Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, contribuinte fiscal nº … e B … contribuinte fiscal nº…, residentes na … n.º …, … – …, Lisboa, doravante designadas por “Requerentes”, requereram a constituição de Tribunal Arbitral coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112–A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade do despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativo às liquidações de Imposto do Selo (IS), emitidas em aplicação do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referentes ao ano de 2012, igualmente impugnadas, no montante global de €1.260,50, pretendendo a sua anulação, com referência ao prédio urbano em regime de propriedade total sito na …, nº …, na freguesia de…, Concelho de…, descrito sob o nº… na … Conservatória do Registo Predial de …e inscrito sob o artigo matricial nº … do respetivo serviço de finanças, conforme resulta dos documentos nºs 3 e 4 juntos em anexo ao pedido arbitral (PA).
2. Estão em causa os seguintes atos tributários:
Actos de liquidação de imposto de selo
Documentos n.ºs 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012… ; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012…; 2012… .
Indeferimento dos recursos hierárquicos n.ºs …2013… e …2013… .
3. Estas liquidações deram origem às respetivas notas de cobrança e encontram-se devidamente identificadas nos autos e confirmadas nos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos que deram origem ao presente pedido arbitral, bem assim como na resposta apresentada pela ATA.
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 04-05-2015, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 19-06-2015, a ora signatária como árbitro, para integrar o Tribunal Arbitral Singular.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 06-07-2015. Em 13-07-2015 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
6. Em 23-09-2015 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida.
7. Em 19-10-2015, foi proferido despacho arbitral, para a Requerente se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e da apresentação de alegações, tal como requerido pela ATA na sua resposta. Em 22-10-2015 veio a Requerente pronunciar-se favoravelmente à dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem assim como da apresentação de alegações, conforme o requerido pela ATA. Em 28-10-2015 foi proferido despacho arbitral, nos termos do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º2 do RJAT, a dispensar a realização da aludida reunião, a apresentação de alegações e a fixar data para prolação da decisão até 30-12-2015. Foi, ainda, notificada a Requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente até à data fixada para proferir a decisão.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
8. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, com cumulação de pedidos, no qual impugna os despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos apresentados e pugnando pela ilegalidade das liquidações de IS, determinadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2012 e a 14 das 16 divisões suscetíveis de utilização independente que integram o prédio sito na Freguesia de…, Concelho de…, já supra identificado, do qual as requerentes são comproprietárias, respetivamente, na proporção de 5/24 e 1/24, o qual se encontra em regime de propriedade total (ou vertical), a saber:
- Prédio urbano sito no Concelho de…, distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com a inscrição U-…, descrito na Conservatória do registo predial sob o n.º…, composto por 16 divisões suscetíveis de utilização independente, das quais 14 se destinam a habitação, com o Valor Patrimonial Tributário (VPT) total de €1.021.120,00;
9. Sobre este prédio a ATA liquidou IS, com referência ao ano de 2012, nos termos da verba 28.1 da TGIS, as quais incidiram sobre os VPT atribuídos a 14 das 16 divisões suscetíveis de utilização independente e com afetação habitacional. O fundamento para as ditas liquidações de imposto assenta no facto do valor global do prédio, calculado com base no somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão independente, ser superior a €1.000.000,00. Em conformidade com este entendimento o IS devido, no ano de 2012, foi de €1.260,50.
10. Em síntese, para fundamentar o seu pedido alega a Requerente que é ilegal a liquidação de IS sobre a soma do VPT das divisões suscetíveis de utilização independente que integram cada um dos prédios, em regime de propriedade total ou vertical, identificados nos presentes autos.
Impugna, assim, os despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos apresentados e, em consequência, peticiona a anulação de todas as liquidações de imposto impugnadas, quer das prestações já liquidadas, com referência ao ano de 2012, com todas as consequências legais, nomeadamente, o reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, devidos nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e 61º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
C) Da cumulação de pedidos
11. As liquidações em crise respeitam ao mesmo prédio, já supra identificado, do qual as requerentes são comproprietárias, composto por diversos andares / frações ou divisões suscetíveis de utilização independente e que se encontra em regime de propriedade vertical
O fundamento que sustenta as liquidações impugnadas assenta no disposto nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, com o qual a Requerente não se conforma.
Afiguram-se, pois, reunidos os pressupostos para a requerida cumulação de pedidos, nos termos previstos no artigo 104º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pois que existe “identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão”. Pelo que se aceita a cumulação de pedidos nos termos requeridos pela Requerente.
D – A RESPOSTA DA REQUERIDA
12. A Requerida ATA, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, por impugnação, alegou, em síntese, o seguinte:
a. Os atos tributários em causa, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos.
b. Não junta os processos administrativos por considerar que o processo está já devidamente instruído com os documentos juntos pelas Requerentes, por considerar verdadeiros e incontrovertidos os factos alegados no pedido arbitral, sendo que a matéria em litígio é exclusivamente de direito.
c. Considera, em síntese, que a norma de incidência tal qual resulta do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efetuada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 refere, literal e objetivamente, a prédios urbanos, avaliados nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, com afetação habilitacional. Pelo que, a ATA procedeu à liquidação do imposto objeto do presente pedido de pronúncia arbitral por aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.
d. Conclui que um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios. O que as requerentes pretendem assenta no pressuposto de que existe analogia entre o regime de propriedade total e da propriedade horizontal, não devendo existir diferenciação de tratamento entre os dois casos, o que do ponto de vista da ATA não é aceitável. O regime da propriedade vertical e horizontal são totalmente distintos e a lei fiscal respeita-os como tal.
e. Em suma, “as requerentes não são comproprietárias de 16 fracções autónomas, mas sim de um prédio.”
Conclui pugnando pela legalidade das liquidações de IS impugnadas e pela improcedência do pedido arbitral.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
13. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) do RJAT.
14. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
15. O processo não padece de vícios que o invalidem.
16. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, e o alegado pelas partes nos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
17. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) As Requerentes, à data do facto tributário em causa no presente processo, eram comproprietárias, o prédio urbano, em regime em regime de propriedade total ou vertical, sito na Avenida de…, nº…, na freguesia de…, Concelho de …, descrito sob o nº … na … Conservatória do Registo Predial de … e inscrito sob o artigo matricial nº … do respetivo Serviço de Finanças, na proporção de 5/24 para a 1ª Requerente e 1/24 para a 2ª Requerente;
b) Sobre este prédio a ATA liquidou IS, com referência ao ano de 2012, nos termos da verba 28.1 da TGIS, porquanto, o VPT total do prédio composto por 16 divisões com utilização independente, calculado com base no somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, tem valor superior a €1.000.000,00;
c) O valor do IS, determinado nos termos supra expostos, com referência ao ano de 2012, determinado com base no VPT atribuído a cada uma das divisões independentes com afetação habitacional foi de €1.260,50.
d) O prédio em causa é constituído por 7 pisos e 16 andares com divisões suscetíveis de utilização independente, a saber: Subcave, destinada a armazém e as restantes destinadas a habitação, cujo VPT foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI;
e) O Imposto de Selo liquidado, teve por base os seguintes VPT’s, atribuídos a cada uma das divisões independentes;
f) Cada um dos andares ou divisões independentes deste prédio tinha, à data dos factos tributários em causa no presente processo, um VPT atribuído, determinado nos termos do disposto no CIMI, compreendido entre €38.190,00 e €84.290,00, perfazendo a soma dos respetivos VPT o valor total de €1.021.120,00;
g) A ATA, para o ano de 2012, liquidou IS, por referência à verba 28.1 da TGIS, com referência ao prédio supra descrito, sobre o valor patrimonial de cada um dos andares/partes ou divisões com afetação habitacional;
h) Nesta conformidade foi liquidado IS, com referência ao ano de 2012, foi de €1.260,50, que as Requerentes pagaram;
i) As Requerentes deduziram as Reclamações Graciosas, que correram termos com os n.ºs de processo …2013… e …2013…, as quais foram indeferidas;
j) Deste indeferimento deduziram as Requerentes os respetivos Recursos Hierárquicos, os quais foram indeferidos e notificados às Requerentes por Ofícios de 25/02/2015 e de 26/02/2015, respetivamente.
k) Para efeitos de IMI cada parte ou divisão suscetível de utilização independente tem um VPT individual atribuído, como consta da respetiva caderneta predial junta aos autos, como documento n.º4, que se dá por integralmente reproduzida.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
18. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
19. Os factos supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito
20. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IS previsto na verba 28 da TGIS, no caso concreto dos autos, ou seja, de um prédio em regime de propriedade total (ou vertical), composto por diversos andares, com divisões ou partes suscetíveis de utilização independente.
Cumpre decidir.
21. Em causa nos autos está, em primeira linha, a questão de saber se o(s) proprietário(s) ou comproprietário(s) de um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, cujo VPT foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do CIMI, está sujeito à incidência de IS, por força da previsão da verba 28.1 da TGIS, sobre o somatório dos VPT daquelas divisões, quando nenhuma das referidas divisões possua um VPT superior a €1.000.000,00, mas a soma dos respetivos VPT exceda este valor.
Do quadro argumentativo exposto pelas partes, conclui-se que para a ATA, o critério de determinação da incidência do IS, previsto na verba 28.1 da TGIS, dos prédios em propriedade total (ou vertical), com andares e divisões com utilização independente e com afetação habitacional, corresponde ao somatório dos respetivos VPT atribuídos às partes ou divisões. Foi este entendimento que conduziu aos indeferimentos dos recursos hierárquicos e às liquidações de IS aqui impugnadas e que a Requerente impugna, por entender que tal juízo é ilegal, o que motivou a apresentação do presente pedido de constituição de Tribunal arbitral.
Em sentido oposto, vêm as Requerentes defender que no prédio em propriedade vertical, para efeito de incidência do IS, deve ser considerado o valor atribuído a cada parte ou divisão independente, tal como sucede em sede de IMI e conforme resulta da própria lei que remete para o CIMI a resolução de todas as questões não expressamente previstas no CIS.
Vejamos, pois, se assiste razão às Requerentes na posição que defendem no presente pedido arbitral.
22. Esta questão foi já objeto de apreciação recorrente em sede arbitral, sendo consistente a jurisprudência arbitral, no sentido oposto da ATA e em sentido positivo quanto à posição defendida pela Requerentes, podendo ver-se, a título exemplificativo, as decisões proferidas nos processos n.º, 50/2013-T, 53/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 132/2013-T, 181/2013, 183/2013-T 248/2013-T e 280/2013-T, 30/2014-T, entre outras.
No mesmo sentido, ou seja, favorável à posição defendida pelas Requerentes, se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo (STA), em Acórdão em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Francisco Rothes, no qual se decidiu que:
“I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” [1]
23. Não obstante o supra exposto, a Requerida ATA tem vindo a manter o entendimento plasmado nos presentes autos, pugnando por uma interpretação da norma contida na verba 28 e 28.1 da TGIS, assente em conceitos formais, nomeadamente no que respeita ao conceito de prédio para efeitos de incidência do IS. Ora, sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, embora não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da ratio legis subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal” [2], dito de outro modo “o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir”.[3]
Assim sendo, a questão centra-se na interpretação da norma de incidência, tal como se encontra expressa na previsão legal das verbas 28 e 28.1 da TGIS, a qual se aplica à “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afetação habitacional (28.1) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. (sublinhados nossos)
Ora, face ao teor literal do normativo supra referido, é de concluir que tal disposição legal não acolhe o entendimento perfilhado pela ATA, segundo o qual quanto aos prédios “com afetação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS, deve ser o VPT total, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos individualmente a cada fração, parte ou divisão independente.
Tal entendimento é, desde logo, contrariado pela própria letra da lei, quando inequivocamente remete para a aplicação dos princípios vigentes em sede de IMI, o que significa que a incidência para efeitos de IS – verbas 28 e 28.1 da TGIS – deverá incidir sobre cada andar ou divisão suscetível de utilização independente (à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal), tal qual sucede em sede de IMI. E, esta conclusão advém do próprio texto da lei, no qual o legislador expressou clara e inequivocamente o seu pensamento, nomeadamente, na remissão para a aplicação das regras do CIMI.
Ora, para efeitos do IMI, cada parte ou divisão suscetível de utilização independente é, como sabemos, tributada individualmente, em função do VPT individual atribuído para este efeito. A remissão para o CIMI, que o legislador introduziu, expressa e inequivocamente, na letra da lei (verbas 28 e 28.1 da TGIS) só pode ter um significado, o qual não oferece dúvida: é esse mesmo VPT (individual, de cada parte ou divisão independente) a referência para efeitos de incidência do IS consagrado nas verbas 28 e 28.1 da TGIS.
24. Por comodidade, e com a devida vénia, transcreve-se aqui a fundamentação contida na Decisão arbitral n.º 280/2013-T, por particularmente sintética e precisa:
“A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1.000.000,00;
Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS), é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão; (sublinhado nosso)
O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos;
No nº 2 do artigo 5º do mesmo Código o legislador estabelece o conceito de prédios mistos que serão aqueles em que existam realidades económicas rústicas e urbanas distintas e não haja subordinação de uma à outra;
O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros;
No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação comercial, trata-se de um prédio com partes enquadráveis na divisão habitacionais da alínea a) do nº 1 do artigo 6º e com partes enquadráveis na alínea b) do mesmo nº e artigo, mas de forma alguma será um prédio misto no conceito estabelecido no já citado artigo 5º do CIMI;
Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa colectiva;
Aliás a AT ao expurgar o VPT das partes ou divisões com afectação diversa da habitacional, para efeitos de tributação em IS, mais não fez do que usar o critério definido no nº 4 do artigo 2º do CIMI para os prédios no regime de propriedade horizontal;
Dito de outro modo, a AT, para fazer esse expurgo, considerou que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente eram verdadeiras partes autónomas de prédio em propriedade vertical preenchendo o conceito de prédio;
E mais não fez do que observar o que dispõe o nº 3 do artigo 12º do CIMI: ”cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial.
Igualmente a AT ao fazer a tributação em IMI fê-lo tributando separadamente o VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente;
A AT utilizou igual critério na tributação em IS, ao fazer o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global, verificando ser superior a €1000000,00 e somou os valores de IS apurado unitariamente;
Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artº 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;
Fazer a tributação em IS considerando o VPT global do prédio, mesmo expurgado do VPT das partes ou divisões não afectas à habitação, como pretende a requerida, não encontra suporte no CIMI, conforme remissão do nº2 do artigo 67º do CIS;
Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, como já se disse, a legislação aplicável é a mesma;
Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1.000.000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.”
25. O que se deixa exposto é, por si só, suficientemente claro para demonstrar que a tese defendida pela ATA não pode vingar. Uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o n.º 7 do artigo 23.º do CIS permite concluir quanto à determinação da matéria coletável e sequente operação de liquidação do imposto que:
“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”
Dispõe, ainda, o n.º 3 do artigo 11.º da LGT, que:
“Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
No caso em apreço, a correta interpretação da norma jurídica contida nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, deve atender, ainda, à “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, para a adequada apreciação da matéria de direito em discussão. Não esquecendo o respeito pela “unidade do sistema jurídico”, o qual se impõe, desde logo, pela coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica”. Este é, sem dúvida, um fator determinante para uma correta interpretação da norma jurídica.
Ora, o legislador expressou de forma coerente o seu pensamento nesta matéria, ao introduzir uma remissão abrangente para os princípios contidos no CIMI.
26. Posto isto, a delimitação do alcance da norma de incidência deste novo tributo deve seguir a orientação da letra e do espirito da lei.
Num primeiro plano, deve atender-se, pois, ao disposto expressamente nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, com as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, como resulta do disposto no n.º 7, do artigo 23.º, do CIS. Importa, assim, ter em conta que a sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efetuada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares e sejam residentes em país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
27. A Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.” Mas dispõe o artigo 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela referida Lei, que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT, aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do mesmo código. Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6.º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do n.º 1), esclarecendo no n.º 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Dos normativos referidos podemos concluir que, do ponto de vista do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio (é indiferente que se encontre em propriedade vertical ou horizontal) mas sim a sua utilização normal, o fim a que efetivamente se destina o prédio.
Concluímos, ainda, que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. Idêntica conclusão se extrai da remissão que o legislador introduziu em matéria de IS para o CIMI. Ora, este imposto estabelece como critério para os prédios em propriedade vertical a atribuição de um VPT a cada uma das partes ou divisões independentes. O que releva é, pois, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização, ou seja, “com afectação habitacional”.
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
Do disposto no n.º 4, do artigo 2.º do CIMI, resulta que:
“Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Acrescentando ainda o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI que:
“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”. (sublinhado nosso)
28. Face ao disposto nos normativos supra mencionados, o critério de “oportunidade” adotado pela ATA ao optar (sem fundamento legal) pelo critério do somatório dos VPT atribuídos a cada divisão suscetível de utilização independente, não se afigura conforme à lei, nem ao princípio da legalidade fiscal, pelo que as liquidações impugnadas estão inquinadas por vício de violação de lei, por manifesto erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.
Assim, a interpretação defendida pela ATA viola o princípio da legalidade fiscal, além do que, a sua aplicação ao caso concreto violaria, também, os princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, todos consagrados na Constituição da República Portuguesa. O seu resultado prático conduziria, por exemplo, à tributação de um prédio em propriedade vertical por força do somatório dos valores individuais das suas partes ou divisões independentes (como sucede no caso dos autos) e à não tributação das frações de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, ainda que cada fração tivesse um VPT de €999.999,00. Acresce ainda que, pelo critério da ATA, muitos dos prédios urbanos existentes em propriedade vertical, apesar de mais antigos, facilmente podem alcançar o valor de referência para a incidência do IS, enquanto prédios de construção recente e, por vezes, luxuosa, em regime de propriedade horizontal, mas cujo VPT por fração não iguale ou ultrapasse o valor de €1.000.000,00 não fica sujeito ao imposto. Ora, fere a sensibilidade e o mínimo ético fundamental subjacente à interpretação e aplicação da norma jurídica que conduzisse a tal solução. Por fim, tal interpretação (como pretende a ATA) traduziria, também, uma ofensa clara, ao princípio da interpretação conforme à Constituição, atentos os princípios da igualdade e equidade fiscal, da legalidade, proporcionalidade e justiça, consagrados nos artigos 13.º, 103.º, 104.º, n.º3, da CRP, bem assim como no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, da LGT.
Mas, dito isto, importa salientar que o problema não reside na norma contida na verba 28 e 28.1 da TGIS, a qual, salvo melhor opinião, não se afigura violadora dos princípios supra referidos, mas sim e tão só na interpretação que a ATA vem fazendo da mesma e na aplicação concreta que tem vindo a promover, essa sim, muito além do que a letra e o espirito da norma permitem alcançar.
Recorde-se a este propósito o entendimento vertido na Decisão Arbitral nº 50/2013-T, do CAAD, de 29-10-2013:
“Por resolver continua a questão que tem a ver com a determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, como sucede nos presentes autos, que a AT considera como um todo apesar de serem constituídos por várias partes autónomas para habitação, com utilização independente e que, desta forma, podem facilmente ultrapassar um milhão de euros.
Pois bem, este critério de oportunidade adotado pela AT não se afigura aceitável, nem conforme ao princípio da legalidade fiscal.
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.»
Ora, sendo assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
Aliás, a AT admite que este é o critério, razão pela qual a própria liquidação emitida é muito clara nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT do 2º andar e a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a esse mesmo andar.
Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00. (…)
O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.
Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.” [4]
29. Em suma, o legislador fiscal não poderia tratar situações iguais de forma diferente, não o desejou nem o expressou na letra da lei, bem pelo contrário, teve o cuidado de remeter expressamente para o CIMI, no âmbito do qual cada divisão independente é tributada em função do seu VPT atribuído. Mas se dúvidas houvesse, o recurso à ratio legis e aos princípios de interpretação supra expostos, sempre nos conduziriam no sentido oposto ao que vem sendo defendido pela Requerida. Se os prédios em causa nos presentes autos se encontrassem em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do imposto que pretende tributar os prédios ou habitações de luxo.[5]
De resto, como já se disse, o pensamento do legislador expresso na norma de incidência, ao remeter para a aplicação do CIMI, foi claro e inequívoco, seguindo o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal e da uniformidade do sistema jurídico.
30. A tudo o que vem sendo dito, acrescentar-se-á apenas isto: ainda que, hipoteticamente, fosse concedível que nos casos de prédios em propriedade total (ou vertical), constituídos por divisões suscetíveis de utilização independente, se pudesse considerar exigível IS pela totalidade do prédio, se atingido o valor fixado na verba 28.1 da TGIS, sempre tal valor haveria de ser fixado autonomamente, através de uma avaliação própria, e não através da soma dos valores em que cada uma das partes suscetíveis de utilização independente foi, autonomamente avaliada. Efetivamente, e como é bom de ver, o “valor de mercado” do todo, não será necessariamente – e não o será, por regra – igual à soma das partes, sendo consabidamente mais fácil e lucrativa (o que até constituirá parte do fundamento económico do instituto da propriedade horizontal) a venda “às partes” do que a venda global do todo, desde logo pelo alargamento de mercado, que o preço substancialmente mais baixo das partes em relação ao todo aporta.
31. Aliás, e de resto, será este acréscimo de valor económico decorrente da divisão, que justificará uma avaliação independente de cada parte autónoma do prédio em propriedade total, de modo a assegurar que não haja menos receita fiscal, em sede de IMI e IMT, pelo facto de a divisão do prédio não ter correspondência jurídica na forma de propriedade horizontal. Dito de outro modo, a partição do prédio acarreta sempre um acréscimo de valor do todo, uma vez que o valor “de mercado” do todo será, (pelo menos) por regra, inferior ao valor “de mercado” das partes, separadamente. Pelo que, e no limite, caso a ATA pretendesse, legitimamente, aplicar a verba 28.1 da TGIS a um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, sempre estaria obrigada a uma avaliação do mesmo como um todo (que fosse uma aproximação credível ao seu valor “de mercado” por “grosso”) e não como soma das partes (a “retalho”), desde logo porque, estas não são suscetíveis de ser, de forma válida, colocadas no “mercado” separadamente.
32. No caso dos presentes autos o prédio em causa encontra-se em propriedade vertical e contêm andares e divisões com utilização independente, destinados a armazém e a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na verba 28.1 da TGIS.
Assim, não apresentando a ATA, e não se descortinando oficiosamente qualquer motivo para divergir fundadamente da jurisprudência arbitral citada, bem assim como da jurisprudência do STA supra mencionada, adere-se sem mais considerações à jurisprudência supra citada, julgando procedente o pedido arbitral formulado no presente processo.
Nesta conformidade, os despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos e as liquidações de imposto de selo subjacentes, atos tributários impugnados no presente pedido arbitral, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que devem ser anulados.
V - Juros indemnizatórios
33. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídos os montantes que, relativamente aos atos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à ATA, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
34. Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
35. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
36. Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a ATA dar execução à presente Decisão Arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos art.ºs. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI - DECISÃO
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral coletivo:
a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos tributários objeto dos presentes autos e condenar a ATA a restituir à Requerente os valores de imposto que tenham sido pagos, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o respetivo pagamento até ao dia do efetivo reembolso das quantias indevidamente pagas.
b) Condenar a ATA nas custas do processo, no montante de €306,00.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €1.260,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida ATA, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de dezembro de 2015
O Tribunal Arbitral Singular,
Maria do Rosário Anjos
(Árbitro: Prof. Doutora Maria do Rosário Anjos)
[1] Vd. Ac. STA, de 09-09-2015, proferido no processo n.º 047/15, disponível in www.dgsi.pt)
[2] Neste sentido, vd. BAPTISTA MACHADO (1983) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, págs. 181 e ss.
[3] Neste sentido, vd. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis – traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade (1978) 3ª edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, pág.137 e ss. Ou ainda, no mesmo sentido, vd. Manuel a. Domingues de Andrade, in Ensaio sobre a teoria da interpretação das Leis. Colecção Stvdivm, Temas Filosóficos, Jurídicos e Sociais (1978) 3ª edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, pág. 23 e ss.
[4] Ainda a este propósito, vd. recente Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 590/2015, de 11-11-2015, in proc. 542/2014, 2ª secção. Deste Acórdão resulta que a norma contida na verba 28 e 28.1 da TGIS não se encontra ferida de inconstitucionalidade, desde que a sua aplicação concreta respeite os limites contidos na própria norma. A este propósito, aliás, o Tribunal Constitucional cita parte da Decisão Arbitral nº 50/2013-T, para corroborar este entendimento sobre o sentido e alcance da norma em causa, colocando a questão no plano da interpretação e aplicação concreta da norma jurídica, a qual deve respeitar os cânones da hermenêutica jurídica. (Cfr. Acórdão citado, páginas 16 e seguintes.)
[5] Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, n.º 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”