9) O Requerente foi notificado em 10.04.2015 da liquidação com identificação de documento..., emitido na sequência do pedido referido no inciso anterior, referente ao IMT no montante total de 475 843,45 euros, sendo 396 500,00 euros de IMT e 79 343,45 euros de juros, e para proceder ao respectivo pagamento – artigo 8º do pedido de pronúncia.
10) Em 13.04.2015 o Requerente procedeu ao pagamento da importância referida na alínea anterior – artigo 9º do pedido de pronúncia, nº 3-G da resposta e documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.
11) Em 09-07-2015, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Consigna-se que não se deu como provado que a aquisição do imóvel em causa teve em vista a instalação do empreendimento turístico, que se tenha destinado a permitir a continuidade do processo de instalação do empreendimento ou que a aquisição se efectuou no pressuposto de que aquela operação em concreto beneficiaria de isenção de IMT, uma vez que nenhuma prova foi carreada para o processo nesse sentido, sendo certo que, no que diz respeito à primeira daquelas circunstâncias, se demonstra, precisamente o contrário, ou seja, que a aquisição do imóvel em causa teve em vista ser o mesmo objecto de locação financeira ao transmitente, a tal não obstando, obviamente, a declaração noutro sentido efectuada pelas partes na escritura pública de dação em cumprimento, que, para além de polissémica, apenas aos declarantes vincula. Note-se, aliás, que a própria Requerente acaba por alegar que “a aquisição do imóvel destinou-se a permitir a continuidade do processo de instalação do empreendimento de utilidade turística” (sublinhado nosso) e que o mesmo, assumidamente, se destinou não a ver instalado, pela Requerente ou por sua conta, um empreendimento turístico, mas a ser dado em locação financeira.
O facto das partes outorgantes na escritura de dação em pagamento terem colocado na escritura que o imóvel se destinava “à instalação de um empreendimento turístico” não vincula a AT, sendo certo que na mesma declaração se prevê a cessação da utilidade turística com subsequente liquidação adicional de impostos.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Quanto à questão de fundo
Quanto a esta matéria vamos seguir de perto o que se expressou na decisão adoptada no Processo CAAD nº 730/2014-T, onde se decidiu questão idêntica.
A questão principal no presente processo arbitral, relativamente à qual o Tribunal é chamado a pronunciar-se, é apurar se deve ser declarada a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IMT, identificação de documento..., emitido na sequência do pedido expresso do Requerente, no montante total de 475 843,45 euros, sendo 396 500,00 euros de IMT e 79 343,45 euros de juros, com referência à aquisição, pelo Requerente do prédio urbano composto por edifício destinado a serviços, sito na Rua ... nº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito sob o artigo ...º (actual artigo ...º), na freguesia da ... e ... e Município de Portalegre, correspondendo ao empreendimento turístico “B...”.
Ou seja, cumpre ao Tribunal determinar o âmbito de aplicação das isenções prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, o que se reconduz à determinação do sentido e alcance da norma aí prevista quanto ao segmento “aquisições de prédios ou frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.”
O conceito de utilidade turística consta do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, que a define como “a qualificação atribuída aos empreendimentos de caráter turístico que satisfaçam os princípios e requisitos definidos no presente diploma e suas disposições regulamentares”. O artigo 3.º, n.º 1, do referido diploma prevê que a utilidade turística pode ser atribuída a diversos empreendimentos, sendo a mesma atribuída, nos termos do artigo 2.º, por despacho do membro do Governo com tutela sobre o setor do turismo, sob proposta do Diretor-Geral do Turismo, instruída com o parecer da Comissão de Utilidade Turística. O artigo 4.º define os pressupostos que deverão ser avaliados a fim de ser atribuída a utilidade turística e o artigo 5.º define as condições a que devem obedecer os empreendimentos para poderem beneficiar de utilidade turística.
O artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 423/83 estabelece as isenções aplicáveis em função da atribuição de utilidade turística, estabelecendo que “as empresas proprietárias e as exploradoras de empreendimentos, aos quais tenha sido atribuída a utilidade turística, gozarão, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos, dos benefícios fiscais a seguir indicados, nos termos estabelecidos no presente diploma (…)”.
De acordo com o artigo 20.º, n.º 1, do mesmo diploma, são isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 Novembro (que procedeu à reforma da tributação do património), “Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa (…) consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), (…), ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) (…), respetivamente.” Assim, a isenção em apreço reporta-se desde então ao IMT.
No presente caso, a AT entende que, uma vez que a utilidade turística a que alude o artigo 20.º, n.º 1, foi requerida e atribuída à empresa que construiu o empreendimento, o sujeito passivo que adquiriu o imóvel à referida sociedade adquiriu um empreendimento já construído e instalado, pelo que não poderia beneficiar da referida isenção de IMT. Em defesa da sua tese a AT invoca o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.01.2013[2], no âmbito do processo n.º 968/12, no qual se pode ler que “não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em questão se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro”.
Na fundamentação deste acórdão de fixação de jurisprudência pode ler-se ainda o seguinte:
“O preceito consagra, desta forma, isenção de sisa e do imposto de selo (reduzido a um quinto), nas aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação» de empreendimentos qualificados de utilidade turística.
Assim sendo, a questão que se coloca traduz-se em saber que aquisições devem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto de Selo ali consagradas: as aquisições de prédios ou de frações autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou as aquisições de frações autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração?
A resposta a esta pergunta remete-nos para o problema de saber o que deve entender-se por «instalação» de empreendimentos turísticos.
(…)
2. Começando pelo teor literal do art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, importa realçar que o legislador refere claramente que apenas se encontram isentas de sisa e de imposto de selo "as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística".
O que quer dizer que não se trata de uma isenção subjetiva dirigida a beneficiar as empresas, quer sejam proprietárias quer exploradoras dos empreendimentos, mas sim objetiva, uma vez que visa beneficiar a atividade de instalação, podendo apenas requerer e beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a «instalar» empreendimentos turísticos e não também as que pretendam dedicar-se à atividade de exploração dos mesmos.
Na verdade, o legislador é muito claro quando pretende beneficiar as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos. É o que acontece quando no art. 16º do mesmo diploma refere que as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos gozarão relativamente à propriedade e exploração dos benefícios indicados nas alíneas a) a c) do nº 1 do preceito. Ou quando no nº 2 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 alarga a isenção estabelecida no nº 1 do preceito na "transmissão a favor da empresa exploradora, no caso da proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação".
O acabado de expor serve para demonstrar que não oferece dúvida que, ao contrário do exposto, no caso da isenção do nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, o legislador quis abranger apenas as aquisições destinadas à «instalação» de empreendimentos.
Como o Decreto-Lei nº 423/83 não contém uma definição para o conceito de «instalação», manda o art. 11º, nº 2, da LGT, que nos socorramos do significado técnico jurídico que nos é dado pelo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.
(…)
Assim, no art. 9º do Decreto-Lei nº 167/97, sob a epígrafe "Instalação", pode ler-se que "Para efeitos do presente diploma, considera-se instalação de empreendimentos turísticos o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos."
Por sua vez, o art. 9º do Decreto-Lei nº 55/2002 define instalação da seguinte forma: "(...) Considera-se instalação de empreendimentos turísticos o processo de licenciamento, ou de autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção de edifícios ou suas frações destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos".
(…)
Outro dado que importa realçar e que se extrai dos mencionados diplomas é que as operações que fazem parte do conceito de «instalação» não se confundem com as que correspondem ao conceito de «funcionamento» e «exploração».
(…)
Por fim, o diploma mais recente, o Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março (JusNet 474/2008), que veio consagrar o novo regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, "procedendo à revogação dos diversos diplomas que actualmente regulam esta matéria e reunindo num único decreto-lei as disposições comuns a todos os empreendimentos", também não contém uma noção de «instalação», mas distingue claramente entre o procedimento respeitante à instalação dos empreendimentos turísticos (arts. 5º e 6º e o Capítulo IV) e o funcionamento e a exploração dos mesmos (Capítulo VII).
Em especial, o art. 5º, sob a epígrafe "Requisitos gerais de instalação" (O procedimento de instalação dos empreendimentos turísticos encontra-se sujeito a um regime comum, ou seja, a um conjunto de requisitos comuns, tal como resulta deste art. 5º, nº 1, e art. 23º do Decreto-Lei nº 39/2008, por conseguinte, na instalação dos empreendimentos turísticos destaca-se um regime procedimental comum que é o definido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com as particularidades ou especificidades que resultem do Decreto-Lei nº 39/2008. Para análise desenvolvida dos requisitos gerais da instrução dos pedidos informação prévia, de licenciamento e da apresentação da comunicação prévia e dos requisitos específicos da instalação de empreendimentos turísticos, cfr. LICÍNIO LOPES MARTINS, "O procedimento de instalação de empreendimentos turísticos", Empreendimentos Turísticos, CEDOUA/FDUC, Almedina, 2010, pp.121 ss.), estabelece:
"1- A instalação de empreendimentos turísticos que envolvam a realização de operações urbanísticas conforme definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação devem cumprir as normas constantes daquele regime, bem como as normas técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, designadamente em matéria de segurança contra incêndio, saúde, higiene, ruído e eficiência energética, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.
2- O local escolhido para a instalação de empreendimentos turísticos deve obrigatoriamente ter em conta as restrições de localização legalmente definidas, com vista a acautelar a segurança de pessoas e bens face a possíveis riscos naturais e tecnológicos".
(...)".
O significado técnico jurídico que se extrai da legislação é que o conceito de instalação compreende todas as operações e procedimentos que vão desde o pedido de licenciamento ou de comunicação prévia de operações urbanísticas, passando pelos pareceres e aprovações das várias entidades oficiais competentes, pedido de autorização ou comunicação de utilização para fins turísticos, e obtenção do respetivo alvará (art. 30º) ou título de abertura ao público (art. 32º). Nesta sequência, refere o nº 2 do art. 12º do Decreto-Lei nº 423/83 que "a data de abertura ou reabertura ao público é aquela em que o empreendimento foi autorizado a funcionar pela autoridade competente". Sendo que a data de comunicação do título de abertura e funcionamento é a relevante para marcar o início do prazo de validade do estatuto de utilidade turística do empreendimento turístico em causa, tal como resulta no caso em apreço (cfr. o despacho nº …/2011).
Dito por outras palavras, a «instalação» emerge como um procedimento que compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.
Depois de construído e obtidas pelos promotores do investimento as licenças necessárias a tornarem o empreendimento apto ao exercício da atividade turística, cada empreendimento turístico "deve ser explorado por uma única entidade, responsável pelo seu integral funcionamento e nível de serviço e pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis" (nº 1 do art. 44º do Decreto-Lei nº 39/2008), sendo tal entidade designada pelo titular do respetivo alvará de autorização de utilização para fins turísticos (nº 2 do art. 44º), ou seja, pelo promotor (cfr. o Capítulo VII e arts. 41º e ss. do Decreto-Lei nº 39/2008, que estabelece as regras relativas à exploração e funcionamento).
E ainda que as unidades de alojamento estejam ocupadas pelos respetivos proprietários, cabe à entidade exploradora assumir a exploração continuada das mesmas, devendo mantê-las permanentemente em regime de exploração turística (art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008).
Esta distinção entre os conceitos de «instalação», por um lado, e de «funcionamento» e «exploração», por outro, está bem patente no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008, onde se podem ler, em primeiro lugar, as preocupações e inovações quanto aos aspetos relacionados com o licenciamento dos empreendimentos, no sentido da sua simplificação. No mesmo sentido, DULCE LOPES (Cfr. "Aspetos jurídicos da instalação de empreendimentos turísticos", I Jornadas Luso -Espanholas de Urbanismo, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 225 e ss., em especial, p. 227.), ao caracterizar o procedimento de instalação de empreendimentos turísticos, ao abrigo do Decreto-Lei nº 39/2008 e legislação complementar, diz expressamente que com o mencionado diploma se pretendeu "(...) um ajustamento do procedimento de instalação de empreendimentos turísticos às exigências de simplificação e desburocratização procedimental que anima o pacote legislativo do Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa (SIMPLEX)". E a referida Autora continua dizendo que "Nestes moldes, compete ao município licenciar ou admitir as comunicações prévias das operações necessárias para a instalação de estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos e conjuntos turísticos, devendo, para o efeito, solicitar parecer do turismo de Portugal I.P. sobre a arquitetura e a localização de empreendimentos turísticos não precedidos de plano de pormenor".
Em suma, da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os atos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.
(…)
Resulta, desta forma, patente que eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo. Destacam-se, assim dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo momento.
(…)
O acabado de expor leva-nos a concluir que quando o legislador, no nº 1 do art. 20º, utiliza a expressão aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação» (Quer sejam novos, quer existentes, mas que sejam objeto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (art. 5º do Decreto-Lei nº 423/83), este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos (A lei abrange também, como ficou dito, a aquisição de meras frações autónomas com vista à remodelação/instalação de empreendimentos turísticos.)) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.
(…)
Esta mesma conclusão é a que resulta da leitura do consignado pelo Grupo de Trabalho criado para reavaliar os benefícios fiscais que, a propósito dos benefícios fiscais à utilidade turística em sede de IMT, Imposto do Selo e IMI, recomendam a sua supressão, porquanto, entre o mais, "os promotores de investimentos no sector do turismo mantêm, para além dos apoios financeiros enquadrados nas políticas económicas do Estado Português e da União Europeia, o acesso aos incentivos gerais ao investimento e aos benefícios à interioridade. Por outro lado, minimizando o impacto da medida em sede de IRC, diretamente ou através do aumento das reintegrações e amortizações, os custos decorrentes do IMT e IMI sobre os investimentos que ficam sujeitos a estes tributos" (Cfr. Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, p.294.).
Resulta patente das considerações do Grupo de Trabalho que o legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção /redução de pagamento de Sisa /Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (Muitos promotores antes de adquirirem os prédios onde futuramente será instalado o empreendimento turístico, elaboram o projeto e candidatam-se à atribuição da utilidade turística a título prévio (art. 7º do Decreto-Lei nº 423/83), que lhes permitirá beneficiar da isenção do IMT e redução do imposto do Selo relativamente à aquisição do imóvel. Por outro lado, os promotores que paguem imposto pela aquisição dos imóveis destinados à instalação de estabelecimentos turísticos podem, posteriormente, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística.) (ou readaptar e remodelar frações existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento (Como vimos, na verdade, nada impede que o promotor do investimento comece por vender as futuras frações ou unidades antes mesmo da construção do empreendimento e da sua instalação.)
(…)
Na verdade, quando os particulares adquirem as frações fazem-no, como se afigura óbvio, como consumidores de um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor tendo em vista a exploração, pois, como vimos, a celebração dos contratos promessa de compra e venda é acompanhada da celebração do contrato de exploração. O objetivo que move os particulares é a realização do seu próprio investimento, podendo ainda optar por serem utentes do empreendimento ou cederem a exploração, participando nos resultados da mesma (cfr. o nº 4 do art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008). Pois embora se considere que as frações ficam afetas à exploração, nada impede que as mesmas sejam ocupadas exclusivamente pelos respetivos proprietários e por tempo indeterminado, como deriva, de forma clara, de disposições legais, tais como, as constantes dos arts. 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, quando refere expressamente "(...) devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das "(...)" unidades de alojamento "(...) ainda que ocupadas pelos respetivos proprietários", e no nº 4 do mesmo preceito, quando se refere às condições de utilização das unidades de alojamento pelos respetivos proprietários. Nas palavras de DULCE LOPES (Cfr. "A Concretização de Empreendimentos"...cit., p. 170.), o diploma parece, assim, "acolher o conceito do turismo residencial, já que expressamente admite que os proprietários das unidades de alojamento possam ocupar as mesmas ou celebrar contratos sobre elas, desde que não comprometam o seu uso turístico, usufruam dos serviços obrigatórios do empreendimento e paguem a prestação periódica a que estão vinculados.
Em suma, os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a torná-los aptos ao funcionamento e exploração.
Afigura-se, desta forma, que a argumentação da recorrida no sentido de que o benefício consagrado no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 tem em vista a exploração turística e que os beneficiários são os adquirentes das frações ou unidades de alojamento, não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do preceito.
O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.
Não podemos, desta forma, deixar de concluir que assiste razão à recorrente quando defende que "(...) Pretendeu o legislador impulsionar este setor de atividade, prevendo isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, mediante determinadas condições, a quem vai criar estabelecimentos turísticos, e não a quem se limita a adquirir frações pertencentes a empreendimentos já instalados", e que este entendimento ou interpretação é o que decorre "do elemento histórico, racional /teleológico, mas também literal das normas jurídicas em apreço".”
Neste processo, muito embora não esteja em causa a aquisição de fracções autónomas do empreendimento, mas sim a sua aquisição por completo, afigura-se-nos de aplicar o que resulta do acórdão do STA que se acaba de citar nas partes que se reputam mais relevantes.
Com efeito, resulta da matéria assente que o empreendimento turístico iniciou o seu funcionamento em 12 de Junho de 2009, conforme alvará de utilização nº .../2009, de 12 de Junho de 2009, emitido pela Câmara Municipal de Portalegre.
Por outro lado o Requerente não logrou provar, limitando-se a alegar, que a aquisição do imóvel em causa teve em vista a instalação do empreendimento turístico, que visava permitir a continuidade do processo de instalação do empreendimento e que a aquisição se efectuou no pressuposto de que aquela operação em concreto beneficiaria de isenção de IMT.
Como já se referiu, o facto das partes outorgantes na escritura de dação em pagamento terem expressado, na escritura, que o imóvel se destinava “à instalação de um empreendimento turístico” apenas vincula essas mesmas partes, sendo certo que na mesma declaração se prevê a cessação da utilidade turística com subsequente liquidação adicional de impostos.
Ora a aquisição do bem imóvel ocorreu por escritura de dação em cumprimento de 30.03.2010, logo em data posterior ao início do seu funcionamento em 12 de Junho de 2009.
Pelo que estamos perante uma operação subsequente à “instalação” do empreendimento que terá a ver com a “exploração” ou “funcionamento”, até porque na escritura de dação se expressa que de imediato que o imóvel foi dado em locação financeira aos próprios vendedores do bem imóvel que o integra, induzindo que se tratou de uma operação tendente a obter meios de financiamento para as fases subsequentes (exploração ou funcionamento). Torna-se assim óbvio, face aos factos dados como provados e à própria escritura de dação em cumprimento, que o imóvel em causa não foi adquirido para a Requerente nele instalar um empreendimento turístico, mas para o dar em locação financeira (ou seja: a exploração do imóvel pela Requerente destinou-se a ser, e foi, financeira, e não turística).
Por fim, não obstante a Requerente afirmar que “A quantificação do facto tributário em análise suscita fundadas dúvidas, pelo que sempre o acto impugnado deverá ser anulado, ex vi dos arts. 99.º/1/a) e 100º do CPPT.”, o certo é que não concretiza, por qualquer forma, quais as dúvidas e, menos ainda, o respectivo fundamento.
Pelo que, só pode improceder o pedido de pronúncia: a isenção de IMT apenas se aplicou ao promotor do empreendimento na fase de instalação que já estava concluída na data da celebração da escritura de dação, sendo que a Requerente visou a exploração financeira, e não turística, do imóvel.
Nulidade de “falta de atribuições” para emissão do acto de liquidação configurando a criação de um novo imposto.
Como se referiu o Requerente não logrou provar que o empreendimento turístico estivesse ainda em fase de instalação, nem aduziu factos susceptíveis de prova complementar nesse sentido.
O Requerente, alega que “o acto de liquidação sub judice configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitido por lei”, porquanto “in casu não foi provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade do imposto em análise”.
Não lhe assiste – manifestamente – razão. De facto, tão clara é “a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade do imposto em análise”, que o Requerente invoca um benefício fiscal para se tentar eximir ao respectivo pagamento. Com efeito, dúvidas não haverá, que os benefícios fiscais apenas operam se, e desde que, estejam verificados os “pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade do imposto”.
O que aqui está em causa, então, é apurar se quanto ao benefício fiscal de IMT que foi gozado, nos termos constantes da escritura, se verificam os pressupostos, à data da sua verificação. E como acima já se referiu não se verificam os pressupostos, posto que, na data da aquisição do bem imóvel que integra o empreendimento, este já estava concluído e, em todo o caso, a Requerente adquiriu-o com vista à sua exploração financeira, e não turística. Mais: já tinha iniciado o funcionamento em 12 de Junho de 2009, conforme alvará de utilização nº .../2009, de 12 de Junho de 2009, emitido pela Câmara Municipal de …
Entende-se, pelo exposto, ser de julgar improcedente a arguida nulidade.
Falta de fundamentação
A este respeito, compulsados os factos dados como provados, verifica-se que a liquidação foi solicitada pelo Requerente em 27 de Março de 2015 tendo enviado uma comunicação via e-mail ao Serviço de Finanças de … com o seguinte teor: “Na qualidade de proprietário do imóvel acima referido, adquirido em 30.03.2010 e tendo já expirado o prazo de isenção de IMT legalmente previsto, vimos pelo presente solicitar a emissão e o envio (pela mesma via) das guias de pagamento daquele imposto, bem como das eventuais penalizações, por forma a poder efectuar a consequente liquidação…”
O documento de liquidação (documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia) refere que se trata de uma liquidação adicional, indica o imposto, o sujeito passivo, o facto tributário, o valor patrimonial tributário, a taxa, a colecta de IMT e os juros (bem como o período pelo qual foram contados) e além de identificar o imóvel, expressa ainda:
-
Guias solicitadas pelo sujeito passivo por mail datado de 27.03.2015;
-
Valor global do acto ou contrato: 6 100 000,00;
-
Liquidação adicional de IMT, efectuada por registo .../2010 pela aquisição de prédio urbano, em virtude do benefício concedido na mesma, utilidade turística, não se verificar.
Neste contexto, haverá concluir que foi cumprido, cabalmente, o dever de fundamentação da liquidação.
Deste modo, e pelo exposto, entende-se ser de julgar improcedente o arguido vício de falta de fundamentação.
Violação dos princípios da proibição da retroactividade, da segurança, da certeza jurídica, colaboração e boa-fé.
Entende o Requerente, face ao alegado de que a AT “reconheceu a isenção do IMT previamente à celebração da escritura pública”, e porque apresentou esses documentos para celebração da escritura pública, confirmativos da sua aplicação, que mereceram também a validação do Notário, a liquidação atinge os princípios constitucionais de proibição da retroactividade da lei e da segurança e da certeza jurídicas.
Refira-se quanto à retroactividade que o que está em causa é uma liquidação adicional, ou seja, considerou-se que a primeira liquidação à taxa zero, foi a original. Não vislumbra o Tribunal onde possa ocorrer nesta circunstância qualquer aplicação retroactiva da lei, uma vez que o direito à liquidação de IMT caduca apenas ao fim de 8 anos (artigo 45º-1 da LGT e 35º-1 do CIMT), e que o direito a proceder a liquidações adicionais, decorrentes de erro de facto ou de direito (como é o caso) pode fazer-se no prazo de 4 anos (cfr. artigo 31.º, n.º 2 e 3 do CIMT)[1].
Quanto aos princípios da segurança e da certeza jurídicas, refira-se mais uma vez que a liquidação em causa foi suscitada pelo Requerente, pelo que não poderá a mesma alegar que não contava com a mesma. Acresce que, estando regulado o poder de liquidar e de liquidar adicionalmente, o seu regular exercício deverá integrar o conteúdo dos princípios da segurança e certeza jurídicas, que enformam o ordenamento que os consagra, constituindo, como tal, uma concretização, para além do mais, de tais princípios, pelo que a ilegalidade decorrente da violação de normas que os regulem (aos referidos poderes de liquidar e liquidar adicionalmente) constituirá uma ilegalidade própria – a alegar e demonstrar especificamente – não podendo ser genericamente suscitada ou substituída pela via da alegada violação dos princípios concretizados em tais normas.
Também a questão do afastamento do benefício fiscal que consta da primeira liquidação tem outra dimensão legal que é a da revogação ou não do benefício fiscal de acordo com o regime legal em vigor. Trata-se de um regime legalmente previsto na lei que salvaguarda todos os princípios constitucionais.
O mesmo se diga quanto aos princípios da colaboração e boa-fé. O facto de existirem ou não orientações genéricas da AT sobre um determinado tema, não significa que daí possa resultar qualquer impedimento à aplicação da lei fiscal[2].
Entende-se, pelo exposto, ser de julgar improcedentes os arguidos vícios de violação dos princípios da proibição da retroactividade, da segurança, da certeza jurídica, colaboração e boa-fé.
Ilegalidade da revogação do benefício fiscal de isenção de IMT
Alega, por fim, a Requerente que “a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141º, no 1, do CPA e 58.º do CPTA.”, já que, no seu entender, “a isenção foi concedida previamente à escritura outorgada em 30 de Março de 2010 e a sua revogação comunicada em 10 de Abril de 2015, na sequência da emissão da liquidação pelo Serviço de Finanças de ….”, pelo que “a revogação de tal acto administrativo foi concretizada para além do prazo de um ano em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA, aplicáveis ex vi art. 2.º , alínea c), da LGT e art. 2.º, alínea d), do CPPT.”.
Ressalvado o respeito devido entende-se também não assistir aqui razão à Requerente.
Com efeito, não se vislumbra que tenha sido praticado qualquer acto de reconhecimento do benefício fiscal em causa à Requerente, nem que tenha havido qualquer procedimento a isso tendente, não estando previsto, igualmente e salvo melhor opinião, no regime legal do benefício fiscal em questão tais procedimentos e actos.
A liquidação em causa, é emitida na sequência da declaração da Requerente de que o imóvel em causa se destina ao uso que garante a isenção pretendida, que é de reconhecimento automático, como expressamente se referiu no Ac. do STA de 16-12-2009, proferido no processo 0936/09[3], onde se pode ler que: “nos casos referidos no artº 20º, nº 1, do mesmo diploma - isenção de sisa e do imposto sobre sucessões e doações e redução do imposto do selo - os benefícios fiscais aí previstos aplicam-se automaticamente, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos naquele mesmo diploma”.
Mas mesmo que assim não se entenda, e se considere que à Requerente foi reconhecido, efectivamente, um benefício fiscal, a verdade é que no caso, sempre terá ocorrido renúncia ao benefício por força da actuação do Requerente ao pedir as guias para liquidação do imposto, nos termos do nº 8 do artigo 14º do EBF, uma vez que não estaríamos, nesse caso, perante um benefício, nem automático, nem dependente de reconhecimento oficioso, mas sim dependente de um pedido (modelo 1 do IMT/requerimento onde se invoca a isenção) e de uma decisão da AT (emissão do DUC à taxa zero com reconhecimento do benefício).
V. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se improcedente o pedido do Requerente, absolvendo-se a Requerida do pedido.
***
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 475 843,45 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7 650,00 euros, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Notifique.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2016
Tribunal Arbitral Colectivo,
____________________________________________________
José Pedro Carvalho (Presidente)
______________________________________________________
José Ramos Alexandre
Declaração de voto
Votei favoravelmente a decisão arbitral, no sentido da improcedência do pedido, com o seguinte esclarecimento:
A isenção fiscal em causa neste processo consta de legislação extravagante ao Código do IMT (alínea d) do nº 8 do artigo 10º do Código do IMT).
Com a alteração da redacção da alínea d) do nº 8 do artigo 10º do CIMT, pelo artigo 97º da Lei 64-A/2008, de 31.12, a isenção passou a estar dependente de reconhecimento automático, consistindo na obrigatoriedade de apresentação da declaração de Modelo 1 do IMT, mesmo nas situações de isenção (artigo 19º nºs 1 e 3 do CIMT), com o conteúdo definido no artigo 20º do CIMT e competindo a liquidação ao Serviço de Finanças onde for apresentada (alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIMT).
Assim, afigura-se-nos que, quando na declaração Modelo 1 do IMT (para liquidação) o declarante invoca uma isenção (como foi o caso) coexistem dois procedimentos em coetaneidade: um de liquidação de IMT (que pode ser de 0,00 euros se a entidade competente para a liquidação verificar que ocorre um facto interruptivo da tributação, neste caso, uma isenção), outro de verificação dos pressupostos do benefício fiscal, pelo que, emitido pelo Serviço de Finanças, um documento único de cobrança (DUC) por 0,00 euros de IMT, tal documento contém, além do acto de liquidação, um outro acto que ultimou um procedimento de reconhecimento do benefício fiscal requerido, na acepção da primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT e do artigo 65º do CPPT.
Tal acto de reconhecimento implícito da isenção (que no caso verificamos foi indevidamente conferida) é, salvo melhor opinião, constitutivo de direitos, logo sujeito à disciplina da parte final do nº 4 do artigo 14º do EBF e do nº 1 do artigo 141º do CPA (velho) e do acórdão do STA de 15.05.2013 (processo 0566/12, em www.dgsi.pt). E dado que foi conferido através de um procedimento previsto genericamente na alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT (primeira parte) deveria ser afastado pelo procedimento tributário inverso (de extinção do benefício) e autónomo, previsto na segunda parte desta norma, uma vez que, não existe coetaneidade procedimental entre a data do acto de liquidação adicional de IMT (em 2015) e a data da aplicação da norma isentiva (em 2010) por altura da verificação do facto tributário (a aquisição do bem imóvel).
Com efeito, a isenção em causa, não se configura como sendo automática (como por exemplo é o caso da isenção de imposto do selo consagrada no artigo 6º do Código do Imposto do Selo que funciona ope legis nos termos do artigo 8º do CIS) mas sim de reconhecimento automático, nos termos da segunda parte do referido nº 1 do artigo 5º do EBF. Daí que esteja sujeita a um procedimento de reconhecimento onde é invocada e culmina na emissão de um documento de liquidação, com o sem reconhecimento implícito da isenção, gerando-se um acto (administrativo) nos termos da primeira parte do nº 2 do artigo 5º do EBF, caso a liquidação reflicta o reconhecimento do benefício fiscal.
No entanto, sendo o benefício em causa, como se nos afigura e resulta do elemento literal da lei, de reconhecimento automático, uma vez que foi o Requerente que requereu expressamente a emissão do documento de cobrança, incluindo com penalizações e, não se tratando de benefício automático ou de reconhecimento oficioso, ocorreu a renúncia à isenção nos termos do nº 8 do artigo 14º do EBF, daqui resultando a necessária improcedência do pedido de pronúncia.
Augusto Vieira
[1] Prazo este que, no caso, afigura-se excedido. Todavia, por não ter sido alegado o excesso do mesmo, em violação do disposto no artigo 31.º/3 do CIMT, está este Tribunal vedado de conhecer tal questão, conforme decorre do disposto nos artigos 22.º/1 e 28.º/1/c) do RJAT, e 615.º/1/d) do Código de Processo Civil.
[2] Cfr., a propósito do modo como devem ser entendidas as circulares da Administração Tributária, os Acs. do Tribunal Constitucional n.º 583/2009 e n.º Ac. 42/2014, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[3] Disponível em www.dgsi.pt.