Decisão Arbitral [1]
O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 11 de Setembro de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., NIF..., legalmente representado pela B..., S.A., Pessoa Colectiva nº..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número e com sede na Rua..., em Lisboa (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 29 de Junho de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral “determine a anulação da liquidação de Imposto do Selo (…) identificada, com fundamento na sua ilegalidade (…)”, “que (…) determine a restituição dos impostos pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais e (…) condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 1 de Julho de 2015 e notificado à Requerida na mesma data.
1.4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 27 de Agosto de 2015, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 11 de Setembro de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral, em 14 de Setembro de 2015, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Em 16 de Outubro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.
1.8. Na mesma data, a Requerida apresentou também requerimento no sentido de solicitar a dispensa da realização da primeira reunião arbitral (nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT).
1.9. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 19 de Outubro de 2015, tendo em consideração o pedido de dispensa da realização da reunião arbitral a que alude o artigo 18º do RJAT, apresentado pela Requerida (vide ponto anterior), e com o objectivo de garantir o princípio do contraditório e de igualdade das partes (de acordo com o disposto no artigo 16º, alíneas a) e b) do RJAT), foi notificado o Requerente para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre o pedido da Requerida acima identificado e, foram notificadas ambas as Partes para se pronunciarem, no mesmo prazo, sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações.
1.10. O Requerente apresentou requerimento, em 20 de Outubro de 2015, no sentido de concordar com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, mas não prescindindo de alegações escritas, requerendo, para o efeito, a concessão de prazo.
1.11. A Requerida não se pronunciou relativamente ao teor do despacho arbitral identificado no ponto 1.9., supra.
1.12. Assim, por despacho arbitral, datado de 27 de Outubro de 2015, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:
1.12.1. Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
1.12.2. Não prescindir da apresentação de alegações e, em consequência, notificar o Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações do Requerente.
1.12.3. Designar o dia 14 de Dezembro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.13. O Requerente foi ainda advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar com data de 3 de Dezembro de 2015).
1.14. Em 6 de Novembro de 2015, o Requerente apresentou alegações escritas no sentido de reiterar que “apresentou pedido de constituição do douto tribunal para apreciar da legalidade das decisões proferidas em sede de Recurso Hierárquico e consequentemente da Liquidação de Imposto de Selo que lhe esteve na origem”, tendo reforçado os argumentos apresentados no pedido de Pronúncia Arbitral, concluindo que “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira não lhe pode exigir (…) a liquidação de imposto do selo com base na verba 28.1. da TGIS”, pelo que “(…) padecendo o acto tributário (…) do vício de violação de lei (…) assiste ao Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios (…)”.
1.15. Em consequência, peticiona o Requerente “(…) o reembolso dos montantes pagos e não anulados, bem como o pagamento de juros indemnizatórios (….) calculados desde a data em que foram realizados os pagamentos até à data do efectivo recebimento dos valores indevidamente pagos”.
1.16. A Requerida não apresentou alegações, apesar do teor do despacho arbitral referido no ponto 1.12.2., supra (e da execução do mesmo).
2. CAUSA DE PEDIR
O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
2.1. “(…) é dono e legítimo proprietário do prédio urbano destinado a terreno para construção inscrito sob o artigo nº ... da matriz predial urbano da freguesia de ... (…)”.
2.2. Neste âmbito, foi o Requerente “(…) notificado das notas de cobrança de Imposto do Selo (…) no montante de €4.361,90 cada, com os nºs 2013..., 2013 ... e 2013..., referentes, respectivamente, à primeira, segunda e terceira prestações (…) que correspondem à liquidação (…) nº 2012 ... substituída pela nº 2012..., relativa ao ano de imposto de 2012, no valor global de €11.384,56 (…)”.
2.3. Apesar de terem sido integralmente pagas, o Requerente, por não se conformar com a referida liquidação de Imposto do Selo, porquanto entende que “(…) a liquidação carece de fundamento legal e constitucional uma vez que a norma que lhes está na origem (…) é (…) claramente violadora dos princípios da igualdade, proporcionalidade e segurança jurídica, desde logo porque se trata de um lote de terreno para construção que está fora do âmbito de aplicação da norma”, apresentou em 14 de Agosto de 2013 e em 7 de Abril de 2014, reclamação graciosa relativamente ao teor daquela liquidação, tendo sido o Requerente notificado “(…) em 23 de Dezembro de 2013 (…), em 14 de Maio de 2014 (…) e em 3 de Junho de 2014 (…) do indeferimento das reclamações graciosas”.
2.4. “Das decisões de indeferimento o Requerente recorreu hierarquicamente em 27 de Janeiro de 2014, 11 de Junho de 2014 e 01 de Julho de 2014, respectivamente (…)”.
2.5. Neste âmbito, o Requerente foi notificado, “(…) em 15 de Abril de 2015 (…) do indeferimento do Recurso Hierárquico nº ...2014... (…) relativo à reclamação graciosa nº ...2013... (referente à nota de cobrança nº 2013 ... – 1ª prestação), com os fundamentos aduzidos na decisão, tendo ainda sido notificado que os demais Recursos foram arquivados por inutilidade superveniente da lide (…)”.
2.6. Da decisão de indeferimento referida no ponto anterior “resulta (…) que o prédio objeto da liquidação contestada corresponde a um lote de terreno para construção de edificação, com afetação múltipla, a habitação e serviços (…)” pelo que “constata-se (…) que na liquidação de imposto do selo ora recorrida (…) foi indevidamente considerado o valor patrimonial tributário total do prédio (…) e não apenas o valor patrimonial tributário da parte afeta á habitação (…)” devendo, em consequência “(…) a aludida liquidação ser oficiosamente revista (…)”.
2.7. Assim, por despacho datado de 23 de Abril de 2014 “(…) foi superiormente sancionado que deverá promover-se a correcção oficiosa da liquidação que original aquela reclamação (…) por se constatar que parte do imóvel (…) não tem afectação para habitação, mas sim para serviços”, pelo que “(…) no que se refere ao ano 2012, foi parcialmente anulada a liquidação com o nº 2012 ... que veio a ser substituída pela liquidação nº 2012 ... (…)”.
2.8. Ora, refere o Requerente que “não se conforma com as decisões proferidas nos processos de Recurso Hierárquico (…) referentes à (…) liquidação de Imposto de Selo (…) que veio a ser substituída (…)”porquanto “entende (…) que a liquidação carece de fundamento legal e constitucional uma vez que a norma que lhe está na origem (…) é (…) claramente violadora dos princípios da igualdade, proporcionalidade e segurança jurídica, desde logo porque se trata de um lote de terreno para construção que está fora do âmbito de aplicação da norma”.
2.9. Com efeito, acrescenta o Requerente que “através da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz (…) seja igual ou superior a €1.000.000,00 (…)”, “sendo a base tributável constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI e o Imposto de Selo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano, à taxa de 1% (…), por prédio urbano com afetação habitacional (…)”.
2.10. Prossegue o Requerente referindo que “a Lei 55-A/2012, de 29/10, não vem clarificar o que são prédios com afetação habitacional, sendo que, não tendo a referida lei qualquer preâmbulo, não é sequer possível retirar o que seria a intenção do legislador”, não estando também clarificados na exposição dos motivos que está subjacente à proposta de Lei nº 96/XII.[2]
2.11. Por outro lado, segundo o Requerente, “o nº 1 do artigo 9° do Código Civil, estipula que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo (…) as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que e aplicada”.[3]
2.12. Assim, neste âmbito, conclui o Requerente que “(…) o que foi proposto aos deputados e que estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo, na qual não se incluem os terrenos para construção, ou uma tributação especial sobre propriedade de elevado valor destinadas à habitação e, uma tributação especial que incidirá sobre os casos de valor igual ou superior a €1.000.000,00, ou seja, uma tributação sobre os prédios habitacionais (…)”.
2.13. Mesmo que assim não se entenda, defende o Requerente que “um prédio que não reúna os requisitos (…) referidos é classificado como urbano”, acrescendo ainda que, “(…) na definição do âmbito da tributação do património (…) o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor (…) que sejam detidos para efeitos habitacionais”.[4]
2.14. Ora, para o Requerente, “um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias (…) que (…) indiciem a intenção de nele se construir, salvo se, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efetiva concretização”.
2.15. Por outro lado, entende o Requerente que “resultando do artigo 6°, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo como prédios com afetação habitacional”, pelo que “a interpretação que a AT está a dar à verba 28.1. da Tabela geral do Imposto de Selo não é conforme à lei aprovada na Assembleia da República, sendo portanto ilegal a liquidação efectuada (…)”.[5] [6]
2.16. Assim, conclui o Requerente que "não tendo o legislador definido o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (…) uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (…), como prédios urbanos com afectação habitacional".
2.17. Prossegue o Requerente referindo que “com o Orçamento de Estado (…) para 2014 (…) resulta (…) evidente que a tributação sobre os terrenos para construção se mostra excluída do âmbito de aplicação da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro”, porquanto com a nova Lei, “(…) o imposto de 1% incidirá sobre a propriedade (…) de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, passando a incidir igualmente sobre terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação”.
2.18. E “considerando a literalidade da lei nova bem como a constante e pacífica jurisprudência conhecida, não se poderá deixar de concluir que não se está perante uma lei interpretativa, mas perante lei inovadora, aplicável apenas para a futuro”, pelo que, reitera o Requerente que “(…) não existe base de incidência de imposto devendo por isso as liquidações ser anuladas”.
2.19. Mais entende o Requerente que “(…) a verba 28.1. da TGIS é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, e, bem assim, por violação do princípio da segurança jurídica (…)”, pelo que uma vez mais defende o Requerente a anulação das liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral.[7]
2.20. Adicionalmente, refere o Requerente que tendo procedido “(…) ao pagamento das notas de cobrança (…)”, “(…) a quantia de €1.701,14” não lhe foi devolvida, pelo que “padecendo o ato tributário (…) de vício de violação de lei (…) assiste ao Requerente o direito de pagamento dos juros indemnizatórios (…)”, requerendo “o reembolsado dos montantes pagos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios (…) calculados desde a data em que foram realizados os pagamentos até à data do efetivo recebimento dos valores indevidamente pagos”.
2.21. Assim, termina o Requerente pedindo “(…) pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2012 (…)”, requerendo ao Tribunal Arbitral que “determine a anulação da liquidação de Imposto (…) em causa, com fundamento na sua ilegalidade (…), determine (…) a restituição dos impostos pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios (…)” e “(…) condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral (…)”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:
3.2. “É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto da presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12”.
3.3. “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00”.
3.4. “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao Código do IMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS (…)”.
3.5. Assim, continua a Requerida, “nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba nº 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no Código do IMI”, nos termos do qual:
3.5.1. “Dispõe o nº 1 do art. 2º que prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico (…)” e,
3.5.2. “Dispõe o art. 6º, nº 1 (…) integrando neste conceito” (de prédio urbano) “os terrenos para construção, isto é os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (…)”.
3.6. Por outro lado, segundo a Requerida, “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.[8]
3.7. “Ao contrário do propugnado pelo Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.
3.8. “Note-se que o legislador não refere prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção afectação habitacional - expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI”.
3.9. Por outro lado, ainda que “no que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação, (…) o mesmo tenha como pressuposto as edificações já construídas”, “não se pode ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes, (…), a finalidade (…)”, entendendo a Requerida que “também os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…)” pelo que “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.
3.10. No que diz respeito à “pretensa violação dos princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a CRP obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação do tratamento (…)”, pelo que “entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional” dado que “incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel”, tratando-se “de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito”.
3.11. Com efeito, “a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do Imposto do Selo os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.
3.12. Na verdade, “(…) a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis”.
3.13. “Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”, “o que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00”.
3.14. Nestes termos, “(…) a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a (…) Requerida do pedido”.
4. QUESTÃO PRÉVIA
Da tempestividade do pedido
4.1. Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral também está implícito o pedido de sindicância do acto de indeferimento de Recurso Hierárquico como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido, e sendo o prazo de dedução do pedido um prazo de caducidade peremptório (artigos 298°, n° 2, 330°, n° 1, e 333°, n° 1, todos do Código Civil), a análise prévia da tempestividade do pedido é pertinente porquanto, traduzindo-se a mesma numa excepção peremptória (de tipo impeditivo do exercício do respectivo direito), da apreciação do mérito desta excepção (de conhecimento oficioso, conforme artigo 579º do CPC) dependerá a continuidade do procedimento arbitral.[9]
4.2. Nos termos do disposto no n° l do artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redacção dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados, nomeadamente, “do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” ou “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.
4.3. Em termos gerais, os prazos para a propositura de acções são:
a) Prazos substantivos, de caducidade, e integram a própria relação jurídica material controvertida, visando determinar o período para o exercício de um direito e;
b) Prazos peremptórios, pois o seu decurso extingue o próprio direito.
4.4. Em qualquer dos casos previstos no ponto anterior, conta-se o prazo nos termos previstos no artigo 279° do Código Civil (por remissão do artigo 20º do CPPT), ou seja, de forma contínua, não se suspendendo no período de férias judiciais.[10]
4.5. Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, nas anotações ao artigo 102º do CPPT, “não se prevendo neste artigo qualquer prazo especial para a impugnação judicial de decisão proferida em recurso hierárquico, o prazo adequado será o de 90 dias previsto na alínea e) do nº 1 daquele artigo”.[11][12]
4.6. Com efeito, antes da entrada em vigor da revogação do disposto no nº 2 do artigo 102º do CPPT (pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2015), naquele artigo previa-se que “em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação” era “de 15 dias após a notificação” do indeferimento.
4.7. Assim, estando o prazo especial de impugnação previsto apenas para a decisão de indeferimento de reclamação graciosa (e não também para a impugnação da subsequente decisão de indeferimento de recurso hierárquico), seria apenas àquela decisão e não a esta que aquele prazo mais curto era aplicável.[13]
4.8. Consequentemente, a decisão do recurso hierárquico que comportasse a apreciação da legalidade de acto de liquidação estava abrangida na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, pelo que lhe seria sempre aplicável o prazo de 90 dias (três meses, a partir de 1 de Janeiro de 2015) a contar da respectiva notificação [no caso de decisão expressa, conforme disposto no artigo 102°, n° 1, alínea e), do CPPT].[14][15][16]
4.9. Por outro lado, no âmbito do Regime da Arbitragem Tributária, o artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT estabelece que o pedido de constituição de Tribunal Arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico” (sublinhado nosso).
4.10. Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do Regime da Arbitragem Tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.
4.11. E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do CPC.
4.12. Assim, o artigo 2º do RJAT fixa quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o Tribunal Arbitral, encontrando-se entre as competências aí definidas “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos” [abrangida pela alínea a) daquele artigo].
4.13. Com efeito, o âmbito de aplicabilidade do enunciado “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, referida no ponto anterior e utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, não restringe a jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza.
4.14. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
4.15. Nestes termos, “a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos, elencados no artigo 2º do RJAT, é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau (…) resulta com segurança da referência que naquela norma é feita”, nomeadamente, aos actos de liquidação de tributos, “que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais” (sublinhado nosso).[17]
4.16. Em resumo, podemos assim concluir que, o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo.
4.17. A questão que aqui se pode colocar é a de saber se se inclui, nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, declarar a ilegalidade de actos de liquidação se essa ilegalidade não foi apreciada pelo acto que se visa sindicar (i.e., no caso em análise, os actos que indeferiram os recursos hierárquicos nº ...2014... e nº ...2014... interpostos pelo Requerente e “(…) arquivados por inutilidade superveniente da lide”).
4.18. Ora, o facto de a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT fazer referência aos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT (em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, incluindo o recurso hierárquico), deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles nºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados no já citado artigo 2º do RJAT.
4.19. No que diz respeito ao acto de indeferimento de recurso hierárquico, aquele constitui um acto administrativo, face à definição dada pelo artigo 120º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2º, alínea d), da Lei Geral Tributária (LGT), artigo 2º, alínea d), do CPPT e artigo 29º, nº 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
4.20. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.
4.21. Nestes termos, um acto de indeferimento de recurso hierárquico constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.
4.22. Da análise do disposto nas alíneas d) e p) do nº 1 e do nº 2 do artigo 97º do CPPT, infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária pode ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191º do CPTA), conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.
4.23. Assim, face ao critério acima enunciado, os actos proferidos em procedimentos de indeferimento de recurso hierárquico de actos de liquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação.
4.24. Se o acto de indeferimento de recurso hierárquico de acto de liquidação não comportar a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial.
4.25. A preocupação legislativa em afastar, das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta também (e com clareza) do disposto na Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2010 (Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), nos termos da qual, de acordo com o previsto na alínea a) do nº 4 do artigo 124º, entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário encontram-se “(…) os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (…)” (sublinhado nosso).
4.26. Esta especificação apenas se pode justificar por ter havido uma intenção legislativa no sentido de se excluir, dos objectos possíveis do processo arbitral, a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.
4.27. Ora, de acordo com a informação constantes da documentação anexada aos autos pelas Partes, nomeadamente:
4.27.1. O teor do despacho de 17 de Março de 2015, da Senhora Directora de Serviços (em substituição) da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do selo, Imposto único de Circulação e Contribuições Especiais, oportunamente notificado ao Requerente, através do Ofício nº..., de 8 de Abril de 2015, no qual se indeferiu totalmente o recurso hierárquico nº ...2014... (interposto do despacho de indeferimento, proferido em 10 de Dezembro de 2012, da reclamação graciosa nº ...2013..., relativa à nota de cobrança da primeira prestação de Imposto do Selo respeitante à liquidação de imposto do ano de 2012 do prédio urbano nº ... da freguesia de...), com fundamento “(…) que os lotes de terreno se incluem na norma de incidência da verba 28º da TGIS (…), pelo que se encontra correta a liquidação de imposto de selo efectuada à ora recorrente, não enfermando a mesma de qualquer ilegalidade”;
4.27.2. O teor do despacho de 17 de Março de 2015, da Senhora Directora de Serviços (em substituição) da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do selo, Imposto único de Circulação e Contribuições Especiais, oportunamente notificado ao Requerente, através do Ofício nº..., de 8 de Abril de 2015, no qual se mandou arquivar o procedimento associado ao recurso hierárquico nº ...2014... (interposto do despacho de indeferimento, proferido em 30 de Abril de 2014, da reclamação graciosa nº ...2014..., relativa à nota de cobrança da segunda prestação de Imposto do Selo respeitante à liquidação de imposto do ano de 2012 do prédio urbano nº ... da freguesia de...) por inutilidade nos termos do artigo 112º do CPA;
4.27.3. O teor do despacho de 17 de Março de 2015, da Senhora Directora de Serviços (em substituição) da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do selo, Imposto único de Circulação e Contribuições Especiais, oportunamente notificado ao Requerente, através do Ofício nº..., de 8 de Abril de 2015, no qual se mandou arquivar o procedimento associado ao recurso hierárquico nº ...2014... (interposto do despacho de indeferimento, proferido em 16 de Maio de 2014, da reclamação graciosa nº ...2014..., relativa à nota de cobrança da terceira prestação de Imposto do Selo respeitante à liquidação de imposto do ano de 2012 do prédio urbano nº ... da freguesia de ...) por inutilidade nos termos do artigo 112º do CPA;
Verifica-se que de modo a aferir do objecto do pedido e da consequente tempestividade do pedido, será necessária analisar, em detalhe, o teor do referido pedido, bem como das alegações produzidas.
4.28. Com efeito, em consequência dos despachos identificados no ponto anterior (4.27., supra), e como já foi referido, o Requerente veio apresentar, em 29 de Junho de 2015, pedido de constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo nº 2012 .... (liquidação de substituição corrigida) relativa ao ano de 2012.
4.29. Neste âmbito, o Requerente começa por enunciar o seu Pedido, nos termos do descrito no ponto anterior e, em seguida, apresenta os fundamentos para o “ENQUADRAMENTO E LEGITIMIDADE DO PRESENTE REQUERIMENTO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL”, referindo no artigo 2º do Pedido que “a título preliminar (…) enuncia sumariamente os fundamentos da tempestividade da apresentação do presente requerimento de constituição de Tribunal Arbitral”, sendo que após descrição sumária dos factos (artigo 3º a artigo 9º do Pedido), vem invocar a tempestividade do pedido de constituição de Tribunal Arbitral (artigo 12º do Pedido), porquanto, “tendo as decisões dos Recursos Hierárquicos sido notificadas ao Requerente no dia 15 de Abril de 2015, o prazo de 90 dias para requerer a constituição de Tribunal Arbitral ainda se encontra em curso” (artigo 11º do Pedido).
4.30. Face aos termos enunciados no pedido, entende este Tribunal Arbitral que, através daquela peça processual, o Requerente veio deduzir “impugnação judicial” na sequência do indeferimento dos recursos hierárquicos acima identificados (que interpôs das decisões que lhe indeferiram as reclamações graciosas que deduziu contra as notas de cobrança identificadas relativamente à liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2012).[18][19][20]
4.31. Assim, entende este Tribunal Arbitral que, nos actos de arquivamento dos recursos hierárquicos identificados nos pontos 4.27.2. e 4.27.3., supra, estamos perante actos administrativos que não comportam (porque não a incluem) a apreciação da legalidade de um acto de liquidação de imposto pelo que, em teoria, quanto a estes dois actos, o processo adequado não seria o processo de impugnação judicial.
4.32. No que diz respeito ao acto de indeferimento do recurso hierárquico identificado no ponto 4.27.1., supra, como salienta Jorge Lopes de Sousa, nos comentários ao disposto no artigo 97º do CPPT, “resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação de um acto de liquidação [acto de indeferimento (…) de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie a reclamação graciosa] o meio adequado é o processo de impugnação (…) se o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação (…)” (sublinhado nosso).[21][22]
4.33. Nestes termos, considera este Tribunal Arbitral que é próprio o meio utilizado pelo Requerente para pedir a revisão do acto que indeferiu liminarmente o recurso hierárquico identificado no ponto anterior, implicitamente formulado no seu pedido de pronúncia arbitral, porquanto se está perante matéria incluída nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo este tribunal competente para conhecer daquele pedido.
4.34. Em consequência, a contagem do prazo de 90 dias (previsto no artigo 10º do RJAT) e de três meses previsto no artigo 102º do CPPT (na redação em vigor desde 1 de Janeiro de 2015, ou seja, em vigor à data dos factos) deveria iniciar-se a partir da notificação daquele despacho de indeferimento liminar (15 de Abril de 2015), uma vez que aquele despacho comportou a análise da legalidade da liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2012)
4.35. Assim, tendo o pedido de constituição do Tribunal Arbitral sido submetido a 29 de Junho de 2015, o mesmo ocorreu dentro do prazo acima referido, sendo pois o pedido considerado tempestivo.
5. SANEADOR
5.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[23]
5.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
5.3. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.
5.4. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.
5.5. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
5. MATÉRIA DE FACTO
6.1. Dos factos provados
6.2. Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:
6.2.1. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário aberto que resultou da fusão por incorporação do fundo de investimento imobiliário aberto ... no fundo de investimento imobiliário aberto A..., ambos geridos pela B..., S. A. (conforme documento integrante dos documento nº 1, nº 2 e nº 3 anexados com o pedido).
6.2.2. O Requerente é proprietário de um prédio urbano (terreno para construção), inscrito na matriz predial urbana sob o nº U-... da freguesia de ... (...), no ..., cujo VPT, determinado em 2010, ascende a EUR 1.308.570,00 (conforme documento integrante dos documento nº 1, nº 2 e nº 3 anexados com o pedido).
6.2.3. O Requerente foi notificado da liquidação de Imposto do Selo nº 2012..., datada de 21 de Março de 2013, no montante total de
EUR 13.085,70, respeitante ao prédio identificado no ponto anterior, tendo sido posteriormente notificado dos documentos de cobrança relativos ao pagamento da primeira, segunda e terceira prestações daquele imposto, como a seguir se identifica:
DOCUMENTO
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ARTIGO MATRICIAL
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VPT
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COLECTA
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PRESTAÇÃO
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DOC. ANEXO AO PEDIDO
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2013 ...
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U-...
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1.308.570,00
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13.085,70
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ABRIL/2013
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4.361,90
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Nº 1
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2013 ...
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JULHO/2013
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4.361,90
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Nº 1
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2013...
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NOVEMBRO/2013
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4.361,90
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Nº 2
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6.2.4. O Requerente efectuou o pagamento da primeira e segunda prestações relativas à liquidação de Imposto do Selo acima identificada em 20 de Dezembro de 2013 e pagou, em 12 de Fevereiro de 2014, o montante relativo à terceira prestação de imposto (conforme documentos integrantes do documento nº 1, nº 2 e nº 3 anexados com o pedido).
6.2.5. O Requerente apresentou, em 14 de Agosto de 2013, reclamação graciosa (nº ...2013...) referente à primeira prestação da liquidação de Imposto do Selo acima identificada (nota de cobrança de Imposto do Selo nº 2013...) (documento integrante do documento nº 1 anexado com o pedido).
6.2.6. O Requerente apresentou, em 14 de Agosto de 2013, reclamação graciosa (nº ...2014...) referente à segunda prestação da liquidação de Imposto do Selo acima identificada (nota de cobrança de Imposto do Selo nº 2013...) (documento integrante do documento nº 2 anexado com o pedido).
6.2.7. O Requerente foi notificada através do Ofício nº..., de 12 de Novembro de 2013, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2013..., referente à nota de cobrança nº 2013..., para exercer, querendo, no prazo de quinze dias, o direito de audição, oral ou por escrito (documento integrante do documento nº 1 anexado com o pedido).
6.2.8. O Requerente exercer o direito de audição prévia, nos termos do referido no ponto anterior, em 28 de Novembro de 2013 (documento integrante do documento nº 1 anexado com o pedido).
6.2.9. O Requerente apresentou em 07 de Abril de 2014, reclamação graciosa (nº ...2014...) referente à terceira prestação da liquidação de Imposto do Selo acima identificada (nota de cobrança de Imposto do Selo nº 2013...) (documento integrante do documento nº 3 anexado com o pedido).
6.2.10. O Requerente foi notificado das decisões de indeferimento das reclamações graciosas referidas nos pontos 6.2.5, 6.2.6. e 6.2.9., supra:
Ä Em 23 de Dezembro de 2013, através do Ofício nº..., de 19 de Dezembro de 2013, relativamente à reclamação graciosa nº ... 2013... (documento integrante do documento nº 1 anexado com o pedido);
Ä Em 14 de Maio de 2014, através do Ofício nº..., de 1 de Abril de 2014, relativamente à segunda prestação de imposto (documento integrante do documento nº 2 anexado com o pedido);
Ä Em 03 de Junho de 2014, através do Ofício nº..., de 22 de Abril de 2014, relativamente à terceira prestação de imposto (documento integrante do documento nº 3 anexado com o pedido).
6.2.11. O Requerente recorreu hierarquicamente das decisões de indeferimento das reclamações graciosas identificadas no ponto anterior:
Ä Em 17 de Janeiro de 2014, através do recurso hierárquico nº ...2014..., interposto relativamente à decisão de indeferimento do processo de reclamação graciosa nº ...2013... (documento nº 1 anexado com o pedido);
Ä Em 11 de Junho de 2014, através do recurso hierárquico nº ...2014..., interposto relativamente à decisão de indeferimento do processo de reclamação graciosa nº ...2014... (documento nº 2 anexado com o pedido);
Ä Em 1 de Julho de 2014, através do recurso hierárquico nº ...2014..., interposto relativamente à decisão de indeferimento do processo de reclamação graciosa nº ...2014... (documento nº 3 anexado com o pedido).
6.2.12. O Requerente foi notificado, em 15 de Abril de 2015, através do Ofício nº..., de 8 de Abril de 2015, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico nº ...2014..., referente à reclamação graciosa nº ...2013... (documento nº 4 anexado com o pedido), tendo na mesma data sido também notificada que os dois outros recursos hierárquicos interpostos (nº ...2014... e ...2014...) foram arquivados por “inutilidade (…) nos termos do disposto no artigo 112º do CPA” (Ofícios nº ... e..., de 8 de Abril de 2015), conforme documentos nº 5 e 6 anexados com o pedido.
6.2.13. Na sequência de decisão de recurso hierárquico interposto em matéria de processo de revisão oficiosa de Imposto do Selo da verba 28 da TGIS, foi sancionada pela Requerida a promoção de correcção oficiosa à liquidação de Imposto do Selo incidente sobre o terreno para construcção subjacente ao pedido de pronúncia arbitral, “por se constatar que parte do imóvel não tem afectação para habitação mas sim para serviços” (conforme documento nº 7 anexados com o pedido), razão pela qual foi anulada a liquidação de Imposto do Selo nº 2012..., datada de 21 de Março de 2013, a qual foi substituída pela liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral (nº 2012..., de 28 de Abril de 2015, no montante total de EUR 11.384,56) (documento nº 8 anexado com o pedido).
6.3. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
6.4. Dos factos não provados
6.5. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
7. FUNDAMENTOS DE DIREITO
7.1. Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro, nomeadamente, saber se:
7.1.1. Nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto;
7.1.2. Os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”,
de modo a determinar se a liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido de Pronúncia Arbitral enferma de vício de violação daquela verba nº 28.1. (por erro sobre os pressupostos de direito), o que justificaria a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.
7.2. A resposta às questões enunciadas no ponto anterior impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição, dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)
7.3. A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.
28.2 – (…)".
7.4. Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).
7.5. Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.
7.6. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).
7.7. Adicionalmente, de acordo com o disposto nos nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.
7.8. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.
7.9. Neste âmbito, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção” [nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).
7.10. Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédios com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
7.11. Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí resulta que não é possível retirar da mesma a intenção do legislador.
7.12. Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional” com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas, devendo ser o texto da lei o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da LGT.
Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”
7.13. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).
7.14. Nestes termos, poder-se-á afirmar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT) [24].
7.15. Assim, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI (e definido no nº 2 do mesmo artigo), abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal os fins habitacionais (sublinhado nosso).
7.16. “Ou seja, para efeitos do Código do IMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”[25].
7.17. Por isso, a adoptar-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida será, de facto, ilegal, por não haver, em qualquer dos terrenos, qualquer edifício ou construção.
7.18. No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba nº 28.1. da TGIS com a que se extrai do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, aponta no sentido de o legislador não ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
7.19. Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[26]
7.20. Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[27], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.
7.21. Com efeito, nesta âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo (sublinhado nosso).
7.22. Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matérias da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:
7.22.1. “A prossecução do interesse público, em face da situação económica-
-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental”.
7.22.2. “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.
7.22.3. “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.
7.22.4. “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).
7.23. Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios”, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).
7.24. Por ser demasiado ampla, esta enunciação dos motivos subjacente à adopção das medidas poucos contributos veio trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.
7.25. E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[28], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[29]
7.26. Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (chamando a contribuir de uma forma mais agravada os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação), ao fazer incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).
7.27. Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção”.
7.28. Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal (naquele incluídos).
7.29. Por outro lado, tendo em consideração o acima já analisado, refira-se ainda que o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.
7.30. Na verdade, trata-se de um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão (facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação) teve uma vida bastante curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014[30] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI [31].
7.31. Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo VPT seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas” (nomeadamente, as liquidações respeitantes ao ano de 2013), como é o caso da liquidação que está em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [32].
7.32. Ora, quanto à liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral (relativa ao ano de 2012), não resulta, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como decorre hoje do texto da verba 28.1. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014[33]) (sublinhado nosso).
7.33. Neste âmbito, da letra da lei não resulta nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu (e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário) prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações primordiais do legislador).
7.34. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos[34] da proposta de Lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.
7.35. Assim, pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “os prédio (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades (conforme acima já referido no ponto 7.26.).
7.36. Acrescente-se que, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.
7.37. Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, só por si, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno.
7.38. Nestes termos, pode concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [35].
7.39. Em resumo, e em resposta às questões acima colocadas nos pontos 7.1.1.e 7.1.2., pode conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS (na redacção prevista pela Lei
nº 55-A/2012) porquanto os terrenos para construção (com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000) não se subsumem na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”, sendo, portanto, ilegal o acto de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente.
Do pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios
7.40. Assim, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação acima já identificado, e nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito” (sublinhado nosso), pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montantes eventualmente já pagos pelo Requerente, a título do imposto suportado, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
7.41. Adicionalmente, e face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), o Requerente tem direito a juros indemnizatórios[36] à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas relativamente à liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido (e referente ao ano de 2012), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Do pedido de condenação da Administração Tributária nas custas do processo arbitral
7.42. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.43. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
7.44. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
7.45. Nestes termos, no caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas arbitrais à Requerida.
8. DECISÃO
8.1. Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, e as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:
8.1.1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo objecto do mesmo (respeitante ao ano de 2012) e identificada neste processo, anulando-se, em consequência, o respectivo acto tributário;
8.1.2. Condenar a Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas pelo Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;
8.1.3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 11.384,56.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2015
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Neste âmbito, cita o Requerente os motivos que estiveram na origem da proposta de Lei nº 96/XII, nomeadamente, que “(…) são medidas para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…)”
[3] Nesta matéria, em cumprimento da mencionada norma, para apreensão do conceito de prédio urbano com afetação habitacional, defende o Requerente que “devemos socorrer-nos da discussão da proposta de lei nº 96/XII (...) na Assembleia da República, discussão que pode ser consultada no Diário da Assembleia da República (…)” (in DAR I Série nº 9/XII/2 2012.10.11, de 11-10-2012).
[4] Conforme definição positiva de prédio rústico prevista no artigo 3º do Código do IMI.
[5] Neste âmbito, enumera o Requerente diversas decisões arbitrais, “nomeadamente as referentes aos processos nº 48/2013-T, de 09.10.2013, nº 53/2013-T, de 02.10.2013, nº 180/2013-T, de 07.03.2014, nº 189/2013-T, de 20.03.2014”.
[6] Adicionalmente, cita ainda o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo nº 0271/14, de 23 de Abril de 2014, nos termos do qual “o facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (…), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como prédios com afetação habitacional, porquanto afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a edifícios, ou construções, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal (…)”.
[7] Neste âmbito, cita o Requerente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 142/04 e o Acórdão nº 187/2013, bem como autores como Casalta Nabais (in “Direito Fiscal”, 5ª Edição, Coimbra, 2009, página 151-152), Saldanha Sanches (in “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Capítulo 5 da Parte I), Gomes Canotilho (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 7ª Edição, 2003, Coimbra, página 270) e Jorge Miranda (este sem referência bibliográfica).
[8] Nesta matéria, refere a Requerida que “conforme resulta da expressão valor das edificações autorizadas, constante do art. 45.º, n.º2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI” (neste sentido, cita a Requerida o Acórdão do TCAS n.º 04950/11, de 14/02/2012.
[9] Em termos gerais, sendo impeditiva do exercício do respectivo direito [artigos 576°, n° 3 e 579° do CPC, aqui aplicável ex vi alínea e) do artigo 2° do CPPT], a intempestividade decorrente de excepção peremptória tem como consequência a extinção do direito de praticar o acto (artigos 298º, nº 2 e 333º nº 1 do CC e nº 3 do artigo 139º do CPC), traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, o que implica a absolvição da entidade requerida quanto ao pedido (artigo 576º, nº 3 do CPC).
[10] Neste âmbito, vide nomeadamente, AC STA Processo 01038/12 de 28 de Novembro de 2012, AC STA Processo 0677/10 de 7 de Setembro de 2011 e AC STA Processo 01922/13 de 5 de Fevereiro de 2014.
[11] Estre prazo de 90 dias era o previsto antes da entrada em vigor da redacção que foi dada a este artigo pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013).
[12] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 152.
[13] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 153.
[14] E, conforme referido no Acórdão do TCAS nº 00122/03, de 29 de Abril, “salvo se tivesse sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto, mediata ou imediatamente (cfr. disposto no artigo 76°, n° 2, do CPPT)”.
[15] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 153.
[16] Quanto aos prazos, vide AC TCAS Processo 02435/08 de 29 de Setembro de 2009.
[17] Neste sentido, vide Decisão Arbitral do CAAD P65/2012-T (adaptado).
[18] Neste âmbito, vide Acórdão do TCAS nº 00122/03, de 29 de Abril.
[19] Nesta matéria, refira-se ainda que o Requerente, em sede de alegações escritas veio reforçar esta ideia subjacente no pedido, ao referir que “os presentes autos têm como fundamento o indeferimento do Recurso Hierárquico nº ...2014... (….) e arquivamento por inutilidade superveniente dos Recursos Hierárquicos nº ...2014... (…) e nº ...2014... (…) referentes à nota de liquidação de IS nº 2012 ...substituída pela nº 2012..., relativas ao ano de imposto de 2012, num valor global de €11.384,56 (…)”.
[20] Neste sentido, cita também Jorge Lopes de Sousa, nomeadamente, o AC STA Processo 0441/11 de 29 de Fevereiro de 2012 e o AC STA Processo 01461/02 de 19 de Fevereiro de 2003, quanto a esta posição.
[21] Prossegue Jorge Lopes de Sousa, nos comentários produzido ao mesmo artigo, referindo que “se no acto praticado (…) não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (…), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n° 2 deste artigo 97°, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação”.
[22] Prossegue referindo que “embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n° 1 e o n° 2 deste artigo 97° fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor”.
[23] Vide a este respeito a análise efectuada no ponto 4. desta decisão arbitral.
[24] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.
[25] Vide CAAD Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.
[26] Cfr. AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.
[27] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
[28] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
[29] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro).
[30] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
[31] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.
[32] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.
[33] Neste âmbito, refira-se que tendo em consideração o disposto no artigo 103º, nº 3, da CRP (proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal), não é possível admitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a uma liquidação de Imposto do Selo que diga respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior (dado que este facto ocorreu a 31 de Dezembro de 2013 sendo, por isso, anterior à entrada em vigor da nova redacção da lei).
Ainda nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.
Em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua jurisprudência em matéria fiscal, designadamente, no Acórdão (AC) nº 128/2009, de 12 de Março considerou que decorre do artigo 103º, nº 3, CRP que “qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável”.
[34] Na apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” [Vide Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII, de 11 de Outubro, pag. 32)].
[35] Vide AC STA 048/14, de 9 de Abril, AC STA 0272/14, de 23 de Abril, AC STA 0505/14, de 29 de Outubro e AC STA 0740/14, de 10 de Setembro.
[36] Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 29º do RJAT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).