Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 281/2015-T
Data da decisão: 2016-01-15  IRC  
Valor do pedido: € 461.772,07
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos (art. 23.º do IRC); Diferimento de pagamentos
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Luis Menezes Leitao  e Álvaro José da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.      No dia 4 de Maio de 2015, as sociedades “A... S. A.”, NIPC..., e B..., SGPS, S.A., NIPC...,  ambas com sede na Rua do ..., ..., 3.º andar, ..., ...-... Porto, apresentaram um pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      Em tal requerimento, as Requerentes solicitam a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014..., relativa ao exercício de 2010, solicitando a correspondente anulação.

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 6 de Maio de 2015.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo a Exma. Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Exmo. Senhor Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e o Exmo. Senhor Dr. Álvaro José da Silva, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5.      Em 29 de Junho de 2015, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

6.      O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 15 de Julho de 2015, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

7.      No dia 9 de Outubro de 2015, foi proferido despacho arbitral dispensando a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT), convidando as partes a produzir alegações, se assim entendessem. No mesmo despacho foi fixado o dia 10 de Dezembro de 2015 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. Por despacho de 10 de Dezembro de 2015, por estar dentro do prazo legal, procedeu-se à alteração daquela data, fixando-se como data limite da prolação do Acórdão o dia 15 de Janeiro de 2016.

8.      As partes apresentaram alegações escritas, onde reproduziram os fundamentos anteriormente referidos, tendo ainda as Requerentes formulado pedido de junção de parecer jurídico do Senhor Professor Doutor ... e do Senhor Professor Doutor... .

9.      No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, as Requerentes invocam, em síntese:

a)      afigura-se erróneo o enquadramento adoptado pela Direcção de Finanças do Porto relativamente ao problema da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros em discussão, de acordo com o qual o empréstimo contraído pela C...visou “comprar” a A... uma vez que a B...“valia apenas” pelas participações sociais que detinha naquela;

b)      ao desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades integradas no Grupo, a Direcção de Finanças do Porto quebra o arquétipo no qual assenta o conceito de sociedade comercial enquanto titular de personalidade jurídica e tributária autónomas;

c)      diferentemente, o que a subsunção dos factos ao Direito demonstra é que a C... adquiriu as participações sociais na B..., pelo que é quanto a este financiamento, com esta finalidade, que a discussão quanto à indispensabilidade dos gastos com o financiamento se coloca;

d)     retira-se daqui que que o enquadramento fiscal das operações verificadas no seio das sociedades cujas participações sociais são detidas pela B... tem de ser efetuado relativamente a cada uma das sociedades individualmente consideradas;

e)      da utilização do método de tracing approach, referido no RIT A..., decorre, ao contrário do pretendido pela Direcção de Finanças do Porto, o entendimento, defendido pelas Requerentes, de que o financiamento gerador dos encargos em causa se encontra alocado à aquisição das participações sociais da B...;

f)       segundo o método referido na alínea anterior, a dedutibilidade dos juros relativos a um financiamento depende da alocação desse financiamento;

g)      As regras de alocação do financiamento, quando está em causa a aquisição de bens, evidenciam claramente que, enquanto a titularidade desses bens se mantiver, os encargos com o financiamento para a sua aquisição são dedutíveis, tendo por referência o enquadramento daquela aquisição no escopo societário, no momento em que ocorreu essa aquisição, pelo que, se o financiamento foi utilizado para a aquisição de participações sociais da B... que, em nenhum momento, foram alienadas, é por referência a esta aquisição que se deve aferir a dedutibilidade dos encargos em causa;

h)       a desconsideração da personalidade jurídica não pode, em circunstância alguma, ser efetuada com base num “processo demonstrativo, internacionalmente utilizado de tracing approach”, que ignora a Lei, nomeadamente a regulação processual e material subjacente à aplicação das normas antiabuso (mormente, artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”);

i)        o facto de a B... ter vendido as participações sociais da A... à E... demonstra cabalmente a inexistência de qualquer conexão jurídica entre o financiamento obtido pela C... e a aquisição da A...;

j)         a possibilidade de dedutibilidade de um gasto é um corolário do conceito de rendimento-acréscimo que pretende, em homenagem ao comando constitucional, plasmado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), responder ao imperativo de tributação das empresas segundo o “lucro real” que há-de corresponder ao “acréscimo líquido do poder económico de um sujeito entre dois momentos temporais”;

k)      Por força da dependência parcial do direito fiscal face ao resultado contabilístico, o ponto de partida para determinar o resultado fiscal deverá ser o resultado líquido apurado na contabilidade (artigo 17.º do Código do IRC);

l)        no presente caso, importa saber se o financiamento conexionado com os encargos financeiros deduzidos foi dirigido à atividade empresarial, pois só na medida em que o não tenha sido é que se justificará uma “correção fiscal” no sentido da desconsideração dos encargos conexionados com o financiamento, na medida em que e necessário que o próprio financiamento a que tais gastos estão conexionados seja indispensável à manutenção da fonte produtora;

m)    devendo, a dedutibilidade dos encargos financeiros em causa, ter por referência a potencialidade de o financiamento obtido pela C... (e, por isso, dos referidos gastos) gerar ganhos, no momento em que tal financiamento ocorreu, o momento a ter por referência para aferir da suscetibilidade de dedução dos encargos financeiros associado ao referido financiamento, é o momento em que tal financiamento ocorreu;

n)      tendo, o acto que gera o custo, um escopo empresarial (i.e., tendo o financiamento potencialidade para gerar um proveito), também os gastos financeiros a ele associados o terão, o que implica a admissibilidade fiscal da sua dedução;

o)      independentemente de se considerar que o financiamento foi obtido para a aquisição de participações sociais na B... (conforme defende a Requerente) ou para a aquisição de participações sociais na A..., a verdade é que, no momento em que ocorreu, tal financiamento tinha um evidente escopo lucrativo, que justifica a dedutibilidade dos encargos financeiros a ele associado, sendo que aquela aquisição foi motivada por um interesse empresarial válido, atenta a finalidade de investimento do Grupo F... no mercado português das análises clínicas, donde os encargos financeiros suportados para a aquisição das participações sociais na B...  terão de ser um gasto fiscalmente dedutível à luz da doutrina e jurisprudência referidas;

p)      uma vez que a fusão entre a A... e a C... implica a continuidade das sociedades fundidas na sociedade beneficiária e dado que a C..., no momento anterior à fusão, suportava encargos financeiros relativos a um financiamento cuja dedutibilidade fiscal é inquestionável., o corolário que daqui decorre é o de que o gasto que tenha sido fiscalmente dedutível na sociedade fundida continua a ser dedutível na sociedade beneficiária da fusão;

q)      não tendo, a validade económica da operação de fusão — realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto no Código do IRC – sido, em momento algum, contestada, não é de admitir a aplicação de qualquer norma anti-abuso:

r)       na medida em que, nos termos do considerando n.º 2 da Directiva 2009/133/CE de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, as operações de fusão “não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros. Importa, por conseguinte, prever, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado interno, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional”, seria profundamente contrária à teleologia da Directiva – transposta através do Código do IRC – a possibilidade de o Estado desconsiderar gastos fiscais após uma fusão, uma vez que o Estado obteria por outra via a tributação imediata que se pretende evitar com o princípio da neutralidade espelhado nas possibilidades de diferimento e continuidade previstos na Directiva;

s)        caso dúvidas subsistam no espírito do Tribunal, sempre se justifica o recurso ao mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º TFUE;

t)       considerando que: em 5 de dezembro de 2008, a B... celebrou um contrato de compra e venda (“Contrato”) com a Sociedade G..., residente na Holanda (“G...”), através do qual vendeu a totalidade das participações sociais detidas na A... pelo valor de € 29.862.000,00; que de acordo com os termos estabelecidos no Contrato, o pagamento do preço deveria ser efetuado nos seguintes termos: (i) € 20.500.000,00 seriam pagos até ao final de 2009 e (ii) € 9.362.000,00 seriam pagos até ao final de 2010; que o prazo de caducidade do direito à liquidação é de 3 anos e que a ação inspectiva levada a cabo à Requerente (na qualidade de sociedade dominante do Grupo F...) ocorreu entre 30 de setembro de 2013 e 3 de janeiro de 2014, suspendendo-se a contagem do prazo de caducidade nesse período, conforme determina o artigo 46.º, n.º 1 da LGT no presente caso, o direito à liquidação relativo ao exercício de 2010 caducou a 6 de abril de 2014, sendo que até mesmo a data de elaboração da liquidação – ocorrida a 3 de dezembro de 2014 – efectuada à A... (enquanto sociedade dominante do Grupo F...) ocorreu em momento posterior ao fim do prazo de caducidade;

u)       a Lei não admite que a Direcção de Finanças do Porto utilize o regime português de preços de transferência, estabelecido no artigo 63.º do Código do IRC, sem mais, para proceder à alteração da forma jurídica de uma dada operação e consequentemente, corrigir o valor da operação que ficcionou, pelo que, se, face às condições de pagamento acordadas, a Direcção de Finanças do Porto considerava que o preço fixado pelas partes não refletia um preço de plena concorrência, cabia-lhe corrigir esse preço, caso se preenchessem os requisitos legais (que, conforme se demonstrará não se encontram reunidos). Não o tendo feito, a Direcção de Finanças do Porto confunde o ajuste dos termos e condições de uma determinada operação (com impacto direto no preço de venda) com o “ajuste” da operação em si;

v)      sendo, a operação, tal como concebida e estruturada pela B...  e a G..., uma operação de compra e venda de participações sociais (não existindo um financiamento) e nada existindo, no regime dos preços de transferência – artigo 63.º do Código do IRC -, que permita a modificação da forma jurídica de uma determinada operação do sujeito passivo, nunca a Direcção de Finanças do Porto poderia ter utilizado as regras de preços de transferência para ficcionar a existência de um financiamento e, subsequentemente, proceder à determinação da remuneração associada;

w)    também a interpretação do artigo 9.º, n.º 1 das Convenções para evitar a Dupla Tributação aplicáveis ao presente caso, de acordo com as regras da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, leva à conclusão de que não se poderá proceder à alteração da forma jurídica de uma dada operação através da aplicação do princípio de plena concorrência;

x)      apesar de o que está em causa no presente caso são os termos e condições estabelecidos num contrato de compra e venda celebrado no exercício de 2008, o procedimento inspectivo ocorrido não abrangeu o exercício de 2008, pois que, desde logo, no momento em que tal procedimento se iniciou, já o prazo de caducidade aplicável em sede de preços de transferência tinha sido ultrapassado (aliás, atenta a duração do procedimento inspetivo, mesmo o prazo geral de caducidade de quatro anos sempre teria sido ultrapassado);

y)      para que a Direcção de Finanças do Porto pudesse proceder a correções à matéria tributável e consequente liquidação adicional, ao abrigo das normas relativas aos preços de transferência, seria necessário que verificasse e provasse os seguintes pressupostos: (i).           Existência de relações especiais; (ii).  As entidades relacionadas tivessem estabelecido condições diferentes das que normalmente seriam acordadas entre pessoas independentes; (iii).  As diferentes condições tivessem conduzido ao apuramento de um lucro diferente do que se apuraria na sua ausência; (iv).            As relações especiais fossem causa adequada para as “diferentes condições” acordadas. No presente caso, porém, nenhuma das circunstâncias mencionadas se verifica;

z)      considerando: que a Direcção de Finanças do Porto foi incapaz de demonstrar a existência do grau mais elevado de comparabilidade como, bem pelo contrário, se verifica que a operação comparável identificada não tem a menor comparabilidade com a operação vinculada; que os termos e condições do Contrato foram fixados já num contexto de crise, onde se destaca a falência do H... e que uma análise das operações de entidades do Grupo (residentes em Portugal), no período em causa, revela que, em múltiplas circunstâncias, o Grupo abdicou de receber juros de mora ou a totalidade das dívidas de que era credor por, no contexto económico em causa, ser a decisão de mercado mais racional e eficiente, mal se compreende a atitude da Direcção de Finanças do Porto no sentido de ignorar as reais circunstâncias económicas e financeiras em que a operação em causa se desenrolou e que, certamente, a justificam à luz do princípio de plena concorrência;

aa)   ainda que se admitisse - o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se admite - que os termos e condições fixados no Contrato eram distintos dos termos normalmente praticados numa circunstância de plena concorrência, a verdade é que, a correção do preço para um valor superior em nada influenciaria o lucro tributável e consequentemente a matéria coletável da B..., na medida em que a B... é uma SGPS e, por conseguinte, à data dos factos, a B...beneficiou do regime fiscal das SGPS, pelo que mais-valias realizadas nunca concorreriam para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Significa isto que, do ponto de vista da ATA, o preço de venda das participações sociais é irrelevante na medida em que a mais-valia daí resultante nunca seria tributada, pelo que a Direcção de Finanças do Porto sempre careceria de legitimidade para lançar mão das normas relativas aos preços de transferência;

bb)  a irrelevância fiscal do valor da venda para a ATA demonstra, pois, o facto de os termos e condições praticados não resultarem das relações especiais existentes com as entidades em causa, tendo sido efetivamente praticados termos e condições de mercado, atendendo ao contexto económico e financeiro em que a operação de venda ocorreu, sendo, assim, evidente a ilegalidade das correções efetuadas pela Direcção de Finanças do Porto, por deficiente aplicação dos preceitos legais referentes aos preços de transferência;

cc)   as Requerentes concluem, formulando pedidos no sentido de o acto de liquidação em crise ser anulado por vício de violação de lei e, em consequência, serem as Requerentes restituídas do montante indevidamente pago de € 461.772,07, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, atendendo à existência de erro imputável aos serviços.

10.  Por seu turno, a Requerida apresentou a sua resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, no sentido da total improcedência do pedido das Requerentes, em síntese, o seguinte:

a)      considerando que a 1ª Requerente se encontra a suportar encargos financeiros relativos a um empréstimo que «in fine» se destinou a financiar a sua própria aquisição (a obtenção daquele empréstimo teve como objectivo principal permitir a aquisição da 1ª Requerente, ainda que através da B... SGPS); que o projecto de fusão faz retroagir os efeitos daquela fusão a 1 de Janeiro de 2008 (o que revela, claramente, a intenção e finalidade última da obtenção do empréstimo em questão e da assunção dos respectivos encargos financeiros: a aquisição da 1ª Requerente) e que objecto social da 1ª Requerente corresponde à prestação de serviços de análises clínicas (não tendo como actividade a gestão de participações sociais, pelo que, os gastos/rendimentos não estão mutuamente relacionados com a actividade da 1ª Requerente), os gastos relativos à aquisição da 1ª Requerente, ainda que efectuada através da B... SGPS, não poderão ser considerados dedutíveis fiscalmente, por manifestamente não serem imprescindíveis à obtenção dos seus proveitos ou para a manutenção da fonte produtora;

b)      os encargos em questão dizem respeito a juros auferidos no âmbito de um financiamento, sendo que os juros ganham autonomia relativamente à obrigação principal, tal como determina o artigo 561.º do Código Civil, aplicável “ex vi “, artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da LGT;

c)      a dedutibilidade fiscal dos juros suportados depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, explicitando a alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRC que esses juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”;

d)     da liberdade das partes em acordarem uma data para produção dos efeitos da fusão, como decorre do n.º 7, do artigo 68º do CIRC, a transferência dos resultados da sociedade fundida para a beneficiária, definida no n.º 8 do mesmo artigo, apenas abre a possibilidade de escolha entre duas hipóteses: a.            se a data fixada no projecto para a produção de efeitos do ponto de vista contabilístico é anterior à data da fusão, o que implica o enquadramento de todo o movimento desenvolvido após aquela primeira data na esfera da sociedade beneficiária e, obviamente, a submissão à disciplina de aceitação de custos que rege a determinação do lucro tributável nesta sociedade; b.     se a opção recai pela coincidência destas duas datas, todo o movimento desenvolvido pela sociedade fundida beneficia da disciplina fiscal que lhe é própria e, caso essa determinação do resultado seja propiciadora de prejuízo fiscal, tal prejuízo apenas poderá ser reflectido na esfera da sociedade beneficiária por via do regime de transmissibilidade de prejuízos ficais aplicável nas situações de fusão;

e)      o regime de neutralidade fiscal no âmbito das operações de reestruturação empresarial do CIRC procura apenas não onerar fiscalmente mais-valias que mais se assemelham a mais-valias potenciais, não contendo, contudo, uma isenção de mais-valias, mas antes um adiamento da sua tributação para o momento da efectiva realização das mesmas, pelo que resulta claro e inequívoco que do disposto no n.º 7 do artigo 68º do CIRC e da colagem da produção de efeitos fiscais à produção de efeitos contabilísticos e não jurídicos, bem como o facto dos custos em consideração respeitarem ao A..., a análise da dedutibilidade desses encargos financeiros, ter que ser necessariamente efectuada na esfera da Requerente. Assim, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela 1ª Requerente ter resultado da fusão, os custos por esta contabilizados no exercício em causa, com os encargos financeiros respeitantes a tal empréstimo não satisfazem o requisito de indispensabilidade dos custos/gastos que o artigo 23º do CIRC impõe, pelo facto de faltar a necessária afectação dos custos em consideração ao interesse empresarial e à actividade produtiva próprios da 1ª Requerente;

f)       não existe qualquer evidência de que a avaliação que determinou o preço praticado (€29.862.000,00) na venda do Laboratório A... pela Requerente à G..., fosse “optimista” face à conjuntura macroeconómica adversa;

g)      nem no contrato inicial, nem na adenda a este se encontra prevista qualquer compensação para a 2ª Requerente como contrapartida pelo não recebimento do preço nas datas acordadas, nem qualquer penalização para a eventualidade de incumprimento contratual;

h)      porque se conclui pelo não cumprimento do Princípio da Plena Concorrência, foram efectuados os ajustamentos necessários à luz do regime dos Preços de Transferência;

i)        ao invés do alegado pela 2ª Requerente, não estamos perante um caso de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, ao contrário do que pressupõe o nº 2 do artigo 45º da LGT;

j)        na medida em que a correcção do Lucro Tributável referente ao ano de 2010, ou seja, o seu apuramento na ausência de relações especiais, não foi, nem poderia ter sido determinada com base numa mera análise de uma declaração do sujeito passivo, só com análises complementares e exteriores à declaração é que foi possível concluir pela necessidade de corrigir o lucro tributável declarado, em conformidade com o regime dos preços de transferência. Assim sendo, não se pode considerar que a AT estava face a uma situação em que pudesse mediante uma simples leitura ou análise sumária da declaração apresentada aperceber-se da incorrecção da mesma, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação a considerar é o prazo normal de 4 anos, conforme estabelecido no nº 1 do artigo 45º da LGT;

k)      tendo, a sociedade dominante do Grupo A..., sido notificada da liquidação ora impugnada no dia 10/12/2014 e tendo a acção de inspecção decorreu entre os dias 30-09-2013 e 03-01-2014, conforme consta de página 5 do RIT Grupo, à data da notificação da liquidação, 10/12/2014, ainda não se tinha verificado a caducidade do direito à liquidação;

l)        à data da realização da operação vinculada já referida, a 2ª Requerente é detida, indirectamente, numa percentagem de 100% do seu capital social, num primeiro nível pela G... e, posteriormente, pela F..., pelo que todas estas entidades se encontram em situação de relações especiais, nos termos estabelecidos na alínea a) do nº4 do artigo 63º do CIRC, pelo que as operações comerciais entre elas realizadas deveriam  as mesmas contratar, aceitar e praticar termos e condições substancialmente idênticos aos que seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes, em circunstâncias comparáveis, em obediência ao Princípio da Plena Concorrência vertido no nº1 do artigo 63º do CIRC;

m)    os diferimentos do pagamento do preço estipulado e a não exigência de pagamento dos respectivos juros, para a venda do Laboratório A... consubstanciaram financiamentos gratuitos das sociedades relacionadas com a 2ª Requerente: a G... e a F... SA., sendo que, de acordo com as orientações da OCDE, o princípio geral que convém acolher é o de que o financiamento deverá suportar juros desde que os tivesse suportado em circunstâncias análogas entre partes independentes;

n)      a remuneração dos financiamentos intra grupo fazem parte da própria política do Grupo F..., destacando-se um contrato de mútuo celebrado entre a 2ª Requerente e a F... SA, mediante o qual era concedido um financiamento no montante de €1.487.500,00, com uma taxa equivalente à EURIBOR a 3 meses, acrescida de um spread de 2%, bem como um contrato de mútuo celebrado entre a F... SA e o Laboratório A..., concedendo-se um financiamento no montante de €324.276,42, com as mesma condições atrás mencionadas, e, ainda, 3 contratos celebrados entre a G... e o Laboratório A...

o)      não restam dúvidas que a operação vinculada integra uma forma de financiamento gratuito efectuado por uma sociedade residente a uma sua relacionada não residente;

p)      os Serviços de Inspecção tiveram por referência a operação vinculada tal como concebida pela 2ª Requerente, ou seja, como um contrato de compra e venda de participações sócias, nunca tendo, os Serviços de Inspecção, alterado a forma jurídica do contrato de compra e venda de participações sociais, pelo que, ao contrário do alegado pela 2ª Requerente, não há lugar a aplicação da norma anti-abuso;

q)      face à análise efectuada da operação relativa à venda do Laboratório A..., conclui-se que os termos e condições praticados naquela operação vinculada não são substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, desrespeitando, assim, o Princípio de Plena Concorrência, pelo que, nos termos previstos no nº 8 do artigo 63º do CIRC, a 2ª Requerente deveria ter efectuado as respectivas correcções ao lucro tributável nos montantes correspondentes aos efeitos fiscais imputáveis a esse facto;

r)       estabelecendo-se no artigo 43º nº 1 da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios por não haver erro imputável aos serviços gerador de qualquer obrigação de indemnizar. Encontra-se, portanto, afastada a possibilidade de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 e nº 2 do artigo 43º da LGT;

s)       prevendo-se, no artigo 43.º da LGT, apenas prevê o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que, também, não existe no presente caso, qualquer direito a juros de mora.

 

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II- SANEAMENTO

 

11.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

12.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

13.  O Tribunal é competente.

14.  O processo não enferma de nulidades.

15.  Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que impeçam a apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

***

 

III. MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

16.  Com relevo para a apreciação e decisão da causa, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

a)       a A... é uma sociedade anónima integrada no Grupo F... desde dezembro de 2005, grupo empresarial com elevado grau de implantação no mercado europeu das análises clínicas;

b)       a primeira Requerente encontra-se colectada para o exercício da actividade de ‘Laboratórios de Análises Clínicas’, tendo por objecto a prestação de serviços na área da patologia clínica (análises clínicas), na esfera exclusivamente livre e na convencionada e iniciou a sua actividade em 06-01-1978, tendo estado enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável;

c)        em momento anterior a dezembro de 2005, as participações sociais da A ... eram diretamente detidas em 85% pela sociedade B... e em 15% pela Família ...;

d)        em dezembro de 2005, o Grupo F... entrou no mercado português através da aquisição das participações sociais da B... ao Dr..., sendo que à data existia a seguinte estrutura:

i.    A F..., S.A. detinha 100% das participações sociais na sociedade de direito holandês “G...” (“G”);

ii.   A G...detinha 100% das participações sociais da B...;

iii.  A B... detinha 85% das participações sociais da A... e 85% das participações sociais da sociedade I..., S.A. (“I...”);

e)       o Grupo F...está presente em Portugal desde finais de 2005, ano em que iniciou, com a aquisição da 1ª Requerente, um forte e sustentado investimento através de sucessivas aquisições de sociedades detentoras de laboratórios de análises clínicas, quer através da  F...S.A., quer da sua subsidiária de direito holandês G... .

f)        a partir de finais de 2005, a 1ª Requerente passou a integrar o Grupo F..., tendo vindo a adquirir diversos laboratórios de análises clínicas na região Norte e, em 2011, uma clínica de cardiologia.

g)       em finais de 2007, o Grupo levou a cabo uma reestruturação que se iniciou com a constituição da C... detida a 100% pela E...;

h)       em momento posterior, a E...vendeu à C...todas as participações sociais que detinha em Portugal (de entre as quais se encontravam as participações sociais na B...), no valor global de € 52.409.640,00, a saber:

-100% da B...SGPS (que detinha 85% da 1ª Requerente e 85% da I...);

-100% do Laboratório de Patologia Clínica J..., S.A.; - 100% da K..., S.A.;

- 100% da Clínica Laboratorial L... Lda.;

- 100% da M..., S.A.;

- 100% da N..., S.A.;

- 85% do Laboratório de O..., S.A..

i)          em Julho de 2008, a B... adquiriu à Família ... pelo valor global de € 5.600.000,00, 15% das participações sociais na MLCT e 15% das participações sociais na I...passando, assim, a deter a totalidade das participações sociais das duas sociedades;

j)        o Grupo F...financiou-se junto do ... para satisfazer as necessidades de várias participadas, incluindo a C... S.A., sendo que o financiamento obtido por esta incluía:

- o montante necessário à liquidação da quase totalidade do valor em dívida à G... pela aquisição das supra mencionadas participações sociais, de que só restaria em dívida €15.294,04;

- um empréstimo adicional no valor de € 5.600.000,00.

k)       este montante adicional de €5.600.000,00 foi, de imediato, canalizado pela C... para a participada B... SGPS, a título de prestações acessórias, tendo sido utilizado pela B...SGPS para adquirir, pelo mesmo valor, os 15% do capital da 1ª Requerente e 15% do capital da I... que ainda se encontravam na posse dos anteriores accionistas, a “Família...”.

l)         a 5 de dezembro de 2008, a B... celebrou um contrato de compra e venda (“Contrato”) com a Sociedade G..., residente na Holanda (“G...”), através do qual vendeu a totalidade das participações sociais detidas na A... pelo valor de € 29.862.000,00;

m)     de acordo com os termos estabelecidos no Contrato, o pagamento do preço deveria ser efetuado nos seguintes termos: (i) € 20.500.000,00 seriam pagos até ao final de 2009 e (ii) € 9.362.000,00 seriam pagos até ao final de 2010;

n)       os termos e condições do Contrato foram fixados já num contexto de crise, onde se destaca a falência do H...;

o)       a B... beneficiou do regime fiscal das SGPS;

p)       das operações de entidades do Grupo (residentes em Portugal), no período em causa, resulta que, em múltiplas circunstâncias, o Grupo abdicou de receber juros de mora ou a totalidade das dívidas de que era credor por, no contexto económico em causa, ser a decisão de mercado mais racional e eficiente;

q)        o capital social da A... foi aumentado para € 200.000,00 através de uma entrada em espécie correspondente à totalidade do capital social da C...;

r)        a 29 de dezembro de 2008, a A... fundiu-se com a C... através da incorporação da C... na A..., operação que foi efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto no Código do IRC;

s)        como consequência das operações supra descritas, a 1ª Requerente passou a ser titular da totalidade das participações sociais detidas pela C... S.A, bem como a integrar as responsabilidades decorrentes dos financiamentos utilizados para a aquisição daquelas participações sociais e, assim, a ver os seus resultados afectados, designadamente, pelos encargos relativos ao serviço da dívida;

a)       a C..., no momento anterior à fusão, suportava encargos financeiros relativos a um financiamento;

i) a aquisição, em 20 de Dezembro de 2007, pela C...S.A. à G..., detentora da totalidade do seu capital, das seguintes participações financeiras, num total de € 52.409.640,00, operação que foi financiada, inicialmente, pela G...:

 

% de Participação

Entidade Participada

Valor

100%

B...

€ 26.196.512,24

85%

LABORATÓRIO A...(1ª Requerente)

€ 24.994.022,92

85%

I...

€ 1.202.489,32

100%

Laboratório J..., S.A.

€12.817.691,10

100%

K...S.A.

€3.161.697,14

100%

L... Lda.

€2.155.271,02

100%

M... S.A.

€655.126,43

100%

N...S.A.

€4.688.901,30

85%

N..., S.A.

€2.734.440,77

Total

€ 52.409.640,00

 

ii) a aquisição, em 21 de Julho de 2008, pela B...SGPS, participada da C...S.A., de 15% de capital social da 1ª Requerente e de 15% do capital social da I...(que ainda estavam na posse dos accionistas ‘Família...’) pelos valores de € 5.546.000,00 e € 54.000,00, respectivamente, no valor total de €5.600.00,00, operação que foi financiada, inicialmente, pela G...;

b)       os financiamentos e os respectivos encargos encontram-se relacionados com:

Os encargos financeiros relativos à aquisição do Laboratório A..., contabilizados no exercício de 2010 ascendem a €1.260.956,15 e correspondem a:

 

 

Participações sociais

 

Encargos financeiros relativos à aquisição das participações da G... pela C... S.A., pelo montante de € 52.409.640

 

Encargos financeiros relativos à aquisição dos 15% do capital do LABORATÓRIO A...e da I... pela B... SGPS (participada da C... S.A.), pelo montante de €5.6000.000

 

 

Total

B...

€ 1.124.956,56

€ 189.465,06

€1.314.421,62

I...

€ 51.638,49

€ 1.826,98

€53.465,47

LABORATÓRIO A...

€1.073.318,07

€187.638,08

€1.260.956,15

 

c)       a partir do exercício de 2010, inclusive, a 1ª Requerente passou a ser tributada em IRC ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);

d)       a A... foi alvo de uma inspeção tributária levada a cabo pela Direcção de Finanças do Porto”), entre 13 de setembro de 2012 e 12 de setembro de 2013, credenciada pela Ordem de Serviço OI2012..., dirigida, inicialmente, ao IRC dos exercícios de 2009 e 2010 e, posteriormente, alargada ao exercício de 2011;

e)       a Direcção de Finanças do Porto procedeu à aplicação do método do preço comparável de mercado tendo identificado como operação comparável contratos de financiamento celebrados entre entidades do Grupo e um sindicato bancário composto por diversos bancos internacionais;

f)        a referida operação comparável apresentava uma taxa de juro indexada à taxa Euribor a 3 meses até abril de 2010 e, posteriormente, à taxa Euribor a 1 mês e um spread médio ponderado no valor de 2,977%;;

g)       por aplicação das condições de financiamento de entidades do Grupo junto de um sindicato de bancos internacionais à operação de compra e venda em crise, a Direcção de Finanças do Porto procedeu, ao abrigo do artigo 63.º do Código do IRC, à correção da matéria coletável da B..., relativa ao exercício de 2010, no valor de € 1.089.770,57;

h)       na sequência da Inspeção Tributária, a sociedade D... foi notificada do respectivo relatório, no qual se procedeu a correções ao seu lucro tributável de 2010, no valor de € 1.260.956,15;

i)         a B... cumpriu com todas as suas obrigações declarativas e todos os seus deveres de cooperação com a ATA, evidenciando na sua documentação a operação em causa, não criando qualquer tipo de constrangimento à investigação levada a cabo pela Direcção de Finanças do Porto.

j)         na sequencia da inspecção (realizada entre 30 de Setembro de 2013 e 3 de Janeiro de 2014) foi emitido o Relatório de Inspecção Tributária relativo ao Grupo Fiscal F...;

k)       o RIT Grupo, tem origem em ajustes ao lucro tributável das seguintes sociedades componentes do Grupo Fiscal F...:

-A..., S.A. (“A...”), resultante do Relatório de Inspeção Tributária emitido na sequência da ação inspetiva credenciada pelo Ordem de Serviço n.º OI2012... (“RITA...”);

- B..., SGPS, S.A. (“B...”), resultante do Relatório de Inspeção Tributária emitido na sequência da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2012... (“RIT B...”);

l)         a acção inspetiva decorreu entre os dias 13 de setembro de 2012 e 12 de setembro de 2013, tendo sido ampliado o prazo do procedimento inspetivo por dois períodos adicionais de três meses;

m)     a elaboração da liquidação ocorreu a 3 de dezembro de 2014;

n)       a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRC em causa, no valor de € 461.772,07.

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

31. Não há factos não provados que tenham interesse para a decisão da causa.

*

 

§3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

32.A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.

 

*

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

São as seguintes as questões a apreciar:

A) A eventual ilegalidade da correcção ao lucro tributável da A...

B) A eventual ilegalidade da correcção ao lucro tributável da B...

C) O direito a juros indemnizatórios.

Analisemos assim estas questões:

 

A) DA ILEGALIDADE DA CORRECÇÃO AO LUCRO TRIBUTÁVEL DA A...

 

1. O artigo 23.º, nº1, c) do CIRC, na redacção vigente à data dos factos estabelece o seguinte:

"1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso”.

Resulta deste preceito que para os encargos financeiros sejam considerados como custos, basta que sejam em abstracto idóneos para assegurar a realização de rendimentos ou para assegurar a manutenção da sua fonte produtora. Nada impede por isso que os encargos relativos à aquisição de participações sociais previamente a uma fusão sejam considerados dedutíveis.

 

2. Efectivamente, e como refere o Acórdão do CAAD nº 29/2012:

 

“O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [arts. 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional, como, por exemplo, os interesses ecológicos ou os direitos dos trabalhadores. Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.

A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2003, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram”.

 

3. Afirma ainda o mesmo acórdão: “A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito”.

 

4. Também refere o Acórdão do CAAD nº 101/2013, onde se decidiu um caso semelhante: “Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos. Uma conclusão no sentido da dispensabilidade das despesas para a obtenção do lucro tributável terá de assentar numa demonstração de que mesmo que não tivessem sido efectuadas as despesas em causa poderiam ser obtidos os proveitos ou ganhos que foram efectivamente obtidos. O que significa que só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente".

 

5. Refere ainda o mesmo acórdão: "Assim, não é necessário para atribuir relevância fiscal aos encargos financeiros, demonstrar que eles produziram efectivamente um resultado positivo. Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento.

Nesta matéria, o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, rejeitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora”.

 

6. Sendo que o Acórdão ora citado se reporta à mesma situação das mesmas Requerentes, só que relativamente ao exercício de 2008.

 

7. De acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 73.º do Código do IRC, na redacção aplicável à data dos factos, considera-se fusão “a operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do ativo e o passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social”.

 

8. Já o art. 97º do Código das Sociedades Comerciais não define a fusão de sociedades, limitando-se a referir no seu nº1 que "Duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só". No entanto, o nº4 dessa disposição ao enumerar as modalidades possíveis de fusão, contribui para o esclarecimento do significado jurídico deste instituto.

De acordo com esta norma, "a fusão pode realizar-se:

a) Mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas desta;

b) Mediante a constituição de uma nova sociedade, para a qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas, sendo aos sócios destas atribuídas partes, acções ou quotas da nova sociedade".

 

9. Conforme refere RAÚL VENTURA, "a essência da fusão de sociedades consiste em juntar os elementos pessoais e patrimoniais de duas ou mais sociedades preexistentes, de tal modo que passe a existir uma só sociedade. Para que tal fenómeno se produza é, por natureza, indispensável que algumas sociedades se extingam: ou todas, se do processo resultar uma nova sociedade, ou todas as participantes menos uma. Indispensável é também que as pessoas que formavam o substracto pessoal das sociedades participantes formem o substracto pessoal da sociedade final (quer nova, quer preexistente mas alargada), o que significa que terão de ser titulares de participações nessas sociedades. Finalmente, os patrimónios das sociedades que se extinguem deverão, ou só elas ou juntamente com o património da sociedade que não se extingue, formar o substracto patrimonial da sociedade final" .

 

10. Na fusão de sociedades ocorre assim uma transmissão de patrimónios a título universal. O art. 112º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais refere expressamente que na fusão se transmitem os direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade, esclarecendo o art. 97º, nº 4, C.S.C. existir na fusão uma transferência global de património.

Verifica-se assim uma continuidade patrimonial, pelo que não se vê razão para rejeitar a dedução fiscal dos encargos suportados pela sociedade C..., por esta ter sido incorporada na sociedade A... .

 

11. Seria também contrário ao princípio da neutralidade fiscal previsto na Directiva Diretiva 2009/133/CE de 19 de outubro de 2009, que está também expresso no artigo 74º do CIRS permitir que a Administração Tributária desconsidere gastos fiscais, após a fusão das sociedades, uma vez que obteria por outra via a tributação que se pretende evitar com este regime.

 

12. Conclui-se assim pela ilegalidade da correcção ao lucro tributável efectuada pela AT, e consequentemente pela ilegalidade da liquidação nesta sede.

 

 

B) DA ILEGALIDADE DA CORRECÇÃO AO LUCRO TRIBUTÁVEL DA B...

 

13. Analisemos agora a eventual ilegalidade da correcção ao lucro tributável e da eventual ilegalidade da liquidação, também nesta sede. Neste âmbito a primeira questão a examinar é o da tempestividade da liquidação do imposto.

 

14. Sustenta a Requerente, que, de acordo com o artigo 45º, nº 2, da Lei Geral Tributária estaria ultrapassado o prazo de liquidação, uma vez que, no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

 

12. Todavia, não estamos perante uma situação que implique uma simples análise sumária da situação, mas que decorreu de acção inspectiva.

 

13. Pelo que não se pode entender pela existência de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.

 

14. Sendo o prazo de caducidade de 4 anos, nos termos do artigo 45º, nº 1 da LGT, pelo que não se verificou ainda a caducidade do direito à liquidação.

 

15. Sustenta a AT para efectuar a correcção à liquidação a existência de relações especiais, que implicaram que o custo do financiamento não corresponda ao que teria sido obtido entre empresas independentes.

 

15. Efectivamente, refere o nº 1 do artigo 63º do CIRS, que “nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

 

16. Refere ainda o nº 4 do mesmo artigo: “Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;

2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;

5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças”.

 

17. Não está, todavia, em causa, neste contrato de compra e venda, um financiamento autónomo, sendo apenas um contrato de compra e venda, ou seja, determina a constituição de duas obrigações: a obrigação de entregar a coisa (artigo 879º b) do Código Civil) e a obrigação de entregar o preço (artigo 879º c) do Código Civil).

 

18. As condições específicas do diferimento do pagamento do preço são passíveis de ser aplicadas em qualquer outro contrato de compra e venda e não derivam apenas da relação especial entre estas sociedades, pelo que não se entende existir qualquer violação do princípio de plena concorrência.

 

19. Refere a este respeito o Acórdão do CAAD nº 101/2014: “ (...) certo que, no domínio do contrato de compra e venda, há uma série de operações e inerentes obrigações, sendo possível identificar concretamente os diferimentos relativos ao pagamento do preço. Contudo, estes são parte integrante de um contrato que, como é reconhecido pelas partes, é um só e comporta todas essas dimensões (…). Não é possível, por conseguinte, fragmentar o contrato de compra e venda para fazer uma aplicação dos preços de transferência a um dos elementos que o compõem. (…) Não obstante haver cláusulas do contrato e aditamentos ao mesmo que se traduzem num diferimento do pagamento e têm, consequentemente, os efeitos de um contrato de mútuo, essas cláusulas estão integradas no contrato entendido no seu todo, não podendo ser abstraídas do mesmo para ganhar vida autónoma. Restaria, por conseguinte, uma única via para abstrair do negócio um eventual financiamento − a da desconsideração do negócio celebrado e a requalificação do mesmo. Ora, uma actuação deste tipo, apesar de não ser impossível, seria sempre excepcional. Tanto no plano geral como no estrito contexto do direito nacional".

 

20. Sendo que, em todo o caso, uma requalificação do negócio celebrado não poderia existir apenas à luz do artigo 63º do CIRC.

 

21. Pois, como refere ainda o mesmo Acórdão: “A desconsideração da operação realizada é igualmente algo de excecional e que pressupõe a aplicação de um procedimento próprio. No caso concreto, não foi posta em causa a efectividade do contrato ou sugerido que aquele tivesse em vista a redução de imposto de forma artificiosa, fraudulenta e com abuso, ocultando um contrato de financiamento, única operação que seria realmente pretendida pelas partes (…). Ora, não tendo sido iniciado o único procedimento que permitiria uma requalificação da operação financeira praticada em termos fiscais, o que só seria possível com o enquadramento no art. 63.º do CPPT e art. 38.º, n.º 2, da LGT (normal geral antiabuso), não há margem para o fazer, aplicando, sem mais, o artigo 63.º do CIRC a uma operação que com ele não quadra”.

 

22.Refere ainda a este respeito, o Acórdão do CAAD nº 76/2012: “Na aplicação da norma sobre preços de transferência, a Administração Tributária tem de atender à operação realmente praticada, à «forma jurídica» utilizada pelo contribuinte na sua operação comercial ou financeira, podendo alterar, para efeitos fiscais, os seus termos ou condições quando os considere diferentes dos que seriam contratados aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. São essas operações efectivamente realizadas que se ficciona, para efeitos fiscais, terem-no sido noutros termos ou condições. Diferentes destas situações e fora do regime dos preços de transferência ficam as situações em que a Administração Tributária conclui que, em vez das operações comerciais ou financeiras realmente efectuadas, pessoas independentes realizariam outras operações, de tipos diferentes, com outras «formas jurídicas». Nestes casos, os requisitos para deixar de considerar eficazes, para efeitos fiscais, as operações efectivamente realizadas não são os previstos no [anterior] art. 58.º do CIRC, mas sim os previstos no art. 38.º, n.º 2 da LGT e no art. 63.º do CPPT”.

 

23. Ora, a Administração Tributária apenas demonstrou a existência de relações especiais entre as sociedades, nos termos do artigo 63º do CIRC

 

24. Não tendo demonstrado que estas celebraram um contrato por valor claramente inferior, aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, violando assim o princípio da plena concorrência.

 

25. Em face de todo o exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014..., relativa ao exercício de 2010.

 

 

C) DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

26. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

 

27. Decorre do número 1 desse artigo que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

 

28. Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.

 

29. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

 

30. Tratando-se de uma correcção ao lucro tributável é manifesta a existência desse erro.

 

31. Estamos, efectivamente, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

 

31. Tendo em conta o estabelecido no artigo 61.º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º/1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 461.772,07, que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

*

 

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedentes os pedidos de:

a) anulação da liquidação de IRC n.º 2014..., relativa ao exercício de 2010 e de

b) condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 461.772,07, euros, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso do mencionado montante.

 

*

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 461.772,07 (valor indicado e não contestado), nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e no art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

*

 

VI. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 7344, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 15 de Janeiro de 2016.

 

Os Árbitros

 

 

 Fernanda Maçãs

 

(Presidente)

 

 

Luis Menezes Leitão

 

 

Álvaro José da Silva