Processo arbitral n.º 52/2012-T
IRS, IVA e juros compensatórios
Anos 2007, 2008, 2009
Requerente
…
Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (Ministério das Finanças)
1. Relatório
1.1. ... (“Requerente”), contribuinte fiscal número …, com domicílio profissional na …, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”1), visando a anulação dos actos tributários de liquidação adicional de IRS, IVA e respectivos juros compensatórios, resultantes da aplicação de métodos indirectos de determinação da matéria colectável, em virtude do disposto na alínea b) do artigo 87.º e da alínea a) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (“LGT”), referentes aos anos 2007, 2008 e 2009, no valor global de € 30.598,93.
Considera a Requerente que não estão preenchidos os pressupostos legais de aplicação de métodos indirectos, por ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta da matéria tributável. Discorda, ainda, dos critérios de apuramento utilizados, assentes em montantes médios, e invoca, neste âmbito, excesso de quantificação da matéria colectável.
1.2. De acordo com o artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro único Alexandra Coelho Martins.
O tribunal arbitral foi constituído no CAAD, em 26 de Junho de 2012, conforme acta de constituição do tribunal arbitral.
1.3. A Requerida apresentou resposta na qual deduz defesa por excepção fundada na incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria. Para tanto, invoca o disposto na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), segundo a qual é subtraída à jurisdição arbitral a competência para apreciar “pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.
A título subsidiário, e por impugnação, sustenta que não tem fundamento o alegado erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, pois os serviços de inspecção tributária apuraram a prestação efectiva de serviços relativamente aos quais não foram emitidos quaisquer recibos, facturas ou documentos equivalentes, nem efectuados registos contabilísticos.
Impugna, de igual modo, o invocado erro na quantificação da matéria colectável, apontando o facto de a Requerente não ter conseguido demonstrar o excesso de quantificação, ónus que sobre si impendia, e de não ter trazido qualquer elemento de apuramento da real matéria colectável ou indicado um outro critério alternativo.
Conclui pela procedência da excepção dilatória de incompetência e, subsidiariamente, pela improcedência da acção.
1.4. Em 11 de Setembro de 2012, realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. Não tendo a Requerente acedido ao articulado de resposta foi-lhe concedido um prazo adicional de 5 dias para exercer por escrito, querendo, o contraditório. Ouvidas as partes, prescindiu-se da prova testemunhal e de alegações orais.
1.5. Face às alegações produzidas e excepções suscitadas, são questões a decidir a da incompetência deste tribunal em razão da matéria e, caso esta não se verifique, o erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos e, por último, o excesso de quantificação da matéria tributável por critérios de avaliação indirecta.
2. Da incompetência material do tribunal
A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria2, pelo que importa, antes de mais, proceder à apreciação da excepção suscitada pela Requerida, relativa à incompetência material deste tribunal arbitral.
O âmbito da jurisdição arbitral tributária é delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material.
Aí se determina competir a esta “espécie” de tribunais a apreciação das seguintes pretensões:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) (revogada)3”.
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, dispõe ainda o artigo 4.º, n.º 1 do RJAT que a vinculação da administração tributária depende de regulamentação constante de portaria.
A Portaria de Vinculação4 veio estabelecer as condições e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.
Com relevância para a situação vertente, ficam excluídas da apreciação dos tribunais arbitrais, de acordo com a mencionada portaria, as pretensões relativas a “actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão – cfr. artigo 2.º, alínea b) da Portaria de Vinculação sob a epígrafe “Objecto da vinculação”.
A pretensão material da Requerente enquadra-se precisamente nesta hipótese de exclusão. Com efeito, o pedido de anulação dos actos tributários alicerça-se no não preenchimento dos pressupostos legais de aplicação de métodos indirectos e no excesso de quantificação da matéria colectável, também por critérios de avaliação indirecta.
Recorda-se que, conforme atrás referido, se encontra vedada aos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões que se refiram à avaliação da base de incidência por métodos indirectos e à própria decisão do procedimento de revisão (cujo objecto respeita aos pressupostos de aplicação e à determinação da matéria tributável por métodos indirectos5).
Se a causa de pedir da presente acção se funda precisamente no erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos e no “exagero” da respectiva quantificação, então dúvidas não restam de que a apreciação dos actos de liquidação controvertidos, que materializam a decisão final do procedimento, com tais fundamentos, está excluída da jurisdição deste tribunal.
Ou seja, os actos de liquidação de IRS, IVA e juros compensatórios objecto da acção arbitral foram a consequência directa da decisão do procedimento de revisão que indeferiu as pretensões da Requerente, estando excluído dos tribunais arbitrais o conhecimento dessa decisão.
Se assim não se entendesse, tal significaria permitir, através da referida apreciação dos actos de liquidação, o julgamento de uma pretensão relativa “a actos de determinação da matéria colectável (…) por métodos indirectos” expressamente vedada pela Portaria de Vinculação, em concreto pelo artigo 2.º, alínea b) supra citado.
Aliás tal apreciação, a ser admitida (o que, reitera-se, não se afigura ser o caso), teria de ficar restrita a vícios formais relativos aos actos de liquidação, uma vez que a matéria substantiva e a sua fundamentação, estando abrangidas pelo procedimento de revisão e respectiva decisão, não podem ser conhecidas pelos tribunais arbitrais.
À face do exposto, conclui-se pela procedência da excepção de incompetência suscitada pela Requerida.
A procedência da excepção dilatória de incompetência do tribunal obsta ao (e prejudica o) conhecimento do mérito do pedido e conduz à absolvição da Requerida da instância.
3. Dispositivo
Em face do exposto, julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria e, em consequência, rejeita-se o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância.
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Valor da causa: € 30.598,93, de harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas a cargo da Requerente fixando-se o respectivo montante em €1.836,00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Notifique.
Lisboa, 22 de Outubro de 2012
A árbitro
Alexandra Coelho Martins
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.