Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 362/2015-T
Data da decisão: 2016-01-18  IRC  
Valor do pedido: € 28.676,06
Tema: IRC - Reintegrações
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Decisão Arbitral

                                                             

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Agosto de 2015, decide o seguinte.

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 04 de Junho de 2015 a contribuinte A..., S.A., NIF..., com sede nas..., ... ..., nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requereu a constituição de Tribunal Arbitral com designação de árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 16 de Junho de 2015.

3.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.      A AT apresentou a sua resposta em 28 de Setembro de 2015.

5.      Tendo em conta as posições assumidas nos articulados, e uma vez que a questão a dirimir é essencialmente de direito, não se antevendo qualquer utilidade na inquirição das testemunhas indicadas pela requerente, nem na realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, por despacho de 06.11.2015, foi dispensada a inquirição das testemunhas, bem como, a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

6.      Nenhuma das partes apresentou alegações de direito.

7.      Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação de IRC e juros compensatórios de 2010, no montante de €28.676,06 (n.º2015... e compensação n.º 2015...).

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.      A Requerente é uma pessoa coletiva de direito privado, residente em território nacional, inscrita na atividade de “Produção de Vinhos...” a que corresponde o CAE...: produz e comercializa, em concreto, a conhecida marca de espumantes, designada por “...”

2.      O pedido de pronúncia arbitral incide sobre a liquidação de IRC e juros compensatórios no montante de €28.676,06 (n.º2015... e compensação n.º 2015...).

3.      A liquidação decorre de correções efetuadas ao rendimento tributável da requerente, no âmbito de um procedimento de inspeção (ordem de serviço n.º OI2014...).

4.      Em 2010, a requerente realizou um conjunto de obras de conservação e manutenção no edifício e logradouro.

5.      Tais obras foram contabilizadas pela contribuinte como despesas de manutenção e reparação das instalações, sendo imputadas integralmente como gastos do exercício, inscritas na Conta SNC 622613 – FSE – Serviços especializados – Conservação e reparação de Edifícios.

6.      A AT fez as seguintes correções:

 

7.      A AT entende que as obras efetuadas não devem ser tratadas como custo total do exercício, mas como despesas de investimento, amortizáveis à taxa de 10% ao ano.

8.      Sendo apenas essa quantia (de 10%) dedutível ao IRC de 2010, nos termos da tabela anexa ao Dec. Regulamentar 2/90 – e o remanescente do valor das obras deve ser dedutível nos 9 anos consecutivos, à taxa de 10% ao ano.

9.      A AT advoga que não se estaria perante reparações, mas na aquisição de serviços associados a bens do ativo tangível (Instalações e sala de visitas), sendo as mesmas edificações ligeiras; as obras não seriam reparações, mas “requalificações”, como despesas de investimento, destinadas a ampliar e remodelar as instalações.

10.  Mais alega a AT que os trabalhos não se consomem nem se esgotam num só exercício; implicam uma licença; a sua utilização na atividade durará por vários anos, o valor das obras implica que a sua utilização se prolongue por vários anos, gerando benefícios económicos futuros; houve outros gastos na sala de visitas que a requerente reconheceu como ativos tangíveis.

11.  E remata a AT: as obras seriam ativos tangíveis nos termos da NCRF 7, porque usados na produção e durante mais do que um exercício (originam benefícios económicos futuros).

12.  Esta obra que consta da fatura n.º 402, no valor de €4.798,00, traduz a reparação e pintura da sala de apoio à sala de provas (em mau estado de conservação) fruto da enorme humidade do local.

13.  A pintura estava degradada; o reboco caiu e houve necessidade de o repor, executando, posteriormente, a pintura.

14.  Estas reparações serviram apenas para repor o valor das paredes em questão, em nada acrescentando ao valor daquelas e, muito menos, ao processo produtivo da requerente.

15.  As obras que constam das faturas n.º406, n.º387 e n.º470 tratam-se, neste caso, de arranjos realizados nas paredes exteriores do edifício da requerente (50.000,00€ + 50.000,00€ + 15.200,00 €).

16.  Em concreto, em 2010 foi reposto o reboco das paredes exteriores (na parte em mau estado de conservação) e procedeu-se, depois, à respetiva pintura.

17.  Tais reparações serviram apenas para repor o valor das paredes em questão, em nada acrescentando ao valor daquelas e, muito menos, ao processo produtivo da Requerente.

18.  Quanto à obra que consta da fatura n.º401, o jardim da requerente contíguo às instalações, possui um tanque antigo, típico desta zona: por aí passam os clientes e visitantes da empresa.

19.  Numa opção puramente estética, decidiu-se recuperar este tanque, para o envolver num elemento decorativo do jardim – numa medida de cativar e fidelizar os clientes as instalações da requerente (e passam pela sala de visitas).

20.  Assim as reparações que incidiram sobre o tanque tiveram como objetivo o melhoramento da imagem da empresa, tornando o aspeto daquele mais aprazível a quem ali vem.

21.  Decorreram também (na parte do gradeamento) de imposição de autoridades públicas por razões legais de segurança em face das inúmeras visitas às instalações da Requerente.

22.  No que diz respeito à obra que consta da fatura n.º 411, houve necessidade emergente de consertar as telhas partidas e impedir que a chuva entrasse nas instalações (no valor de 42.500,00€).

23.  As reparações executadas foram parciais, incidentes apenas sobre uma parte do telhado que se encontrava danificado

24.  Tudo se resume, pois, a saber se estas obras se reconduzem a gastos (sendo o custo registado a 100% no exercício), como advoga o contribuinte ou a ativos tangíveis, sendo o custo repartido, via amortização, por 10 anos, à taxa anual de 10% ao ano (como pugna a AT).

25.  As obras em edifício – e é disto que se trata em todos os casos deste processo – podem ter três qualificações:

a)      As obras de “conservação e reparação” são um custo total do exercício (art.º 23.º, nº 2, al. a) do CIRC).

b)      As obras de “grande reparação e beneficiação” são um ativo tangível amortizado pelo período de utilização esperada (art.5º do Dec. Reg. 2/90);

c)      As obras de ampliação ou novas construções em edifícios (que seguem o regime das obras novas) são um ativo tangível amortizável pelo período definido pela Tabela anexa ao Dec. Reg 25/2009 para os novos investimentos (Em prazos mais longos do que as grandes reparações).

26.  Com isto, salta à vista a primeira ilegalidade da liquidação (que a contamina de forma absoluta): a AT diz que as obras em causa são de ampliação ou novas construções, da categoria referidas na alínea c) do ponto anterior – mas isso é rotundamente falso.

27.  Trata-se com efeito, de meras obras de conservação e restauro – as quais abrangem as obras ainda menos profundas do que as grandes reparações e beneficiação

28.  Não houve manifestamente qualquer ampliação dos edifícios (ou novas construções): não se fez uma nova instalação da sala de provas ou de visitas; não se fez uma nova edificação (com a sua pintura e telhado novo).

29.  As obras em causa não se reconduzem igualmente ao epíteto de grandes reparações ou beneficiações – e ainda que se reconduzissem, o ato é ilegal, por violação de lei e de fundamentação, porque não foi esse o fundamento e itinerário da liquidação, não sendo o ato aproveitável, pois o prazo e o valor anual das amortizações é substancialmente diverso num e noutro caso.

30.  As obras em causa são normais de conservação, manutenção e reparação, assumidas como um custo total do exercício, como efetuada pela requerente.

31.  A prova não se basta com a argumentação conclusiva e sintética que não desça à natureza real e efetiva das obras, sendo que o valor das obras (elevado) é manifestamente insuficiente para a qualificação como grande reparação (ou nova edificação e ampliação).

32.  Ora a fundamentação limitou-se a meras alegações genéricas e conclusivas, sem atender ao tipo e natureza das obras em causa: diz que aumentam o valor dos bens, mas não prova; refere o seu elevado valor, mas esse dado não é elemento decisivo; advoga a sua durabilidade no tempo, mas as obras de conservação e restauro também duram por vários anos (desejavelmente).

33.  Caso assim não se entenda (ou seja caso as mesmas sejam qualificadas como grandes reparações ou como ampliações ou novas edificações), a verdade é que o ato tributário limita-se a mera questão de especificação de exercícios:

a)      Imputação, em 2010, de uma quota-parte do custo, via amortização fiscalmente dedutível (o que foi feito pelo ato tributário)

b)      Aceitação fiscal do remanescente do custo, via amortização pelos anos seguintes (9 anos seguintes).

34.  A requerente como “acelerou” a utilização fiscal do custo – não amortizando nos exercícios seguintes: em 2010 paga menos impostos e pagará mais nos anos seguintes – e, em termos consolidados, pagar-se-á o mesmo imposto.

35.  Trata-se apenas de uma mera questão de especialização de exercício, pois em ambos os casos, o valor do imposto pago ao longo prazo é exatamente igual.

36.  Como se viu, a Requerente atuou com base numa interpretação (legal) congruente e plausível da lei fiscal, relativamente à imputação da totalidade dos gastos fiscais ao exercício de 2010: advoga, por motivos atendíveis que as obras seriam um custo total do exercício.

37.  Aceita-se a inscrição de um gasto fiscal num exercício diverso do que lhe diga respeito, se tal incorreção se sustentar numa interpretação plausível e congruente da lei fiscal, sem intuito evasivo (boa fé do contribuinte perante leituras abertas da lei), pois não se tenciona evitar o pagamento de impostos – que será todo pago nos exercícios ulteriores (é por isso uma mera discussão de imputação temporal dos gastos fiscais).

38.  A requerente atuou como atuou, com base em interpretações lógicas e congruentes da lei fiscal, não tencionando elidir qualquer imposto.

39.  Ora, se caso a Requerente tiver errado (o que não se consente) a verdade é que o seu comportamento deve ser intocável – e o ato tributável anulado – porque se tratou de uma violação formal da especialização dos exercícios, sem qualquer intuito fraudatório e de elisão de imposto, sustentado em interpretações lógicas e plausíveis da lei fiscal.

40.  E esta mesma argumentação (ausência de culpa do requerente por interpretação e aplicação plausível da lei fiscal) deve também determinar a anulação de juros compensatórios, por falta de um comportamento culposo do contribuinte, ainda que não se proceda à anulação da liquidação de imposto (em hipótese aventada à cautela e por mero dever de patrocínio).

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. As obras realizadas sobre os bens imóveis, edifício e áreas envolventes, ultrapassam a mera conservação e reparação ordinária, respeitando a benfeitorias que melhoraram e valorizaram o imóvel assim como as partes envolventes.
  2. As obras em questão dos presentes autos, na sua essência não configuram meras reparações, são melhorias e acrescentos que se traduziram em requalificações cujos efeitos se prolongam no tempo, por conseguinte, constituíram despesas de investimento e como tal devem ser capitalizadas e não consideradas como gastos correntes do exercício.
  3. Os benefícios económicos das obras aqui em apreço irão, necessariamente, projetar-se em mais do que um exercício, justificando, por isso, que os valores despendidos sejam repartidos pelo período de utilidade esperada, através do processo da amortização.
  4. Como é do conhecimento comum a substituição de um telhado num estabelecimento decadente, por um telhado novo é, em si mesmo, uma obra de beneficiação de um edifício, que lhe aumenta o valor e cuja utilidade se prolongará por mais de um exercício.
  5. Assim como qualquer ativo tangível em bom estado vale mais do que outro deteriorado.
  6. Cabendo à administração tributária fazer a integração de “grandes reparações ou beneficiações” demonstrando que, em cada caso, as obras realizadas contribuíram para aumentar o valor ou a duração provável dos bens sobre os quais incidiram, tal foi feito, como se retira do relatório da inspeção tributária.
  7. Ora, o que a IT conclui do exame que levou a cabo às faturas que suportam as despesas realizadas pela Autora e que coincide com o descrito no quadro apresentado no ponto 24 da p.i., é que as obras em causa não são qualificáveis como mera manutenção ou conservação ordinária dos bens a que respeitam, porquanto:

a)      Se traduziram em requalificações destinadas a ampliar e remodelar as instalações;

b)      Implicaram a obtenção de licença para a sua concretização; e

c)      Pela sua natureza, a sua utilidade esperada não se esgota num único exercício.

  1. O impacto das obras de beneficiação ou de melhoria realizadas se traduziu num aumento do valor dos bens a que respeitaram, desde logo porque exigiram a incorporação de materiais novos, quer por substituição de outros que se encontravam, deteriorados, quer por acrescentamento.
  2. De igual modo, a substituição do telhado, a recuperação do tanque antigo, e a requalificação das salas de visita, não são passíveis de qualificação como obras de “beneficiação” porque houve incorporação de novos elementos que pelo seu carácter de permanência contribuíram para aumentar o valor das instalações e zonas circundantes.
  3. Resulta da IT que houve gastos nas salas de visitas que a Autora reconheceu como ativos tangíveis.
  4. A Autora não logrou contrariar os fundamentos invocados pela AT para sustentar as correções efetuadas, dada por um lado a omissão de prova que é extensível a todos os factos onde alega ter realizado obras anualmente e, por outro a necessidade das mesmas, sendo que tal obrigação cabia à Autora nos termos do art. 74º, n.º1 da LGT e 342º do CC.
  5. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoca.
  6. É inegável que as obras efetuadas pela Autora aumentaram “e muito” o valor dos ativos em causa, já que o valor do investimento ascendeu a €168.571,90 o qual ficou incorporado naqueles ativos.
  7. A própria Autora afirma que fez as obras com o intuito de “melhorar a imagem da empresa perante os clientes”, portanto tratou-se de um investimento tendo em vista o respetivo retorno.
  8. Quanto à relação entre as obras e o processo produtivo da empresa, temos que ter em conta que todos os ativos das empresas visam o sucesso do processo produtivo e venda do vinho produzido.
  9. Portanto, ao melhorar a imagem das salas de prova, das paredes exteriores do seu edifício, tanques antigos, etc., a Autora visava melhorar a sua imagem tendo em vista obter um maior sucesso de vendas junto dos turistas/clientes que visitavam as suas instalações.
  10. Quanto à noção de grandes reparações e beneficiações não existe em nenhum preceito legal, no entanto conjugado o CIRC com o n.º 5 do art. 5º do Decreto Regulamentar 2/90 podemos concluir que as obras que implicam grandes reparações e beneficiações são aquelas que aumentam o valor real ou a duração provável dos elementos a que respeitem realizadas em ativos tangíveis.
  11. Ora, é claramente o que aconteceu no presente caso.
  12. Veja-se, por um lado o montante despendido e por outro lado “ainda não relevante” a valorização dos ativos da Autora com as obras realizadas que, com estas, pretendia conseguir mais vendas “ao deter uma melhor imagem perante os clientes/turistas” e aumentar o valor dos ativos que, compreensivelmente, os valorizam substancialmente.
  13. Como resulta claro do relatório da inspeção, as obras realizadas contribuíram para aumentar o valor real dos ativos e para aumentar a sua provável duração.
  14. Portanto, não se pode considerar nenhumas destas obras como meras reparações, uma vez que, pela sua natureza não se esgotam no exercício de 2010, antes perdurando pelos exercícios seguintes, como ficou sobejamente demonstrado.
  15. Assim sendo, todas as obras efetuadas reúnem as condições para serem consideradas ativos fixos tangíveis atendendo ao referido na norma contabilística e de relatório financeiro 7.
  16. Desta forma, as obras efetuadas reúnem as condições para serem reconhecidas como ativo fixo tangível, devendo a quantia depreciável ser imputada a resultados numa base sistemática durante os anos que integram o período de utilização esperada.
  17. Importa, ainda, referir que a A. reconheceu depreciações relativas a obras de remodelação/ampliação da sala de visitas, não podendo ter tratamento diferente em relação ao mesmo tipo de gastos, ou seja, não podendo analisar individualmente cada fatura, uma vez que estão diretamente relacionadas com o contrato de remodelação/ampliação, e por isso deveriam ter tido o mesmo tratamento contabilístico da parte da Autora.
  18. Em relação à posição da jurisprudência citada no ponto 93º da p.i., sobre violações formais do princípio da especialização do exercício, importa salientar que não se trata, neste caso, de um gasto de um exercício anterior considerado num exercício posterior, mas sim no enquadramento contabilístico e fiscal de custos com obras de beneficiação de ativos fixos tangíveis imputáveis aos resultados de acordo com as regras legais das depreciações e amortizações.
  19. São, igualmente devidos juros compensatórios tendo em conta que a amortização dos custos não foi efetuada nos termos legais devidos o que é imputável à Autora.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão a apreciar é a seguinte:

a)      As obras realizadas reconduzem-se ao conceito de obras de conservação e reparação, no conceito de grandes reparações e beneficiações ou no conceito de edificações ligeiras (código 2005)?

b)      A ato tributário padece de falta de fundamentação?

c)      Tendo a Requerente atuado com base em interpretações lógicas e congruentes da lei, caso tenha errado, a violação da especialização dos exercícios é causa para a anulação ao ato ou para a não exigência de juros compensatórios?

 

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.      A Requerente é uma pessoa coletiva de direito privado, residente em território nacional, inscrita na atividade de “Produção de Vinhos...” a que corresponde o CAE...: produz e comercializa, em concreto, a conhecida marca de espumantes, designada por “...”

2.      O pedido de pronúncia arbitral incide sobre a liquidação de IRC e juros compensatórios no montante de €28.676,06 (n.º2015... e compensação n.º 2015...).

3.      A liquidação decorre de correções efetuadas ao rendimento tributável da requerente, no âmbito de um procedimento de inspeção (ordem de serviço n.º OI2014...).

4.      Em 2010, a requerente realizou um conjunto de obras no edifício e logradouro.

5.      Tais obras foram contabilizadas pela contribuinte como despesas de manutenção e reparação das instalações, sendo imputadas integralmente como gastos do exercício, inscritas na Conta SNC 622613 – FSE – Serviços especializados – Conservação e reparação de Edifícios.

6.      A AT fez as seguintes correções:

 

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 6 são dados como assentes por acordo das partes, pela análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 e 2 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

Matéria de direito

 

O cerne deste litígio consiste na qualificação das obras realizadas pela requerente na sua sede. Nenhuma das partes põe em causa a realização das obras, nem a descrição das mesmas (cfr. fato provado n.º6).

 

Em matéria de imputação temporal de gastos impera a regra de que para a determinação do lucro devem ser deduzidos aos proveitos realizados num exercício os custos necessários para os obter. Assim os gastos suportados relacionados com a obtenção de determinados proveitos devem ser deduzidos no mesmo exercício.

Esta regra está prevista no art. 18º do CIRC (em vigor à data dos fatos - 2010):

1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

Os gastos relativos à reparação e conservação são um gasto total do exercício (art. 23º, n.º1, al. a) do CIRC).

No entanto, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IRC, em vigor à data dos factos “São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.”

O processo de depreciações e amortizações visa cumprir o princípio da periodização (especialização dos exercícios), balanceando os rendimentos e gastos obtidos com a utilização de ativo. Como refere FREITAS PEREIRA, “as amortizações e reintegrações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela vida útil.” [1]

Citando a Dra. Helena Pegado Martins, “as depreciações (termo utilizável para os bens do ativo fixo tangível) e amortizações (termos reservado para os bens do ativo intangível), consubstancia-se na imputação do custo dos elementos do ativo pelo período da respetiva vida útil(…)”[2]

No caso das depreciações elas são consideradas um gasto (art. 23º, n.º1, al g).Contudo, a depreciação faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes (art. 30º, n.º1 do CIRC).

Neste sentido, o n.º 1 do artigo 31.º do CIRC, em vigor à data, determinava que No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação ou amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

 a) Custo de aquisição ou de produção;

b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) Valor de mercado, à data de abertura da escrita, para os bens objecto de avaliação para esse efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou de produção.

Tratando-se de grandes reparações e beneficiações de elementos do ativo as taxas de depreciação são calculadas com base no período de utilidade esperada. (art. 31º, n.º5 do CIRC).

 A regra no regime fiscal das depreciações e amortizações é a fixação administrativa do período de vida útil do ativo através das taxas de amortização definidas na tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º25/2009 de 14.09, aplicável ao caso em apreço uma vez que havia revogado o Decreto-Regulamentar n.º2/90, de 12.01.

O n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar n.º25/2009, de 14 de Setembro, estatui o seguinte: “No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação é determinada aplicando-se aos valores mencionados no n.º 1 do artigo 2.º as taxas de depreciação ou amortização específicas fixadas na tabela i anexa ao presente decreto regulamentar, e que dele faz parte integrante, para os elementos do activo dos correspondentes ramos de actividade ou, quando estas não estejam fixadas, as taxas genéricas mencionadas na tabela ii anexa ao presente decreto regulamentar, e que dele faz parte integrante.”

Contudo, no caso das grandes reparações e beneficiações, por imposição do art. 5º, n.º 2, al. c), não se aplica o definido no art. 5º, n.º1 ambos do Decreto Regulamentar atrás citado, podendo o período de depreciação ser inferior.

O conceito legal de grandes reparações e beneficiações consta do art. 5º, n.º5, al. a), do Decreto-Regulamentar n.º25/2009, de 14 de Setembro:

 

“5 - Para efeitos de depreciação ou amortização, consideram-se:

a) «Grandes reparações e beneficiações» as que aumentem o valor ou a duração provável dos elementos a que respeitem;

(…)”

 

No caso em apreço, a AT entende que as obras realizadas e aqui em apreciação não se tratam de obras reparação e conservação, nem de grandes reparações, mas sim de edificações ligeiras (código 2005) ou utilizando a sua expressão obras de remodelação/ampliação. Estas estão sujeitas a depreciação, tendo um prazo superior ao das grandes reparações.

Aqui chegados, importam em primeiro lugar verificar se as obras realizadas são, ou não, de conservação e reparação e por isso enquadráveis no art. 23º, n.º1, al a) do CIRC. Neste aspeto a doutrina é escassa. Contudo, contribuindo para o esclarecimento desta questão, o Dr. Alberto da Silva Barata[3] nos seus ensinamentos considera que:

“As despesas de conservação- manutenção visam:

“a) Manter os activos corpóreos em condições normais de funcionamento ao longo das suas vidas úteis, de forma a produzirem bens ou prestarem serviços conforme o plano estabelecido aquando da decisão de investimento:

b) Criar condições para que as suas vidas úteis possam ser prolongadas ou, em alternativa, para que, ao substitui-los ou simplesmente aliená-los, se obtenha o melhor valor venal possível.”

 

É importante realçar que o elemento de comparação temporal essencial para aferirmos se estamos, ou não, perante obras de conservação é o estado do bem no início do investimento e no momento em que a obra é efetuada.

Não se pretende com as obras reconstituir o valor do ativo inicial, mas apenas mantê-lo. Tendo este elemento como parâmetro decisório, da descrição das obras apresentadas, constatamos que as obras efetuadas nos edifícios integram os próprios edifícios.

Quanto às faturas 387, 470 (ambas relativas à pintura exterior das instalações) e n.º401 (reparação do telhado), afigura-se-nos que este gasto não se enquadra no conceito edificações ligeiras ou na terminologia do RI de ampliação/remodelação. Com estas obras nada foi edificado, ampliado ou remodelado, no sentido de que existe uma nova construção ou qualquer elemento adicional ou inovador que não existisse antes. A contribuinte com estas obras pretende apenas manter o estado do imóvel, nada acrescentando. A pintura e a reparação das telhas não aumentam o valor do ativo. A degradação da pintura e do telhado desvalorizam o imóvel. A sua manutenção permite apenas que não perca valor, mantendo-o. A pintura do edifício e a reparação do telhado não interfere no aumento da sua durabilidade, contribuindo apenas para a manutenção da durabilidade inicial.

O elevado valor da pintura e da reparação das telhas não é um critério legal que permita qualificar este gasto como sendo, ou não, uma edificação/remodelação/ampliação. O elevado valor pode resultar da dimensão do edifício e não da profundidade das reparações.

Porquanto, estes gastos não devem ser sujeitos a depreciação, sendo de admitir a sua dedução total no exercício de 2010.

No mesmo sentido podemos verificar o acórdão proferido em 19/01/1999, proc. n.º 00612/98 o TCAS, o qual admitiu que os gastos da reparação do telhado, entre outras outros, fossem imputados a título de custo do exercício:

De acordo com o regime resultante dos arts. 1° e 5°, nomeadamente das alíneas c) e d) do seu nº 2 e das alíneas a) e b) do seu nº 5, todos do Dec. Regulamentar nº 2/90, de 12/1, para efeitos de IRC, as obras efectuadas em edifício que não é propriedade da impugnante, e que se traduziram em reparação do telhado, caleiras e substituição das colunas de esgotos e demais canalização em casas de banho e na cozinha e não na construção «ex novo» de tais dependências, são imputáveis a título de custo do exercício, dado que não tiveram por efeito e escopo o aumento do período de vida útil do bem, caso em que ficariam sujeitas a reintegração.

 

Este tribunal não se afasta da decisão judicial citada admitindo que a faturas n.º 387, n.º470 e n.º411 sejam imputadas na totalidade o exercício de 2010 e não sujeitas a depreciação. Esta solução é imposta pela natureza e materialidade das operações em causa.

Cabe agora analisar as restantes faturas:

a)      N.º 402 – fornecimento e assentamento de alvenarias de tijolo dentro do armazém junto da sala de provas, execução de chapisco, emboço e reboco em paredes, preparação e execução de pintura de paredes dentro do armazém junto da sala de provas, execução e pintura de pavimento;

b)      N.º 406 – execução de reboco em paredes exteriores;

c)      N.º 401 – fornecimento e colocação de lancil para apoio de gradeamento junto do tanque, fornecimento e colocação de gradeamento e tubo galvanizado, execução de caixa para descarga de fundo de águas de tanque.

 

As obras referidas acrescentam elementos à construção, nomeadamente no que diz respeito ao assentamento de alvenaria, reboco, gradeamento e fornecimento de tubo galvanizado e execução de caixa para descarga de fundo de águas de tanque.

Mais, as obras aumentam o valor do bem porque lhe acrescentam elementos que não existiam e contribuíram para aumentar o respetivo valor.

Estas obras não se limitam a conservar o imóvel mas sim introduzem novos elementos, aumentam o seu valor e a sua durabilidade.

Não sendo consideradas obras de manutenção e conservação poderiam estar sujeitas a depreciação caso sejam sujeitas a deperecimento e sejam consideradas ativos fixos tangíveis.  

Para que possam ser sujeitas a depreciação é necessário que sejam suscetíveis a perecimento e sejam um ativo fixo tangível A caracterização como ativo tem impacto fiscal uma vez que o custo de aquisição poderá ser considerado num período ou através do mecanismo de depreciação.

Os edifícios onde as obras foram realizadas fazem parte do imobilizado da contribuinte.

Nos termos do §49, al. a) do aviso n.º 15652/2009 de 07 de Setembro sobre a estrutura conceptual do sistema de normalização contabilística:

“Activo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros;”

O  § 87 do mesmo aviso prevê o seguinte:

Um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.”

As obras realizadas terão impacto nos benefícios económicos futuros da requerente, o que aliás é reconhecido indiretamente pela própria quando alega que as obras se impõem para oferecer aos clientes melhores condições e no sentido de melhorar a imagem da requerente (art. 35 e 35 da p.i.).

Assim, no caso em apreço as obras realizadas integram o conceito de ativo.“Ativos fixos tangíveis são os activos com substância física detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a terceiros ou para fins administrativos e que se espera sejam detidos durante mais de um período (por ex. uma máquina, o edifício da sede da empresa)[4]

O SNC, aprovado pela Decreto -Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho prevê a seguinte conta:

 “43 Activos fixos tangíveis

432 Edifícios e outras construções”

 

Face ao exposto trata –se de um ativo fixo tangível. Acresce que, a sua utilização física e o decurso do tempo causam deperecimento.

Concluímos que as obras que constam das faturas poderão ser consideradas gastos sujeitos a depreciação.

Não obstante, temos ainda assim que distinguir as grandes reparações das edificações ligeiras. Esta distinção é importante porque em função dela, a taxa de depreciação é diferente. A depreciação das grandes reparações tem um prazo mais reduzido de depreciação (Cfr. art. 5, n.º2 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14.09) por comparação às edificações ligeiras.

O relatório inspetivo qualifica estas obras como sendo edificações ligeiras e integra-as no código 2005 do Decreto Regulamentar n.º25/2009 de 14.09.

O relatório inspetivo para fundamentar a sua qualificação como edificações ligeiras assevera o seguinte:

a)      Não estamos na presença de reparações mas sim na aquisição de serviços associados a bens do ativo fixo tangível (instalações e sala de visitas);

b)      Constituem edificações ligeiras, subjacentes a um alvará de obra de construção (alvará .../06) de remodelação e ampliação do edifício/instalações

c)      A contribuinte reconheceu como ativo tangível o montante de €370.939,14, tendo um critério diferente para as faturas em apreço;

d)     Os bens faturados não se esgotam nem se consomem num exercício;

e)      A sua utilização vai perdurar nos exercícios seguintes;

f)        Pelas características dos serviços e o valor faturado verifica-se que a utilização dos mesmos não se limita nem se esgota no ano em análise.

 

Não obstante, em contradição, o mesmo relatório defende que as obras em análise aumentam o valor real do bem do ativo e contribuem para o aumento da duração do mesmo (página 11). Ora, estas são as características das grandes reparações e não das edificações ligeiras (art. 5º, n.º5, al. a) do Decreto Regulamentar 25/2009 de 14.09). 

Embora a requerida, em resposta ao pedido arbitral alegue que as obras se subsumem no conceito de grandes reparações (art. 5º, n.º5, al. a) do Decreto Regulamentar n.º 25/2009) (cfr. art. 36º, 47º e 48º da resposta), no relatório inspetivo, as obras são qualificadas como edificações ligeiras (art.5º, n.º1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009).

A fundamentação deve ser apresentada aquando da elaboração do ato e não em data posterior. Mais, sendo apresentada em sede de resposta impede a contribuinte de se defender delas. A fundamentação posterior não é admissível e constitui uma negação de acesso ao direito (art. 20º, n.º1 da CRP)

A deficiente fundamentação não pode ser efetuada a posteriori, antes se impondo a sua concretização no próprio ato impugnado, de forma a que o seu destinatário possa percebe-la e defender-se de cada um dos respetivos segmentos que lhe são desfavoráveis, sendo para isso imprescindível que lhe seja dada a conhecer a factualidade subjacente ao ato praticado.

A fundamentação deve ser clara, suficiente e congruente, e não pode conter elementos obscuros ou portadores de ambiguidade, o que significa a obrigatoriedade de serem expostas as razões de facto e de direito[5].

A isto acresce que não é admissível a fundamentação a posteriori, que em regra se mostra suscetível de colidir com a estabilidade dos interesses particulares (Cfr. Vieira de Andrade, ob. cit., p.299; Ac. TCA de 07.10.1999, in “Antologia de Acórdãos do STA e do TCA”, Ano III, nº1, p.247 e ss.), pelo que em princípio não deve ser aceite que só agora, em sede judicial, o contribuinte venha a ter conhecimento dos fundamentos omitidos.

Conforme ensina o Prof. Joaquim Freitas de Rocha a fundamentação deve ser feita de uma forma:“(…)(IV) Actual, devendo ser (totalmente) efectuada no momento da comunicação da decisão e não posteriormente;” In Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, 3ª Ed., pág. 114

 

Neste sentido Cfr.:

Ac. do TCAN de 25.06.2010, proc. n.º 00232/01:

Como temos vindo a dizer em várias ocasiões, só pode valer como fundamentação a declaração de motivos que a AT externou quando da prática do acto, sendo de todo irrelevante a externação de motivos que não seja coeva do acto, a denominada fundamentação a posteriori. É que, no domínio do contencioso de mera legalidade, que é o da impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados.”

 

Ac. do STA de 06-01-2005, proc. n.º 00439/04

III - O conhecimento da lei pelos administrados não isenta a Administração do dever de fundamentar as suas decisões, não sendo sequer de admitir a fundamentação a posterior dos actos administrativos, ou seja, aquela que vier a ser efectuada depois de praticado o acto.

 

Ac. do TCAN, 10-02-2012, proc. n.º 01221/07.0BEBRG

– A deficiente fundamentação não pode, pois, ser efectuada à posterior, antes se impondo a sua concretização no próprio acto impugnado, de forma a que o seu destinatário a possa perceber e defender-se de cada um dos segmentos do acto que lhe são desfavoráveis, sendo para isso imprescindível que lhe seja dado a conhecer a factualidade subjacente ao acto praticado

 

Ac. do STA, de 24-04-2002, 048184

Outrossim, como se decidiu no Ac. do Pleno de 10/11/1998, Recurso nº 32702 nesse tipo de fundamentação (a posteriori) se apenas se inclui a fundamentação invocada na resposta da autoridade recorrida no recurso contencioso, tal é destituída de valor seja como complemento da fundamentação do acto ou como apta a destruir ou contrariar esta última.

 

Não sendo de admitir a fundamentação a posteriori por violar o disposto no art. 268º, n.º3 da CRP e 77º da LGT, atendamo-nos aos fundamentos invocados no relatório inspetivo.

Mesmo que a contribuinte tenha solicitado um alvará de construção, que não foi demonstrado, impunha-se a sua análise para apuramos se as obras em apreciação são conexionadas com esse alvará e eventualmente com a construção de edificações ligeiras. Sem essa análise nada podemos retirar desse fato.

Mais, a existência do alvará de construção não é condição obrigatória para qualificar as obras em análise como sendo edificações ligeiras porque não se sabe se estão relacionadas. Nem se sabe se estas obras estão relacionadas com o contrato de remodelação de todo o edifício porque nada é referido sobre este facto no relatório da inspeção, nem o suposto contrato foi junto.

O fato da contribuinte ter reconhecido determinados gastos como fazendo parte do seu ativo tangível não faz com que todos os demais gastos devam merecer a mesma qualificação. Impunha-se que se analisasse os gastos em concreto.

Quanto ao valor das faturas, ele não revela as características das obras, não nos permitindo qualificá-las. O valor está dependente das dimensões e não obrigatoriamente das características que permitam qualificar as obras como edificações ligeiras.

Analisando a materialidade das obras ficamos sem saber o motivo para sua integração em edificações ligeiras e não em grandes reparações. As obras foram feitas em imóveis existentes, nada tendo sido edificado de novo.

Não basta alegar que as obras se destinam a ampliar as instalações, cabendo à requerida demonstrá-lo.

Subsistem muitas dúvidas quanto à qualificação da colocação de alvenaria, da execução do reboco e da colocação de lancil para apoio ao gradeamento como edificações ligeiras. Nesta parte, até nos poderíamos aproximar do conceito de “grandes reparações e beneficiações” expresso pela douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 02/02/2005, processo 917/04: “obras de desmontagem, remodelações, demolições, alvenarias, revestimentos de pavimento, betões, escavações para fundações, tectos, carpintarias, vidros, estores, escavações e aterros, tubagens eléctricas, revestimento de paredes e tectos, fachadas, etc., ou seja, obras necessárias para o exercício da actividade bancária, que se integram, assim, nos próprios imóveis e que contribuem de forma clara não só para aumentar o valor real de cada uma das agências bancárias, mas também contribuem para um aumento provável da duração desses imóveis, passando a ser sua parte integrante e a constituir um todo.”[6].

A materialidade das obras agora em análise não aponta para a sua qualificação como edificação ligeira.

Não obstante, cabia à AT fundamentar a qualificação efetuada. Impunha-se que a requerida indicasse os motivos que a levaram a qualificar as obras como edificações ligeiras. Se a AT não fez constar esses factos da declaração fundamentadora que externou aquando da correção da matéria tributável declarada, não pode considerar-se tal ato suficientemente fundamentado, pois nem a sociedade destinatária ficou a conhecer os motivos que determinaram a AT a praticá-lo, o que lhe veda a opção esclarecida entre conformar-se com ele ou impugná-lo, nem o Tribunal fica habilitado a sindicar a legalidade do mesmo ato[7].

Era exigível à requerida ir além da fundamentação invocada como suporte da correção para que esta pudesse ser considerada fundamentada

Assim, concordando com a requerente, afigura-se-nos que, no que diz respeito à consideração das faturas n.º401, 402 e n.º 406 o ato tributário padece de falta de fundamentação, violando o art. 77º, n.º1 da LGT e 268º, n.º3 da CRP.

Deste modo a correção efetuada deve ser anulada por falta de fundamentação.

 

No que se refere aos demais vícios invocados, a titulo subsidiário, pela Requerente, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional em causa.

Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha[8], em anotação ao artigo 95.º do CPTA (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”

Nestes termos, face à interpretação preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados ao ato de liquidação adicional.

 

VI. DECISÃO                                                                                                                         

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios de 2010, no montante de €28.676,06 (n.º2015... e compensação n.º 2015...);

b)      Anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente às faturas n.º387, n.º401, n.º402, n.º406, n.º411 e n.º470, que devem ser admitidas como gastos a deduzir na totalidade do seu valor (art. 23º, n.º1, al. a) do CIRC - versão de 2010) no exercício de 2010.

 

Fixa-se o valor do processo em €28.676,06 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Janeiro de 2016 

 

O Árbitro

 

André Festas da Silva

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] In A Periodização do Lucro Tributável, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 349, 1988, pág. 157.

[2] In Lições de Fiscalidade, Corrd. João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, Vol. I, 2015, 4ª Edição, pág. 307

[3] In Revista Fisco, n.º 24, Outubro de 1990, Aspectos fiscais e contabilísticos das despesas e conservação dos activos fixos corpóreos, pág. 12.

[4] In Lições de Fiscalidade, Corrd. João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, Vol. I, 2015, 4ª Edição, Helena Martins, Pág. 307, nota 22

 

[5]Cfr. Vieira de Andrade, “ O Dever de Fundamentação dos Actos Administrativos”, Almedina, 2003, p.232 e seguintes

 

[6] No mesmo sentido Cfr. Ac. do STA de 06/07/2005, proc. n.º 0323/05, Ac. do STA de 17/05/2006, proc. n.º 0123/06 e Ac. do TCAS de 04/11/2003, proc .n.º 07134/02.

[7] Neste sentido Cfr. Ac. do STA de 16.11.2011, proc. n.º 0513/2011.

[8] In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 483