Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 275/2015-T
Data da decisão: 2016-01-12  IVA  
Valor do pedido: € 124.229,34
Tema: IVA, transmissão intracomunitária de bens
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Alexandra Mesquita e José Ramos Alexandre, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 28 de Abril de 2015, A...- UNIPESSOAL, LDA NIF ..., pertencente ao serviço periférico n.º ... (Póvoa de Varzim) com sede e domicílio fiscal na Rua..., n.º..., Fração..., ...-..., em ..., cidade e concelho de Póvoa de Varzim, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade das seguintes Liquidações Adicionais de IVA, com data limite de pagamento em 31.01.2015:

                                                              i.      Nº..., no valor de 668,70€, relativa a Fevereiro 2010;

                                                            ii.      Nº..., no valor de 9.369,30€, relativa a Março/2010;

                                                          iii.      Nº..., no valor de 1.925,36€, relativa a Abril/2010;

                                                          iv.      Nº ... no valor de 1.522,78€, relativa a Maio/2010;

                                                            v.      Nº..., no valor de 3.609,65€, relativa a Junho/2010;

                                                          vi.      Nº..., no valor de 694,85€, relativa a Julho/2010;

                                                        vii.      Nº..., no valor de 1.687,23€, relativa a Agosto/2010;

                                                      viii.      Nº ..., no valor de 1.014,30€, relativa a Setembro/2010;

                                                          ix.      Nº..., no valor de 2.217,15€, relativa a Outubro/2010;

                                                            x.      Nº ... no valor de 6.963,08€, relativa a Novembro/2010;

                                                          xi.      Nº..., no valor de 45.338,10€, relativa a Dezembro/2010;

                                                        xii.      Nº..., no valor de 1.967,17€, relativa a Janeiro/2011;

                                                      xiii.      Nº..., no valor de 1.837,82€, relativa a Fevereiro/2011;

                                                      xiv.      Nº..., no valor de 6.759,49€, relativa a Março/2011;

                                                        xv.      Nº..., no valor de 1.298,74€, relativa a Abril/2011;

                                                      xvi.      Nº..., no valor de 4.853,69€, relativa a Maio/2011;

                                                    xvii.      Nº..., no valor de 3.861,85€, relativa a Junho/2011;

                                                  xviii.      Nº..., no valor de 5.056,21€, relativa a Julho/2011;

                                                      xix.      Nº..., no valor de 1.875,02€, relativa a Agosto/2011;

                                                        xx.      Nº..., no valor de 1.157,13€, relativa a Setembro/2011;

                                                      xxi.      Nº..., no valor de 5.320,05€, relativa a Outubro/2011.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que terá ocorrido violação do princípio do contraditório, na consideração da informação da administração fiscal espanhola, bem como erro de facto e de direito nas liquidações referidas, resultando na violação do disposto na alínea a) do artigo 14º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias e artigo 97.º e seguintes do CPPT.

 

  1. No dia 29-04-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 19-06-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 29-07-2015.

 

  1. No dia 28-09-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 09-11-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, à qual faltaram a Requerente e as testemunhas por si arroladas, pelo que, nos termos dos artigos 19.º/1 do RJAT e 118.º/4 do CPPT foi determinado o prosseguimento do processo com vista à emissão de decisão arbitral.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de as apresentar.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após o termo para apresentação de alegações pela AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      Da análise prévia, através do sistema …, a AT apurou que a A...- Unipessoal, Lda, NIF ... declarou transmissões intracomunitárias, nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, às seguintes sociedades sedeadas em Espanha

2-      Existindo dúvidas quanto à veracidade das operações declaradas foram emitidas as ordens de serviço de inspecção interna nº 0I2014..., 0I2014... e 0I2014..., abrangendo apenas o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), para os exercícios de 2010 a 2012.

3-      Em 16-01-2014, a AT notificou a Requerente, nos termos do disposto no artigo 37.º do RCPIT e artigo 59.º da LGT, e no âmbito do despacho DI2014..., para apresentar os seguintes elementos:

                                                              i.            Documentos comprovativos (CMR) de que os seguintes clientes recepcionaram a mercadoria que lhes foi vendida, nos anos de 2010, 2011 e 2012:

a.       –B..., SL;

b.      –C..., SL;

c.       –D..., SL;

d.      – E...SL;

                                                            ii.            Cópia de todas as facturas e documentos anexos assinaladas nos extratos que se anexaram, bem como os respetivos meios de pagamento.

4-      A sociedade A..., Lda estava enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, por opção, desde 08.05.2009, e em sede de IRC desde 01-01-2009, no regime geral de tributação, pelo exercício da atividade ag. do com. grosso têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro, com o Código da Atividade Económica (CAE) 46160.

5-      Por forma a apurar a capacidade das sociedades sedeadas em Espanha de efectuar as operações constantes no …, e ao abrigo do Acordo de cooperação fronteiriço de intercâmbio directo de informação fiscal celebrado em 24/10/2006 entre as autoridades da República Portuguesa e o Reino de Espanha, foram solicitadas pela AT portuguesa à sua congénere espanhola, as seguintes informações, sobre as referidas entidades:

                                                              i.            Quais os detentores de capital das referidas sociedades e os respectivos órgãos sociais.

                                                            ii.            Se nos exercícios de 2009 a 2011 as empresas cumpriram as suas obrigações fiscais de declaração e pagamento e qual os volumes de negócios declarados por cada uma.

                                                          iii.            Se as empresas têm estrutura, capacidade logística e recursos humanos para realizar as operações atingindo valores muito significativos, chegando aos milhões de Euros por ano.

                                                          iv.            Recolha das facturas de suporte às transacções intracomunitárias efectuadas e respectivos documentos de transporte.

                                                            v.            Recolha dos comprovativos dos recebimentos e pagamentos dessas transacções.

6-      As autoridades espanholas, deram resposta às informações solicitadas, nos termos constantes de fls. 19 a 24 do Processo Administrativo, que aqui se dão por reproduzidas[1], informando, designadamente, o seguinte:

7-      Da análise dos elementos recolhidos e dos autos de declarações elaborados junto dos fornecedores, no âmbito de procedimentos inspectivos a outras sociedades com sede na área territorial da Direção de Finanças do Porto, credenciados por despacho externo para recolha de informação, a AT apurou que:

a.       Em relação à pessoa de contacto e meio de encomendas, a quase totalidade das mesmas eram efectuadas às mesmas 2 pessoas.

b.      As encomendas eram efectuadas quer telefonicamente quer por fax ou e-mail, para números nacionais.

c.       Essas 2 pessoas, nos exercícios de 2010 e 2011 auferiram rendimentos pagos por entidades sedeadas em território nacional e por parte da sociedade identificada, nos documentos de transporte e em sede de auto de declarações, como transportadora dos bens para Espanha.

d.      Em algumas situações foi referido que as mesmas pessoas, em data anterior efetuavam as mesmas encomendas dos mesmos produtos mas a factura era emitida em nome de outras sociedades portuguesas, sendo que aquando da visita pela AT as mesmas encomendas voltaram a ser facturadas em nome dessas empresas.

e.       Houve outras entidades que informaram que não eram efectuadas encomendas prévias, mas que o próprio motorista, que se identificava trabalhador da empresa transportadora, é que se deslocava às suas instalações, é que escolhia o produto, levando a quantidade suficiente para o dinheiro que levava para pagar.

f.       Esta situação do pagamento efectuado em dinheiro pelo motorista era recorrente em alguns fornecedores.

g.      Um dos fornecedores circularizados afirmou que apesar das facturas serem emitidas a favor das empresas espanholas D..., SL e C..., Lda a mercadoria foi entregue pelas suas viaturas numa morada do Porto.

h.      Quando o transporte das mercadorias não era efectuado em viaturas da empresa transportadora, F..., Lda, mas sim por outras entidades transportadoras, a mercadoria não era entregue em Espanha mas sim no Porto.

8-      Junto da A..., a AT verificou que:

a.       Existiam pagamentos efetuados com cheques de sociedades nacionais, no montante exacto das facturas ou conjunto de facturas, tendo sido também encontradas transferências bancárias com origem em contas tituladas por sociedades nacionais.

b.      Para além destes meios de pagamento foram também encontrados depósitos em numerário, de origem não apurada.

c.       Nas facturas n.º …, … e CMR nº..., referentes a vendas da A... para a C... SL, no dia 29-12-2010, a capacidade de carga da viatura indicada no CMR era substancialmente inferior ao peso da mercadoria transportada.

d.      Alguns dos CMR's não identificam a viatura que fez o transporte.

9-      Face aos elementos recolhidos, a AT, no Relatório de Inspecção, considerou que:

a.       As empresas destinatárias dos bens não tinham estrutura física nem pessoal ao seu serviço que permitisse exercer uma atividade comercial, industrial ou outra;

b.      Não eram conhecidas na morada da sede (comum a todas);

c.       Tinham um sócio/procurador comuns, entre elas;

d.      Era prática comum as encomendas, entre as empresas que declararam Transmissões Intracomunitárias de Bens (TIB) e as sociedades espanholas, serem feitas por telefone, fax de números nacionais, pelas mesmas pessoas, com vínculo laboral com sociedades nacionais que lhe pagavam rendimentos de trabalho dependente.

e.       Foram encontrados documentos de transporte sem a identificação da viatura de transporte dos bens e ainda divergências entre a capacidade de carga das viaturas, identificadas como tendo sido utilizadas no transporte da mercadoria vendida pela A..., Lda, e o peso da mercadoria transportada, isto é o peso dos bens transportados ser superior à capacidade de carga da viatura.

f.       Os pagamentos das facturas tinham diversas origens, nomeadamente:

- Cheques de sociedades nacionais;

- Transferências bancárias de sociedades nacionais, e

- Pagamentos em numerário.

10-  Face ao referidos considerandos, concluiu, ainda no RIT, a AT que:

a.       Estas situações eram suficientes para pôr em causa a saída das mercadorias do território nacional;

b.      Face ao exposto e à inexistência de outros elementos/factos que comprovem de forma inequívoca que os bens em causa saíram de Portugal, conclui-se que foram introduzidas ao consumo em território nacional, sendo, por isso consideradas transmissões de bens internas, sujeitas a imposto nos termos do artigo 1.º do CIVA.

11-  A Requerente não exerceu o direito de audição que, oportunamente, lhe foi facultado.

12-  Foram, assim, efectuadas as seguintes correcções em sede de IVA:

13-  Em 28 de Novembro de 2014, por correio electrónico, a Requerente foi notificada pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, para efectuar o pagamento das quantias seguidamente referidas, das liquidações adicionais de IVA, com data limite de pagamento em 31-01-2015, acima identificadas.

14-  Em 22 de Dezembro de 2014, também por correio electrónico, a Requerente foi notificada pela mesma Entidade para efectuar o pagamento das quantias seguidamente identificadas, no montante global de 124.229,34€, de liquidações de IVA, cujos valores originaram compensações de que resultaram as referidas quantias, com data limite de pagamento em 31-01-2015, tal como a seguir se indica:

                                                              i.            Nº 2014..., no valor de 1.759,94€, relativa a Novembro/2011;

                                                            ii.            Nº 2014..., no valor de 2.734,63€, relativa a Dezembro/2011;

                                                          iii.            Nº 2014..., no valor de 574,77€, relativa a Janeiro/2012;

                                                          iv.            Nº 2014..., no valor de 204,13€, relativa a Fevereiro/2012;

                                                            v.            Nº 2014..., no valor de 1.003,61€, relativa a Março/2012;

                                                          vi.            Nº 2014..., no valor de 2.286, 16€, relativa a Abril/2012;

                                                        vii.            Nº 2014..., no valor de 460,02€, relativa a Maio/2012;

                                                      viii.            Nº 2014..., no valor de 3.215,89€, relativa a Junho/2012;

                                                          ix.            Nº 2014..., no valor de 572,52€, relativa a Julho/2012;

                                                            x.            Nº 2014..., no valor de 2.060,24€, relativa a Setembro/2012;

                                                          xi.            Nº 2014..., no valor de 359,77€, relativa a Outubro/2012;

15-  A Requerente pagou, por compensação com os reembolsos de IVA referentes aos meses de Setembro e Outubro de 2014, o valor de 78.761,48€.

16-  As acima identificadas liquidações são fundadas no "Relatório/Conclusões" da Inspecção Tributária, decorrente do procedimento inspectivo externo aos seus elementos de escrita, atrás descrito, efectuado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto.

17-  De onde constam correcções propostas que mereceram despacho de concordância do Chefe de Divisão datado de 10-11-2014, que serviram de base a estas liquidações.

18-  Em sede arbitral a Requerente juntou a seguinte documentação:

                                                              i.            uma declaração emitida pelo gabinete de contabilidade G.., SL, com uma relação de trabalhadores da B...(5), D...(12)  e C...(12), com datas de início e fim do vínculo laboral declarado à Segurança Social Espanhola;

                                                            ii.            apólices de seguros de trabalho da D...e C...;

                                                          iii.            facturas n.ºs 852, 1689, 2109, 2543 e 3804 emitidas pela contabilidade G..., SL, no ano de 2010 à Cliente D...TEXTIL;

                                                          iv.            facturas n.º 5.060 referente a Dezembro de 2010, n.º 2.822, 3220 ambas referentes ao ano de 2011; e n.0 1.151 e 3464 ambas do ano de 2012, emitidas pela contabilidade G..., SL, à Cliente C...;

                                                            v.            facturas de transporte n.º 100065 e n.º 1000133, emitidas  à B...,SL, pela transportadora "F... - Transportes, Lda";

                                                          vi.            facturas de transporte, com CMR’s, n.º 1100074, 1000394, 100051l à D..., SL, pela mesma transportadora "F...";

                                                        vii.            facturas de transporte à C..., SL, com os n.º l100075, n.º 1210001, n.º 1210265, n.º 1100006, nº 1100132, todas pela mesma transportadora "F...".

                                                      viii.            Declaração da D..., SL, dirigida à Xunta de Galicia com data de 18.11.2009, em que comunica o início de actividade;

                                                          ix.            factura n.º TA…, de 07.Fev. 201 l, emitida pela operadora ... à D..., relativa ao pagamento de telecomunicações, conforme;

                                                            x.            Contrato de Seguro, com data de 30 de Abril de 2010, celebrado entre a D... e a seguradora “...”, para cobrir os riscos de "reposición a nuevo" relativamente à actividade desenvolvida de "almacén de confecciones, tejidos de punto, lenceria, artículos de fieltro y corseteria, tejudos en rollo", com indicação do local de risco sito em "... - TUI - ...- Pontevedra;

                                                          xi.            Comprovativo de pagamento pela D..., da quantia de 122,46€, no dia 21 Março de 2011;

                                                        xii.            Declarações de compromisso de pagamento (Pagarés) emitidas pela D..., a favor da Requerente, com datas de 26-6-2010, 5-7-2010, 3-12-2010, 26-3-2011, 18-4-2011 e 25-4-2011;

                                                      xiii.            Declaração de compromisso de pagamento (Pagarés) emitida pela C..., SL a favor da Requerente, todas com data de 4-4-2011.

19-  Por cada uma das transacções a que se referem as correcções discriminadas supra no ponto 12, relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012, que serviram de base às liquidações objecto do presente processo, a Requerente possui comprovativos de "Declaração de Expedição Internacional de Mercadoria por Estrada " - CMR - nos termos da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, e foram emitidas as respectivas Declarações de Expedição.

20-  Das referidas declarações CMR, consta que as mercadorias a elas respeitantes foram todas elas recepcionadas pelas três destinatárias B..., D... e C..., em Espanha.

21-  A Requerente, antes de efectuar as vendas às ditas Clientes Espanholas, recolheu as informações necessárias com vista a confirmar que o registo, para efeitos de IVA, se encontrava em vigor, solicitando o seu número de identificação, e, ainda, a informação de se tratarem de sujeitos passivos deste imposto abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, para o qual utilizaram os respectivos números de identificação de IVA para efectuarem as aquisições.

22-  A Impugnante apresentou as declarações recapitulativas referentes a todas as transacções intracomunitárias que fez com Países da Comunidade Europeia, incluindo, portanto, as transacções com estas três clientes espanholas atrás referidas.

23-  Nas transacções referidas, o transporte da mercadoria era da responsabilidade do adquirente.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, o facto dado como provado no ponto 23, embora contestado pela AT na sua resposta, alegando que não existe qualquer prova de tal facto, considera-se provado com base nas declarações de H..., recolhidas pela própria AT no procedimento inspectivo, o qual afirmou taxativamente que o transporte era por conta dos clientes, sem que conste que tenha sido, por qualquer forma desencadeado procedimento por eventuais falsas declarações.

 

B. DO DIREITO

 

            Começa a Requerente por alegar a violação, in casu do princípio do contraditório – que diz geradora de nulidade – porquanto as informações prestadas pelas Autoridades Espanholas e referidas no Relatório de Inspecção Tributária, estão omissas deste Relatório.

            Considera-se, todavia, não lhe assistir qualquer razão.

            Assim, dispõe o artigo 37.º/1 do CPPT que “Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.”.

            Deste modo, entendendo a Requerente que, para a sua cabal defesa, necessitava da notificação da informação das Autoridades Espanholas, e que tal era um dos “requisitos exigidos pelas leis tributárias”, deveria ter usada a faculdade conferida pela norma referida.

            Não o tendo feito, não lhe será legítimo, julga-se, prevalecer-se da sua inércia, para colocar em causa a validade do(s) acto(s) tributários contra o(s) qual(is) se insurge.

 

*

            Posto isto, em causa no presente processo arbitral está apenas aferir da legalidade das correcções operadas pela AT, em matéria de IVA, decorrentes da consideração de que os bens a que se referem as Transmissões Intracomunitárias de Bens (TIBs) declaradas pela Requerente, afinal terão sido introduzidos no consumo interno nacional.

            A questão jurídica que se coloca, então, prende-se, essencialmente, com saber se, face à matéria de facto dada como provada, estão, ou não, preenchidos os pressupostos do artigo 14.º/a) do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), que dispõe que:

Estão isentas do imposto:

a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;”.

Como é de forma mais ou menos pacífica reconhecido, os requisitos da aplicação da isenção em questão são que:

-          o transmitente seja sujeito passivo de IVA no seu Estado Membro de residência;

-          que o adquirente seja também um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado Membro, e que utilize o respectivo número de identificação para validar a aquisição;

-          que os bens sejam efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro com destino ao adquirente acompanhados pelo competente  documento de transporte, CMR.

Com efeito, como se escreveu no Ac. do STA de 19-02-2003, proferido no processo 01772/02[2], “Nos termos do artº 14º al. a) do RITI - Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias - aprovado pelo artº 4º do DL 290/92, de 28-12, estão isentas de imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens efectuadas por um sujeito passivo que se encontre abrangido, no país de origem, por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, em que o adquirente seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do IVA noutro Estado membro, que este utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e o mesmo se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens nesse outro Estado membro.”.

Também no Ac. do mesmo Tribunal de 09-09-2009, proferido no processo 0491/09, se escreveu que “De harmonia com o disposto no artigo 14º do RITI - DL n.º 290/92, de 28.12 -, só as transmissões de bens efectuadas por um sujeito passivo que se encontre abrangido, no país de origem, por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, em que o adquirente seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do IVA noutro Estado membro, que este utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e o mesmo se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens nesse outro Estado membro estão isentas de tributação em sede de IVA”.

De igual modo, no Ac. arbitral proferido no processo 323/2014T do CAAD[3], se escreveu que:

“para que uma transmissão de bens possa ser qualificada como tal para efeitos de IVA, é necessário que essa transacção seja:

a.       uma transferência onerosa, no sentido em que, regra geral, apenas as transmissões efectuadas a título oneroso são sujeitas a IVA, ficando, em princípio, excluídas do âmbito deste imposto as transmissões efectuadas a título gratuito;

b.      de bens corpóreos, móveis ou imóveis, ficando excluídas deste conceito as transferências onerosas de bens incorpóreos, que serão tributadas como prestações de serviços;

c.       por forma correspondente ao direito de propriedade, ou seja, ainda que não se proceda à transferência da propriedade jurídica do bem, bastando apenas que a transferência em causa confira ao adquirente o poder (económico) de disposição dos bens em causa, como se, de facto, fosse o proprietário dos mesmos”.

No presente processo, não há dúvidas de que a Requerente era sujeito passivo de IVA em Portugal, nem que os adquirentes – B..., D...e C...– eram sujeitos passivos de IVA em Espanha, e utilizaram o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição.

Deste modo, está unicamente em causa aferir da verificação do último dos requisitos acima elencados, pelo que o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro, com destino ao adquirente.

            Na apreciação desta matéria, não se pode deixar de ter presente que, como resulta directamente do Acórdão do TJUE proferido no processo C-409/04 (acórdão Teleos)[4], que o transmitente numa TIB’s está obrigado unicamente a apresentar “que justificam, à primeira vista, o seu direito à isenção de uma entrega intracomunitária de bens” (sublinhado nosso).

            Conforme resulta do PA junto aos autos, e dos factos dados como provados, em ordem a verificar se o requisito em questão estava, ou não, preenchido, a AT, em 16-04-2014, notificou a Requerente para apresentar os CMR’s relativos às operações em causa, e cópia de todas as facturas e documentos anexos, bem como os respetivos meios de pagamento.

            Com efeito, estes serão – reconhecidamente – os documentos dos quais um transmitente de uma TIB se deve munir, em ordem a sustentar documentalmente a sua posio ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽m a sustentar documentalmente a sua posi iatava ção enquanto tal.

            Como se escreveu no supra-citado Acórdão arbitral proferido no processo 323-2014T do CAAD:

“A prova da expedição do bem é essencial para determinar a aplicação ou não da isenção em apreço, incumbindo essa prova ao transmitente do bem. O TJUE já defendeu ser admissível, para este efeito, qualquer meio de prova, para além da apresentação do respectivo documento de transporte. Este entendimento foi acolhido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a qual sancionou [6][5] que, perante a falta de norma que, na legislação do IVA, indique expressamente os meios considerados idóneos para comprovar a verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI, será de admitir que a prova da saída dos bens do território nacional possa ser efectuada recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente, através das seguintes alternativas:

a. documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respectivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte ("Airwaybill" - AWB) ou o conhecimento de embarque ("bill of lading" - B/L);”

            Ora, o certo é que a Requerente dispõe e apresentou – como resulta do RIT – toda a documentação referida: CMR’s, facturas e comprovativos de pagamento, tendo, da análise da mesma, e do restante procedimento inspectivo à Requerente, a AT apurado, unicamente que:

a.       Algumas situações que lhe suscitaram dúvidas, ao nível dos meios de pagamento, designadamente depósitos em numerário e pagamentos com origem nacional;

b.      Que, nas facturas n.º 550, 551 e CMR nº 289316, referente a vendas da A... para a C... SL, no dia 29-12-2010, a capacidade de carga da viatura indicada no CMR seria substancialmente inferior ao peso da mercadoria transportada;

c.       Que alguns dos CMR's não identificam a viatura que fez o transporte.

Relativamente a estes elementos entende-se, liminarmente, que os mesmos nunca seriam – por forma alguma – suficientes para colocar em causa todas as transacções declaradas pela Requerente e desconsideradas pela AT. Com efeito, considera-se que apenas aquelas em que, concretamente, os respectivos pagamentos ou CMR’s demonstrassem alguma irregularidade concreta, é que poderiam, legitimamente, ser questionadas.

Para tal, todavia, seria necessário que os elementos em questão tivessem a consistência suficiente para fundar uma dúvida razoável acerca das transacções a que se reportam.

Ora, no que diz respeito aos pagamentos que, à AT, suscitaram dúvidas, verifica-se, desde logo, que, nem no RIT, nem no PA, se logra, desde logo, perceber quais as concretas transações questionadas. Por outro lado, a simples circunstância de estarem em causa pagamentos em dinheiro, ainda que em violação do disposto no artigo 63.º-C/3 da LGT (o que, de resto, não se demonstra que haja ocorrido), não quer dizer nem que os mesmos não aconteceram nem que não foi o adquirente declarado a fazê-los. Por outro lado, a circunstância de se tratarem de TIB’s não terá qualquer relevância no que diz respeito à credibilidade da ocorrência ou não, do pagamento em numerário, não só por a moeda ser a mesma, como, sobretudo, por a proximidade geográfica ser muito grande. Relativamente aos pagamentos com origem nacional, não são indicados quais o seus concretos autores, nem foi efectuada qualquer diligência no sentido de, junto dos mesmos, obter qualquer justificação ou explicação para a ocorrência.

Já no que diz respeito às facturas n.º 550, 551 e CMR nº 289316, referente a vendas à C...SL, no dia 29-12-2010, embora se refira que a capacidade de carga da viatura indicada no CMR seria substancialmente inferior ao peso da mercadoria transportada, não se concretiza qual era aquela capacidade, nem se demonstra que, ainda que ao arrepio das normas estradais a viatura em questão possa ter circulado com excesso de peso ou, até, feito mais do que uma viagem para transportar a mercadoria vendida.

Por fim, e no que diz respeito à omissão, em alguns dos CMR's, da viatura que fez o transporte, refira-se, desde logo, que, ao contrário do que propugna a AT em sede arbitral, tal menção não é obrigatória, não resultando isso, por qualquer forma, do artigo 6.º da Convenção CMR, incluindo do seu n.º 3[6]. Por outro lado, e ainda que assim não fosse, não se vislumbra igualmente qual o percurso lógico que permita afirmar que daí resulta que tenha existido transmissão de bens, não para Espanha, mas, antes, para Portugal. Com efeito, para proceder à liquidação nos termos em que ocorreu a AT sempre teria de demonstrar que ocorreu uma transmissão de bens em território nacional, não se compreendendo em que medida é que a omissão em questão permite afirmar que transmissão não ocorreu para Espanha, mas ocorreu para território nacional.

Relativamente aos elementos obtidos pela AT junto da sua congénere espanhola, tem sido jurisprudência assente do TJUE, conforme reafirmado no Acórdão proferido no processo C-430/09 (...)[7], que “se os compradores, na qualidade de primeiros adquirentes, manifestaram a sua intenção de transportar os bens para um Estado‑Membro que não o da entrega e se apresentaram com o seu número de identificação para efeitos de IVA atribuído por este outro Estado‑Membro, era lícito à ETH [vendedora] considerar que as operações que efectuava constituíam entregas intracomunitárias.”, e que “após o fornecedor ter cumprido as suas obrigações relativas à prova de uma entrega intracomunitária, não tendo a obrigação contratual de expedir ou de transportar os bens para fora do Estado‑Membro de entrega sido cumprida pelo adquirente, é este último que deve ser considerado devedor do IVA neste Estado‑Membro”.

Ora, é precisamente isso que se passa no presente caso.

A Requerente, cumpriu as suas obrigações relativas à prova de uma entrega intracomunitária, exibindo os CMR’s, facturas e meios de pagamento, nos quais, como se viu, a AT não logrou detectar deficiências relevantes.

Se, em função de outros elementos recolhidos junto de terceiros e de autoridades congéneres estrangeiras, a AT apurasse que, afinal, os bens não foram expedidos para o exterior, mas, havendo transmissão, quedaram-se em território nacional, deverá então, conforme refere o TJUE, ser o adquirente, e não o vendedor, considerado o devedor de IVA.

Tal só não seria assim, ainda de acordo com o que tem sido a jurisprudência emanada do TJUE, se, havendo fraude, se demonstrasse que a Requerente “sabia ou devia saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e que não tinha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua própria participação nesta fraude”[8]. Ora, também a este nível, nada a AT demonstra, não se encontrado desde logo demonstrada a existência de fraude – não havendo, inclusive, notícia de que tenha sido instaurado qualquer procedimento criminal em ordem à sua investigação e perseguição – não se demonstrando também que a Requerente estivesse ao corrente de qualquer fraude que estivesse a ser perpetrada, ou quais as acções que deveria ter tomado para evitar a sua participação na mesma, pelo que nenhum motivo tem este Tribunal para considerar que a Requerente não cumpriu os deveres de diligência a que estava obrigada[9].

Aqui, como ocorreu no processo arbitral 323/2014T, citado supra, considera-se que “Não ficou demonstrado que nos casos concretos a Requerente sabia, ou devia ter conhecimento, de tais incongruências que, em última instância, colocariam em risco a isenção de IVA associadas às TIB´s em causa.”.

Deste modo, tendo a Requerente cumprido a sua obrigação de prova da ocorrência das transmissões intracomunitárias de bens que expediu (designadamente através da apresentação dos documentos de transporte, CMR’s, facturas e meios de pagamento) e que, nas liquidações objecto do presente processo arbitral, foram desconsideradas pela AT, e, não estando demonstrada a sua participação em fraude, nem que não haja tomado as medidas razoavelmente necessárias para evitar a sua participação em tal, claudicam os pressupostos de facto e, consequentemente, de direito, das liquidações em causa, que deverão, consequentemente, ser anuladas.

 

*

Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações que, relativamente aos actos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.

Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efectuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular as liquidações objecto do presente processo arbitral, acima identificadas;

b)      Condenar a AT a restituir à Requerente os montantes pagos por força das liquidações anuladas, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;

c)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de 3.060,00€.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 124.229,34€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.060,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

12 de Janeiro de 2016

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Maria Alexandra Mesquita)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Ramos Alexandre)

 



[1] Devendo acompanhar todas as notificações legalmente obrigatórias desta decisão, com excepção das relativas às partes, que delas têm conhecimento pessoal, por via do presente processo.

[2] Disponível para consulta em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[3] Disponível para consulta em  www.caad.org.pt.

[5] Ofício-Circulado n.º 30009/99, de 10 de Dezembro de 1999, da Direcção de Serviços do IVA.

[6] Que dispõe que: “As partes podem mencionar na declaração de expedição qualquer outra indicação que considerem útil.”. Evidentemente que se as portes podem mencionar outras indicações que considerem úteis, trata-se de uma faculdade, e não de uma obrigação daquelas.

[8] Cfr. conclusão 1.ª do Acórdão do TJUE proferido no processo C-273/11 (Mecsek‑Gabona Kft), disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=129011&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=556533.

[9] Nos termos do já referido Acórdão..., “A questão de saber se (...) preencheu as suas obrigações relativas à prova e à diligência insere‑se na apreciação do órgão jurisdicional de reenvio efectuada com base nas condições previstas a este respeito pelo direito nacional.”