DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. Em 10 de abril de 2015, A... e B..., contribuinte n.º ... e n.º..., doravante identificados por Requerentes, apresentaram pedido de pronúncia arbitral com intervenção do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
2. No referido pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional de IRS e de Juros Compensatórios, do ano de 2010, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2014..., da qual resulta a pagar o montante de € 5.213,09.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 14 de abril de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, subsequentemente, foi promovida a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Entidade Requerida).
4. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
5. Em 9 de junho de 2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 25 de junho de 2015.
7. Em 21 de setembro de 2015, a Entidade Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.
8. Em 15 de dezembro de 2015 teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT e a inquirição de testemunhas, tendo subsequentemente sido apresentadas alegações escritas pelas Partes.
9. Os Requerentes sustentam o seu pedido de anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios contestados com base no entendimento que o montante de €20.244, foi recebido pelo primeiro Requerente a título de ajudas de custo, como indemnização por despesas de alimentação e alojamento que as frequentes deslocações e permanência em estaleiros de obra da sua entidade patronal, tanto em Portugal como no estrangeiro, implicaram.
10. Mais invocam a apresentação aos Serviços de Inspeção de um mapa de controlo interno com os elementos exigidos pelo artigo 45.º do Código do IRC, donde resulta a indicação dos dias de deslocação, dos países, das obras e locais e, bem assim, a demonstração que as ajudas de custo pagas se situaram abaixo do respetivo limite legal.
11. Para os Requerentes a Autoridade Tributária ao negar o direito à indemnização das despesas pagas pelo primeiro Requerente por estar deslocado, desrespeita o princípio da verdade material da tributação, contido no número 2, do artigo 5.º da Lei Geral Tributária e a regra da prevalência da substância sob a forma na interpretação das normas tributárias, consagrada no número 3, do artigo 11.º do mesmo Diploma Legal.
12. Os Requerentes entendem, ainda, que: aos trabalhadores do sector privado não é exigida a preparação de um boletim itinerário com os detalhes da deslocação; que as ajudas de custo podem ser pagas previamente por montantes fixos; que só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os limites legais; que cabe o ónus da prova do excesso à Autoridade Tributária; e, por último que, para efeitos da definição da distância mínima da deslocação que qualifica para atribuição das ajudas de custo deve ser considerado o serviço onde o trabalhador tem que comparecer, centro de atividade funcional dentro do município.
13. Sustenta, por sua vez, a Entidade Requerida que o mapa apresentado pela entidade pagadora não possui os requisitos exigidos que comprovem que as quantias pagas a título de ajudas de custo se destinam efetivamente a reembolsar o primeiro Requerente das despesas realizadas nas deslocações em serviço por se tratar, apenas, de uma folha excel com os valores globais atribuídos em cada mês com o número de dias de deslocações mensais.
14. Acrescenta a Entidade Requerida que uma vez que não cumprem os pressupostos da sua atribuição previstos na alínea d), do número 3, do artigo 2.º do Código do IRS, as referidas quantias não são enquadráveis como “ajudas de custo”.
15. Para a Entidade Requerida as prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador são em regra consideradas como parte integrante da retribuição, enquanto as ajudas de custo se caracterizam pelo seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador por despesas que teve de suportar a favor da entidade patronal, por motivos de deslocações ao serviço desta.
16. Para a Entidade Requerida as quantias pagas pela entidade empregadora apenas podiam ser qualificadas como ajudas de custo caso se destinassem a reembolsar o Requerente de despesas que tivesse tido de efetuar em serviço e a favor da entidade patronal, com caráter temporário e fora do local habitual de trabalho, quando no entender desta entidade, no caso vertente as quantias pagas não estão conexionadas com as deslocações do trabalhador e são processadas de forma sistemática e continuada, indicando ter caráter de permanência.
17. Conclui, assim, a Entidade Requerida que no caso vertente as ajudas de custo pagas são remunerações acessórias, pelo que constituem rendimentos de trabalho dependente e como tal enquadráveis na alínea a), do número 1, do artigo 2.º do Código do IRS, estando assim sujeitas a IRS, pela categoria A.
II. SANEADOR
O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.
III. OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL
Vem colocada ao Tribunal a questão de saber se as quantias pagas, mensalmente, ao Requerente, a título de ajudas de custo devem ser consideradas como rendimento de trabalho dependente e consequentemente tributadas em sede de IRS.
IV. MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
18. Em 11 de abril de 2007, o primeiro Requerente celebrou com a empresa C... - Sucursal em Portugal (C...) um contrato de trabalho a termo incerto, conforme cópia do contrato junto como Doc. 2, com o pedido arbitral;
19. De acordo com a Cláusula Quinta do referido contrato, o local de trabalho do Requerente “será o local de execução da empreitada, prestando o TRABALHADOR, desde já o seu consentimento à realização de todas as deslocações que se mostrem necessárias ao desempenho da sua actividade profissional” conforme cópia do contrato junto como Doc. 2, com o pedido arbitral;
20. Resulta da Cláusula Terceira do contrato estarem em causa a Empreitada de Dragagens em Itália “... e...” e, em Portugal a Alimentação artificial das Praias da ... e..., bem como a Empreitada de Dragagem do Porto de..., conforme cópia do contrato junto como Doc. 2, com o pedido arbitral;
21. O Requerente foi contratado para exercer as funções próprias da categoria profissional de servente conforme Cláusula Quarta do contrato, cuja cópia foi junta como Doc. 2, com o pedido arbitral;
22. De acordo com o Mapa junto como Doc. 3 com o pedido arbitral, o Requerente em 2010 deslocou-se ao serviço da empresa C... A/S- Sucursal a:
· Espanha –...– 31 dias em janeiro, 11 dias em fevereiro e 20 dias em março;
· Espanha –...- 15 dias em abril, 22 dias em maio e 15 dias em junho;
· Portugal –...-22 dias em julho, 20 dias em agosto e 30 dias em setembro;
· Espanha –...– 22 dias em outubro;
· Espanha –...,...– 17 dias em novembro e 10 dias em dezembro.
23. De acordo com o depoimento da testemunha inquirida, o primeiro Requerente nas deslocações ao serviço da entidade empregadora suportava as despesas com a respetiva alimentação e alojamento, à semelhança dos outros colaboradores;
24. Por Ofício n.º..., de 21 de outubro de 2014, emitido pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Lisboa, os Requerentes foram notificados para se pronunciarem, querendo, sobre o projeto de correções do relatório de inspeção do qual resulta a proposta de correção do rendimento coletável do ano de 2010, no montante de € 20.244,00, por terem sido auferidas importâncias, alegadamente a título de ajudas de custo, que não cumprem os pressupostos da sua atribuição previstos na alínea d) do número 3, do artigo 2.º do Código do IRS (cf. projeto de correções do relatório de inspeção junto com o processo administrativo);
25. Do referido projeto de correções do relatório de inspeção resulta, ainda, o seguinte: “O salário do sp é pago pela C... A/S- Sucursal em Portugal, sendo composto por um vencimento base (€ 800 mensais) acrescido de uma componente supostamente paga a título de ajudas de custo, no valor fixo de €1446,00, por mês incluindo subsídio de férias e subsídio de natal do mesmo valor conforme cópias dos recibos de vencimento que se juntam em Anexo I.
Os comprovativos das ajudas de custo apresentados pela entidade patronal através de e-mail e que se juntam em Anexo II são constituídos por uma folha excel onde se refere ter havido deslocações em diversos dias dos meses de Janeiro e Dezembro do ano de 2010.
Desta forma a entidade patronal não possui por cada pagamento efectuado um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos designadamente respectivos locais, tempo de permanência e objectivo.
Verifica-se portanto não estarmos perante valores que se destinavam a compensar indemnizar ou reembolsar o trabalhador por despesas por si efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal, relativamente a deslocações do trabalhador e que por isso tenham como ponto de partida o seu local de trabalho. As ajudas de custo auferidas mensalmente consistem numa importância fixa e nos meses de Julho e Novembro são pagas a dobrar” (cf. pág. 5/21 do projeto de correções do relatório de inspeção junto com o processo administrativo);
26. Na sequência de notificação para o efeito, os Requerentes exerceram o seu direito de audição sobre a proposta de decisão notificada (cf. pág. 45/114 do processo administrativo);
27. Por despacho proferido em 21 de novembro de 2014 foi determinada a tributação em conformidade com o proposto no projeto, sendo apurado rendimento líquido no montante de € 32.075,76, no ano de 2010 (cf. pág. 15/114 do processo administrativo).
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental produzida e no depoimento da testemunha D..., chefe de obras na C... e que acompanhou o primeiro Requerente em deslocações ao serviço daquela empresa em Portugal e Espanha, no ano de 2010.
Factos não provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
V. DO DIREITO
28. Como avançado vem colocada ao Tribunal a questão de saber se as quantias pagas, mensalmente, ao Requerente, a título de ajudas de custo devem ser consideradas como rendimento de trabalho dependente e como tal enquadráveis na alínea d), do número 3, do artigo 2.º do Código do IRS e, consequentemente tributadas em sede de IRS.
29. Os rendimentos do trabalho dependente (Rendimentos da Categoria A) são definidos no artigo 2° do Código IRS, disposição que deve ser interpretada como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial. Quando estejam em causa atribuições patrimoniais que visem apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício da sua função está afastada a incidência do imposto (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 01082/04, de 08-11-2006, in www.dgsi.pt).
De acordo com a alínea d), do número 3, do artigo 2.º do Código do IRS só são considerados rendimentos de trabalho dependente “As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”. Acrescentando-se no número 14 da mesma disposição legal que “Os limites legais previstos neste artigo serão os anualmente fixados para os servidores do Estado.”.
Está em causa a aplicação do regime jurídico dos abonos de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública quando deslocados por motivo de serviço público, em território nacional e no estrangeiro.
À data dos factos em apreciação, o pagamento de abonos para despesas aos funcionários públicos era regulado pelo Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril (ajudas de custo em território nacional e transporte em território nacional e nas deslocações ao estrangeiro) e pelo Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho (abono de ajudas de custo no estrangeiro).
Pela sua própria natureza, as ajudas de custo são em princípio compensações por despesas incorridas pelo trabalhador a favor da entidade patronal “pelo que só tem sentido tributa-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira “vantagem económica”. Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer rendimento líquido do trabalhador”. A lei presume que isso acontece quando as ajudas de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura própria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado e sempre que sejam observados os pressupostos da sua atribuição a esses mesmos servidores” (Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pág. 129).
30. O ónus de prova do excesso e da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição cabe à Administração Tributária (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0146/13, de 22-05-2013, in www.dgsi.pt).
Assim, “se a Administração Tributária entende que as prestações que o contribuinte recebeu da sua entidade patronal a título de ajudas de custo e que não declarou para efeitos de tributação em IRS constituem rendimentos sujeitos a tributação nesse imposto, compete-lhe demonstrar a natureza não compensatória dessas prestações, invocando e demonstrando os elementos factuais, ainda que indiciários, que permitam tal conclusão.” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo n.º 197/04, de 03/16/2006, in www.dgsi.pt). Estes factos indiciantes devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no tribunal a convicção da verdade.
Assim, sendo contestadas as correções determinadas pelos Serviços de Inspeção, estas só se podem manter se a prova produzida permitir que o tribunal se convença do carácter não compensatório daquelas prestações, devendo os Serviços proceder às diligências probatórias necessárias no sentido de recolher elementos que, ainda que por forma indireta, lhe permitam concluir com segurança pelo carácter remuneratório da prestação.
A posição favorável ao trabalhador que os tribunais têm adotado compreende-se “pela dificuldade em que o trabalhador se encontra para poder organizar e apresentar prova sobre as condições em que lhe foram feitos os pagamentos. Assim, os tribunais têm considerado que cabe ao sujeito passivo, trabalhador, provar apenas que em relação a ele se verificam as situações que tipicamente justificam ajudas de custo, bastando que o faça através de prova testemunhal, e desde que as circunstâncias do contrato também corroborem os factos alegados (TCAN, 13-01-2005, Proc. n.º 361/04)” (in Lexit - Códigos Anotados e Comentados IRS, Coor. Prof. Doutora Glória Teixeira e Mestre Patrícia Anjos Azevedo, 2015, pág. 36).
31. Em suma, verificando-se uma efetiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço da entidade patronal, as ajudas de custo só são consideradas rendimentos de trabalho dependente:
i. quando excedam os limites legais ou,
ii. quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;
No caso vertente, não se questiona a inobservância dos respetivos limites legais. Os Serviços de Inspeção não fundaram a correção dos rendimentos do Requerente na circunstância de terem sido ultrapassados estes limites, nem foram apurados quaisquer montantes atribuídos em excesso.
Os serviços de inspeção fundaram a correção i) na circunstância do mapa apresentado pela entidade pagadora não possuir os requisitos exigidos que comprovassem que as quantias pagas a título de ajudas de custo se destinavam efetivamente a reembolsar o Requerente das despesas realizadas nas deslocações e, ii) na circunstância das quantias pagas serem processadas de forma sistemática e continuada, indiciando um caráter de permanência.
Para os Serviços de inspeção cujas correções estão na base da liquidação contestada, a prova documental indispensável à comprovação dos gastos incorridos com ajudas de custo, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, consiste por cada pagamento efetuado num mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem os encargos, conforme estipula o artigo 45.º, número 1, alínea f) do Código do IRC.
Sustentam os Serviços que este quadro tem de discriminar os respetivos locais de partida e destino, tempo de permanência, objetivo, nome do beneficiário, data da deslocação e montante diário atribuído, por forma a ser possível aferir se as ajudas de custo excedem o legalmente previsto e não fazendo cômputos anuais.
Concluem os Serviços de inspeção, que o mapa apresentado pelo Requerente está elaborado de forma muito sintética, constituindo apenas uma folha de excel com valores globais atribuídos em cada mês, assim como o número de dias de deslocações mensais não efetuando uma discriminação da forma como é determinado o montante de ajudas de custo a receber em cada mês, indicando por exemplo, o montante pago a título de deslocações, estadia e alimentação.
Sucede, porém, que ao contrário do sustentado pelos Serviços e pela Entidade Requerida na sua resposta, não é considerado como requisito para a exclusão de tributação dos montantes pagos a título de ajudas de custo que existam na contabilidade da entidade pagadora documentos descritivos das deslocações (in Lexit - Códigos Anotados e Comentados IRS, Coor. Prof. Doutora Glória Teixeira e Mestre Patrícia Anjos Azevedo, 2015, pág. 35).
A jurisprudência tem, antes, entendido que “A prova dos factos necessários para concluir sobre a natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores por conta de outrem pode ser efectuada por qualquer meio admissível em direito, não sendo imprescindível que sejam emitidos boletins itinerários com conteúdo semelhante aos previstos para os funcionários do Estado” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no Processo n.º 00116/04, em 03-02-2005, in www.dgsi.pt).
Com efeito, não resultando da alínea d), do número 3, do artigo 2.º do Código do IRS qualquer exigência formal especial para prova da natureza das ajudas de custo é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no artigo 72.º da Lei Geral Tributária e artigo 115.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no Processo n.º 00111/02 – BRAGA, in www.dgsi.pt).
Não sendo o mapa exigido pelos Serviços de Inspeção requisito para a exclusão de tributação em sede de IRS, dos valores pagos a título de ajudas de custo na esfera do trabalhador, a sua inexistência ou imperfeição não justifica por si só a tributação.
Não obstante o exposto, referira-se, ainda, que os Serviços de Inspeção não questionam que o Requerente, em 2010, se deslocou ao serviço da C... para empreitadas que tiveram lugar em diferentes locais em Espanha e numa localidade em Portugal. Nem nunca invocaram que os locais em que as empreitadas tiveram lugar correspondem ao local de trabalho contratualmente estipulado do Requerente, o que poderia por em causa a qualificação no caso concreto como ajudas de custo.
Com base no Documento 3, junto com o pedido arbitral e na prova testemunhal produzida ficou provado que nesse ano o Requerente se deslocou a Aviles, Corunha, Cádis e Ibiza em Espanha e a Forte Novo-Garrão em Portugal e, que o fez ao serviço da C... (entidade com a qual celebrara contrato de trabalho a termo incerto em 2007), exercendo as funções de servente de empreitada, num total de 235 dias.
Como já avançado, no caso vertente os Serviços de Inspeção não fundaram a correção dos rendimentos do Requerente na circunstância de terem sido ultrapassados os limites legais, tendo sido corrigido o rendimento declarado em montante igual ao total atribuído a título de ajudas de custo.
Neste caso a inexistência do mapa exigido pelos Serviços de Inspeção ou as deficiências no seu preenchimento apenas poderiam constituir índice da inexistência das deslocações, e encontrando-se estas provadas, tal inexistência ou deficiências não são aptas a demonstrar a inexistência de despesas por força das deslocações.
Os Serviços de Inspeção fundaram ainda a correção notificada na circunstância das ajudas de custo consistirem num “montante fixo no que se consubstancia como um rendimento fixo mensal e independente dos custos suportados pelo trabalhador” (cf. pág. 10/24, do relatório de inspeção junto com o procedimento administrativo).
A jurisprudência tem entendido que o carácter de permanência ou regularidade com que são pagos os montantes a título de ajudas de custo não permite, por si só, a conclusão de deixaram de constituir uma compensação, ou seja, não permite, por si só, descaracterizar a sua qualidade de ajuda de custo (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 00195/04, de 21-06-2005 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0901/14, de 28-01-2015, ambos in www.dgsi.pt ).
A natureza remuneratória das ajudas de custo não decorre da mera verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses.
Do mesmo modo, tem sido entendido que não descaracteriza a qualidade de ajuda de custo a atribuição de importâncias a esse título superiores aos montantes auferido a título de remuneração mensal.
Neste sentido atente-se ao Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo n.º 00272/06.7BEPNF, em 8 de maio de 2008, de acordo com o qual é “(...) totalmente anódina para o efeito a circunstância de a verba auferida a título de ajudas de custo ser superior ao vencimento mensal. Como resulta do estatuído pelo art. 2.º n.º 3 al. d) CIRS, nenhum tecto se coloca ao valor que pode ser auferido a título de ajudas de custo, para além da ultrapassagem dos montantes legais do mesmo tipo de prestação prevista para os servidores do Estado, sendo que, mesmo nesta última hipótese, o efeito não é desqualificar as ajudas de custo, mas sim, mantendo esta mesma condição, tributar a importância correspondente ao excesso” (in www.dgsi.pt).
No entanto, já tem sido considerado indício dessa natureza remuneratória a circunstância do valor pago a título de ajudas de custo integrar o subsídio de férias e de Natal (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0764/10, de 05-07-2012, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no Processo n.º 197/04, de 03/16/2006ambos in www.dgsi.pt). E, com efeito, dos elementos juntos ao processo resulta que as ajudas de custo integraram os valores pagos ao Requerente a título de subsídio de férias e de Natal (cf. pág. 6/24 e Anexo I, do relatório de inspeção junto com o procedimento administrativo).
Julga-se, porém, que esse indício por si só não é suficientemente sólido para justificar a correção. Como, já, avançado, os Serviços de Inspeção não puseram em causa que o Requerente tivesse realizado as acima identificadas viagens ao serviço da sua entidade empregadora, nem puseram em causa que o período correspondente a cada deslocação não correspondesse aos aí indicados, quando dos elementos juntos ao processo resulta que no ano de 2010 o Requerente esteve deslocado no exterior 163 dias e no país 72 dias, o que totalizam 235 dias de deslocações.
Deste modo, não questionando a realização das deslocações, as quais segundo as regras de experiência comum implicam despesas, impunha-se que os Serviços de Inspeção demonstrassem que as despesas com as deslocações não foram pagas pelo Requerente, ou que lhe foram reembolsadas pela empresa por outra via, ou que o valor pago a título de ajudas de custo foi superior ao das despesas efetivamente suportadas, representando um ganho para o Requerente.
Porém, os Serviços não fundaram a correção em nenhuma destas circunstâncias, não demonstrando, através de indícios sólidos que o Requerente não suportou as referidas despesas aquando das deslocações, nem que as despesas suportadas fossem claramente inferiores aos valores recebidos para as compensar, de modo a que possam ser qualificadas como remuneração.
Antes ficou provado nos autos que o Requerente realizou diversas deslocações aos estrangeiro e dentro do país e que nessas deslocações suportou as despesas com o próprio alojamento e alimentação.
Face ao exposto considera-se não se poder concluir pela natureza remuneratória dos valores pagos a título de ajudas de custo pelo que se determina a anulação da liquidação de IRS e de Juros Compensatórios contestada.
VI. DECISÃO
Termos em que se julga procedente o pedido de anulação do ato de liquidação adicional de IRS e de Juros Compensatórios, do ano de 2010, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2014..., da qual resulta a pagar o montante de € 5.213,09, emitido em nome dos Requerentes.
Fixa-se o valor do processo em € 5.213,09 (cinco mil, duzentos e treze euros e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do disposto na alínea a), do número 1, do artigo 29.º do RJAT, e do número 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas, no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, a cargo da Entidade Requerida dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto no número 2, do artigo 12.º, e número 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do disposto no número 4, do artigo 4.º, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 17 de fevereiro de 2016
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária].
A Árbitra
(Ana Moutinho Nascimento)