Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 363/2015-T
Data da decisão: 2015-10-30  Selo  
Valor do pedido: € 222.444,36
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

            I – Relatório

 

1.1.A…, Lda., contribuinte fiscal n.º…, e com sede na Rua…, n.º…, … andar, Sala…, …-… Lisboa (doravante designada por «Requerente»), aqui representada pelo seu Administrador de Insolvência, tendo sido notificada do indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo a liquidações de Imposto do Selo referentes aos anos de 2012 a 2014 (n.os 2012…, 2012…, 2012…, 2013…, 2013…, 2013…, 2013…, 2013…, …., 2013…., 2013…, 2013…, 2013…, 2014…, 2014…,  2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…), no valor global de €222.444,36, apresentou, em 4/6/2015, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 2.º, e da al. a) do n.º 1 do art. 10.º, ambas do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é Entidade Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»), tendo em vista, em síntese, a “anulação das liquidações de Imposto do Selo” em causa e a “extinção dos processos de execução fiscal por falta de pagamento das liquidações de IS”.

 

            1.2. A 13/8/2015 foi constituído, para o presente processo, Tribunal Arbitral Colectivo composto pelo Sr. Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, pelo Sr. Prof. Doutor Miguel Patrício e pelo Sr. Dr. Augusto Vieira.

 

1.3. Nos termos do Despacho do Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 31/8/2015, o Sr. Dr. Augusto Vieira foi substituído pelo Sr. Dr. José Nunes Barata, o qual foi nomeado árbitro deste processo a 24/9/2015.

 

            1.4. A 14/8/2015, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 29/9/2015, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente.

 

            1.5. Por despacho de 2/10/2015, o Tribunal considerou ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT, porque não havia prova a produzir e porque o processo continha todos os elementos necessários à decisão. Através de despacho datado de 7/10/2015, o Tribunal fixou a prolação da decisão para o dia 30/10/2015.

 

1.6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “as Liquidações Contestadas foram emitidas nos termos da verba 28.1 da TGIS, conjugada com o disposto no art.º 6.º da Lei 55-A/2012, relativa a «prédios com afetação habitacional»”; b) “todas as decisões proferidas nesta matéria pelo STA sancionam que os terrenos para construção não podem ser enquadrados no conceito de prédios urbanos com afetação habitacional para efeitos de aplicação da Verba 28.1 da TGIS”; c) “Neste mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência fiscal arbitral, nos termos da qual os terrenos para construção não estão sujeitos ao IS previsto na Verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 55.º-A/2012, de 29 de Outubro”; d) “Por outro lado, importa notar que o próprio legislador já reconheceu que a anterior redação da verba 28.1 da TGIS, em que se fazia referência a «prédios com afetação habitacional», não poderia jamais abranger os terrenos para construção, tendo, por isso, procedido à sua alteração através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro”; e) “E nem se afirme que esta alteração possui natureza meramente interpretativa, retroagindo os seus efeitos à data da introdução da verba 28 na TGIS”; f) “Ao introduzir esta alteração, o legislador expressamente reconheceu que a redação original da verba 28.1 da TGIS só compreende os prédios habitacionais. Contudo, porque pretendeu que essa tributação fosse mais além, acrescentou a referência aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”; g) “dúvidas não podem restar de que a verba 28.1 da TGIS quando se refere a «prédios com afetação habitacional», não abrange os terrenos para construção, pelo que as Liquidações Contestadas são manifestamente ilegais”; h) “destinando-se a verba 28.1 do Código do IS a tributar exclusivamente prédios com afetação habitacional, e não podendo os terrenos para construção ser integrados no referido conceito, de acordo com as regras previstas no Código do IMI, aplicáveis por remissão do art. 67.º, n.º 2, do Código do IS, devem as Liquidações Contestadas ser consideradas ilegais, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS, interpretada em conformidade com o disposto no art. 6.º do Código do IMI”; i) “ainda que se entenda que o conceito de «afetação habitacional» utilizado na verba 28.1 da TGIS deverá ser aferido com base no Direito do urbanismo (nomeadamente nos art.ºs 4.º, n.º 5, e 77.º, n.º 5, do RJUE, e no art. 8.º do RGEU), dever-se-á concluir, igualmente, pela ilegalidade do entendimento adotado pela AT na decisão de indeferimento do pedido [de revisão] oficiosa e, por conseguinte, pela ilegalidade das Liquidações Contestadas, relativas a terrenos para construção, por violação da referida verba, na medida em que os terrenos a que se referem tais liquidações jamais podem ser considerados como prédios com afetação habitacional. Ilegalidade que determina a anulabilidade das mesmas nos termos do art. 135.º do CPA - atual art. 163.º do CPA - aplicável ex vi do art. 29.º, alínea d), do RJAT [...], anulação que desde já se requer”; j) “as Liquidações Contestadas de 2013 devem, igualmente, ser consideradas ilegais, por violação do disposto no art. 6.º, n.º 1, da Lei 55-A/2012, ilegalidade que determina a anulabilidade das mesmas nos termos do art. 135.º do CPA (que corresponde ao atual art. 163.º do CPA) aplicável ex vi do art. 29.º, alínea d), do RJAT”; l) “a Lei n.º 55-A/2012, na parte em que introduziu a tributação em sede de IS sobre o património ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, designadamente dos art.ºs 13.º e 104.º, n.º 3, da Lei Fundamental, o que inquina de ilegalidade todas as Liquidações Contestadas com fundamento em inconstitucionalidade material da norma com base na qual foram emitidas e determina a anulabilidade das mesmas nos termos do art. 135.º do CPA (que corresponde ao atual art. 163.º do CPA) aplicável ex vi do art. 29.º, alínea d), do RJAT”; m) “a tributação prevista na verba 28.1 da TGIS [...] ofende o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado e positivado em vários dos seus preceitos, designadamente no âmbito dos direitos fundamentais - art.ºs 18.º e 19.º da CRP -, e em alguns preceitos relativos à organização do poder político - designadamente no art. 266.º da CRP”; n) “à luz da proibição da dupla tributação (jurídica e económica) que decorre do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, deverá a verba 28.1 da TGIS ser julgada inconstitucional, o que inquina de ilegalidade todas as Liquidações Contestadas com fundamento em inconstitucionalidade material da norma com base na qual foram emitidas e determina a anulabilidade das mesmas nos termos do art. 135.º do CPA (que corresponde ao atual art. 163.º do CPA) aplicável ex vi do art. 29.º, alínea d), do RJAT”; o) “o imposto introduzido pela Lei 55-A/2012 viola o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, constitucionalmente consagrados no art. 2.º da CRP, bem como o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal consagrado no art. 103.º, n.º 3, da CRP”.

 

            2.2. Conclui a ora Requerente que, em face do supra exposto, devem ser anuladas “as liquidações de IS (antes contestadas no pedido de revisao oficiosa apresentado), com todas as consequências legais, entre elas a imediata extinção dos processos de execução instaurados por falta de pagamento daquelas dívidas.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “é entendimento da AT que os prédios em apreço têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, por consubstanciarem uma correcta interpretação da Verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”; b) “na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no n.º 2 do art. 67.º do CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”; c) “nos termos da referida disposição legal [art. 67.º, n.º 2, do CIS], às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba 28.1 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI”; d) “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações: [i)] na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil (CC), ex vi art. 11.º da Lei Geral Tributária - LGT; [ii)] o n.º 2 do art. 67.º do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI; [iii)] a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção; [iv)] a própria verba 28.1 TGIS remete para a expressão «prédios com afectação habitacional», apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI”; e) “ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de «prédios com afectação habitacional», para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”; f) “veja-se que, repristinando a menção já antes feita ao art. 45.º do CIMI, a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante naquele artigo que manda separar as duas partes do terreno”; g) “[atendendo ao regime jurídico da urbanização e edificação e, em particular, ao seu art. 77.º, conclui-se que,] muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”; h) “[quanto à alegada ilegalidade das liquidações emitidas em 2013, por duplicação de colecta, para que a mesma se verificasse] teria o legislador que ter deixado expressamente consagrada a não verificação, no ano de 2012, do facto tributário resultante da aplicação das regras gerais do CIMI. [...] uma coisa é o IS referente ao regime excepcional e pontual liquidado ao abrigo das citadas disposições transitórias, que teve por base o VPT referente ao ano de 2011 e uma taxa aplicável inferior à do regime normal, outra coisa é o IS referente ao regime normal decorrente do CIS cuja obrigação se constitui no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI (cf. n.º 1, do artigo 113.º), ou seja, a 31 de Dezembro de cada ano. [Pelo que se conclui] que, in casu, não se verificou qualquer duplicação de coleta”; i) [quanto à alegada inconstitucionalidade das liquidações,] “ressalvando desde já que não compete à AT, no exercício das suas funções competência atribuições no exercício da sua actividade admisntrativa, tecer considerandos acerca da alegada inconstitucionalidade (mas inexistente) da norma ínsita na Verba 28.1 TGIS, atentos à sua plena vinculação à lei, não vemos que da mesma resulte a violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva”; j) “como o tratamento diferenciado encontra justificação material bastante, mostra-se respeitado o princípio da igualdade, quer per si, quer na sua dimensão da igualdade proporcional”; l) “entende a AT que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP”; m) [quanto à alegada violação da proibição da dupla tributação jurídica e económica invocada pela Requerente] “considera-se inexistir obstáculo de cariz jurídico-constitucional à opção do legislador de fazer cumular os dois impostos (IMI e IS) sobre determinados prédios”.

 

            2.4. Conclui a AT, pelo supra exposto, que “as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A ora Requerente é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, cujo objeto social consiste no comércio de imóveis, compra, venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, prestação de serviços, exercício de construção civil, distribuição e venda de notícias, fotos e outro material inerente à atividade jornalística e imprensa (v. doc. 20 apenso ao pedido de pronúncia arbitral).

 

ii) A ora Requerente foi declarada insolvente, por sentença proferida no âmbito do processo n.º …/12….TYLSB, pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, 2.º Juízo de Lisboa, de 15/7/2014 (vd. doc. 21 apenso ao pedido de pronúncia arbitral). No âmbito desse processo de insolvência, a AT reclamou vários créditos, entre os quais os relativos às liquidações ora em causa (excepto as liquidações relativas às segundas e terceiras prestações das liquidações de 2014, que foram emitidas em momento subsequente à apresentação de tal reclamação), como se verifica pelo doc. 22 apenso ao pedido de pronúncia arbitral.

iii) De acordo com o referido doc. 22, as liquidações ora em causa, referentes aos anos de 2012 a 2014 (liquidações n.os 2012…, 2012…, 2012…, 2013…, 2013…, 2013…, 2013 …, 2013…, …, 2013…, 2013…, 2013…, 2013…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…), no montante global de €222.444,36, têm por objecto a tributação, nos termos da verba 28.1 da TGIS, da propriedade de “prédios urbanos com afectação habitacional” (na redacção em vigor à data da verificação dos respectivos factos tributários) com um VPT igual ou superior a €1.000.000,00.

 

            iv) As liquidações supra referidas respeitam exclusivamente a terrenos para construção detidos pela ora Requerente, conforme se verifica pela descrição dos prédios constante das respectivas cadernetas prediais (v. docs. n.os 23 a 26 apensos ao pedido de pronúncia arbitral).

 

            v) A Requerente não efectuou voluntariamente o pagamento das referidas liquidações, pelo que lhe foram instaurados vários processos de execução fiscal, para cobrança coerciva das mesmas, como se pode observar pelo doc. 19 apenso ao pedido de pronúncia arbitral.

 

            vi) Inconformada com as referidas liquidações, a Requerente apresentou, a 25/9/2014, pedido de revisão oficiosa, com fundamento em erro imputável aos serviços (vd. doc. 27 apenso ao pedido de pronúncia arbitral). A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º…, de 5/3/2015, do Despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferido pelo Chefe do SF de …(v. doc. 1 apenso ao pedido de pronúncia arbitral).

 

            vii) Inconformada com o mencionado Despacho de indeferimento, a ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 4/6/2015.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

           

            IV – Do Direito

 

            A questão essencial colocada no presente processo traduz-se na definição do âmbito de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, nomeadamente saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie dos prédios urbanos “com afectação habitacional”.

 

Ora, essa é uma questão que, independentemente das questões de constitucionalidade que coloca, nomeadamente ao nível do princípio da igualdade e da possibilidade de existência de uma tributação em Imposto do Selo sobre imóveis numa óptica pura de tributação sobre o Património sem qualquer ligação com o princípio da equivalência ou do benefício (o princípio fundamental do IMI), tem sido sobejamente tratada na jurisprudência do CAAD e do STA.

 

Efectivamente, tem sido interpretação unânime das citadas entidades julgadoras afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo os terrenos para construção que ainda não têm definido qualquer tipo de utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais.

 

De facto, os terrenos para construção, quer na perspectiva do direito urbanístico, quer na perspectiva do direito fiscal, têm uma natureza distinta dos prédios com fins habitacionais, já que, no momento anterior à realização da benfeitoria (a construção em si) não têm utilização definida, constituindo-se como simples activo fundiário, não podendo, por isso, ser considerados “prédios com afectação habitacional”.

 

Note-se que a intenção do legislador foi claramente restritiva. Ao utilizar a expressão “fins habitacionais”, o legislador expressou, de forma clara, uma vontade de apenas incluir os prédios habitacionais no âmbito de incidência da norma, excluindo claramente aqueles com vocação comercial e industrial (mesmo se integrados em zonas urbanas que, numa situação limite de concretização que se traduz na existência de um Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor aprovado), dado que a sua afectação concreta depende da sua edificação definitiva.

 

Neste contexto, diversa jurisprudência concluiu que as liquidações sindicadas padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois os prédios relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba 28.1 constituem-se como “terrenos para construção”, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

 

A AT vem alegando que, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, o conceito de “prédios com afectação habitacional” compreende não apenas os prédios edificados como, também, os terrenos para construção, já que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão que considera diferente e mais ampla, integrando outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, al. a), do CIMI.

 

Concluindo que a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28.1, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções – aplicando-se, portanto, aos terrenos para construção com essa afectação.

 

Tal não se afigura como correcto pelas razões já avançadas. Com efeito, a questão em apreciação é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão que foi apreciada e decidida no STA nos recentes acórdãos de 9/4/2014, proferidos nos processos n.os 1870/13 e 48/14, e de 23/4/2014, proferidos nos processos n.os 270/14, 271/14 e 272/14, nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo, prevista na verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como “prédios urbanos com afectação habitacional”.

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por se concordar inteiramente com a respectiva fundamentação, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no acima referido Acórdão proferido no processo n.º 1870/13:

 

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

 

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios

(urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
 

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – art. 6.º do CIMI).

 

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

 

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir comosendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação).

 

É esta a jurisprudência que aqui se acolhe e se reitera, atendendo à regra constante do n.º 3 do art. 8.º do Código Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, sendo que a Requerida não aduziu nova fundamentação que infirmasse tal orientação jurisprudencial.

 

Por último, no mesmo sentido dos arestos do STA mencionados, ver também, em sede arbitral e a título de mero exemplo, as Decisões que foram proferidas nos seguintes processos, e com as quais se concorda: n.º 301/2013-T, de 31/7/2014; n.º 308/2013-T, de 28/4/2014; n.º 384/2014-T, de 8/2/2015; e n.º 516/2014-T, de 12/1/2015.

 

Mostrando-se procedente o entendimento da ora Requerente quanto à referida questão essencial, torna-se desnecessário, por essa razão, verificar da procedência de outros alegados vícios das liquidações de Imposto do Selo ora impugnadas.

 

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            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.

            - Anular as liquidações de Imposto do Selo identificadas com os n.os 2012…, 2012…, 2012…, 2013…, 2013…, 2013…, 2013…, 2013…, …, 2013…, 2013…, 2013…, 2013…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… .

           

Fixa-se o valor do processo em €222.444,36 (duzentos e vinte e dois mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerida, no montante de €4284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de Outubro de 2015.

 

 

Os Árbitros,

 

 

Manuel Macaísta Malheiros (Presidente)

 

 

 

Miguel Patrício

 

 

 

 

José Nunes Barata

 

 

 

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.