Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, com morada na Av. …, n.º …, …, …-…, em Lisboa, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2014 identificado no processo, no valor de €14.094,10.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 13.08.2015 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13.10.2015.
A AT respondeu, defendendo a extinção da instância arbitral, face à inimpugnabilidade do acto ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades, sendo que será apreciada prioritariamente a excepção invocada pela Requerida.
II. MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente foi notificada do acto de liquidação de IS, de 20 de Março de 2015 respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.º …, relativo ao ano 2014;
B) O prazo de pagamento voluntário da primeira prestação terminou no dia 30 de Abril de 2015;
C) O prazo de pagamento voluntário da segunda prestação terminou no dia 31 de Julho de 2015;
D) A 27 de Julho de 2015, a Requerente apresentou a presente petição arbitral;
E) A Requerente é dona e legitima proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Lisboa;
F) O Prédio é constituído por (15) andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, 14 classificados como afectos à habitação e um como serviços;
G) As partes do Prédio destinadas à habitação foram avaliadas separadamente para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI);
H) Nenhuma das divisões independentes, afetas a habitação, tem um valor patrimonial tributário atribuído igual ou superior a €1.000.000.
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III. MATÉRIA DE DIREITO
Face à posição das Partes e aos argumentos apresentados, cumpre:
a) Aferir da nulidade da notificação dos actos tributários, por falta de elementos essenciais da notificação;
b) Aferir da anulabilidade das notas de cobrança por falta de fundamentação;
c) Aferir da anulabilidade do acto de liquidação por preterição do direito de audição-prévia;
d) Determinar qual é o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional.
A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:
1. As notas de cobrança que lhe foram notificadas não contêm os elementos exigidos nos artigos 36.º, n.º 2, 37.º, n.º 1 e 39.º, n.º 12 do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
2. O acto de liquidação de IS subjacente aos presentes autos e as notas de cobrança de IS padecem do vício de falta de fundamentação, sendo por isso, anuláveis, nos termos do disposto nos artigos 99.º c) do CPPT e 135.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º d) do CPPT.
3. A Requerente defende que foi violado o direito de audição-prévia previsto no artigo 60.º da LGT.
4. A Requerente pretende que seja declarado ilegal o acto de liquidação de IS, resultante da verba n.º 28.1 da TGIS, nos termos em que foi aplicado pela AT, nos presentes autos. Com efeito,
5. A AT entende que, para um prédio em propriedade vertical, a norma constante da verba 28 da TGIS determina que o critério para a aferição da sua incidência é o VPT global do prédio, independentemente deste ser composto por divisões destinadas a habitação de utilização independente.
6. Entende a Requerente que o valor patrimonial relevante para efeitos da aplicação da verba 28.1. da TGIS de prédios em propriedade vertical e com afectação habitacional, constituídos por andares ou divisões com utilização independente e estacionamento coberto, não é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário dos diferentes andares ou divisões, ou seja, o valor patrimonial global, mas antes o VPT atribuído individualmente a cada um desses andares ou divisões.
7. Na ausência de qualificação por essa norma legal do conceito de prédio, considera a Requerente ser subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, o conceito de prédio fixado pelo Código do IMI;
8. O Código do IMI ficciona como prédio urbano toda e qualquer parte de prédio urbano susceptível de utilização independente, seja directamente para habitação do proprietário, seja para arrendamento, sujeitando-o a um regime de tributação para efeitos de IMI idêntico ao da propriedade horizontal.
9. Ao considerar como prédios urbanos distintos as partes de prédio em causa, não obstante a sua independência económica, a administração fiscal actuou, não de acordo com um critério de legalidade, mas de acordo com um critério de oportunidade, ignorando o conceito de prédio urbano que resulta do Código do IMI;
10. A interpretação da AT subjacente ao acto de liquidação de IS sub judice, de acordo com a qual o valor patrimonial tributário para efeitos dessa verba 28.1 é o valor patrimonial tributário global e não o valor patrimonial tributário de cada parte susceptível de utilização independente, viola, por outro lado, além do princípio da legalidade, o princípio da igualdade e seu corolário lógico da tributação segundo a capacidade contributiva e o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade formal, de acordo com o princípio de uma interpretação conforme a Constituição.
Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:
1. A inimpugnabilidade das notas de cobrança da 1ª e 2ª prestações per se, nos termos do artigo 2.º, n.º1, al. a) do RJAT, tendo em conta que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de tributos, do mesmo modo que o artigo 97.º, n.º1, al. a) do CPPT prevê a impugnação da liquidação dos tributos;
2. O pagamento de uma das prestações da liquidação efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança de imposto liquidado, como evidencia o n.º 4, do artigo 120.º do Código do IMI, aplicável subsidiariamente, segundo o qual “No caso previsto nos n.º1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes”;
3. Isto é, a lei não compreende a impugnação autónoma de uma prestação da verba 28 do IS constante das notas de cobrança, como é o caso dos autos;
4. Naturalmente, quando a lei prevê o pagamento do valor da liquidação em várias prestações, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas;
5. As prestações da liquidação de IMI, e mutatis mutandi, de Imposto do Selo, “embora realizando-se por actos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu”, como refere António Braz Teixeira, distinguindo-as “das prestações que devem efectuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação” (Cfr. Princípios de Direito Fiscal, vol I, 3ª ed., Almedina,1995, p.243);
6. Em síntese, o acto de liquidação da verba 28 do IS é único, e o facto de poder ser pago em várias prestações não implica que tenham ocorrido várias liquidações. A natureza das prestações de uma liquidação deste imposto é a de divisão da liquidação global, efectuada anualmente, não podendo cada prestação per se ser impugnada autonomamente, pois o objecto da impugnação judicial ou do processo arbitral tributário é o acto tributário de liquidação;
7. Assim sendo, atendendo à manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, ocorre a excepção dilatória prevista al. c), do n.º1, do artigo 89.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável pelo artigo. 29.º, nº1, al, c), do RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito e acarreta a absolvição da AT da instância;
8. Por impugnação, defende a AT que, segundo a verba 28.1., em caso de prédios urbanos com afectação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI;
9. Segundo o artigo 2.º, n.º 4, do Código do IS, são sujeitos passivos do imposto os sujeitos passivos de IMI, nos termos do artigo 8.º do Código do IMI.
10. Resulta dessas normas legais o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00;
11. O valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente;
12. O artigo 80.º, n.º 2, do Código do IMI declara que, salvo o disposto nos artigos 84.º e 92.º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz;
13. A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.
14. Tal prédio não deixa, pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal;
15. No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do IS da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.
16. É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.
17. De referir que a Autora não tem razão quanto à pretendida falta de fundamentação.
18. Todos os elementos – identificação fiscal do contribuinte, ano de imposto, identificação do prédio, ano de imposto, taxa, VPT, colecta e imposto a pagar - estão expressos nas notas de cobrança para pagamento, inexistindo qualquer procedimento administrativo subjacente a cada acto de liquidação;
19. Não se vê que sustentação possa ter a alegada falta de fundamentação quando Autora evidenciou, ao longo da douta petição, um conhecimento completo dos factos, da norma tributárias controvertida, designadamente a base de incidência, o cálculo do VPT, a taxa aplicada, as normas do Código do IMI convocadas pelo Código do Imposto do Selo.
Vejamos o que deve ser entendido.
a) Da excepção de Inimpugnabilidade do acto
Na resposta apresentada, vem a AT defender-se por excepção que, caso se verifique, conduz à absolvição da instância.
A apreciação da excepção de ininumpugnabilidade do acto invocada depende da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de IS ou se, ao invés disso, se limita a impugnar cada uma das prestações do IS de per si.
Tem sido entendido que nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação (Vide Cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt).
A este respeito, elucida o ilustre Professor José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 3ª Edição, Almedina, 2005, o seguinte:
“A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”.
Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.
Nestes termos, dispõe o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IS que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.
No mesmo sentido, dispõe ainda o n.º 5 do artigo 44.º do Código do IS que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.
Ou seja, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, atento o seu quantitativo – cfr. al. c), n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI.
Da conjugação das disposições legais supra citadas retira-se que o IS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial, tal como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em http://www.caad.org.pt citada pela AT.
Desta feita, cada acto de liquidação de IS é só um acto lesivo, susceptível de ser impugnado.
Considerando que o acto de liquidação de IS subjacente aos documentos de cobrança, objecto da presente petição arbitral, pode ser impugnado aquando da sua emissão e notificação para pagamento da primeira prestação tributária de IS, isto é, no momento em que se verifica o facto tributário, conclui-se pela improcedência da excepção suscitada pela AT relativa à inimpugnabilidade do acto.
b) Da notificação insuficiente dos actos reclamados
Alega a Requerente que as notas de cobrança que lhe foram notificadas não contêm os elementos exigidos nos artigos 36.º, n.º 2, 37.º, n.º 1 e 39.º, n.º 12 do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Sucede que, a este propósito, dispõe o artigo 23.º, n.º 7 do Código do IS, o seguinte:
“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.
Por sua vez o artigo 46.º, n.º 5 do Código do IS determina que, havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, o documento de cobrança é emitido nos prazos, termos e condições definidos no artigo 119.º do Código do IMI, com as devidas adaptações.
Ora, o artigo 119.º do Código do IMI estabelece a este propósito o seguinte:
“1. Os Serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.
2. No mesmo período é disponibilizada às câmaras municipais e aos serviços de finanças da área da situação dos prédios a informação contendo os elementos referidos no número anterior, que pode ser aí consultada pelos interessados.
3. Caso o sujeito passivo não receba o documento mencionado no n.º 1, deve solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via.”
Do exposto resulta, assim, claro que o acto de liquidação de IS efectuado dentro do prazo normal não carece de notificação ao sujeito passivo, bastando o envio dos documentos de cobrança, nos termos dos artigos 119.º e 120.º do Código do IMI, aplicáveis ex vi artigo 46.º, n.º 5 do Código do IS (Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2015, proferido no âmbito do proc. 319/14).
Em consequência, a falta de notificação do acto de liquidação de IS sub judice não tem a virtualidade de tornar ineficaz a notificação para pagamento do IS liquidado.
c) Da falta de fundamentação do acto de liquidação
Alega a Requerente que o acto de liquidação de IS subjacente aos presentes autos e as notas de cobrança de IS padecem do vício de falta de fundamentação, sendo por isso, anuláveis, nos termos do disposto nos artigos 99.º c) do CPPT e 135.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º d) do CPPT.
Ora, não tendo sido junto aos autos o acto de liquidação de IS não nos é possível pronunciar sobre a invocada falta de fundamentação desse acto.
Relativamente aos documentos de cobrança e conforme resulta do já exposto em a), a sua conformidade legal passa apenas pelo cumprimento dos requisitos previstos no artigo 119.º do Código do IMI, o que se verifica na presente situação.
Consequentemente, parece não poder ser imputável a estas notas de cobrança qualquer vício de falta de fundamentação, uma vez que contêm os elementos legalmente exigíveis, nomeadamente a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente e respectivo valor patrimonial tributário.
Por fim, e contrariamente ao defendido pela Requerente, não se verifica a alegada violação das normas do procedimento tributário invocadas, pois, o acto de liquidação de IS sub judice materializado nos documentos de cobrança em análise não foram praticados no âmbito de um procedimento administrativo em que tenha havido instrução, pelo que não são aplicáveis in casu as normas procedimentais que a Requerente considera terem sido violadas pela Requerida, nem se considera ter havido falta de fundamentação dos actos praticados.
d) Da preterição do direito de audição-prévia
Defende a Requerente que foi violado o direito de audição-prévia previsto no artigo 60.º da LGT.
Tendo em conta o exposto em b), também não procede o argumento invocado pela Requerente, uma vez que tal normativo é inaplicável ao acto tributário em apreciação.
e) Do VPT
Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.
Os princípios gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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Atendendo às regras de interpretação da Lei, importa saber que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à TGIS a verba 28 e 28.1, criando a taxa de IS sobre prédios urbanos de elevado valor patrimonial.
A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.
A taxa especial de IS sobre os prédios de valor superior a €1.000.000,00, também conhecida como “taxa de luxo”, visou garantir a repartição dos sacrifícios por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.
Nestas circunstâncias, fixou a verba 28 e 28.1, a incidência de IS nos seguintes termos:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”
Resulta, portanto, da letra da lei que a taxa prevista na verba 28.1 é aplicável ao direito de propriedade sobre prédios com afectação habitacional, cujo VPT utilizado para efeito de IMI seja igual ou superior a €1.000.000.
De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 6 do Código do IS, “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).”
Por sua vez, o Código do IMI determina no seu artigo 2.º, o seguinte:
Conceito de prédio
“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Na medida em que o prédio em análise (doravante Prédio) é, nos termos previstos no artigo 2.º do Código do IM um prédio, este encontra-se literalmente abrangido pela verba 28 e 28.1.
Na verdade, a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical, limitando-se o n.º 4 do artigo 2.º do Código do IMI a estabelecer que, no regime da propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como prédio.
Do referido no n.º 4 do artigo 2.º não resulta, contrariamente ao defendido pela Requerida na resposta apresentada, que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.
Não obstante, a taxa especial de IS fixada na verba em questão apenas se aplica caso o Prédio constitua prédio habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a €1.000.000.
Uma vez que o Código do IS não estabelece o que se entende por “habitacional”, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do referido Código, são, também, aqui aplicáveis as regras previstas no Código do IMI, nomeadamente as estabelecidas nos artigos 6.º e o artigo 41.º desse Código.
Da análise das referidas regras, resulta que o Prédio em questão está abrangido pela verba 28.1, enquanto prédio urbano com afectação habitacional.
Resta, portanto, averiguar se o VPT constante da matriz do Prédio, nos termos do Código IMI, é igual ou superior a €1.000.000.
Ora, conforme decorre da letra da Lei, o VPT do Prédio será aquele que for utilizado para efeitos de IMI.
A este propósito, determina-se no n.º 1 do artigo 7.º, do Código do IMI, aplicável ex vi do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do IS, que “O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos presente Código.”.
Por sua vez nos n. º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI, estabelecem-se as regras para a determinação do VPT dos prédios com duas ou mais classificações.
Uma vez que a taxa prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS apenas se aplica a prédios de afectação habitacional, as regras estabelecidas no n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI não são aplicáveis à determinação do VPT relevante no âmbito da referida verba.
Na verdade, o VPT dos prédios de afectação habitacional, previstos na verba 28 e 28.1., tem de ser determinado tendo em conta o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, segundo o qual:
“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”
Assim, tendo em conta que o legislador não atribui qualquer relevância ao facto do prédio estar constituído em regime de propriedade vertical, o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
De facto, não se encontra no Código do IMI nenhuma norma que permita concluir no sentido de que o VPT de prédio em regime de propriedade vertical deve ser obtido pelo somatório do VPT que foi atribuído isoladamente às partes que o constituem (Vide, entre outras, as decisões arbitrais proferidas no Processo 50/2013-T, 131/2013-T, 177/2014-T, 396/2014-T).
Tendo em conta que as normas de incidência estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária (Cfr. Artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 8.º da LGT), parece inexistir base legal à liquidação de IS com base na soma do VPT de cada uma das partes do Prédio.
Uma vez que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do proc. 7648/14, de 10.07.2014), a AT não pode realizar uma operação de liquidação com base numa norma de incidência que não prevê expressamente a base de incidência do imposto nos termos liquidados.
Por isso, foi, também, decidido recentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão n.º 047/15, de 9.09.2015., que “II – Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”
Entende-se, assim, que não existe base legal que permita à AT adicionar os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de €1.000.000, previsto na verba 28.1 da TGIS.
Em face do exposto, não tendo nenhum dos andares, susceptíveis de utilização independente do Prédio, valor patrimonial tributário superior a €1.000.000, não há lugar a incidência da taxa prevista na verba 28.1 da TGIS.
Em consequência, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios da Requerente, caso as prestações de IS já tenham sido pagas, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro da Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
Por fim, o pedido de condenação da Requerida no ressarciamento das despesas suportadas pela Requerente resultantes da lide, incluindo honorários dos mandatários judiciais a liquidar em execução de sentença, encontra-se para além do pedido de condenação nas custas do processo arbitral, assumindo tal pedido uma natureza de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Ora, o artigo 2.º do RJAT, que define o âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários, estabelece que o Tribunal Arbitral tem competência para declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (alínea a) desse artigo), e para declarar a ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (alínea b) do mesmo). E mesmo relativamente à impugnação de actos praticados no âmbito de procedimentos tributários, a competência destes tribunais arbitrais “restringe-se à actividade conexionada com actos de liquidação de tributos” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 2013, p. 105) (Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.06.2014, proferido no âmbito do processo n.º 6224/2014).
Em consequência, este Tribunal não tem competência para decidir sobre o pedido de condenação efectuado.
IV. DECISÂO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade do acto de liquidação de IS impugnado;
B) Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IS referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.º …, relativo ao ano 2014 e, em consequência, anular as notas de cobrança emitidas;
C) Não conhecer do pedido de condenação da Requerida no ressarciamento das despesas suportadas pela Requerente resultantes da lide, incluindo honorários dos mandatários judiciais a liquidar em execução de sentença.
V. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €14.094,10.
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2015
A Árbitro
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)