DECISÃO ARBITRAL
A – RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n. º..., residentes na Rua..., n.º..., ..., ...-..., vêm ao abrigo do disposto nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT) apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, tendo em vista a anulação do ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n. º 2015..., relativo ao ano de 2010, no valor global de 424 016.92€, sendo 28 571,24€ referentes a juros compensatórios (liquidação n.º 2015...), assim como da demonstração de acerto de contas n.º 2015 ... com um saldo de 217 083,62€ (valor global deduzido do valor de 206 933,3€, pago em 28-9-2011), e que foi liquidado em 7-5-2015.
2.Os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação dos árbitros Dr. José Pedro Carvalho (presidente), Dr. José Coutinho Pires e Prof. Doutor Daniel Taborda, que foi aceite pelas partes – Requerentes e Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante ATA).
3. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 14-09-2015, para apreciar e decidir o objeto do presente processo arbitral, conforme consta da respetiva ata.
4. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
5. O Tribunal é competente e o pedido é legítimo, tendo sido apresentado no dia 3-7-2015 e aceite pelo Tribunal como processo em fase de procedimento arbitral no dia 7.
6. Foi proferido Despacho Arbitral, em 20-10-2015 que fundamentou a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e concedeu às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas.
7. As partes apresentaram alegações escritas em 29-10-2015 (Requerentes) e em 12-11-2015 (requerida).
8. Sinteticamente, a Requerida sustentou que as alegações dos Requerentes não arrolaram argumentos novos à petição inicial, centrados na falta de fundamentação e preterição de formalidades legais na liquidação e na exclusão de tributação de mais-valias decorrentes da alienação de ações.
9. Em face do exposto, importa descrever os factos constantes da petição inicial (PI).
A1 – DA PETIÇÃO INICIAL
10.Os Requerentes, supra identificados, apresentaram ao Tribunal Arbitral, pedido de pronúncia arbitral, visando a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de 424 016,92€, sendo 28 571,24€ referentes a juros compensatórios, e da demonstração de acerto de contas n.º 2015 ... com um saldo final de 217 063,62€ (cfr. Doc n.º 1 anexo à PI).
11. Na primeira parte da PI, os Requerentes invocam a falta de fundamentação dos atos de liquidação objeto de pronúncia arbitral (n.º 2015 ... – IRS – e n.º 2015...– juros compensatórios), praticados em 1 de Abril de 2015. Violando o disposto no artigo 77.º, n.º 2 da LGT, os atos de liquidação praticados não fazem referência às disposições legais aplicáveis, nem contêm qualquer remissão explícita para outro documento que contenha essa fundamentação, devendo, portanto, ser anulados. Os Requerentes aduzem que o direito de audição antes da liquidação, previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, foi preterido, o que implica, também, a anulação dos atos de liquidação.
12. A PI prossegue com a descrição dos factos que consideram relevantes para os autos, designadamente a venda em 5 de julho de 2010 da totalidade das ações representativas da do capital social das sociedades comerciais C..., SA e D... SA, doravante C...e D... respectivamente, à sociedade E..., SGPS, SA, pelo valor de 2 milhões de euros.
13. Foi mencionado pelos Requerentes no Quadro 8-A que se tratava de alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas, tendo sido identificadas as sociedades C... e D..., cujo ganho de mais-valias seria tributado apenas em 50%, nos termos do artigo 43. º, n.º 3 do CIRS. Por ofício de 4 de Julho de 2011 da ATA, os Requerentes foram notificados que “os rendimentos de incrementos patrimoniais declarados são inferiores aos conhecidos ou as partes sociais alienadas não pertencem a micro ou pequenas [empresas]” (cfr. Doc n.º 11 anexo à PI).
14. Em 28 de julho de 2011, os Requerentes fizeram uma exposição e requerimento em resposta à notificação supra referida, no qual se alegava a exclusão de tributação das mais-valias obtidas e se justificava o preenchimento do mencionado Anexo G, com base na impossibilidade de o sistema informático permitir preencher o Anexo G1, relativo às mais-valias excluídas de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea a). Sem conceder, argumentaram que o estatuto de micro ou pequenas empresas isentava de tributação metade das mais-valias obtidas. (cfr. Doc n.º 12 anexo à PI).
15. Os Requerentes foram notificados em Agosto da nota de liquidação de IRS n.º 2011..., apurando um imposto a pagar de 206 933,3€, dos quais 188 612.38€ se referem à tributação das mais-valias. O pagamento foi feito em 28 de Setembro.de 2011.
16. No dia 18 de Dezembro de 2014, os Requerentes foram notificados do procedimento de inspeção ao IRS de 2010 (cfr. Doc n.º 15, anexo à PI).
17. No dia 16 de Fevereiro de 2015, os Requerentes foram notificados do projecto de relatório de inspeção e, em 27 de Março, do relatório final de inspeção (cfr. Doc n.ºs 17 e 2 anexos à PI).
18. Segundo os relatórios, os motivos da inspeção relacionam-se com a declaração no Quadro 8-A do Anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao exercício de 2010, de alienações onerosas de partes sociais de micro ou pequenas empresas, tendo, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, aproveitado da isenção de tributação de 50%. Tratando-se, na verdade, de médias empresas, a mais-valia deveria ser tributada na sua totalidade.
19. A correção proposta ao IRS de 2010 no relatório de inspeção foi de 188 512,38€.
20. No dia 13 de Abril de 2015, os contribuintes foram notificados da liquidação adicional de IRS de 188 512,38€ e dos juros compensatórios de 28 571,24€. O pagamento de 217 083,62€, nos termos da demonstração de acerto de contas incluída na mesma notificação, foi feito em 7 de Maio de 2015.
21. Com base numa extensa revisão da doutrina e da Jurisprudência, os Requerentes entendem que as mais-valias relativas ao ano de 2010, no montante de 377 124,76€, por terem sido obtidas antes de 27 de Julho de 2010, estão excluídas de tributação.
22. Os Requerentes invocam ainda, como se referiu já, que os atos de liquidação sofrem de vício de falta de fundamentação.
23. Solicitam a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2015 ... relativo ao ano de 2010, cujo valor de 424 016,92€ já foi pago na totalidade e requerem a restituição do montante de 217 083,62€, pago em 7 de Maio de 2015, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, com base nos artigos 100.º e 43.º da LGT.
AII – DA RESPOSTA DA REQUERIDA
24. A Requerida argumenta que não há vício de falta fundamentação, justificando que “o acto está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade”. Entre outros argumentos, apoia-se no facto de os “Requerentes entenderam perfeitamente o sentido e alcance da liquidação sobre a qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fazem no seu extensíssimo excurso (…)”.
25. Apoiando-se na doutrina, Jurisprudência e no contexto económico-social em que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, foi aprovada, e em particular na característica da anualidade do IRS (o facto tributário gerador do imposto reporta-se a 31 de Dezembro de cada ano), a Requerida entende que o saldo positivo de todas as mais-valias e menos-valias mobiliárias obtidas em 2010 deve ser tributado. Reconhece que esta questão “consubstancia o âmago da presente contenda”.
AIII – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES FINAIS
26. Os Requerentes insistem nos argumentos invocados na PI, destacando-se a referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2015 (Processo n.º 1292/14-Pleno da 2ª Secção), de 16 de setembro de 2015, entretanto publicado no Diário da República 1ª série, n.º 209, de 26 de outubro, ao qual aludiremos mais adiante.
27. A Requerida julga improcedente o pedido dos Requerentes, insistindo na tese de que “o IRS caracteriza-se por ser um imposto directo e periódico de carácter anual, sendo entendimento unânime na Doutrina e na Jurisprudência, que o facto gerador do imposto se verifica à data de 31 de Dezembro de cada ano, assim se compreendendo o carácter unitário e global da tributação do rendimento, isto não obstante o recorte analítico das várias categorias de rendimento de acordo com a sua fonte”.
B - QUESTÕES A DECIDIR
28. As questões a decidir relacionam-se com as alegadas falta de fundamentação dos atos de liquidação, preterição e formalidades essenciais e a exclusão de tributação das mais-valias mobiliárias obtidas antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho.
C – FACTOS PROVADOS
Dão-se como provados:
29. As liquidações impugnadas relacionam-se com a correção meramente aritmética à matéria colectável de 2010, por omissão à declaração de rendimentos de metade das mais-valias obtidas com a alienação de ações em 5 de julho de 2010, as quais eram detidas pelos Requerentes há mais de 12 meses, atento o artigo 43.º, n.º 6, alínea b) do CIRS (correspondente ao n.º 4, na redação em vigor em 2010), que reza que “a data de aquisição de ações resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem” (a alínea a) prescreve um regime semelhante para o aumento de capital por incorporação de reservas).
30. O valor de 424 016,92€ encontra-se integralmente pago: o valor de 206 933,3€ foi pago em 28-9-2011 (cfr. Doc n.º 14 anexo à PI), correspondente ao imposto a pagar apurado no ato de liquidação n.º 2011 ... (Doc n.º 13), e o valor de 217 083,62€ em 7-5-2015 (Doc n.º 18), na sequência da demonstração de acerto de contas (Doc n.º 1). Ambos os pagamentos foram feitos dentro das datas-limite fixadas naqueles documentos.
31. As mais-valias foram obtidas com a alienação de 125 000 ações da sociedade C..., com o capital social de 125 000€, pelo valor de 1 100 000€ (cfr. Doc n.º 7 anexo à PI) e a alienação de 125 000 ações da sociedade D..., com o capital social de 125 000€, pelo valor de 900 000€ (Doc n.º 8).
32. Os Requerentes constituíram, como sociedades por quotas, a sociedade C... em 8 de Maio de 1997 (cfr. Doc n.º 3 anexo à PI) e a D... em 28 de Julho de 2000 (Doc n.º 4). Ambas foram transformadas em sociedades anónimas em 26 de Fevereiro de 2010, mediante o aumento do capital social e a entrada de novos sócios: as duas filhas dos Requerentes e a outra sociedade comercial por eles detida (Doc n.º 5 para a ST e Doc n.º 6 para a STR).
33. Desta reestruturação resultou a seguinte distribuição do capital:
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n.º de ações da C...(valor nominal 1€)
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n.º de ações da D...(valor nominal 1€)
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B...
|
123 453
|
123 453
|
A...
|
1 247
|
1 247
|
...
|
100
|
100
|
...
|
100
|
100
|
C...
|
|
100
|
D...
|
100
|
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TOTAL
|
125 000
|
125 000
|
34. Os sócios de C... e D... celebraram, em 5 de Julho de 2010, um contrato de compra e venda das ações da C... e da D... com a sociedade E..., SGPS, SA. No que aos Requerentes diz respeito, regista-se:
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n.º de ações da C...alienadas
|
Valor das ações C... alienadas
|
n.º de ações da D... alienadas
|
Valor das ações D... alienadas
|
B...
|
123 453
|
1 086 386,4€
|
123 453
|
886 861,6€
|
A...
|
1 247
|
10 973, 6€
|
1 247
|
8 978,4€
|
TOTAL
|
124 700
|
1 097 360€
|
124 700
|
895 840€
|
35. Na sequência destas operações de venda, os Requerentes entregaram a declaração modelo 3 de IRS, em 30 de Maio de 2011, preenchendo no respetivo Anexo G, Quadro 8, os valores de alienação e de aquisição, e cujo conteúdo essencial aqui se reproduz, mantendo os erros evidenciados naquele impresso (888 861,6€ de valor de realização das ações da D... por B..., que contém 2000€ a mais face ao contrato de compra e venda, erro não identificado no relatório de inspeção e que não foi alegado por qualquer das partes), comuns, aliás, aos da declaração Modelo 4 submetida pela compradora, E..., SGPS, SA (cfr. Doc n.ºs 9 e 10 anexos à PI):
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Realização
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Aquisição
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Ano
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valor
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ano
|
valor
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A...
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2010
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10 973, 6€
|
1997
|
100€
|
A...
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2010
|
8 978,4€
|
2000
|
100€
|
B...
|
2010
|
1 086 386,4€
|
1997
|
9 876,20€
|
B...
|
2010
|
888 861,6€
|
2000
|
99 000€
|
TOTAL
|
|
1 995 200€
|
|
109 076,2€
|
36. A ATA entendeu que a alteração ao Código do IRS introduzida pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, é aplicável às mais-valias com a venda de ações (5 de julho de 2010) antes da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010). Portanto fixou um acréscimo à matéria colectável de 2010, sobre a qual incidiu a taxa de tributação especial de 20 % prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS (na redação em vigor a 31/12/2010). A proposta ao IRS de 2010 no relatório de inspeção foi de 188 512,38€, assim obtidos:
Mais-valias totais: 1 995 200 – 109 076,2 = 1 886 123,8€
Mais-valias sujeitas a tributação, considerando o benefício fiscal consagrado no artigo 72.º do EBF: 1 886 123,8 – 500 = 1 885 623,8€
Imposto Apurado: 20% x 1 885 623,8 = 377 124,76€.
Imposto liquidado = 188 612,38€
Imposto em falta = 188 512, 38€
37. Os Requerentes foram notificados do relatório que concluiu a ação inspetiva externa ao ano de 2010, instaurada ao abrigo da Ordem de Serviço OI..., no qual se refere que os contribuintes dispensaram o exercício do direito de audição, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA. Nas conclusões deste relatório (ponto 6) consta que “deste modo não lhe tendo sido possível em face à alteração legislativa, enquadrar aquelas mais-valias no âmbito do anexo G1 (exclusão de tributação de ações detidas [h]à mais de 12 meses), optou o sujeito passivo por declarar aquelas mais-valias no anexo G preenchendo o quadro 8-A do mesmo anexo, pretendendo assim ser tributado nos termos do n.º 3 do artigo 43º do CIRS”.
38. Os Requerentes foram notificados pessoalmente. Ficou registado na certidão de notificação pessoal, de 6 de Abril de 2015, que A... foi notificado da “liquidação de IRS n.º 2015... de 2010, bem como da liquidação dos respectivos juros compensatórios” (…), apurada em resultado da ação inspetiva externa ao ano de 2010 realizada (…) ao abrigo da Ordem de Serviço OI2014...” e dos meios de defesa à nota de cobrança da referida liquidação, a enviar oportunamente.
39. A liquidação em causa originou a demonstração de acerto de contas n.º 2015 ... com um saldo de 217 083,62€, pago em 7-5-2015, dentro da data limite para pagamento voluntário.
D. DIREITO APLICÁVEL
41. A fundamentação para a liquidação consta do Relatório final de inspeção, cumprindo o disposto no artigo 77.º da LGT. Nos termos do artigo 63.º, n.º 1 do RCPITA, “os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões (…)”. O conteúdo do relatório está devidamente fundamentado, o que, aliás, se retira do facto de os Requerentes revelarem “ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido…” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-1-2013).
42. Quanto ao direito de audição, o n.º 3 do artigo 60.º da LGT dispensa a audição antes da liquidação, em determinados casos, designadamente se o direito de audição foi reconhecido, antes da conclusão do relatório de inspeção tributária. Relativamente a este n.º 3, que tem carácter interpretativo, “não está pois vedada ao contribuinte a participação na formação da decisão final; o que se revela inútil e redundante é uma segunda audição quanto aos mesmos factos e pressupostos, sobre os quais pôde já pronunciar-se anteriormente, aquando da prática de outros actos que vêm, depois, como já se deixou escrito, ligar-se funcionalmente à liquidação”. (Cfr. Daniel Taborda, 2006, O direito de audição no procedimento tributário, Fiscalidade n.º 25, p. 158). Ora, como se viu já, no projecto do relatório de inspeção os Requerentes foram convidados a exercer o direito de audição, optando por não o fazer. O relatório final de inspeção reproduziu o teor daquele projecto e a liquidação do imposto foi feita com base neste relatório. Portanto, também aqui, as alegações dos Requerentes não vingam.
43. Quanto à questão de fundo, a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, em 27-7-2010, veio terminar com a exclusão de tributação das mais-valias obtidas com a venda de ações detidas há mais de doze meses, revogando a alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, e alterou a taxa especial prevista no artigo 72.º, n.º 4 do CIRC de 10% para 20%.
44. A questão essencial consiste em saber se todas as mais-valias decorrentes da venda de ações detidas há mais de doze meses durante o ano de 2010 devem ser tributadas da mesma forma, ou, em alternativa, de forma diferente, consoante a venda tenha ocorrido em data anterior ou posterior a 27-7-2010.
45. Confrontando as teses acolhidas pela Jurisprudência, o ponto da discórdia assenta no momento em que ocorre o facto tributário que origina a obrigação tributária. Se for instantâneo, ocorre no momento da alienação; se for complexo e de formação sucessiva, no final do ano, data em que é possível apurar o saldo, positivo, ou negativo, das mais-valias e das menos-valias obtidas durante o exercício.
46. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2015 (Processo n.º 1292/14-Pleno da 2ª Secção), de 16 de setembro de 2015, publicado no Diário da República 1ª série, n.º 209, de 26 de outubro, doravante Acórdão do STA, veio uniformizar a jurisprudência relativa à questão essencial suscitada.
47. O Acórdão do STA adere à tese que sufraga que o facto tributário se reporta ao momento em que as mais-valias são realizadas, sendo, portanto, instantâneo e não complexo e de formação sucessiva. Nas palavras do Acórdão, “as mais -valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respectivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna -se claro que a mais -valia se reporta a cada ganho de per si”.
48. O Acórdão do STA distingue o saldo positivo das mais-valias e menos-valias realizadas, que será tributado, do facto tributário. Sustenta que “a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos -valias em face de todos os actos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento colectável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS (…)”
49. Note-se que os acórdãos uniformizadores do STA “têm uma especial força persuasiva, de modo a que a jurisprudência uniformadora neles fixada deve ser acatada em decisões posteriores conquanto se mantenham os pressupostos que a ela conduziram em determinado contexto, atenta a sua função, e os moldes em que se encontra configurado o recurso para uniformização de jurisprudência”. Assim, “devem ser fortes as razões ou circunstâncias para se contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo, de modo a justificar-se a adoção de entendimento divergente daquele que veio a obter vencimento em sede de recurso para uniformização de jurisprudência em julgamento alargado do Supremo Tribunal Administrativo e com ponderação das teses opostas (entre acórdãos do STA, entre acórdãos do TCA ou entre acórdão deste e do STA, cfr. nº 1 do artigo 152º do CPTA), que justificaram a sua admissão”, só sendo justificado o afastamento dessa jurisprudência, mediante “a convergência designadamente das seguintes circunstâncias: i) ter decorrido um período de tempo significativo desde o acórdão uniformizador; ii) verificar-se entretanto um debate doutrinal questionando fundamentadamente a jurisprudência uniformizada; iii) serem utilizados relevantes argumentos jurídicos que não tenham sido discutidos no acórdão uniformizador; iv) ter sido alterada a composição do Supremo Tribunal que faça prever a possibilidade de vencimento de solução diversa” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 9-07-2015, proferido no processo n.º 12282/15). Não é esse o quadro que ora se verifica.
50. Assim, os ganhos constituídos pelas mais-valias decorrentes da alienação onerosa de ações consideram-se obtidos na data de realização (5 de Julho de 2010), pelo que não se aplica o regime introduzido pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho. Em 5 de Julho de 2010, vigorava o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS, logo as mais-valias realizadas estavam excluídas de tributação, tornando ilegal a liquidação que sobre elas incidiu.
51. A par da anulação da liquidação, peticiona-se o direito a juros indemnizatórios. Encontrando-se paga a dívida tributária indevida por erro imputável aos serviços da ATA, subsiste o direito a juros indemnizatórios (n.º 1 do artigo 43. º da LGT). Estes serão calculados sobre a importância indevidamente liquidada e paga, com contagem a partir do dia seguinte ao do referido pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito (artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT).
E. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Arbitral colectivo em:
a) Julgando procedente o pedido de anulação, anular o ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2010, n.º 2015..., no valor de 424 016,92€, sendo 28 571,24€ referentes a juros compensatórios, e da demonstração de acerto de contas n.º 2015 ... com um saldo final de 217 063,62€.
b) Julgando procedente o pedido relativo aos juros indemnizatórios, condenar a ATA à restituição de 217 063,62€, que corresponde ao saldo da demonstração de acerto de contas n.º 2015..., paga em 7-5-2015, e ao pagamento dos juros indemnizatórios devidos a partir do dia seguinte ao daquele pagamento, até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 97.º-A do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), o valor do processo é de 217 063,62€.
Custas
Nos termos do artigo 4. º, n. º 4 do RCPAT e da Tabela I, o valor da taxa de arbitragem a suportar integralmente pela ATA é fixado em 4 284€.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2015
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Pedro Carvalho (presidente)
votei a decisão com a declaração em anexo
José Coutinho Pires
Revi a posição expressa no processo nº 340/2014-T do CAAD, face à doutrina que se extrai do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 16-09-2015.
Daniel Taborda - Relator
Declaração de voto
Ressalvado o muito respeito devido, discordo frontalmente do decidido no Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 16-09-2015, no processo n.º 1292/14, porquanto me parece, no sentido de decisões anteriores em que intervim, que esvazia, o disposto no artigo 43.º/1 do CIRC.
Com efeito, não tenho quaisquer dúvidas – nem a jurisprudência arbitral dissonante daquela em que intervim teve[1] – relativamente ao carácter continuado do facto tributário relativo à tributação de mais-valias em IRS, que é um facto completamente distinto do que ocorre, por exemplo, nas tributações autónomas decorrentes da realização de determinadas despesas, sendo que o argumento – único – em que assenta a jurisprudência fixada, resultante da norma do n.º 3 do artigo 10.º, não se me afigura ter o alcance dado por aquela jurisprudência, na medida em que, do meu ponto de vista, se tratará, unicamente, de uma norma relativa à periodização dos exercícios, tendo a mesma natureza, por exemplo, das normas dos artigos 7.º/1 e 24.º/4 do CIRS, para nos quedarmos por este Código.
A jurisprudência do STA, para além do mais, deixa sem resposta – e nenhuma convincente se antevê – a questão de saber, face ao decidido por aquele Supremo Tribunal, o que acontece – em sede de tributação de IRS para o ano de 2010 – às menos-valias resultantes da alienação de participações sociais detidas por menos de 12 meses[2] sofridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. Contribuem elas para o saldo anual a que alude o artigo 43.º/1 do CIRS? Ou não? Serão as menos-valias – que não são, evidentemente, objecto de tributação – também um facto tributário instantâneo?
Por outro lado, a jurisprudência fixada não encara, também, a questão das mais-valias objecto de englobamento (nos termos dos artigos 22.º/3/b) e 72.º/4 do CIRS), tendo em conta que a opção por este só ocorre no final do ano/período[3], nem, tampouco, da caducidade do direito à liquidação de IRS sobre mais-valias, à luz, igualmente, daquela possibilidade de englobamento.
Para além destas, várias outras questões de coerência sistemática e dogmática ficam sem resposta, como sejam a de saber qual a justificação para que uma mais-valia, sendo um facto instantâneo, não seja tributada, ou seja, menos tributada, em função da ocorrência de uma menos-valia posterior, bem como a de saber qual a justificação para a relevância desta (menos-valia posterior), se circunscrever à sua ocorrência no mesmo ano civil.
Acresce ainda que se me afigura inconstitucional, desde logo por violação do princípio da igualdade, a discriminação entre os rendimentos decorrentes de mais-valias e os rendimentos do trabalho, decorrente da jurisprudência firmada pelo STA, conjugada com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Com efeito, segundo esta última – nos termos analisados nas diversas decisões na matéria – os rendimento do trabalho, ainda que decorrentes de factos objectivamente instantâneos – como o auferir de um salário ou o pagamento de um serviço – são tributados em IRS à luz da lei vigente a 31 de Dezembro, enquanto o saldo resultante das mais e menos-valias, nos termos da jurisprudência do Pleno do STA, não. Salvo melhor entendimento, continua-se a não vislumbrar (também) fundamento material para tal desigualdade.
Não obstante, e atento o disposto no artigo 25.º/2 do RJAT, reconhece-se a inutilidade de uma decisão arbitral dissonante com a Jurisprudência – ainda que injusta – fixada pelo Pleno do STA.
O árbitro presidente,
(José Pedro Carvalho)
[1] Cfr., p. ex., a decisão do processo arbitral 135/2013-T.
[2] Sendo certo que o CIRS não define menos-valias, ao contrário do que faz com as mais-valias, aquelas hão-de ser entendidas como as perdas decorrentes de operações que, gerando ganhos, constituiriam mais-valias. Há luz deste entendimento – e salvo melhor estudo não se vislumbra melhor – não constituindo, até 2010 e à luz do artigo 10.º do CIRS, os ganhos decorrentes da alienação de participações sociais detidas por menos de 12 meses mais-valias, as perdas decorrentes de operações idênticas não deverão, salvo melhor opinião, ser consideradas menos-valias.
[3] Com efeito, e salvo melhor opinião, a declaração da mais-valia relevante para tributação em IRS como facto instantâneo, operada pelo STA, salvo melhor opinião, condiciona a natureza (instantânea ou continuada) do facto tributário a uma opção posterior à sua ocorrência, dado que, englobado no rendimento tributável em IRS, nada distinguirá (material ou ao nível do quadro legal aplicável) o rendimento resultante da mais valia, de uma prestação de serviços isolada, ou de uma única renda ou salário auferido no ano...