Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 146/2015-T
Data da decisão: 2015-12-16  IRS  
Valor do pedido: € 146.204,64
Tema: IRS/2013; mais-valias, reinvestimento; artigo 10º-5/c), do CIRS
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Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Carla Castelo Trindade e Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

A…, NIF…, residente na Rua de…, nº …, … …, …-… Lisboa, veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5.º, 10.º n.º 1 alínea a), e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com os fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do artigo 99º do CPPT, deduzir o presente pedido de constituição de Tribunal e pronúncia arbitral.

 

Objeto do pedido

São objeto do pedido os atos de liquidação de IRS relativo ao ano de 2013 e respectivos juros compensatórios, resultantes da correção oficiosa da declaração de rendimentos, modelo 3, anexo G, a saber:

 

Tributo

Período

Nº da Liquidação

Nº Doc. Cobrança

DUC

Valor

Prazo pagamento

DOC.

IRS

2013

2014 …

2014 …

146.204,64€

14-01-2015

Nº 1

 

Juros Comp.

2014.06.01 a

2014.11.19

2014 …

_

2.704,87€

10-10-2014

Nº 2

TOTAL-

146.204,64€

-

 

Delimitação do pedido de pronúncia arbitral

O pedido de pronúncia arbitral abrange apenas a impugnação dos atos de liquidação resultantes da correção oficiosa na parte em que a AT considerou que não estão cumpridos os requisitos para reinvestimento do valor de realização.

Ou seja, o Requerente não pretende impugnar a correção do valor de despesas e encargos de € 121.028,00 para € 108.052,05.

 

Factos alegados com interesse para a decisão

São os seguintes os factos essenciais alegados pela Requerente:

 

1.                  Em 21 de Setembro de 2009, por escritura pública lavrada pelo Notário …, com cartório notarial na Av…, nº …-…, no…, exarada de folhas 140 a folhas 142 verso do Livro nº …-…, com documento complementar, o Requerente comprou, pelo preço de €310.000,00 (trezentos e dez mil euros), livre de ónus ou encargos, o prédio urbano, para habitação, sito na Rua…, lote…, …, …, freguesia de…, concelho de Setúbal, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº … da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo provisório …, à data sem valor patrimonial tributário atribuído (cf. Doc. nº 3).

2.                  Nessa mesma data o Requerente contraiu dois empréstimos junto da Caixa Geral de Depósitos: um, para aquisição do referido imóvel, de valor igual ao respectivo preço, de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros); outro, no valor de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), para obras, ficando ambos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel (cf. Docs. nºs. 3 e 4).

3.                  O Requerente declarou na escritura de aquisição que o imóvel adquirido se destinava “a sua habitação própria secundária” (cf. Doc. nº 3).

4.                  Fê-lo a rogo da entidade bancária e unicamente para efeitos de fixação das condições do financiamento (spread e outras).

5.                  Após ter realizado obras de conservação no imóvel referido no nº 1 supra, o Requerente afetou-o a sua habitação própria permanente.

6.                  Nessa ocasião teve o cuidado de alterar o seu domicílio fiscal, como era sua obrigação, passando a fazer constar nos seus dados gerais a nova morada, a saber: Rua…, nº…, …, …-… Azeitão.

7.                  Essa alteração foi aceite e reconhecida pelos órgãos da Autoridade Tributária, como se pode constatar, nomeadamente: (a) pela Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2010, Liquidação nº 2011 … de 2011-07-05, que se junta como Doc. nº 5, e (b) pela Caderneta Predial Urbana que se junta como Doc. nº 6.

8.                  O Requerente usou o referido imóvel como sua habitação própria permanente durante 3 anos sem qualquer objecção por parte da AT.

9.                  Em 29 de Novembro de 2013, por escritura pública lavrada pelo Notário …, com cartório notarial em …, na…, Edifício…, … andar, sala…, exarada de folhas 16 a folhas 17 verso do Livro nº…, o Requerente vendeu, pelo preço de € 985.000,00 (novecentos e oitenta e cinco mil euros), livre de ónus ou encargos, o referido prédio urbano, melhor identificado no nº 1 supra, já inscrito na nova matriz da freguesia União das Freguesias de … (… e…) sob o artigo…, com o valor patrimonial tributário de € 283.517,63 (cf. Doc. nº 7).

10.              Em 28 de Maio de 2014, o Requerente apresentou, via internet, a sua 1ª declaração de rendimentos IRS Modelo 3, relativa a 2013, com o Anexo G, a que coube a identificação …-… -12, nela fazendo constar a mais-valia proveniente da alienação do imóvel em apreço e a intenção de reinvestimento, em obediência ao disposto na alínea c) do nº 5 do artigo 10º do CIRS (cf. Doc. nº 8):

 

 

 

 

 

 

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

Despesas e encargos

2013

11

985.000,00

2009

7

710.000,00

72.015,05

 

5

REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação 

505

526.863,64

Valor de realização que pretende reinvestir

506

458.136,36

       

 

11.              Porém, por manifesto lapso de escrita ([1]) do anterior TOC (719) do Requerente,  indicou-se como valor de aquisição € 710.000,00 em lugar dos € 310.000,00 (tomando-se o algarismo 7 pelo algarismo 3).

12.              Para rectificação desse erro involuntário, o Requerente apresentou em 08 de Agosto de 2014, a 1ª declaração de substituição da declaração de rendimentos IRS Modelo 3, relativa a 2013, com novo Anexo G, a que correspondeu a identificação …-… -2, mantendo a declaração de intenção de reinvestimento da mais-valia proveniente da alienação do imóvel em apreço (cf. Doc. nº 9) como segue:

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

Despesas e encargos

2013

11

985.000,00

2009

7

310.000,00

164.563,88

 

5

REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação 

505

526.863,64

Valor de realização que pretende reinvestir

506

458.136,36

       

 

13.              O Serviço de Finanças de Setúbal-… enviou ao Requerente, por correio registado, RD…PT, o Ofício nº … datado de 2014-09-18 (cf. Doc. nº 10), com seguinte teor:

            Assunto: NOTIFICAÇÃO PARA O DIREITO DE AUDIÇÃO

            Notifica-se V. Exa., nos termos e para os efeitos do disposto no artº 60º da LGT, e no prazo de 15 dias, de que poderá, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão de correcção aos elementos declarados na declaração de IRS do ano de 2013, pelo facto de ter declarado a alienação do imóvel descrito como prédio urbano inscrito sob o artigo …, da União de Freguesias de…, concelho de Setúbal, pelo valor de € 985.000,00, alienado em 2013/11, com intenção de reinvestimento, pelo que deve comprovar o valor de empréstimo ou o valor de reinvestimento declarado.

            O direito de audição poderá ser exercido por escrito ou oralmente.

            Optando pela primeira forma, o documento que concretize esse direito, deverá ser enviado para este Serviço de Finanças, fazendo menção ao número e data do presente ofício.

            No caso de pretender pronunciar-se oralmente deverá comparecer neste Serviço de Finanças da área da sua residência, dentro do mesmo prazo, a fim de ser lavrado o termo de declarações.

Todavia, face à correcção proposta, se assim o entender, poderá dentro do mesmo prazo, proceder á regularização voluntária, mediante a entrega de uma declaração de substituição no Serviço de Finanças da área da sua residência, ou por via electrónica.

            Com os melhores cumprimentos

            O Chefe de Finanças

14.              Em 14 de Outubro de 2014, o Requerente apresentou a 2ª declaração de substituição” (cf. Doc. nº 11) da declaração de rendimentos IRS Modelo 3, relativa a 2013, com novo Anexo G, a que coube a identificação …-… -30, assinalando, mais uma vez, no Quadro 5, a sua intenção de reinvestimento após ter rectificado o “valor do empréstimo à data a alienação”, cingindo-se este ao empréstimo atinente à aquisição (sem contemplar o empréstimo para obras), e também o “valor das despesas e encargos”, tudo como segue:

 

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

Despesas e encargos

2013

11

985.000,00

2009

7

310.000,00

164.563,88

 

5

REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação 

505

296.957,32

Valor de realização que pretende reinvestir

506

688.042,68

       

 

15.              Em 03 de Novembro de 2014, por correio registado RY…PT, a Direção dos Serviços de IRS notificou o Requerente (cf. Doc. nº 12) de que:

                        «A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2013, com a identificação …/30, foi selecionada para análise por ter(em) sido detectada(s) as seguintes situação(ões):

Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afectação a atividade profissional.

 

16.              Em 18 de Novembro de 2014, o TOC (…) do Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças Lisboa-… e forneceu a documentação relativa à alienação do imóvel e às respectivas despesas e encargos (cf. comprovativo de presença que se junta como Doc. nº 13).  

17.              Em 20 de Novembro de 2014, o Serviço de Finanças de Lisboa-…, enviou ao Requerente o Ofício nº…, registado com aviso de recepção, RF…PT, (cf. Doc. nº 14) com o seguinte teor:

                        Assunto: NOTIFICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOS (ART. 66º DO CIRS) – IRS 2013

                        Fica por este meio notificado, nos termos do art. 66º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que após a apresentação de documentos comprovativos de despesas e encargos e valores em dívida conforme declaração em anexo G, após notificação para audição prévia conforme nosso ofício nº GI-… de 2014-09-18 verificou-se que foi necessário corrigir o valor de despesas e encargos de €121.028,00 para € 108.052,05.

Mais se verificou que não estão cumpridos os requisitos para reinvestimento do valor de realização por o imóvel não ter sido afectado a habitação própria e permanente como se afere da liquidação de IMT nº…, escritura de compra e venda lavrada em 2009-09-21 e alteração de domicílio fiscal mais de seis meses após a aquisição.

            A fundamentação para a correção decorre dos termos do art.º 10º do CIRS, conjugado com o art.º 11º, nº 7, al.) b) do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e art.º 51º do CIRS.

            Assim será elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto que se mostar em falta, sendo de acrescer juros compensatórios devidos e insaturado procedimento contra-ordenacional para exigência da coima devida.

            Da liquidação consequente pode ser apresentada reclamação ou impugnação nos termos e fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conforme previsto no art.º 140º do CIRS.

                        Com os melhores cumprimentos.

                        A Chefe de Finanças Adjunta

18.              Em 28 de Novembro de 2014, o novo TOC (…) do Requerente enviou, por telecópia, uma comunicação (cf. Doc. nº 15) ao Serviço de Finanças Lisboa-…, com o seguinte teor:

                        TELEFAX

                        Pedido de Reavaliação de Decisão

            De: …

            NIF …

            Para: Serviço de Finanças de LISBOA…

            a/c Técnico …e

            Chefe de finanças adjunta, Dra. …

            Data: 28 de Novembro de 2014

            Assunto: Pedido de rectificação do vosso ofício … de 20/11 por conter erros – 3 PAG

            Exmos senhores,

            Venho por este meio informar que o vosso número … contém dados que não estão correctos. Em causa está a conclusão que o prédio vendido em causa não constitui habitação própria permanente do Sr. ….

            De facto, tal imóvel foi adquirido como habitação secundária e liquidado o IMT respectivo ainda em 2009. No entanto mais tarde, passou a ser a residência permanente.

            Junto anexo documentos que comprovam que em 2011 já o era, mais de dois antes da venda realizada em Novembro de 2013.

            Desta forma, vimos solicitar que o valor de realização constante na declaração de modelo 3 para reinvestimento seja considerado como válido porque o imóvel era, de facto, habitação própria e permanente há mais de dois anos.

                        Em representação de…, assino.

                                                 …

                                               TOC …

            18A - Em síntese, a AT considera que não está preenchida a previsão da norma negativa de incidência consagrada na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, com os seguintes fundamentos:

(1) «… por o imóvel não ter sido afectado a habitação própria e permanente como se afere da liquidação de IMT nº…, escritura de compra e venda lavrada em 2009-09-21»;

(2) «… e alteração de domicílio fiscal mais de seis meses após a aquisição».

(3) «A fundamentação para a correcção decorre dos termos do art.º 10º do CIRS, conjugado com o art.º 11º, nº 7, al.) b) do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e art.º 51º do CIRS.»

19.              Todavia, a isenção ou redução de taxa de IMT não é requisito ou condição para a exclusão da tributação em sede de IRS a que alude o artigo 10º nº 5 do CIRS.

20.              Por aí se vê, também com muita clarividência, que o dito prazo de 6 meses para a afectação a habitação própria permanente está consagrado exclusivamente para o imóvel “de chegada” objecto do reinvestimento.

 

Domicílio fiscal versus habitação própria permanente

21.              O tema a decidir pelo Tribunal Arbitral circunscreve-se ao regime da exclusão da tributação das mais-valias prediais provenientes da alienação de imóvel destinado a habitação própria permanente.

22.              Aliás, muito concretamente, a pronúncia arbitral respeita apenas à “suspensão” da liquidação de imposto sobre o ganho, face ao manifesto de intenção de reinvestimento na aquisição de outra habitação própria com o mesmo destino.

23.              O cerne da questão reside, pois, nessa afectação

24.              É um tema que já fez correr alguma tinta e sobre o qual existe vária jurisprudência e doutrina fiscal. ([2])

25.              O que é deveras curioso constatar é a disparidade na fundamentação adoptada pela AT para escorar os atos tributários nesta categoria de rendimento consoante a conveniência do caso concreto.

26.              Umas vezes a AT entende que a afectação para habitação própria permanente deve aferir-se pelo domicílio fiscal do sujeito passivo.

27.              Nesses casos, evoca razões de certeza e segurança jurídicas no reconhecimento dos benefícios fiscais e exclusões tributárias, estribadas no conceito de habitação própria permanente consagrado no artigo 46º do EBF e na obrigação acessória de comunicação de alteração do domicílio fiscal e sua ineficácia ou inoponibilidade da que porventura não seja efectuada, com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 19º da LGT e 43º, nº 2, do CPPT (v.g. posição adoptada pela AT no Proc. 103/2013-T do CAAD, no qual foi proferida Decisão Arbitral em 25.11.2013, ainda não transitada em julgado). 

28.              Outras vezes, a AT entende que cabe ao sujeito passivo a alegação e o ónus da prova de factos concretos reveladores dessa afectação a habitação própria permanente, desconsiderando, portanto, o domicílio fiscal do sujeito passivo (v.g. a posição adoptada pela AT no Proc. 37/2013-T do CAAD, no qual foi proferida Decisão Arbitral em 29.11.2013, ainda não transitada em julgado).

29.              No caso em apreço, porém, é indiscutível que a AT seguiu o critério do domicílio fiscal.

30.              Pelo menos é a conclusão que se pode extrair da fundamentação dos actos tributários impugnados, na qual a AT fez referência expressa ao domicílio fiscal do Requerente.

31.              De resto, foi através da alteração do domicílio fiscal do Requerente que a AT procedeu ao cômputo do aludido prazo de 6 meses, como marco do início da afectação ao uso habitacional permanente.

32.              Prazo esse que, não é de mais repeti-lo, a lei não consagra para a afectação do imóvel de “partida”, tão só para o de “chegada” e cuja única fonte legal é a alínea a) do nº 6 do artigo 10º do CIRS e não o artigo 11º do CIMT.       

33.              Ocorre referir, a este propósito, que na fundamentação dos actos impugnados a AT não contesta a afectação do imóvel “de partida”, à data da sua alienação, como habitação própria permanente do Requerente.

34.              Aliás, está à vista que não solicitou, em sede de audiência prévia, quaisquer elementos de prova da permanência estável e duradoura do Requerente nesse imóvel, nem pôs em causa esse facto.

35.              Aquando da formação do acto tributário a AT não reagiu nem questionou que o Requerente tinha efectivamente o seu domicílio fiscal no imóvel de partida.

36.              A AT não contestou que o domicílio fiscal não fosse a residência habitual e permanente do Requerente, de resto, isso é absolutamente claro pela fundamentação do acto, pois, nela não se põe em dúvida que o sujeito passivo ali instalou o seu lar ou que ali recebeu a sua correspondência ou que ali conviveu ou que ali teve o centro da sua economia doméstica até ter efectuado a alienação que lhe proporcionou a mais-valia (ganho) que declaradamente pretende reinvestir noutra habitação com o mesmo destino.     

37.              Consequentemente não se nos afigura necessário, nem exigível ao Requerente, desenvolver esforço probatório, nomeadamente com recurso a prova testemunhal, para demonstração de uma realidade que a AT aceitou – ou pelo menos não contestou - aquando da formação dos actos tributários ora impugnados e que não constitui sequer fundamento dos mesmos.

38.              O artigo 19º da LGT é muito claro ao estabelecer que o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da sua residência habitual; não fazendo distinção entre domicílio fiscal e residência habitual.

39.              A alteração de domicílio fiscal é obrigatória e só se torna eficaz perante a AT depois de ter sido comunicada pelo sujeito passivo (cf. artigo 19º, nº 3 e 4, da LGT).

40.              É certo que nada obsta a que a AT, no âmbito do procedimento tributário, solicite ao sujeito passivo, ao abrigo do dever de cooperação, que lhe demonstre a veracidade desse facto, isto é, que a sua residência habitual é efectivamente aquela que indicou como domicílio fiscal, nomeadamente com recurso a qualquer meio de prova admitido por lei.

41.              «Em matéria de procedimento administrativo tributário, vigora o princípio da prova livre. A lei não fixa as provas que têm relevância legal, devendo a Administração fiscal servir-se dos elementos probatórios que, na sua opinião, são necessários para esclarecimento dos factos. Os meios provatórios tradicionais, já o referimos, serão a obtenção de documentos, a opinião de peritos, a contabilidade, o exame “in loco”, etc.» ([3])

42.              Concede-se que a AT continua a gozar da prerrogativa de rectificar/ alterar oficiosamente o domicílio fiscal do sujeito passivo quando, após audição prévia deste, reúna prova sólida e idónea (não proibida por lei) de que a residência habitual é noutro local que não aquele que lhe foi “comunicado” como domicílio fiscal (cf. actual nº 9 e anterior nº 8, do 19º da LGT, com a renumeração dada pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2015).

43.              Mas no caso em apreço não só não o fez como não pôs em causa que o local da residência habitual do Requerente tivesse sido o domicílio fiscal.

           

O Princípio da Legalidade Tributária

44.              Estatui o nº 1 do artigo 8º da LGT que estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contraordenações fiscais.

45.              “Essa disposição visa a reafirmação e desenvolvimento do princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 103º, nº 2, da Constituição”.

46.              Com efeito, como refere ANTÓNIO LIMA GUERREIRO ([4]) «Não é seu propósito interpretar autenticamente a C.R.P., o que não poderia fazer dada a posição inferior ocupada pela Lei Geral Tributária, mero decreto-lei, no plano da hierarquia das normas tributária.»  

47.              «Doutrinariamente, costumam ainda apontar-se os seguintes corolários do princípio da legalidade tributária: (i) premência de lei; (ii) reserva de lei parlamentar (ou reserva – absoluta – de lei formal) e finalmente, (iii) princípio da tipicidade. (…)

(…) o princípio da tipicidade (mais evidente na fase da incidência), implica que tudo aquilo que não estiver compreendido no elenco fechado preestabelecido não existe para efeitos fiscais, levando implícito o princípio da determinabilidade, que se manifesta designadamente nas norma interpretativas e de integração de lacunas no âmbito do Direito Fiscal.» ([5])   

48.              A propósito do princípio da tipicidade ocorre-nos evocar aqui também a motivação da recomendação do Provedor de Justiça nº 18/A/2012 (Proc. nº R-5515/10), sobre questão em torno da interpretação do artigo 10º do CIRS, cuja reprodução se encontra na Decisão Arbitral CAAD nº 84/2012-T, proferida pela Dra. Maria do Rosário Anjos:  

«(…) As normas ínsitas no artigo 10º do Código do IRS são, por definição, normas de incidência tributária, isto é, grosso modo, normas que tipificam os factos sobre os quais, quando e se verificados, poderá recair imposto sobre o rendimento, no caso.

Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, é à Assembleia da República que cumpre determinar os elementos essenciais dos impostos, isto é, para além da taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, também o elemento essencial que é a incidência da norma, é questão objecto da reserva de lei, em benefício do princípio da tipicidade legal»    

49.              E, agora, fazendo nossas as sensatas palavras dessa ilustre jurista do norte, diremos que:

«(…) em obediência ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, não pode o aplicador de uma norma de incidência tributária extravasar os limites que essa mesma norma impõe como condição ou pressuposto para a sua aplicação.»    

50.              Não defendemos, obviamente, uma interpretação da legalidade tributária absolutamente cega e rígida a ponto de não permitir qualquer margem de oportunidade e nem quaisquer poderes de livre apreciação técnica ou probatória da Administração Tributária. Nada disso.

51.              Apesar da rigidez com que o princípio da legalidade está consagrado no texto constitucional, concedemos, como não pode deixar de ser, que a Administração Tributária dispõe dessa margem de decisão para poder fazer a subsunção casuística aos conceitos por vezes indeterminados estabelecidos na lei. ([6])

52.              No entanto, não podemos deixar de chamar a atenção deste Tribunal Arbitral para a especificidade da interpretação da lei tributária no caso em exame, que se insere no plano do direito tributário material negativo. Isto é, de regras que afastam a tributação normal (quer por desagravamentos fiscais estruturais, quer por benefícios fiscais especiais), onde a segurança jurídica e a protecção da confiança reclamam uma interpretação literal das normas ([7]).     

53.              O que não consta como elemento da norma, ou seja, o que não consta da sua previsão (facti species; que significa o modelo de facto) não pode a AT suprir com recurso à analogia ou a qualquer outro critério, por muito racional que se apresente.

54.              Assim, seja a circunstância do imóvel de partida ter sido comprado com a liquidação de IMT, seja a menção na escritura de que o mesmo se destinava a sua habitação própria secundária, seja alteração desse destinado para habitação própria permanente do Requerente quando já haviam decorrido mais de seis meses contados da aquisição, nada disso releva para o tatbestand da norma de exclusão da incidência.           

55.              No caso em apreciação, como acima se disse, o sujeito passivo ainda não efectuou o reinvestimento do ganho apenas proferiu nos termos da lei a declaração de que é a sua intenção realizar essa aplicação dentro do prazo legal estabelecido para o efeito, isto é, nos 36 meses contados da data da alienação do imóvel, cujo termo ocorrerá em 20 de Novembro de 2016.

56.              Por outras palavras, a exclusão da tributação deve ocorrer sempre que o imóvel de partida tenha sido destinado a habitação própria permanente do sujeito passivo ainda que em data posterior à sua aquisição.

57.              O prazo de 6 meses estabelecido na lei e ao qual a AT faz alusão (cf. artigo 10º, nº 6, al. a), do CIRS) diz exclusivamente respeito à afectação do “imóvel de chegada”.

58.              Essa alocação ao uso habitacional permanente não tem que ser acto imediato à aquisição (e não raras vezes nem pode sê-lo, designadamente pela necessidade de realização de obras e/ou da existência de outra habitação própria permanente ainda em processo de venda).

59.              A norma não obriga a qualquer “declaração” na escritura de aquisição dos imóveis (quer de partida quer de chegada) sobre o uso imediato e efectivo como habitação própria permanente - o que aliás seria manifestamente inconciliável com a previsão e estatuição legais de que o sujeito passivo poderá adquirir o imóvel de chegada antes de ter alienado o imóvel de partida e ainda assim beneficiar da exclusão da tributação sobre o ganho obtido nesta última operação se o reinvestir na aquisição efectuada nos 24 meses anteriores.

60.              A norma também exige que o imóvel tenha sido adquirido exclusivamente para esse fim habitacional ([8]), nem tão pouco que tenha beneficiado da isenção de IMT consagrada no artigo 9º do CIMT, aliás, não havendo qualquer remissão expressa para esse normativo no nº 5 do artigo 10º do CIRS ([9]).

61.              A lei exige, tão só, que o imóvel de partida tenha sido efectivamente “destinado” a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (não estabelecendo o legislador qualquer prazo para o início ou duração dessa afectação) ou seja, conquanto que seja esse o destino efectivo à data da alienação.

62.              De sorte que deve ser reconhecido ao Requerente o direito à “suspensão” da liquidação do imposto (IRS) sobre o ganho obtido na alienação do imóvel que serviu como sua habitação própria e permanente, durante vários anos, de acordo com o manifesto de intenção de reinvestimento, nos termos da lei, que poderá ter lugar até 20 de Novembro de 2016.

63.              Consequentemente deve ser anulado o acto tributário por enfermar de ilegalidade.

 

            Pedido de pronúncia arbitral

 

Pede a Requerente a anulação dos atos de liquidação de IRS relativo ao ano de 2013 e respectivos juros compensatórios, tudo no valor global de €146.204,64, com todas as legais consequências. 

 

Este Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 11 de Maio de 2015, após designação dos árbitros pelo Sr Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nos termos regulamentares.

 

Foi notificado o Sr Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos termos e para os efeitos do artigo 17º, do RJAT.

 

Resposta da AT

A AT apresenta resposta alegando, no essencial e em síntese:

 

Fundamentação dos atos tributários 

 

1. A fundamentação dos actos impugnados consta do Ofício nº…, de 20 de Novembro de 2014, do Serviço de Finanças de Lisboa-…, registado com aviso de recepção RF …PT, (cf. Doc. nº 3) com o seguinte teor:

            Assunto: NOTIFICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOS (ART. 66º DO CIRS) – IRS 2013

            Fica por este meio notificado, nos termos do art. 66º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que após a apresentação de documentos comprovativos de despesas e encargos e valores em dívida conforme declaração em anexo G, após notificação para audição prévia conforme nosso ofício nº GI-…de 2014-09-18 verificou-se que foi necessário corrigir o valor de despesas e encargos de € 121.028,00 para € 108.052,05.

Mais se verificou que não estão cumpridos os requisitos para reinvestimento do valor de realização por o imóvel não ter sido afectado a habitação própria e permanente como se afere da liquidação de IMT nº…, escritura de compra e venda lavrada em 2009-09-21 e alteração de domicílio fiscal mais de seis meses após a aquisição.

A fundamentação para a correcção decorre dos termos do art.º 10º do CIRS, conjugado com o art.º 11º, nº 7, al.) b) do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e art.º 51º do CIRS.

Assim será elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto que se mostar em falta, sendo de acrescer juros compensatórios devidos e insaturado procedimento contra-ordenacional para exigência da coima devida.

Da liquidação consequente pode ser apresentada reclamação ou impugnação nos termos e fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conforme previsto no art.º 140º do CIRS.

Com os melhores cumprimentos.

A Chefe de Finanças Adjunta

Em síntese, a AT considera que não está preenchida a previsão da norma negativa de incidência consagrada na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, com os seguintes fundamentos:

            (1) «… por o imóvel não ter sido afectado a habitação própria e permanente como se afere da liquidação de IMT nº…, escritura de compra e venda lavrada em 2009-09-21»;

 

            (2) «… e alteração de domicílio fiscal mais de seis meses após a aquisição».

 

            (3) «A fundamentação para a correcção decorre dos termos do art.º 10º do CIRS, conjugado com o art.º 11º, nº 7, al.) b) do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e art.º 51º do CIRS.»

 

Reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e alegações.

Por despacho de 8-6-2015 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT porquanto não foram desde logo arroladas quaisquer testemunhas. Pelo mesmo despacho as partes foram notificadas para simultaneamente apresentarem alegações finais escritas.

 

Alegações

Ambas as partes apresentaram as suas alegações, por escrito em que concluíram, no essencial, como o haviam feito nos respetivos articulados.

 

Saneador

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir a decisão quanto ao mérito do pedido.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

 

O objeto do pedido de pronúncia arbitral

São objeto desta impugnação os atos de liquidação de IRS/2013 do Requerente resultantes da correção oficiosa da parte em que a AT considerou que não estão cumpridos os requisitos para reinvestimento do valor de realização, ou seja: não é objeto de impugnação a correção do valor de despesas e encargos de €121.028,00 para €108.052,05.

 

Factos provados

Os factos provados com interesse para a decisão da causa (cfr artigo 5º, do CPC), são os seguintes:

 

a) O Requerente foi notificado dos atos de liquidação de IRS relativo ao ano de 2013 e respectivos juros compensatórios, resultantes da correção oficiosa da sua declaração de rendimentos, modelo 3, anexo G, a saber:

Tributo

Período

Nº da Liquidação

Nº Doc. Cobrança

DUC

Valor

Prazo pagamento

DOC.

IRS

2013

2014 …

2014 …

146.204,64€

14-01-2015

Nº 1

 

Juros Comp.

2014.06.01 a

2014.11.19

2014 …

_

2.704,87€

10-10-2014

Nº 2

TOTAL-

146.204,64€

-

 

b) Em 21 de Setembro de 2009, por escritura pública lavrada pelo Notário…, com cartório notarial na Av…., nº …-.., no…, exarada de folhas 140 a folhas 142 verso do Livro nº …-…, com documento complementar, o Requerente comprou, pelo preço de €310.000,00 (trezentos e dez mil euros), livre de ónus ou encargos, o prédio urbano, para habitação, sito na Rua…, lote…, …, …, freguesia de…, concelho de Setúbal, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº … da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo provisório …, à data sem valor patrimonial tributário atribuído (cf. Doc. nº 3).

 

c) Nessa mesma data o Requerente contraiu dois empréstimos junto da Caixa Geral de Depósitos: um, para aquisição do referido imóvel, de valor igual ao respectivo preço, de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros); outro, no valor de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), para obras, ficando ambos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel (cf. Docs. nºs. 3 e 4).

 

d) O Requerente declarou na escritura de aquisição que o imóvel adquirido se destinava “a sua habitação própria secundária” (cf. Doc. nº 3).

 

e) Em 29 de Novembro de 2013, por escritura pública lavrada pelo Notário…, com cartório notarial em …, na…, Edifício…, … andar, sala…, exarada de folhas 16 a folhas 17 verso do Livro nº…, o Requerente vendeu, pelo preço de € 985.000,00 (novecentos e oitenta e cinco mil euros), livre de ónus ou encargos, o referido prédio urbano, melhor identificado no nº 1 supra, já inscrito na nova matriz da …(… e …) sob o artigo…, com o valor patrimonial tributário de € 283.517,63 (cf. Doc. nº 7).

           

f) Em 28 de Maio de 2014, o Requerente apresentou, via internet, a sua 1ª declaração de rendimentos IRS Modelo 3, relativa a 2013, com o Anexo G, a que coube a identificação …-… -…, nela fazendo constar a mais-valia proveniente da alienação do imóvel em apreço e a intenção de reinvestimento, em obediência ao disposto na alínea c) do nº 5 do artigo 10º do CIRS (cf. Doc. nº 8):

 

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

Despesas e encargos

2013

11

985.000,00

2009

7

710.000,00

72.015,05

 

5

REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação 

505

526.863,64

Valor de realização que pretende reinvestir

506

458.136,36

       

           

g) Porém, por manifesto lapso de escrita do anterior TOC do Requerente, indicou-se como valor de aquisição € 710.000,00 em lugar dos € 310.000,00 (tomando-se o algarismo 7 pelo algarismo 3).

 

h) Para retificação desse erro involuntário, o Requerente apresentou em 08 de Agosto de 2014, a 1ª declaração de substituição da declaração de rendimentos IRS Modelo 3, relativa a 2013, com novo Anexo G, a que correspondeu a identificação … - … - …, mantendo a declaração de intenção de reinvestimento da mais-valia proveniente da alienação do imóvel em apreço (cf. Doc. nº 9) como segue:

 

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

Despesas e encargos

2013

11

985.000,00

2009

7

310.000,00

164.563,88

 

5

REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação 

505

526.863,64

Valor de realização que pretende reinvestir

506

458.136,36

       

 

i) O Serviço de Finanças de Setúbal-… enviou ao Requerente, por correio registado, RD…PT, o ofício nº … datado de 2014-09-18 (cf. Doc. nº 10), com seguinte teor:

 

Assunto: NOTIFICAÇÃO PARA O DIREITO DE AUDIÇÃO

 

Notifica-se V. Exa., nos termos e para os efeitos do disposto no artº 60º da LGT, e no prazo de 15 dias, de que poderá, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão de correcção aos elementos declarados na declaração de IRS do ano de 2013, pelo facto de ter declarado a alienação do imóvel descrito como prédio urbano inscrito sob o artigo …, da União de Freguesias de…, concelho de Setúbal, pelo valor de € 985.000,00, alienado em 2013/11, com intenção de reinvestimento, pelo que deve comprovar o valor de empréstimo ou o valor de reinvestimento declarado.

O direito de audição poderá ser exercido por escrito ou oralmente.

Optando pela primeira forma, o documento que concretize esse direito, deverá ser enviado para este Serviço de Finanças, fazendo menção ao número e data do presente ofício.

No caso de pretender pronunciar-se oralmente deverá comparecer neste Serviço de Finanças da área da sua residência, dentro do mesmo prazo, a fim de ser lavrado o termo de declarações.

Todavia, face à correcção proposta, se assim o entender, poderá dentro do mesmo prazo, proceder á regularização voluntária, mediante a entrega de uma declaração de substituição no Serviço de Finanças da área da sua residência, ou por via electrónica.

Com os melhores cumprimentos

O Chefe de Finanças

 

j) Em 14 de Outubro de 2014, o Requerente apresentou a 2ª declaração de substituição” (cf. Doc. nº 11) da declaração de rendimentos IRS Modelo 3, relativa a 2013, com novo Anexo G, a que coube a identificação …-… - …, assinalando, mais uma vez, no Quadro 5, a sua intenção de reinvestimento após ter rectificado o“valor do empréstimo à data a alienação”, cingindo-se este ao empréstimo atinente à aquisição (sem contemplar o empréstimo para obras), e também o “valor das despesas e encargos”, tudo como segue:

 

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS

Ano

Mês

Valor

Ano

Mês

Valor

Despesas e encargos

2013

11

985.000,00

2009

7

310.000,00

164.563,88

 

5

REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação 

505

296.957,32

Valor de realização que pretende reinvestir

506

688.042,68

       

 

k) Em 03 de Novembro de 2014, por correio registado RY…PT, a Direção dos Serviços de IRS notificou o Requerente (cf. Doc. nº 12) de que:

 

«A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2013, com a identificação …/30, foi selecionada para análise por ter(em) sido detectada(s) as seguintes situação(ões):

 

Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afectação a actividade profissional.

 

l) Em 18 de Novembro de 2014, o TOC (…) do Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças Lisboa-… e forneceu a documentação relativa à alienação do imóvel e às respectivas despesas e encargos (cf. comprovativo de presença que se junta como Doc. nº 13). 

 

m) Em 20 de Novembro de 2014, o Serviço de Finanças de Lisboa-…, enviou ao Requerente o Ofício nº…, registado com aviso de recepção, RF…PT, (cf. Doc. nº 14) com o seguinte teor:

 

Assunto: NOTIFICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOS (ART. 66º DO CIRS) – IRS 2013

 

Fica por este meio notificado, nos termos do art. 66º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que após a apresentação de documentos comprovativos de despesas e encargos e valores em dívida conforme declaração em anexo G, após notificação para audição prévia conforme nosso ofício nº GI-… de 2014-09-18 verificou-se que foi necessário corrigir o valor de despesas e encargos de €121.028,00 para € 108.052,05.

Mais se verificou que não estão cumpridos os requisitos para reinvestimento do valor de realização por o imóvel não ter sido afectado a habitação própria e permanente como se afere da liquidação de IMT nº…, escritura de compra e venda lavrada em 2009-09-21 e alteração de domicílio fiscal mais de seis meses após a aquisição.

A fundamentação para a correcção decorre dos termos do art.º 10º do CIRS, conjugado com o art.º 11º, nº 7, al.) b) do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e art.º 51º do CIRS.

Assim será elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto que se mostar em falta, sendo de acrescer juros compensatórios devidos e insaturado procedimento contra-ordenacional para exigência da coima devida.

Da liquidação consequente pode ser apresentada reclamação ou impugnação nos termos e fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conforme previsto no art.º 140º do CIRS.

Com os melhores cumprimentos.

A Chefe de Finanças Adjunta

 

n) Em 28 de Novembro de 2014, o novo TOC (…) do Requerente enviou, por telecópia, uma comunicação (cf. Doc. nº 15) ao Serviço de Finanças Lisboa-…, com o seguinte teor:

 

TELEFAX

Pedido de Reavaliação de Decisão

De: …

NIF …

Para: Serviço de Finanças de LISBOA…

a/c …e

Chefe de finanças adjunta, Dra. …

Data: 28 de Novembro de 2014

Assunto: Pedido de rectificação do vosso ofício … de 20/11 por conter erros – 3 PAG

Exmos senhores,

Venho por este meio informar que o vosso número…contém dados que não estão correctos. Em causa está a conclusão que o prédio vendido em causa não constitui habitação própria permanente do Sr. ....

De facto, tal imóvel foi adquirido como habitação secundária e liquidado o IMT respectivo ainda em 2009. No entanto mais tarde, passou a ser a residência permanente.

Junto anexo documentos que comprovam que em 2011 já o era, mais de dois antes da venda realizada em Novembro de 2013.

Desta forma, vimos solicitar que o valor de realização constante na declaração de modelo 3 para reinvestimento seja considerado como válido porque o imóvel era, de facto, habitação própria e permanente há mais de dois anos.

Em representação de…, assino.

TOC …

 

o) Com a aludida comunicação por telecópia não foram juntos quaisquer documentos.

p) O Requerente indicou ou comunicou à AT os seguintes domicílios fiscais:

                        - Até ao dia 21/7/2010 - Rua …nº…, … …, Lisboa;

                        - Entre 21/07/2010 e 8/8/2014 – Rua da…, lote…, …,                               Setúbal e

                        - A partir de 8/8/2014 - Rua …nº…, … …, Lisboa.

 

Factos não provados

Não está provado:

-          que tivesse sido a rogo da entidade bancária e unicamente para fixação de condições de financiamento, que o Requerente tivesse declarado na escritura de compra e venda mencionada em b) [do elenco supra dos factos provados], que o prédio urbano sito na Rua … e melhor identificado em a), se destinasse a habitação própria e permanente do Requerente;

-          que o Requerente após obras de conservação nesse prédio [sito na Rua…]  o tivesse afectado a sua habitação própria e permanente e que o tivesse usado para tal fim e aí permanecido durante 3 anos.

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam ou que sejam relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi  artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Os factos que o Tribunal considerou não provados resultam, obviamente, da carência de prova apresentada por quem tinha o respetivo ónus, ou seja, por quem os tenha alegado - o Requerente.

 

Alegou o Requerente que a declaração por si feita em documento autêntico de que o imóvel adquirido se destinava a habitação secundária não corresponderia à realidade e que só teria sido produzida como forma de obter o financiamento bancário.

 

Naturalmente que tal declaração em documento autêntico poderia ser sindicada ao nível da sua correspondência ou não à realidade, designadamente através de prova documental e/ou testemunhal.

 

Tal porém, não aconteceu.

 

Alega também a Requerente que pelo menos entre 21/07/2010 e 8/8/2014 a sua habitação própria permanente e o seu domicílio fiscal eram a Rua…, lote…, … , Setúbal. Não obstante não logrou provar aquele primeiro facto. Nada trouxe aos autos que pudesse fazer este Tribunal dar como provado que naquele período de tempo o seu centro de interesses vitais, i.e., a sua habitação própria permanente eram naquela morada.

 

Durante todo o procedimento administrativo, e, de resto, durante o processo arbitral, limitou-se a tentar provar que o seu domicílio fiscal era a Rua…, lote…, …, Setúbal.

 

Não obstante, “domicílio fiscal” e local de “habitação própria e permanente” não são forçosamente coincidentes, podendo ser indicado como domicílio fiscal uma residência, própria ou não, do contribuinte que não seja a sua principal ou permanente no sentido de ser aí que o contribuinte e agregado familiar têm o seu centro de vida jurídica e social (cfr., v.g., artigo 16º, do CIRS e 19º, da LGT[10]).

 

II FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

O DIREITO

O ato tributário objeto de impugnação

A questão colocada nos autos prende-se essencialmente com o reinvestimento da mais-valia resultante da venda de habitação à luz do disposto nos artigos 10º, do CIRS.

 

Vejamos a Lei.

Dispõe o Código do IRS (CIRS):

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

            a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

            b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

                        1) (…)

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

            a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

            (…)

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

                        a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

                        b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

                        c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

                        d) (Revogada.)

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

            a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

            b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

            c) (Revogada.)

7 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.

8 – (…)

9 – (…).

 

O citado artº 10º do CIRS (também sob a epígrafe “Mais-valias”) dispunha, na redação então dada pela Lei nº 10-B/96 de 23/3, que “(…)constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem…da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis…(…)” [nº 1, al. a)].

 

E, por sua vez estabelecia o seu nº 5, que “(…)são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

            a) se no prazo de 24 meses contados da data da realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português”.

 

A redação ora vigente do citado art. 10º-5, do CIRS é resultante da Lei nº 109-B/2001 de 27-12, que manteve a exclusão de incidência relativa às mais valias realizadas em bens imóveis, mas passou a exigir que também o prédio alienado se destinasse a habitação própria permanente do beneficiário da mais-valia.

A lei deixa então claro que só há exclusão de tributação relativamente às mais valias obtida na alienação de um imóvel utilizado para habitação própria permanente quando estas resultam da alienação de um imóvel – o imóvel dito “de partida” – que tenha sido utilizado pelo sujeito passivo como habitação própria permanente. Deixa também claro que o imóvel dito “de chegada” tem que ser afecto à habitação própria permanente num período de 6 meses.

 

Nada se diz na lei quanto ao tempo em que o imóvel “de partida” tem que ser utilizado como habitação própria permanente. Afere-se sem grandes dúvidas que na data da alienação o imóvel terá que estar afecto à habitação própria permanente. Não se pode porém aceitar a tese que defenda que só há exclusão de tributação quando o imóvel dito de partida tem que ser afecto à habitação própria permanente desde o início da aquisição do direito de propriedade. Uma tese como esta, especialmente na ausência de qualquer disposição na lei, resultaria num espartilhar das opções dos sujeitos passivos que, na data da compra ou da aquisição a título gratuito do direito de propriedade teriam que (para sempre) decidir qual o fim que quereriam dar ao imóvel em questão, pelo menos para efeitos do artigo 10.º do Código do IRS.

Aqui haverá que olhar ao princípio da substância sobre a forma e que perceber se de facto o imóvel de partida era ou não era, na data da alienação, a habitação própria e permanente do sujeito passivo. E esta prova terá que ser feita por quem alega o facto – o Requerente - o que, no caso sub judice não sucedeu.

Tendo resultado provado que o Requerente adquiriu o imóvel para habitação secundária; não tendo resultado provado que passou a ser habitação própria permanente e porque na data da alienação não se provou que este não estava afecto à habitação própria permanente, os ganhos assim obtidos não podem deixar de estar sujeitos a tributação nos termos do disposto no artº 10º , nºs 1, al. a) e 5 do CIRS, na redação da Lei nº 109-B/2001 de 27-12, por ausência de um dos pressupostos a que alude o referido nº 5.

 

O artº 10º do CIRS (sob a epígrafe “Mais-valias”) dispunha, na redação então dada pela Lei nº 10-B/96 de 23/3, que “(…)constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem…da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis…(…)” (nº 1, al. a).

 

Constata-se assim que a referida redacção do art. 10º/5 do CIRS resultante da Lei nº 109-B/2001 de 27-12, manteve a exclusão de incidência relativa às mais valias realizadas em bens imóveis, mas passou a exigir que também o prédio alienado se destinasse a habitação própria permanente do beneficiário da mais-valia (sublinhado nosso).

 

O legislador usou uma técnica conhecida por rool over que torna não tributáveis essas mais valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação própria e permanente, situados em território nacional. A exclusão referida só vale pois para as mais valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino.

 

Ressalta do exposto como especialmente relevante que a mais valia cuja exclusão de tributação se pretende tenha de ser, insiste-se, obrigatoriamente gerada no âmbito de transmissões de imóveis sempre destinados a afetação habitacional a título principal e permanente um na data da alienação – o de partida – e outro até seis meses a contar da data da aquisição – o de chegada.

 

Ou seja: cumpridos os demais requisitos, o imóvel que se vende e o imóvel que se compra terão de ter como destino a habitação principal e permanente do sujeito passivo.

 

A habitação permanente. O domicílio fiscal

 

O artigo 19º da Lei Geral Tributária dispõe sobre o conceito de “Domicílio Fiscal”:

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

·         Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

·         Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica.

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

5 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.

6 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

7 - …….

8 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

 

O conceito de “habitação própria permanente” não é objecto de uma definição especial plasmada nas normas tributárias pelo que haverá, nesta matéria, que recorrer a normas subsidiariamente aplicáveis para integração dos respectivos pressupostos.

 

Em sede de tributação de mais-valias imobiliárias o legislador delimitou negativamente, como se viu, o campo de incidência do IRS, através das normas expressas de exclusão tributária consagradas nos números 5 e 6 do artigo 10º do CIRS.

 

O domicílio fiscal corresponde à residência habitual, considerada como o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida e de interesses.

 

No plano conceptual podemos verificar a divergência entre a residência habitual e a residência própria e permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação, podendo inclusive tal conclusão inferir-se da redação do artigo 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais.

 

Aliás o conceito ou a figura da habitação própria e permanente foi criada pelo legislador fiscal embora tenha ulteriormente sido absorvida também pelo sistema bancário para diferenciar os regimes aplicáveis em caso de concessão de crédito para compra de habitação.

 

Por outro lado não existe uma identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal (sublinhado nosso) (cfr neste sentido o Acórdão n.º 04550/11 do Tribunal Central Administrativo do Sul: “O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, (…) embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a AT estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no art.º 59º da LGT.”)

 

O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124) oportunamente citados no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul nº04870/11 da Secção - CT-2º JUIZO de 25 de Outubro de 2011.

 

Seguindo o mesmo Acórdão, também se verá perfilhado o âmbito de aplicação do artigo 19º da LGT, ao afirmar o Tribunal que, nos termos do artº. 19, nº3, da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à Administração Fiscal. Em consonância com o preceituado no citado artº. 19, nº3, da LGT, surge-nos o artº.43º, nº2, do CPPT, norma que consagra a regra da inoponibilidade à Administração Tributária da mudança de domicílio que não lhe tiver sido declarada, dispondo o nº3, deste último preceito, que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização do domicílio ou sede no seu número fiscal de contribuinte. Por outras palavras, a cominação para a falta de cumprimento desta obrigação é a inoponibilidade à AT da falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.

 

O artigo 46.º/9 do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais), não afasta – bem pelo contrário -, o entendimento perfilhado no sentido da não necessária correspondência entre residência permanente e domicílio fiscal.

 

Com efeito, em tal norma, o legislador prescreveu que “(…)para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.” (sublinhado nosso).

 

Assim, e desde logo, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa nestes autos fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez no EBF.

 

A circunstância de se verificar um paralelismo entre a norma do artigo 46.º/1 do EBF e a do referido artigo 10.º/5, confirma que na ausência de um preceito análogo ao do n.º 9 do artigo 46.º do EBF, a referência a “habitação própria e permanente” não exige a identidade desta com o domicílio fiscal. Ou seja: se o legislador sentiu necessidade, face ao n.º 1 do artigo 46.º do EBF, introduzir a norma do n.º 9, é porque entendeu que a redação daquele, sem esta, não exigia a fixação de domicílio fiscal pelo sujeito passivo, no imóvel adquirido.

 

Conjugada esta circunstância com o facto de a atual redação da norma do EBF em causa (artigo 46.º/9), ter sido introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, quando o artigo 10.º/5 do CIRS já tinha a sua redacção atual redacção, reforça, uma vez mais e se preciso fosse, a ideia de que, efectivamente, o teor do n.º 9 do artigo 46.º do EBF se limita, como a própria norma o afirma, ao próprio artigo que integra.

 

De resto, a norma em causa é perfeitamente clara, no sentido de que o que aí se dispõe está limitado (“Para efeitos do disposto no presente artigo”). Não se refere que seja “para efeitos do presente diploma”, ou, o que poderia colocar mais dificuldades, “para efeitos de benefícios fiscais”. Nem se diz singelamente que “considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”. Pelo contrário, fez-se questão de limitar o dispositivo da norma ao artigo em causa.

 

Daqui se conclui que, para efeitos de exclusão de tributação de mais valias, não é suficiente a demonstração de comunicação de domicílio fiscal para comprovar que os imóveis – o vendido (imóvel de partida) e o adquirido com reinvestimento das mais valias obtidas (imóvel de chegada) – eram ambos residências permanentes do sujeito passivo e seu agregado familiar.

 

Ou seja e tal como se afirmou e ora se reafirma: os imóveis de "partida" e de "chegada" têm de ser destinados à habitação própria e permanente o primeiro tem que o ser na data da alienação e o segundo até seis meses a contar da aquisição. Qualquer outro destino de ambos, ou de só de um deles (como é o caso dos autos), destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência e a mais valia realizada no imóvel de "partida" será tributável (Cf., neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pags. 413/414) e ainda na Jurisprudência, além dos citados, os Acórdãos do STA de 9-7-2014 – Proc 01146 (Cons Dulce Neto), de 25-3-2015 – Proc 0158/13 (Cons Pedro Delgado) e de 17-9-2014 – Proc 0250/14 (Cons Casimiro Gonçalves).

 

 

III DECISÃO

 

Pelo exposto, decide este Tribunal julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se, em consequência, na ordem jurídica os atos de liquidação objeto destes autos – IRS relativo ao ano de 2013 e respectivos juros compensatórios, resultantes da correção oficiosa da declaração de rendimentos, modelo 3, anexo G, a saber:

 

Tributo

Período

Nº da Liquidação

Nº Doc. Cobrança

DUC

Valor

Prazo pagamento

DOC.

IRS

2013

2014 …

2014 …

146.204,64€

14-01-2015

Nº 1

Juros Comp.

2014.06.01 a

2014.11.19

2014 …

_

2.704,87€

10-10-2014

Nº 2

 

TOTAL-

146.204,64€

-

 

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de €146.204,64 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, em virtude do seu integral decaimento, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

·         Notifique-se.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2015

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Carla Castelo Trindade

 

 

 

Luís Menezes Leitão

 

 

 



[1]              O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta (cf. art. 249º do Código Civil).

[2]              Pese embora sem particular interesse para o caso em apreciação, entre outros, os seguintes arestos publicados na internet: Acórdão do STA de 16.01.2013, P. 0950/12; Acórdão do TCAN de 29.04.2011, P. 1135/07; Acórdão do TCAS de 02.10.2012, P. 5398/12; Acórdão do STA de 13.02.2008, P. 0996/07; Decisões Arbitrais CAAD 60/2012-T; 64/2012-T; 80/2012-T; 84/2012-T; 37/2013-T; 103/2013-T. 

[3]              DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, Direito Tributário, Almedina, Coimbra, 1997, capítulo 40 O Princípio da prova livre, p. 230.

[4]              ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, jurista membro da Comissão que elaborou o anteprojecto da LGT, in Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 69.

[5]              PATRÍCIA ANJOS AZEVEDO, in III CONGRESSO DE DIREITO FISCAL, A “Constituição Fiscal”: Em especial, o Princípio da Legalidade Tributária, Editora Vida Económica, p. 383 e ss.

[6]              Posição defendida por ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, na obra já citada.

[7]              Alguns países tê-la-ão consagrado expressamente, como refere NUNO DE SÁ GOMES, investigador do Centro de Estudos Fiscais, in Manual de Direito Fiscal, Volume II, 1999, Editora Rei dos Livros, p. 394 

[8]              Há a questão das garagens, arrecadações e arrumos, não incluídas na exclusão, mas que não a inviabilizam a exclusão na parte habitacional, como é entendimento sancionado pela AT (cf. Ficha Doutrinária, com a informação vinculativa, P. 6833/2010, com despacho concordante da Subdirectora-geral de 06.12.2010).   

[9]              Designadamente para a regra de isenção de IMT em caso de aquisição de prédios destinados exclusivamente a habitação própria e permanente cujo valor que serviria de base à liquidação não exceda € 92.407,00. Sendo manifesto que o nº 5 do artigo 10º do CIRS consagra um “benefício” completamente distinto da isenção de IMT, desde logo por inexistir qualquer limitação de valor e também por não exigir que o prédio se destine “exclusivamente” à habitação própria permanente, podendo manter-se a exclusão de tributação parcialmente (excluindo-se, por exemplo, as áreas não destinadas a habitação, como garagens e arrumos – cf.     

[10]             Na fundamentação jurídica desenvolver-se-á melhor esta temática.