Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 479/2015-T
Data da decisão: 2015-12-17  Selo  
Valor do pedido: € 10.984,16
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; Propriedade vertical; Incompetência do tribunal arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  Os Requerentes A… e B…, casados, contribuintes n.º … e n.º …, respectivamente, residentes na Rua …, em Lisboa e C…, contribuinte n.º …, residente na Rua…, em Viseu, apresentaram em 24/07/2015, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, referentes à aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (Tabela Geral), no valor total de € 10.984,16 (dez mil novecentos e oitenta e quatro euros e dezasseis cêntimos) a prédios de que são proprietários.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 11/08/2015, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 06/10/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 06/10/2015, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 10/11/2015 a AT apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, na qual solicitou, ainda, a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 11/11/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  Em 16/11/2015 os Requerentes apresentaram alegações escritas.

 

1.8.  A AT não apresentou alegações escritas.

 

1.9.  Em 07/12/2015, a AT solicitou a junção aos autos de um Acórdão do Tribunal Constitucional, no qual se conclui que a Verba 28 da Tabela Geral, não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

 

1.10.        Em 16/12/2015, os Requerentes apresentaram um requerimento, pronunciando-se pela não aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional em causa à situação sub judice, na medida em que a realidade em apreço – imóvel afecto a habitação e serviços – não é subsumível na norma cuja constitucionalidade foi apreciada.

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a dos Requerentes, vertida no pedido de pronúncia arbitral (e nas alegações escritas subsequentes) e a da AT na sua resposta.

 

Para fundamentar o seu pedido os Requerentes alegam, em síntese:

 

a)      “O prédio urbano sobre o qual incide o imposto do Selo é composto por vários andares com utilização independente, a saber: 1º andar direito destinado a habitação, 1º andar esquerdo destinado a habitação, 2º andar direito destinado a habitação, 2º andar esquerdo destinado a habitação, 3º andar direito destinado a habitação, 3º andar esquerdo destinado a habitação, cave com entrada pelo n.º 17 B destinada a habitação, Loja com entrada pelo n.º 17 A destinado a comércio, rés-do-chão direito destinado a habitação, e o rés-do-chão esquerdo destinado a habitação (…).”;

 

b)      “Conforme conta evidenciado na caderneta predial, o prédio objecto da tributação ora em crise não é um prédio para habitação: parte do mesmo é para comércio (loja com entrada pelo n.º 17).” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

c)      “Cada um dos andares referidos é objecto de utilização autónoma, constituem unidades independentes, dotadas de autonomia económica, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou com saída direta para a via pública.”;

 

d)     “(…) os fogos não são todos afectos a habitação porque um dos mesmos - a loja com o n.º … - destina-se a comércio. Esta loja faz parte integrante do prédio, conforme o mesmo se encontra descrito na matriz e na conservatória do registo predial: sito na «…, n.º … a …».” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

e)      “(…) é de referir que o imóvel (…) não se destina a habitação, mas sim a habitação e comércio.” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

f)       “De acordo com a avaliação efetuada que foi averbada na matriz e se encontra evidenciada na certidão matricial do imóvel (…), os valores patrimoniais tributários foram atribuídos a cada um dos andares com utilização independente.” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

g)      “Por isso, caso de pretendesse indicar a soma dos valores patrimoniais tributários de todos os andares com utilização independente, teria de incluir nele o valor da loja destinada a comércio.”;

 

h)      “(…) o prédio de que os andares acima descritos é inteiramente constituído por partes dotadas de autonomia económica e susceptíveis de utilização independente, estando - e sendo susceptíveis de estar - arrendados a arrendatários diferentes e são todos dotados de autonomia económica e susceptível de utilização independente.”;

 

i)        “Esta autonomia é sublinhada por J. SILVÉRIO MATEUS, quando se refere que «Um outro aspecto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que dentro de um mesmo prédio pode ser atribuída a cada uma das partes, funcional e economicamente dependentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer referência a cada uma destas partes, como deve fazer referencia expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas.

Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não construído no regime da propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única entidade e a sua titularidade não pode ser atribuída a mais do que um proprietário, sem prejuízo do regime de compropriedade. Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas (…)» (…)” [sublinhado dos Requerentes];

 

j)        “Saliente-se ainda que tal como referido no Oficio enviado pelo Provedor de Justiça ao Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) solicitando esclarecimentos urgentes sobre esta matéria, «a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente, obedece às mesmas regras da inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI respectivo, bem como o novo Imposto do Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes» (…)” [realce dos Requerentes];

 

k)      Ora, “(…) o regime jurídico da propriedade horizontal visa tão-somente conceder autonomia jurídica às fracções do prédio, de forma a poderem pertencer a mais do que um proprietário, não sendo por si só atributivo de qualquer sentido económico a essas fracções.” [realce dos Requerentes];

 

l)         “Com efeito, e tal como visto para efeitos de IMI (e de IS), o que releva é a autonomia económica do andar resultante de este ser susceptível de utilização independente (e não a autonomia jurídica concedida pela figura da propriedade horizontal), o que leva à discriminação do seu valor patrimonial tributário separadamente na inscrição matricial do prédio (…), e à liquidação individual de IMI relativamente a cada andar autónomo.”;

 

m)    “É o que se verifica relativamente a todos os andares do prédio acima descrito: não só foi o IMI liquidado sobre estas fracções individualmente (e não sobre o valor global do prédio), como o seu valor patrimonial tributário foi recentemente objecto de avaliação geral (…)”;

 

n)      “Deve, assim prevalecer uma interpretação nos termos do artigo 11º nº 3 da LGT, devendo a expressão «prédios» prevista na verba nº 28 da TGIS ser interpretada no sentido de abranger todo e qualquer andar ou parte de prédio dotado de autonomia económica e susceptível de utilização independente, e não apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, «havidas como constituindo um prédio» (…)”;

 

o)      “Neste sentido, a análise da incidência (ou não) de IS sobre casa um dos andares ao abrigo da verba 28.1 da TGIS deveria ter sido efectuada separadamente face ao valor patrimonial tributário de cada uma dessas fracções, e não ao valor patrimonial de €1.098.400,00 - que nem sequer é o valor patrimonial tributário do imóvel - resultante do somatório dos valores patrimoniais de todos os andares de habitação do prédio excluindo o andar destinado a comércio.” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

Sobre a alegada incompetência do tribunal arbitral

 

 

p)      “Nos presentes autos, os Requerentes requerem a este Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade das notas de liquidação do IS em crise, as quais se encontram formalizadas pelos documentos anexos ao r.i. e que são os únicos documentos que formalizam o ato liquidatário cuja apreciação de legalidade e anulação se requer.” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

q)      “Não obstante a designação dada pela AT aos documentos que formalizam o ato liquidatário («notas de cobrança para o pagamento da 1.ª e 2.ª prestação de um imposto» e «prestações» (…), a Requerente não foi notificada de qualquer outro a formalizar o imposto ora em crise.” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

r)       “Com efeito, no que respeita à tributação em sede de IS - «Verba 28.1» da Tabela Geral do IS – relativo ao ano de 2014 sobre o imóvel melhor identificado no r.i., os únicos documentos formalizadores de tal liquidação soa os que se encontram juntos ao mesmo (r.i) (…)”;

 

s)       “Face ao supra exposto, encontra.se verificada a competência do Tribunal Arbitral, nos termos do art. 10º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (…) e do artigo 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.”;

 

Sobre a alegada inimpugnabilidade dos atos liquidatários

 

t)       “Conforme vai referido, os únicos documentos de que os Requerentes foram notificados relativamente ao IS objeto dos presentes autos são os que constituem os Doc. n.ºs 1 a 41 do r.i..”;

 

u)      “Os Requerentes não foram notificados de qualquer outro documento que formalize a liquidação do imposto cuja apreciação da legalidade e anulação se requer na presente ação arbitral.”;

 

 

 

 

 

 

 

v)      “O que efetivamente consta do Pedido dos presentes autos, efetuado pelos Requerentes (…) é «a) a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação do imposto do selo de 2014 identificados no presente requerimento; b) o reembolso do montante de € 10.984,16, pago indevidamente pelos requerentes e de todos os montantes que vierem a ser pagos no decurso desta ação relativos a qualquer uma das liquidações tributárias objeto da mesma; c) o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago e a pagar indevidamente pelos requerentes.», sendo certo que tais atos liquidatários foram exclusivamente formalizados pelos Doc. 1 a 41.” [realce e sublinhado dos Requerentes];

 

 

 

Doutro modo, a AT, defendendo-se por excepção e por impugnação, sustenta, em síntese, o seguinte:

 

 

Por excepção:

 

 

Da incompetência do tribunal arbitral

 

 

a)      “A Requerente não impugna o acto tributário de liquidação, mas sim o pagamento de duas prestação do acto de liquidação constantes de notas de cobrança, isto é,”;

 

b)      “O objecto do processo é a anulação não de um acto tributário (ou de 1/3 de um acto tributário, o que não seria legalmente possível), mas sim de notas de cobrança para o pagamento da 1.ª e 2.ª prestação de um imposto.”;

 

c)      “Matéria esta, que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT.”.

 

 

Da inimpugnabilidade dos actos

 

 

a)      “A Requerente impugna as prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto.”;

 

b)      “Isso mesmo se retira da conjugação dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, para além do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto de Selo, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”;

 

c)      “É que, o Imposto de Selo a que se refere a verba 28 da TGIS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.”;

 

d)      “Razão pela qual, o pagamento de uma das prestações da liquidação efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado.”;

 

e)      “Leia-se o n.º 4 do artigo 120.º, do Código do IMI, aplicável subsidiariamente, segundo o qual «No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido implica o imediato vencimento das restantes».”;

 

f)        “Assim, verifica-se que existe uma única liquidação e o seu pagamento é concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar.”;

 

g)      “(…) entende a AT que os presentes documentos de cobrança não são impugnáveis de per si, razão pela qual deve a excepção invocada ser procedente e a AT ser absolvida do pedido.”.

 

 

Por impugnação:

 

 

a)      “Na respectiva caderneta predial, o bem imóvel é descrito como constituído em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.”;

 

b)      “É composto designadamente, «por cave n.º … com 5 divisões, loja n.º …com 2 divisões, habitação da porteira com 4 divisões, R/C Dto com 11 divisões, R/C Esq.com 9 divisões, 1° Dto. com 11 divisões, 1° Esq.com 11 divisões, 2° Dto. com 11 divisões, 2° Esq.com 11 divisões, 3° Dto. com 11 divisões e 3° Esq.com 11 divisões», em um total de 5 pisos e 10 divisões susceptíveis de utilização independente.”;

 

c)      “À totalidade do prédio está atribuído um valor patrimonial tributário de € 1.141.550,00.”;

 

d)     “Das 10 divisões susceptíveis de utilização independente, 9 destinam-se a habitação e 1 está afecto a comércio, conforme se infere da respectiva caderneta predial.”;

 

e)      “A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igualou superior a € 1.000.000,00.”;

 

f)       “Os ora requerentes são proprietários de um prédio em regime de propriedade total ou vertical.”;

 

d)     “Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio.”;

 

e)      “Assim, os ora requerentes, para efeitos de IMI e de imposto selo, por força da redacção da referida verba, não são proprietários de 10 fracções autónomas, mas sim de um único prédio”;

 

f)       “Tendo por adquirido este facto, o que os requerentes pretendem é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico -fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal.”;

 

g)      “Não podemos, pois, aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal.”;

 

h)      Na realidade, “(…) a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.”;

 

i)        Mais, “(…) o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28° nº1 da Tabela Geral.”;

 

j)        “O facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral é pois o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.”;

 

k)      “Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).”;

 

l)        “É assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou andar ou divisão a divisão, e não globalmente.”;

 

 

 

m)    “Por fim, saliente-se, que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma por matriz, mas consta da uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade - veja-se a caderneta predial deste prédio, que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio.” [realce da Requerida];

 

n)      “Afigura-se assim evidente que estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu,são regimes jurídico-civilísticos diferentes e assim a lei fiscal os considera.”;

 

o)      “Em conclusão os actos tributários impugnados, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordemjurídica.”.

 

 

4.      QUESTÕES A DECIDIR

 

Nos presentes autos as questões a decidir são:

 

a)      Conhecer das excepções de incompetência do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos actos liquidatários de Imposto do Selo;

 

b)      Determinar se a Verba 28.1 da Tabela Geral, no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares, ou antes, sobre o valor tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.

 

 

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

5.1.1.      Os Requerentes são proprietários de um imóvel sito em Lisboa, com 5 pisos, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, Conselho de Lisboa, sob o artigo matricial n.º … (actual artigo … da freguesia de …).

 

 

 

 

5.1.2.      O prédio objecto dos autos encontra-se em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, num total de 10 divisões com utilização independente, a saber: 1.º andar direito, 1.º andar esquerdo, 2.º andar direito, 2.º andar esquerdo, 3.º andar direito, 3.º andar esquerdo, cave com entrada pelo n.º…, loja com entrada pelo n.º …destinado a comércio, rés-do-chão direito e rés-do-chão esquerdo.

 

5.1.3.      O prédio em causa foi inscrito na matriz em 1989 e o valor patrimonial tributário (“VPT”) à data das liquidações em causa variava entre € 79.910,00 e € 128.660,00, perfazendo o total das 10 divisões o montante de € 1.098.400,00.

 

5.1.4.      Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2014, constante dos documentos de cobrança para pagamento da primeira prestação do imposto liquidado por cada andar ou divisão com utilização independente afecto a habitação do mencionado prédio urbano, à taxa de 1%, com a data limite de pagamento em 30/04/2015, nos termos a seguir discriminados:

 

 

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO

VALOR PATRIMONIAL

TAXA (%)

COLECTA

1.ª PRESTAÇÃO

2015 …

1D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015…

1D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

1E

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

2D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

2D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

2E

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

2E

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

3D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

3D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

3E

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

3E

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

CV 17 B

79.910,00

1%

399,55

199,78

2015 …

CV 17 B

79.910,00

1%

399,55

199,78

2015 …

RC/D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

RC/D

128.660,00

1%

643,30

214,44

2015 …

RC/E

117.870,00

1%

589,35

196,45

2015 …

RC/E

117.870,00

1%

589,35

196,45

5.1.5.      Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2014, constante dos documentos de cobrança para pagamento da segunda prestação do imposto liquidado por cada andar ou divisão com utilização independente afecto a habitação do mencionado prédio urbano, à taxa de 1%, com a data limite de pagamento em 31/07/2015, nos termos a seguir discriminados:

 

 

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO

VALOR PATRIMONIAL

TAXA (%)

COLECTA

2.ª PRESTAÇÃO

2015 …

1D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

1D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015…

1E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

1E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

2D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

2D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

2E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015…

2E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

3D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

3D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

3E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

3E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

RC/D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

RC/D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

RC/E

117.870,00

1%

589,35

196,45

2015 …

RC/E

117.870,00

1%

589,35

196,45

 

 

 

5.1.6.      Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2014, constante dos documentos de cobrança para pagamento da terceira prestação do imposto liquidado por cada andar ou divisão com utilização independente afecto a habitação do mencionado prédio urbano, à taxa de 1%, com a data limite de pagamento em 30/11/2015, nos termos a seguir discriminados:

 

 

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO

VALOR PATRIMONIAL

TAXA (%)

COLECTA

3.ª PRESTAÇÃO

2015 …

1D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

1E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015…

2D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

2E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

3D

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

3E

128.660,00

1%

643,30

214,43

2015 …

CV 17 B

79.910,00

1%

399,55

199,77

2015 …

RC/D

128.660,00

1%

643,30

214,43

 

 

5.1.7.      À data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, encontrava-se pago o montante total de € 7.189,54 (€ 3.594,77 mais € 3.594,77 liquidados pelos Requerentes C… e B…, respectivamente), respeitantes ao pagamento da 1.ª e 2.ª prestações do Imposto do Selo.

 

5.1.8.      Posteriormente, os Requerentes apresentaram, em 13/11/2015, o comprovativo do pagamento das três prestações do Imposto do Selo, no montante total de € 10.984,16.

 

 

5.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

6.      O DIREITO

 

6.1.  DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL E DA INIMPUGNABILIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO DO SELO

 

 

Pese embora a AT autonomizar as excepções invocadas, verifica-se que os factos invocados para fundamentar uma e outra são os mesmos, pelo que serão aqui simultaneamente apreciadas.

 

Assim,

 

A AT fundamenta a sua pretensão, no que à excepção de incompetência do tribunal arbitral diz respeito, no facto de não ter sido impugnado um acto tributário, mas antes o pagamento de duas prestações de Imposto do Selo consubstanciadas nas respectivas notas de cobrança.

 

O objecto de processo corresponde, assim, segundo a AT, não à anulação de um acto tributário, mas sim de uma mera nota de cobrança.

 

Ora, na óptica da AT, esta matéria não se subsume no âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários, prevista no artigo 2.º do RJAT, extravasando, assim, o objecto do pedido de pronúncia arbitral o âmbito de competência do tribunal arbitral.

 

Vejamos.

 

Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

 

Por seu turno, quanto à vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

 

Nesta medida, a competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da AT à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa. [1]

 

Nos termos do disposto no artigo 2.º da referida Portaria, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (actualmente, AT) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nas quais expressamente se incluem as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

 

Conclui-se, assim, que o processo arbitral tributário tem por objecto, mediato ou imediato, o acto tributário de liquidação, enquanto acto de determinação do quantitativo do imposto a pagar (colecta), por aplicação de uma taxa à matéria colectável.

 

Ora, a apreciação das excepções suscitadas depende, por isso, da questão de saber se os Requerentes impugnam o acto de liquidação de Imposto do Selo ou se, pelo contrário, se limita a impugnar cada uma das prestações de Imposto do Selo de per si.

 

Nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação. [2]

 

 

 

 

A este respeito, sustenta José Casalta Nabais que “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”. [3]

 

Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.

 

Dispõe, ainda, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.

 

No mesmo sentido, estabelece o n.º 5 do artigo 44.º do Código do Imposto do Selo que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.

 

Ou seja, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, respectivamente, em função do seu quantitativo. [4]

 

Em suma, e da conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [5]

 

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado.

 

Dito isto,

 

Da análise ao pedido de pronúncia arbitral resulta que os Requerentes requerem a constituição do tribunal arbitral com vista “(…) à declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo de 2014, formalizados pelas notas de liquidação / cobrança em anexo (…)”.

 

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

 

Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas.

 

Tanto assim é que os próprios Requerentes, na delimitação do objecto da acção arbitral, circunscrevem a instauração do respectivo processo à anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2014, indicando como valor da utilidade económica do pedido o valor global da liquidação no montante de € 10.984,16.

 

Assim, pese embora os Requerentes associem o acto tributário de liquidação às prestações de Imposto do Selo, procedendo à sua junção e identificação, o certo é que não circunscrevem o objecto do pedido de pronúncia arbitral a nenhuma das prestações de Imposto do Selo em particular, mas sim à liquidação do Imposto do Selo considerada no seu conjunto.

 

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço.

 

 

6.2.  DA ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2014

 

Já a questão a decidir consiste em saber se os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo são ilegais, por errónea interpretação e aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ao considerar-se que o valor patrimonial tributário (“VPT”) de um prédio urbano constituído em regime de propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente afetos a habitação que, releva para efeitos de incidência daquela verba é constituído pelo valor resultante do somatório do valor patrimonial tributário (VPT) imputado a cada um daqueles andares ou divisões.

 

Mais, se as liquidações do Imposto do Selo padecem, ainda, do vício de inconstitucionalidade, por violação, entre outros, dos princípios da legalidade e da igualdade fiscal.

 

Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e a jurisprudência arbitral nos processos n.º 245/2014-T, 152/2015-T e 021/2015-T, cuja jurisprudência arbitral acompanhamos. [6]

 

Conforme decorre da factualidade assente, a AT liquidou Imposto do Selo por considerar que o VPT do prédio urbano constituído em regime de propriedade total, é superior a € 1.000.000,00, atendendo ao somatório do VPT de cada um dos 10 andares ou divisões com utilização independente afetas a habitação, que compõem o referido prédio.

 

Senão vejamos.

 

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro procedeu ao aditamento à Tabela Geral da Verba n.º 28, com a redação seguinte (na sua versão originária):

 

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

 

Dispondo o n.º 1 do artigo 6.º da Lei em apreço quanto ao ano de 2012 que, “o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;”.

 

À data dos factos, são assim pressupostos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral os prédios habitacionais ou os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, cujo VPT constante da matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, por referência à verba 28 da Tabela Geral veio, ainda, estabelecer várias alterações ao Código do Imposto do Selo, designadamente, quanto à sua liquidação e pagamento, remetendo expressamente para as regras previstas no Código do IMI [7] com as devidas adaptações, prevendo-se igualmente no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo que, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.

 

Da análise às referidas normas, verifica-se, assim, o conceito de “prédio com afetação habitacional” previsto na já mencionada Verba n.º 28, n.º 1 da Tabela Geral não se encontra definido no Código do Imposto do Selo, nem na citada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nem tão pouco no Código do IMI, cujas normas são de aplicação subsidiária, atento o disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.

 

Sobre esta questão, já se pronunciou o tribunal arbitral na decisão proferida no processo n.º 53/2013-T, que aqui acompanhamos, ao entender que um “prédio com afetação habitacional” terá “de ser um prédio que já tenha efetiva afetação a esse fim”.

 

É, pois, inequívoco que um prédio em propriedade total ou em regime de propriedade vertical constitui um prédio urbano, nos termos do disposto no n.º 1 dos artigos 2.º e 4.º do Código do IMI, aplicáveis subsidiariamente, sendo certo também que, quer para efeitos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral, quer para efeitos de classificação de prédios urbanos [8], o legislador não faz distinção entre prédios constituídos em propriedade vertical e em regime de propriedade horizontal (tal como mencionado nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 50/2013-T e n.º 132/2013-T), sendo pressuposto tributário da Verba 28.1 da Tabela Geral os prédios urbanos que efetivamente já estão afetos a habitação, porquanto o que releva é a utilização efetiva e atual de cada um dos prédios.

 

Qual será então o valor patrimonial tributário relevante no caso de prédios urbanos em regime de propriedade total composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente com “afetação habitacional”, para efeitos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral?

 

Conforme resulta da própria Verba 28.1 da Tabela Geral (na sua redação originária) e do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá o VPT utilizado para efeitos de IMI.

 

Vejamos, assim, qual o VPT utilizado para efeitos de IMI.

 

Ora, o VPT de cada prédio é determinado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do IMI, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMI. No caso de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, cada andar ou divisão com utilização independente que o integra é igualmente sujeito a avaliação, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial tributário a cada um daqueles andares ou divisões, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º e 38.º do Código do IMI.

 

Com efeito, o n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMI estabelece que “as matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identificação dos proprietários (…)”, preceituando, ainda, o seu n.º 3 que, “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”, e, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Código do IMI, é sobre aquele valor patrimonial separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI em relação a cada andar ou parte com utilização independente que integram um prédio urbano em regime de propriedade vertical ou total, atenta a autonomia de cada uma daquelas unidades.

 

Como afirmam Silvério Mateus e Corvelo de Freitas [9], “Um outro aspeto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuído a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes.

 

Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer a referência a cada uma destas partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas. Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em regime de propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. (…) Porém, como cada uma destas unidades pode ser objeto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respetivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas.” [sublinhados nossos].

 

Tal como evidenciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 194/2014-T, que também acompanhamos, “o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respetivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

 

Assim a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI, corresponde um único artigo na matriz (n.º 2 do artigo 82.º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…), “cada andar ou andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário (…).

 

 

 

Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fração (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica.”.

 

Tendo presente que à luz do Código do IMI, os andares ou divisões com utilização independente que compõem um prédio urbano em regime de propriedade total ou vertical são tributados autonomamente, uma vez que o IMI é liquidado individualmente sobre o VPT atribuído a cada daqueles andares ou divisões com utilização independente, atenta a relevância da sua autonomia, necessariamente, os princípios e as regras terão de ser os mesmos em sede de Imposto do Selo (mormente, no que se preceitua quanto à inscrição na matriz e liquidação de IMI), quer por assim o impõe a Verba 28.1 da Tabela Geral in fine, quer por aplicação subsidiária, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.

 

Consequentemente, e, no pressuposto que o legislador em causa “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. o preceituado no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil (“CC”), por remissão do artigo 11.º da LGT), só estão abrangidas pela norma de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral os andares, partes ou divisões com utilização independente com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

Assim, e conforme referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 132/2013-T, “O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional, possua um VPT superior a € 1.000.000,00” e não quando este valor resulta do somatório do VPT imputado a cada andar ou divisão com utilização independente.

 

Tal como mencionado, igualmente, na decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-
-T, “O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.”.

 

Por todo o exposto, não se pode concordar com o entendimento da AT.

 

De facto, se é a própria norma disposta na Verba 28.1 da Tabela Geral in fine que determina que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o que releva para efeitos de incidência tributária é o valor patrimonial tributário individualizado para cada uma das partes, andares ou divisões com utilização independente sobre o qual é liquidado o IMI anualmente, ou seja, a liquidação do Imposto do Selo obedece às regras previstas no Código do IMI, por remissão expressa da mencionada Verba 28 da Tabela Geral e do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.

 

Tanto assim é que, a AT para liquidar a Verba 28.1 da Tabela Geral, sob exame, parte de cada um daqueles andares ou divisões com utilização independente, fazendo incidir a respectiva taxa sobre o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma daquelas divisões com afetação habitacional, de acordo com as normas do Código do IMI, para depois somar aquele valor patrimonial tributário.

 

A interpretação no sentido de que o que releva na norma de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral é o VPT imputado a cada das partes autónomas, andares ou divisões com utilização independente com afetação habitacional e não o valor resultante da soma daqueles valores patrimoniais tributários é a que resulta igualmente da sua ratio legis, conforme impõe o n.º 1 do artigo 9.º do CC, aplicável por força do disposto no artigo 11.º da LGT.

 

Com efeito, na apresentação e discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª (disponível no Diário da Assembleia da República DAR, I Série n.º 9/XII/2012, de 11-10-2012) na Assembleia da República, o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, declarou o seguinte:

 

“É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013” [sublinhados nossos].

 

A este propósito, acompanhamos a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T ao referir que “O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

 

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta, pois, na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.

 

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”.

 

Assim, e de acordo com a factualidade assente, o VPT de cada um dos 10 andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação, que integram o prédio constituído em propriedade total, e, que foi determinado segundo as regras do Código do IMI, é inferior a € 1.000.000,00, não estando assim reunidos os pressupostos de tributação da Verba 28.1 da Tabela Geral.

 

Pelo que, os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, objeto do presente processo de pronúncia arbitral, no montante total de € 10.984,16, padecem do vício de violação do disposto na Verba 28.1 da Tabela Geral e do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, por erro sobre os seus pressupostos de direito, declarando-se assim a ilegalidade daqueles atos de liquidação, com a consequente anulação dos mesmos.

 

Com efeito, fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente, o alegado vício de inconstitucionalidade, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos dos Requerentes, de harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT. [10]

 

 

7.      DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo, constantes dos identificados documentos de cobrança, com todas as consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios;

c)      Condenar a AT a restituir aos Requerentes o Imposto do Selo indevidamente pago, no montante de € 10.984,16;

d)     Condenar a AT em custas.

 

 

8.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 10.984,16 (dez mil novecentos e oitenta e quatro euros e dezasseis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

9.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2015

 

 

 

O árbitro,

 

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1]              Cfr. a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

[2]              Cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt.

[3]              Cfr. “Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318 por força da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 736/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.

[4]              Cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI.

[5]              Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.

[6]              Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.

[7]              Cfr. artigo 23.º, n.º 7, artigo 44.º, n.º 5, artigo 46.º, n.º 5 e artigo 49.º, n.º 3 do Código do Imposto do Selo.

[8]              Cfr. artigo 6.º do Código do IMI (também de aplicação subsidiária).

[9]              “Os Impostos sobre o Património Imobiliário e O Imposto do Selo, Comentados e Anotados”, págs. 159 e 160.

[10]             Subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.