Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 163/2015-T
Data da decisão: 2016-01-06  Selo  
Valor do pedido: € 6.200,00
Tema: Imposto do Selo; isenção Art.º 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS; operações de tesouraria
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

I - RELATÓRIO

 

1.                  Em 13 de Março de 2015, A…, S.A., contribuinte n.º …, doravante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

 

2.                  A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. … e a Requerida é representada pelos juristas,… e … .

 

3.                  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 13 de Março de 2015.

 

4.                  Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo, pago na Declaração de Retenção na Fonte – IRS/IRC/Imposto do Selo – com o n.º …, relativa ao ano de 2014, no valor de € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros).

5.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

 

6.                  O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 21 de Maio de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

 

7.                  Notificado para o efeito em 22 de Maio de 2015, a AT apresentou em 24 de Junho a sua Resposta, tendo procedido à junção do Processo Administrativo em 26 de Junho de 2015.

 

8.                  Em 17 de Julho de 2015 foi inserido Despacho por intermédio do qual o Tribunal solicitava à Requerente que, atentas as excepções invocadas pela Requerida, sobre elas se pronunciasse, dando igualmente indicação, no que à matéria de prova diz respeito, sobre os factos constantes do Requerimento inicial a que pretende que as testemunhas deponham.

 

Tudo, sem prejuízo do agendamento de reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT.

 

9.                  Por requerimento de 28 de Julho, a Requerente deu cumprimento ao anterior Despacho do Tribunal, pronunciou-se sobre as excepções, completou a identificação das testemunhas e procedeu à indicação dos factos aos quais pretende que as mesmas sejam ouvidas.

 

10.                Por Despacho de 11 de Setembro de 2015, o Tribunal agendou a reunião do art.º 18.º do RJAT para o dia 22 de Outubro de 2015.

 

11.              Em 22 de Setembro, a AT veio requerer, juntando vasta argumentação para o efeito, que o Tribunal se pronunciasse quanto ao pedido de indeferimento da prova testemunhal, o que mereceu resposta da Requerente, conforme requerimento junto em 1 de Outubro, pugnando pela intempestividade do requerimento apresentado pela AT de 22 de Setembro, defendendo a inquirição das testemunhas por si arroladas e procedendo à junção de diversos documentos.

 

12.              Inconformada com esta tramitação, a AT, por intermédio de requerimento de 19 de Outubro, apresentou a sua defesa quanto à invocada intempestividade do seu anterior pedido referente à não inquirição de testemunhas, pugnando sim pela intempestividade, mas dos documentos entretanto juntos pela Requerente, cujo desentranhamento dos autos solicitou.

 

13.              A reunião do art.º 18.º do RJAT veio a realizar-se, conforme agendada, no dia 22 de Outubro de 2015, tendo-se o Tribunal pronunciado sobre diversas questões levantadas pelas partes ao longo do processo, e do seguinte modo:

“Relativamente ao facto de o requerimento apresentado pela Requerida em 22.09.2015, ser considerado intempestivo pela Requerente, o tribunal considera o mesmo como tempestivo, face ao argumentos apresentados pela AT no seu requerimento de 19.10.2015, isto apesar da matéria nele versada se encontrar ultrapassada, atendendo a que o Tribunal considera que seria sempre de ouvir as testemunhas arroladas, de acordo o princípio de descoberta da verdade material, tendo em consideração, ainda, que nos termos do disposto no artº. 16º., e) do RJAT um dos princípios a respeitar no processo arbitral é precisamente a “…livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras de experiência e a livre convicção dos árbitros”.

O mesmo se diga, no respeito pelos mesmos princípios, quanto à última junção de documentos efetuada pela Requerente (01.10.2015), os quais serão mantidos nos autos e objeto de valoração a determinar aquando da prolação da decisão arbitral.

Aí serão igualmente apreciadas as duas exceções levantadas pela AT na sua Resposta, ambas referentes à incompetência material do Tribunal.”

 

14.              De seguida foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente, tendo as partes sido notificadas para alegações escritas a efectuar no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida, começa a contar da sua notificação da junção das alegações da Requerente.

 

15.              O Tribunal, em cumprimento do disposto no art.º 18.º n.º 2 do RJAT, designou o dia 11 de Janeiro de 2016 para o efeito de prolação da decisão, isto depois de ter decidido prorrogar o prazo para decisão por dois meses, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT.

 

16.              A Requerente apresentou as suas alegações em 29 de Outubro de 2015, tendo a Requerida apresentado as suas em 12 de Novembro de 2015.

 

II – Pedido apresentado pela Requerente.

 

17.              A Requerente formulou o seu pedido de anulação de acto de liquidação do imposto do selo do ano de 2014, no montante de € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros) do seguinte modo.

 

18.              Está em causa a legalidade da liquidação do IS indevidamente pago na Declaração de Retenção na Fonte – IRS/IRC/Imposto do Selo, com o n.º…, no montante de € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros), indicados com o código …-IS – operações financeira.

 

19.              Depois de referir tratar-se a Requerente de uma sociedade anónima de direito português, que tem por actividade principal o comércio a retalho em estabelecimentos não especificados, que se encontra sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC e que adopta um período de tributação não coincidente com o ano civil (início a 1 de Março e termo a 28 (ou 29) de Fevereiro), refere que o seu capital social é detido em 99% pela sociedade B…, S.A. (casa-mãe).

 

20.              Refere, posteriormente, ter concedido, a pedido e em benefício da casa-mãe, em 2014, um financiamento à sociedade B…, S.A. (casa-mãe), no montante de € 15.500.000,00 (quinze milhões e quinhentos mil euros), que se destinou exclusivamente, segundo afirma, à cobertura de carências de tesouraria da casa-mãe.

 

21.              Particularizando:

i)        O montante de € 15.500.000,00, foi transferido pela Requerente para a casa-mãe no dia 26 de Fevereiro de 2014;

ii)      O montante de € 15.500.000,00, foi devolvido pela casa-mãe à Requerente em 28 de Fevereiro de 2014.

 

22.              Sobre a referida operação foi liquidado o IS da verba 17.1.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no valor de € 6.200,00.

 

23.              Este imposto, inicialmente debitado à casa-mãe, veio posteriormente a ser creditado à Requerente que o passou a suportar. Assim sendo, a Requerente, investida parte legítima, no pedido de anulação efectuado por intermédio de apresentação da reclamação graciosa, manifestou a pretensão de restituição do imposto pago, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do imposto do Selo (na redacção actual conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 Dezembro), face à verificação, no seu entender, no caso concreto, dos requisitos aí exigidos, razão pela qual entende que o pedido de restituição do imposto por si apresentado devia ter sido deferido pela AT, o que não aconteceu.

 

24.              Razão pela qual apresentou competente reclamação graciosa, a qual foi igualmente indeferida, por Despacho do Sr. Chefe de Divisão (em substituição) da Direcção da Justiça Administração da Direcção de Finanças de Lisboa, da Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido em 9 de Dezembro de 2014, notificado à Requerente em 12 de Dezembro de 2014.

 

25.              De acordo com a Requerente, os argumentos utilizados pela AT, quanto ao indeferimento da reclamação por si apresentada são os seguintes, transcrevendo-se o texto da própria decisão de indeferimento:

 

Pelo que respeita à finalidade do empréstimo, a junção aos autos de uma cópia do contrato não constitui prova de que aquele visou efectivamente – e exclusivamente – a cobertura de carências de tesouraria”.

Por outro lado, “(…) a reclamante nada diz relativamente à circunstância de a outra sociedade interveniente no empréstimo (…) não possuir sede ou direcção efectiva no território nacional. Ou seja, (…) nada diz sobre a não verificação de um dos pressupostos de que, nos termos do artigo 7º, nº.2 do CIS, depende a isenção pretendida (…)”

 

26.              Ou seja, quanto à finalidade do empréstimo, a AT considera existir uma insuficiência de prova, não resultando do contrato junto aos autos, que o financiamento versou efectivamente “… a cobertura de carência de tesouraria.”.

27.              E, por outro lado, a AT considera que não se verificaram os pressupostos de que depende a isenção pretendia (art.º 7.º, n.º 2 CIS), já que a outra sociedade interveniente no empréstimo, não possui sede ou direcção efectiva no território nacional.

 

28.              E, alega, a Requerente em sua defesa o seguinte:

a)      Quanto ao primeiro argumento:

i)                   Face ao período a que se reporta o empréstimo, concedido por um prazo curtíssimo – dois dias – tal só por si revela que o mesmo se destina exclusivamente a necessidades urgentes de carência de tesouraria, contrapondo-se, que face à alegada insuficiência de prova, a Requerente se propõe apresentar prova adicional;

ii)                 Estão, assim, preenchidos os requisitos previstos na alínea g) do n.º 1 do art.º 7 do CIS:

- O imposto do selo incidir sobre uma operação financeira por prazo não superior a 1 ano (dois dias);

- exclusivamente destinado à cobertura de carências de tesouraria;

- foi efectuada pela Requerente em beneficio da sociedade que detém 99% das participações sociais daquela.

b)      Quanto ao segundo argumento:

i)                   A exclusão da isenção prevista no n.º 2 do art.º 7.º do CIS destina-se aos intervenientes que não tenham sede ou direcção efectiva em território nacional, mas ressalva os credores com sede ou direcção efectiva noutro Estado Membro da União Europeia, para que estes beneficiem da isenção, nos termos do n.º 1 do art.º 7.º do CIS;

ii) O argumento da AT não faz sentido, sendo atentatório dos princípios da igualdade, da legalidade e da não descriminação fiscal em função da residência, que vigora no Direito Comunitário – pois pretende-se que os credores com sede ou direcção efectiva em território nacional, sejam colocados ao lado dos credores com sede ou direcção efectiva que não sejam membros da União Europeia, não beneficiando assim da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

29.              Finalmente, a Requerente invoca que o imposto do selo em causa não tem aplicação à operação dos autos, estando manifestamente excluído da incidência do CIS.

Isto porque, o art.º 4.º do CIS estabelece que “o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.”.

30.              Ou seja:

“O financiamento sobre o qual recaiu o imposto do selo, foi efectuado em benefício da “casa-mãe”, sociedade de Direito Espanhol, com sede em Espanha, com a consequente utilização dos fundos financeiros fora do território nacional”, tendo o contrato que titula a operação sido celebrado em Espanha.

 

31.               Antes de terminar, conclui a Requerente que a liquidação do imposto em causa viola, o disposto nos artigos 1.º, 4.º  7.º n.º 1 alínea g), todos do CIS, pelo que a não restituição do montante do imposto do selo indevidamente pago infringe o principio da legalidade previsto no art.º 8.º da LGT, bem como no art.º 103 do CRP.

 

32.              E, termina, requerendo ao Tribunal Arbitral que decrete a anulação da liquidação do imposto do selo indevidamente pago e que revogue a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ordenando a consequente restituição do valor indevidamente pago na Declaração de Retenção na Fonte – IRS/IRC/Imposto se Selo, com o n.º …, no montante de € 6.200,00, com todas as legais consequências.

 

33.              Nas alegações por si apresentadas, a Requerente reproduziu e reforçou os argumentos aqui apresentados em prol da procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

III – A Resposta da Requerida /AT.

 

34.              Face ao pedido de pronúncia arbitral, a AT apresentou a sua Resposta, onde defende a seguinte posição.

 

35.              Começa por referir que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi indeferida, não tendo a mesma direito a gozar de isenção prevista no art.º 7.º, n.º 1 alínea g) do CIS, porquanto:

“- não provou, no decurso do procedimento, terem-se verificado todos os pressupostos necessários ao gozo da dita isenção;

- se entender que a operação de empréstimo se enquadrava nos termos do disposto no artigo 7.º , n.º 2 do CIS, o que obstaculizava, por mais esta via o gozo da mencionada isenção.”

36.              Depois de relatar os factos relevantes para apreciação do pedido, na sua resposta a AT sustenta os argumentos invocados pela Requerente na reclamação por si apresentada.

 

37.              Aborda, posteriormente, uma questão de legitimidade processual, resultante do facto do IS ter sido liquidado pela sociedade B…, S.A., que suportou o encargo económico do mesmo, tendo procedido ao registo nas suas contas, sendo ela a interessada na lide e com legitimidade para reclamar e não a agora aqui Requerente.

 

Vicio esse que foi sanado pela Requerente, já que anulou o débito do imposto à casa-mãe, assumindo o encargo com o seu pagamento e recuperando, assim, a legitimidade processual perdida.

38.              Invoca de seguida as seguintes excepções:

1. Da incompetência material do Tribunal Arbitral por na reclamação graciosa não sido apreciada a legalidade de actos de liquidação.

2. Da incompetência material do Tribunal Arbitral por impossibilidade de decidir com nova argumentação que não constava da reclamação graciosa.”

 

39.              Finalmente, por impugnação, refere a AT, na sua Resposta o seguinte.

 

40.              Recordando a base da argumentação da Requerente, no sentido de que as operações financeiras efectuadas se destinavam a cobrir meras carências de tesouraria, a AT concluiu que a Requerente não apresentou prova que sustente “de facto, a dita carência”, sem apresentação de qualquer documentação.

 

41.              Aí defende a Requerida que, observado o pedido de pronuncia arbitral se pode concluir que os argumentos utilizados pela Requerente, são os mesmos, mas com excepção dos que constam do artigo 25.º e seguintes do requerimento inicial, sendo que, em sua opinião, os poderes de consignação do Tribunal se encontram limitados ao conhecimento dos que se repetiram entre a reclamação graciosa e o pedido de pronúncia arbitral, daqui se excluindo aqueles que apenas nesta última instância se esgrimem.

 

42.              Apesar do que refere, a Requerida analisa a única documentação junta aos autos pela Requerente e que consiste no contrato de mútuo celebrado entre a Requerente e a sua casa-mãe, para concluir que em nenhuma das suas cláusulas se menciona a razão que subjaz ao empréstimo em causa.

 

43.              Nada consta sobre se o financiamento foi concedido pela alegada, mas não provada, necessidade premente de cobrir carências de tesouraria ou se resulta de razões comerciais ou societárias, ou de qualquer outra razão.

 

44.               E a AT entende que o facto do financiamento se destinar a carências de tesouraria, não se retira, como invoca a Requerente, do simples facto do empréstimo ter sido celebrado entre entidades relacionadas e somente ter tido a duração de dois dias.

 

45.              E a prova de que o financiamento em causa se destina a tais carências, é ónus da Requerente, nos termos do disposto no art.º 74.º da LGT, trazendo à AT à colação jurisprudência do CAAD nesse sentido.

 

46.              Entende a Requerida, que não estão reunidos os pressupostos para aplicação pela Requerente à situação sub judice, da isenção prevista no art.º 7.º, n.º 1, al. g) do CIS.

 

47.              Nos temos deste preceito, a isenção em questão depende, inevitavelmente, da existência:

 

i)                    Da verificação de um prazo não superior a um ano;

ii)                  da realização da operação por certas entidades em certas condições; e,

iii)                da finalidade exclusiva da cobertura de carências de tesouraria.

 

48.              Assim, para aplicação da isenção impunha-se o preenchimento do pressuposto subjectivo (existência de determinado tipo da relação entre as partes, mas também a verificação dos pressupostos temporal e objectivo, mencionados nos pontos i) e iii)  (a Resposta, no seu art.º 75.º, refere ii) e iii), certamente por lapso, porquanto o pressuposto temporal consta do i).

 

49.              Pressupostos estes, conclui a AT, que não se encontram provados nos autos.

 

50.              Invoca, igualmente, a Requerida que a operação de empréstimo em referência ficaria sempre sujeita à tributação em sede de imposto do selo, face ao disposto no art.º 7.º, n.º 2 do CIS, isto porque um dos intervenientes no contrato não possui a sua sede ou direcção efectiva em território nacional.

 

51.              A AT refere ainda que, nos termos das disposições conjugadas, dos art.º 1.º, 4.º n.º 1 e 5.º al. g), todos do CIS, a operação em causa – contrato de empréstimo - está abrangida pelo art.º 1.º do CIS – actos ou contratos ocorridos no território nacional, o nascimento da obrigação tributária dá-se no momento em que a operação de crédito se mostra realizada e que tendo a operação em causa sido realizada por uma entidade domiciliada em território português, o facto tributário ocorrer neste mesmo território, e cai na alçada do art.º 4 n.º 1 do CIS.

 

52.              Isto porque, como refere a AT:

 

o facto tributário não se barometriza pela utilização do crédito, mas antes pela concessão do crédito.

 

IV - As excepções levantadas pela Requerida da AT.

 

Na sua defesa, por excepção, a AT aqui Requerida levanta duas excepções, que carecem de apreciação pelo Tribunal.

 

53.              A primeira é a seguinte:

“Da incompetência material do Tribunal Arbitral por na reclamação graciosa não ter sido apreciada a legalidade do acto da liquidação.”

 

54.              A Requerida entende que o acto objecto de pronúncia arbitral por parte da Requerente, é apenas a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tanto mais que a Requerente somente solicitou “a restituição do incorrecto pagamento do imposto do selo em guia identificada com o n.º … de Fevereiro/2014”, não tendo por esta sido pedida (na reclamação graciosa) a anulação de qualquer acto de autoliquidação.

 

A AT admite que apenas em sede arbitral é que a Requerida concluiu pela “anulação da liquidação do imposto do selo”, pedindo em consequência, a anulação da decisão administrativa que recaiu sobre a reclamação graciosa e a restituição do imposto pago, concluindo a AT que atento o exposto “… o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não tendo, no entanto, como objecto imediato qualquer acto tributário de liquidação.”

 

Razão pela qual a Requerida entende que estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de autoliquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT.

 

Coligindo esta realidade com a norma do art.º 2.º do RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui a AT que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, aí não se inclui.

 

Consequentemente, não pode o pedido de pronúncia arbitral ser conhecido pelo Tribunal, face à verificação da excepção dilatória que se traduz na incompetência do Tribunal, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º n.º 1 e 577.º, alínea c) do CPC, aplicáveis ex-vi art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Volta a Requerida ao tema, em sede de contra-alegações, sustentando a posição já expressa na sua Resposta e para aí remetendo.

 

Quer em requerimento por si entregue nos autos em 28 de Julho de 2015, quer nas suas alegações, reproduzindo o texto de tal requerimento, apresenta a Requerida a sua defesa quanto à invocada excepção e nos seguintes moldes.

 

A Requerente refere que nos fundamentos da decisão de indeferimento da reclamação é a própria AT que refere expressamente que “ a reclamação graciosa tem por objecto a liquidação em imposto do selo”, sustentando a Requerente que tal liquidação viola a lei, em particular o art.º 7.º n.º 1 alínea g) do CIS, 8.º da LGT e 103.º da CRP e o princípio da legalidade.

 

Considera a Requerente que a restituição do imposto era consequência da ilegalidade da liquidação, sendo um pressuposto daquela.

 

Recorda de seguida a Requerente que o procedimento da reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte (art.º 68.º, n.º 1 do CPPT), tendo por fundamento qualquer ilegalidade (art.º 70.º n.º 1 e 99.º do CPPT), mecanismo que utilizou para obter a anulação do acto de liquidação do imposto do selo em causa, tratando-se de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, citando para este efeito o consagrado na decisão arbitral tomada no Proc. 117/2013-T do CAAD.

 

Conclui, por isso, afirmando que o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto um acto tributário de liquidação, precedido da competente reclamação graciosa, sendo improcedente a invocada incompetência material do Tribunal Arbitral por na reclamação graciosa não ter sido apreciada a legalidade dos actos de liquidação.

 

Cumpre decidir.

 

55.              O que só pode ser feito, reconhecendo a razão que assiste à Requerente.

 

Resulta inequívoco o seguinte:

i)       a Requerente apresentou oportunamente reclamação graciosa da liquidação que ela própria efectuou (autoliquidação) do imposto do selo da verba 17.1, referente à concessão do crédito (É o que resulta da análise do texto da reclamação);

ii)     Nessa reclamação pôs em causa a legalidade da liquidação do imposto, por não aplicação da isenção a que se sente com direito, prevista no art.º 7.º n.º 1 alínea g) do CIS, o que lhe foi negado pela AT (é o que resulta do texto da reclamação e da decisão sobre o seu indeferimento);

iii)    Apresentou pedido de pronuncia arbitral, em moldes que não são colocados em crise pela Requerida AT.

 

Os argumentos da AT em defesa da prevalência da invocada excepção, surgem algo contraditórios com a posição defendida no processo de reclamação, nada fazendo prever que face ao que aí se constata, pudesse vir a ser posto em causa, posteriormente, que não se tendo apreciado da legalidade da liquidação do imposto, vedado ficava à Requerente a presente pronúncia arbitral.

 

O Tribunal não duvida que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não se inclui entre os actos sindicáveis neste Tribunal Arbitral, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Mas não foi isso, ou apenas isso, que a Requerente fez.

 

Reclamou graciosamente ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 54.º da LGT, nos artigos 68.º e segs do CPPT e da verba 17.1.1 da TGIS, “Da liquidação do Imposto do Selo indevidamente pago na Declaração de Retenção na fonte – IRS/IRC/Imposto do Selo – com o número …, no montante de euros 6.200,00 (seis mil e duzentos euros), devidamente identificados com o código …-IS-Operações Financeiras, cuja cópia se junta sob a designação (Documento n.º 1), o que faz nos termos e com os fundamentos que se seguem.” (Vd. texto da reclamação graciosa apresentada pela Requerente junto da Direcção de Finanças de Lisboa, em 11/04/2014).

 

Veja-se, posteriormente, a decisão proferida pela AT quanto à identificada reclamação:

“O sujeito passivo…, vem nos termos do disposto nos art.ºs 68.º e segs do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deduzir Reclamação Graciosa, da liquidação do imposto do selo pago na declaração de retenção na fonte com o n.º …, no montante de € 6.200,00, referente ao período de Fevereiro de 2014, nos termos e com os fundamentos expostos na petição de fls. 4 a 7 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (Vd. PA, junto aos autos).”

 

A AT, ao tempo, identificou perfeitamente o acto de liquidação em causa.

 

Aí se considera, para além de tempestividade da reclamação, que esta – a reclamação graciosa – é o meio próprio para obtenção dos fins pretendidos, nos termos do art.º 68.º e segs do CPPT.

 

Nada tendo sido apontado pela AT, nessa data, quanto ao meio utilizado, face aos fins pretendidos.

 

Relativamente aos fundamentos da decisão de indeferimento da reclamação, a AT conclui que o empréstimo em questão não pode beneficiar da isenção em causa, por força do disposto no n.º 2 do art.º 7.º do CIS, mas também por não estarem reunidos os pressupostos de que depende a isenção nos termos da alínea g) do n.º 1 desse mesmo art.º 7.º do CIS.

 

Manifesta juízo concordante da legalidade da autoliquidação do imposto em causa.

 

Pelo que vai a reclamação indeferida.

 

A pretendida restituição do imposto resultaria numa natural consequência de decisão oposta a esta, que não se verificou.

 

Por todo o exposto e sem mais, entendemos ser de julgar improcedente por não provada a excepção aduzida, não ficando por esta via vedada a possibilidade do Tribunal conhecer do mérito da causa. Não fica, por isso, qualquer dúvida sobre a competência do Tribunal para esse efeito.

 

Para o que se passaria, à apreciação da segunda excepção deduzida pela Requerida.

 

É o que faremos.

 

56.              Tratamos agora da “incompetência do Tribunal Arbitral por impossibilidade de decidir com base na nova argumentação que não constava da reclamação graciosa.”

 

A AT aqui Requerida invoca o disposto no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex-vi do art.º 4.º do RJAT, transcrevendo Jorge Lopes de Sousa[1], para sustentar a verificação desta excepção dilatória.

 

Refere, de seguida, a regra do n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, por intermédio do qual se consagrou que as impugnações judiciais que tenham por objecto actos de autoliquidação, são precedidos de reclamação prévia necessária, considerando que, no caso em apreço, não há coincidência entre a generalidade dos argumentos apresentados pela Requerente, quer em sede de reclamação, quer aqui face ao presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Para rematar, referenciado que o teor dos art.º 25.º e segs do pedido arbitral, constitui novidade, face ao que vinha aduzida na reclamação.

 

Ora, entende que face a essa novidade a Requerida ficou incapacitada de contestar mais este fundamento na fase graciosa, pelo que conclui que os poderes de cognição deste Tribunal, se encontram limitados apenas ao conhecimento (e consideração) dos fundamentos invocados pela Requerente na reclamação graciosa, pelo que se deve dar por verificada a referenciada excepção dilatória que se traduz na incompetência do Tribunal, com as necessárias consequências legais daí resultantes.

 

Nas suas alegações a Requerida defende a sua posição contra a procedência da excepção, invocando a inexistência de quaisquer factos novos na petição arbitral, face à reclamação por si apresentada, correspondendo aquela que aí se seguiu, assente na ilegalidade da liquidação, porquanto a operação descrita beneficiava da isenção prevista no art.º 7.º n.º 1 aliena g) do CIS.

 

E refere que a Requerida exerceu plenamente o contraditório, como resulta da leitura dos artigos 84.º e segs da sua Resposta, nada obrigando a Requerente a circunscrever-se na petição arbitral, à mera reprodução da reclamação graciosa, o que violaria os pressupostos processuais estabelecidos no art.º 10.º e 16.º do RJAT e transcreve reproduzindo jurisprudência do STA nesse sentido.

 

Pelo que conclui, pela manifesta improcedência da aduzida execpção.

 

E tem a Requerente razão.

 

Aliás, mesmo que se pudesse reconhecer, o que não é o caso, que algo teria andado mal, no que à apresentação da reclamação graciosa por parte da Requerida diz respeito, nenhuma outra solução ficaria aberta a este Tribunal, que não fosse a de prosseguir para conhecimento efectivo do pedido de pronúncia arbitral.

 

Transcrevemos, por isso, o sumário do Acórdão do STA, citado pela Requerente nos seus textos, tirado do processo n.º 0793/14, de 3.06.2015, e que reza assim:

 

“Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre a reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substancia que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”

 

Aderimos, naturalmente, a esta posição, salvaguardando o domínio da sua aplicação em sede arbitral.

 

Também aqui não assiste razão à Requerida AT, não se julgando procedente esta segunda alegada excepção.

 

Antes de passarmos a fase seguinte, convém recordar que o Tribunal sanou todas as restantes questões levantadas pelas partes ao longo do processo, na reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT (vd. acta de reunião de 22 de Outubro de 2015).

 

V – Saneamento.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimos.

 

Não se vislumbram quaisquer nulidades.

 

VI - Os Factos.

 

57.              Consideram-se provados, com relevância para apreciação do pedido, os seguintes factos:

 

a). Em 13 de Março de 2015, A…, S.A., Requerente, contribuinte n.º …, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro RJAT, em que é Requerida a AT;

 

b). A Requerente formulou um pedido de anulação relativamente ao acto tributário de liquidação do imposto do selo do ano de 2014, no montante de € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros) (Vd. Doc. nº. 1);

 

c). Está em causa a legalidade da liquidação do IS indevidamente pago na Declaração de Retenção na Fonte – IRS/IRC/Imposto do Selo, com o n.º …, no montante de € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros), indicados com o código … -IS – operações financeira (Vd. Doc. nº. 1);

 

d). A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem por actividade principal o comércio a retalho em estabelecimentos não especificados, que se encontra sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC e que adopta um período de tributação não coincidente com o ano civil (início a 1 de Março e termo a 28 (ou 29) de Fevereiro), sendo que o seu capital social é detido em 99% pela sociedade B…, S.A. (casa-mãe) (Vd. Doc. nº. 2);

 

e). A Requerente concedeu, a pedido e em benefício da casa-mãe, em 2014, um financiamento à sociedade B…, S.A. (casa-mãe), no montante de € 15.500.000,00 (quinze milhões e quinhentos mil euros) (Vd. Doc. nº. 3), nos seguintes moldes:

 

i). O montante de € 15.500.000,00, foi transferido pela Requerente para a casa-mãe no dia 26 de Fevereiro de 2014;

ii). O montante de € 15.500.000,00, foi devolvido pela casa-mãe à Requerente em 28 de Fevereiro de 2014;

iii). A taxa de juro da operação foi de 3,6085%, tudo conforme consta de documento assinado entre as partes em Madrid, no dia 26 de Fevereiro de 2014 (Vd. Doc. nº. 3).

 

f). Sobre a referida operação foi liquidado o IS da verba 17.1.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no valor de € 6.200,00;

 

g). Tal empréstimo, é considerado uma operação financeira (acordo das partes) o que ninguém contesta, foi disponibilizado nas contas bancárias da sociedade espanhola mutuária no dia 26 de Fevereiro de 2014, tendo sido devolvida em 28 de Fevereiro de 2014;

 

h). A identificada alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS, isenta de imposto:

 

i). As operações financeiras, por prazo não superior a um ano;

ii). Desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e

iii). efectuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.

 

i). O empréstimo foi concedido pelo prazo de dois dias, naturalmente inferior a um ano;

 

j). A sociedade de direito espanhol, B…, SA, possui 99,56% do capital social da Requerente (Vd. facto documentalmente provado e aceite pelas partes e incluído no depoimento das testemunhas);

 

l). A casa-mãe da Requerente viveu, antes desta operação e durante a concretização da mesma, um período de reestruturação financeira (Vd. depoimento das testemunhas) na sequência de diversas dificuldades financeiras;

 

m). A casa-mãe da Requerente recebeu, em 27 de Fevereiro de 2014, precisamente o dia de permeio entre a data em que o mútuo é concedido (26) e o seu retorno (28), a quantia de € 140.000.000,00, referente à venda ao Banco … em Espanha, de 51% da sociedade Financeira A…, da qual a casa-mãe era a principal acionista (facto reconhecido pela Requerida);

 

n). Do documento proveniente da casa-mãe “Consulta de Saldos Contables e Bancários”, consta um saldo de € 16.968.685,36, valor equivalente ao mútuo concedido (Doc. junto aos autos com o requerimento de 1 de outubro de 2015);

 

o). A Requerente possuía, com frequência, saldos de tesouraria (depoimento das testemunhas);

 

p). O financiamento não deixou de ser um apoio pontual, de curta duração, com uma tramitação necessariamente rápida, sem qualquer oposição ou mínimo entrave da administração e responsáveis da sociedade portuguesa, dada a proveniência da ordem de transferência.

 

58.              Não se consideram provados os seguintes factos.

 

a). Nada consta dos autos que indique a existência de qualquer relação entre mutuante e mutuária que permita concluir que a transferência de fundos possa ter decorrido no contexto de qualquer outra relação societária;

 

b). Não existe qualquer movimento da filha em relação à casa-mãe, no que toca, por exemplo, à devolução de obrigações de prestações acessórias ou outras, nem tão pouco há vestígios de que a Requerente tenha procedido ao pagamento de dividendos à casa-mãe, nem ao pagamento de dívidas da responsabilidade da filha perante a casa-mãe.

 

VII – Questão decidenda.

 

59.              Face ao que se apresenta no processo, importa constatar que a questão controvertida se prende com o facto de saber se a operação em causa, tal como acima descrita, goza ou não da isenção a que se refere a alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

VIII – O direito.

 

60.              A referenciada alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, possui a seguinte redacção:

 

“g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;”

 

Porque, igualmente referenciado pelas partes, embora dele façam também distintas interpretações, releva igualmente o disposto no n.º 2 desse mesmo art.º 7.º do CIS, que dispõe o seguinte: 

 

“2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional. “

 

Esta a base de análise que nos permitirá concluir, se estamos ou não perante uma operação que reúna os pressupostos de atribuição de isenção do imposto do selo.

 

61.              Contudo, não podemos obviamente chegar à análise dos contornos de uma qualquer norma de isenção, sem previamente concluir que a operação em causa cai no âmbito da incidência do imposto, e se face aos elementos de conexão com ordenamentos fiscais terceiros, a operação em causa será ou não tributada em Portugal.

 

Estranho seria que, no raciocínio lógico e sistemático que levaria à apreciação da isenção prevista no art.º 7.º n.º 1, alínea g) do CIS, não tivesse primeiro que se estabelecer o necessário percurso que passa pela análise das normas de incidência do imposto do selo, incluindo as regras de territorialidade, pois só situações sujeitas a imposto, podem vir a beneficiar da aplicação de qualquer norma de isenção.

 

Ora, termos do art.º 1.º do CIS, constatamos que:

 

“1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

 

De entre tais actos ou contratos constam, aqueles a que se refere a verba 17.1, da TGIS:

 

Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:

 

Dúvidas não restam que o empréstimo em causa, denominado “operação de tesouraria” (o que falta verificar), constitui uma operação de crédito, figurando a Requerente do lado da entidade credora, e a sua casa-mãe investida na posição de devedora, mediante contrato assinado pelas partes, em que se fixam os termos e condições do mesmo, nomeadamente, o montante, prazo de duração do contrato, termos da devolução do empréstimo, taxa de juro aplicável, etc. (sendo desde já de referir que neste contexto contratual se omite a finalidade do empréstimo).

 

62.              Dúvidas também não restam de que o empréstimo em causa, porque resultante da celebração de um contrato no qual se consubstancia uma operação de crédito, está sujeito ao pagamento do imposto do selo, nos termos e condições previstos na verba 17.1, da Tabela Geral do Imposto Geral (TGIS).

 

63.              Atendendo a que o contrato em causa contempla elementos de conexão com outro ordenamento jurídico-fiscal, importa então apurar se, de acordo com o princípio da territorialidade, a operação poderia ser considerada como tributada em Portugal ou não.

 

Sabemos o seguinte:

- Credor – empresa com sede em Portugal;

- Devedor – empresa com sede em Espanha;

- Contrato – celebrado em Espanha;

- Origem dos fundos com base nas quais o contrato é concedido - Portugal;

- Local de utilização do crédito – Espanha;

- Local de disponibilização do crédito - Portugal.

 

Ora vejamos.

 

Determina o n.º 1 do art.º 4.º do CIS:

“1 - Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.”

 

Já sabemos que se trata de uma operação referida no art.º 1.º do CIS – actos ou contratos – operação de concessão de créditos (Vd. Verba 17.1 da TGIS).

 

E, será que podemos considerar que se trata de uma operação ocorrida em território nacional?

 

Importa, por isso, analisar, como o faz a Requerida, se e quando a obrigação tributária em causa – a operação de crédito – se considera constituída.

 

Ora, a operação tributária considera-se constituída:

 

“g) Nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês;” (art.º 5.º alínea g) do CIS) 

 

A operação de crédito em causa considera-se constituída no momento em que foi realizada, ou seja, no momento em que o crédito foi concedido.

 

E se o crédito foi concedido por entidade com sede em Portugal, a operação considera-se aqui localizada, e estando localizada em Portugal, porque o credor está em território nacional, aqui decorrerá a tributação e não em qualquer outro ordenamento jurídico/fiscal.

 

O elemento de conexão aqui relevante, tem a ver com a realização da operação de concessão de crédito. E, no caso dos autos, a mesma foi realizada em Portugal.

 

Acresce, que se o facto tributário, referenciado no n.º 1 do art.º 4.º do CIS, fosse a utilização do crédito:

 

«… – mas que não é, como vimos -, então não teria o legislador necessidade de incluir no n.º 2 e sua alínea b) as operações de crédito concedidas por entidades domiciliadas em território português, uma vez que, neste caso, a utilização ocorre neste território e, então, a situação estaria (naquela lógica) já contemplada no n.º 1. O argumento extraído da citada verba n.º 17.1 não colhe, dado que é o Código que define as regras de incidência, incluindo as isenções, e o nascimento da obrigação tributária e do consequente facto tributário, como se vê das disposições que citámos. Da referida verba n.º 17.1 apenas se pode, e deve, extrair a regra de que o imposto só é devido no momento e na medida da utilização do crédito concedido. Podemos, para finalizar, dizer que a sujeição ao imposto do selo se verifica no momento em que foi realizada a concessão de crédito, embora sob a condição suspensiva da sua efectiva utilização, ou seja, quando e na medida em que for utilizado o crédito concedido. Conclui-se, portanto, que, ocorrendo a concessão de crédito em território nacional – facto tributário -, a situação prefigurada está abrangida pelo citado n.º 1 do artigo 4.º e, consequentemente, sujeita a imposto do selo.»[2]

 

Assim sendo, no que concordamos, não assume relevância, no caso dos autos, o facto de crédito em causa ter sido utilizado por empresa localizada fora do território nacional.

 

O que não põe a operação em causa a coberto de qualquer tipo de tributação que pudesse existir em Espanha para o crédito aí utilizado, independentemente da sua origem (o que desconhecemos).

 

Sabemos é que não constitui elemento de conexão, relevante para o efeito de determinar a localização da operação e consequentemente o ordenamento competente para a sua tributação, o local de celebração do contrato.

 

Não é pelo facto do contrato não ter sido celebrado em Portugal, que fica afastada a conexão da operação em causa com o território português.

 

Não é o local de celebração do contrato de empréstimo que determina o local da concessão do crédito, nem tão pouco é a utilização do crédito, por não ter ocorrido em território nacional, que faz afastar a tributação.

 

Numa operação inequivocamente sujeita a imposto em Portugal, seria extremamente fácil para as partes, tendo em vista evitar a sua tributação em território nacional, fazer assinar o contrato em qualquer país terceiro.

 

Nada impede que se faça, não se lhe pode é atribuir o efeito pretendido pela Requerente.

 

Embora reconhecendo pertinência, em abstrato, à posição manifestada por Sara Liberal Antunes, in “Incidência de Imposto do Selo na cessão de créditos: desconformidades normativas e limites de territorialidade, UCP, p. 28”, nomeadamente na parte transcrita pela Requerente no artigo 29([3]) do seu requerimento inicial, não podemos esquecer de que a análise se faz relativamente às “cessões de crédito” e não às “concessões de créditos”.

 

Por outro lado, parece-nos inultrapassável a posição defendida por António Lopes Laires e Jorge Belchior Laires, in Código do Imposto do Selo, Anotado e Comentado, 2000 Alda Editores, pág. 39, quando muito bem defendem que o facto tributário a que se refere o n.º 1 do art.º 4.º do CIS, é a concessão de crédito e não a utilização do crédito.

 

Assim sendo, não constituem elementos que permitam afastar a evidente conexão com o ordenamento jurídico fiscal português, o facto do utilizador do crédito estar localizado fora do território nacional e o contrato ter sido também celebrado fora do território nacional.

 

64.              Prevalece, assim, como elemento determinante da conexão com o ordenamento fiscal português, o facto de se considerar que o crédito foi concedido por empresa localizada em Portugal, considerando-se a operação aqui localizada e consequentemente aqui sujeita a imposto.

 

Isto, apesar da entidade que, em primeira instância, suportou o encargo do imposto ter sido a entidade não residente, mesmo sabendo que as partes acordaram em reverter essa situação, tendo no final sido a Requerente a suportar tal encargo, daí resultando, igualmente, clarificados os aspectos relacionados com a sua legitimidade processual.

 

Passamos, então, à análise quanto à verificação ou não dos requisitos necessários para reconhecimento da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, e caso eles se verifiquem, se a situação dos autos se enquadra ou não no contexto do n.º 2 do art.º 7.º do CIS.

 

65.              Já vimos os moldes em que, a Requerente argumenta que estão reunidos os pressupostos necessários para reconhecimento da isenção (Vd. infra n.º 28).

 

Por seu turno, a AT aqui Requerente, manifesta a sua oposição ao reconhecimento desta isenção, nos moldes que constituem infra os n.º 42 a 49.

 

Ao Tribunal importa apurar quem tem razão.

 

66.              Retomemos o texto do art.º 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS.

 

Estão isentos do imposto do selo as:

“g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;”

 

Os factos dados como provados e o acordo das partes quanto a esse aspecto permite, naturalmente, concluir que estamos perante operações financeiras realizadas por prazo não superior a um ano.

 

67.              Ninguém questiona, na realidade, o que são operações financeiras. Mas dúvidas não restam que a operação aqui em causa sempre aí estaria incluída.

 

A identificada alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS, isenta de imposto:

i). As operações financeiras, por prazo não superior a um ano;

ii). Desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e

iii). efectuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.

 

O empréstimo foi concedido pelo prazo de dois dias, naturalmente inferior a um ano, pelo que se dá por verificado o primeiro requisito previsto na lei para verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS;

 

A sociedade de direito espanhol, B…, possui 99,56% do capital social da Requerente (Vd. facto documentalmente provado e aceite pelas partes e incluído no depoimento das testemunhas), ficando assim cumprido o terceiro dos requisitos necessários para verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS;

 

68.              Já não há acordo entre as partes relativamente aos outros requisitos de verificação cumulativa que constam da identificada alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, a saber:

i). Operações financeiras exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria.

 

Fica, por isso, por resolver, para além da questão da aplicação ou não do n.º 2 do art.º 7.º do CIS que apenas se pode analisar depois de se concluir que as condições impostas pelo n.º 1 se verificam.

 

Se se verificam, então sim, para atribuição da isenção, terá que se ter presente o disposto no n.º 2 do art.º 7.º do CIS. Caso contrário, isso não será, evidentemente necessário.

 

Posto isto, cumpre decidir.

 

69.              Constituem pressupostos de verificação da isenção prevista na alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS, tal como consta do enunciado da Requerida, os seguintes:

- o empréstimo ocorreu por um período inferior a uma ano;

- foi concedido no âmbito de um financiamento intra grupo do qual a sociedade B…, S.A detém uma participação de 99,56% do capital da Requerente;

- acudiu à necessidade premente da sociedade B…, S.A de cobrir carências de tesouraria.

 

Ora, a identificada alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS, como já se referiu por diversas vezes, isenta de imposto:

 

a). As operações financeiras, por prazo não superior a um ano;

b). Desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e

c). efectuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.

 

Acontece que o empréstimo em causa, naturalmente considerado como uma operação financeira o que ninguém contesta, foi disponibilizado nas contas bancárias da sociedade espanhola mutuária no dia 26 de Fevereiro de 2014, tendo sido devolvida em 28 de Fevereiro de 2014.

 

Factos contratualmente previstos, documentalmente provados e aceites pelas partes.

 

E, dois dias, é menos do que um ano.

 

E, como vimos, satisfeito fica o primeiro requisito.

 

Como satisfeito fica o terceiro.

 

É que, resulta igualmente dos autos, e não é posto em causa pela Requerida, que existe uma relação de domínio ou de grupo entre a Requerente e a sua casa-mãe B… SA.

 

Embora de domínio invertido. A sociedade mutuante é que é detida pela sociedade mutuária.

 

Mas existe, sempre, uma relação de grupo.

 

A sociedade de direito espanhol, B… SA, possui 99,56% do capital social da Requerente.

 

Ficam, assim cumpridos, como vimos dois dos requisitos necessários para verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea g), do nº. 1 do artº. 7º. do CIS.

 

70.              Ora, o cerne da questão, conforme resulta da discussão entre as partes, prende-se, naturalmente, com o facto de saber se a operação financeira em causa, empréstimo por dois dias, foi ou não destinada à cobertura de carências de tesouraria e em caso afirmativo se se tratou de um destino exclusivo.

 

A Requerente diz que sim.

 

A Requerida diz que não.

 

Cabe ao Tribunal decidir quem tem razão.

 

71.              A Requerente pretende aferir do destino do empréstimo por motivos que se prendem com a sua duração, de curtíssimo prazo, o que constituíra, só por si, forte indício de que se estavam a suprir carências de tesouraria, ainda para mais, enaltecendo o facto de o empréstimo ter sido efectuado intra grupo.

 

Apela ao depoimento das testemunhas inquiridas, referindo que uma delas qualificou a situação como se de um “overnight” se tratasse.

 

A Requerente considera que não se pode extrair do facto de nada figurar no contrato quanto à finalidade do empréstimo, que o mesmo não se possa considerar como sendo destinado a suprir carências de tesouraria.

 

Acha mesmo que se a finalidade fosse outra, não dizendo qual, é que tal deveria figurar no contrato.

 

Extrai do documento proveniente da casa-mãe “Consulta de Saldos Contables e Bancários), donde consta um saldo de € 16.968.685,36, que a verba disponibilizada - € 15.5000.000,00, se destinava, precisamente, dada a equivalência dos valores – a suprir aquela carência específica.

 

Atribui a Requerente relevância ao depoimento das testemunhas, quanto à reestruturação da dívida da casa-mãe e aos documentos da comunicação social para evidenciar as dificuldades de tesouraria da casa-mãe, em contraste com os excessos de tesouraria da Requerente.

 

Por seu turno, a Requerida, entende que o empréstimo efectuado não se destina a suprir quaisquer carências de tesouraria da casa-mãe, nem naturalmente refere a que é que o mesmo se teria destinado (o que não lhe competiria).

 

72.              A Requerida invoca que nunca a Requerente alegou, quer os motivos que, de facto, sustentavam a dita carência da tesouraria, nem provou que a transferência dos € 15.5000.000,00 se deveu em exclusivo à cobertura dessas carências.

 

E prossegue a Requerida na sua argumentação, invocando que do contrato de mútuo celebrado entre as partes, nada consta relativamente ao motivo que presidiu à operação em causa, ou se teve origem em relação comerciais e/ou societárias ou de qualquer outra causa distinta de qualquer uma destas.

 

A Requerida faz uma análise à documentação junta aos autos pela Requerente e depois de desvalorizar os Docs. nºs 3, 4, 5 e 6, por se tratarem de meras cópias de notícias de imprensa, considera que dos restantes nada consta que possa demonstrar inequivocamente tratar-se de um empréstimo destinado a suprir carências de tesouraria.

 

Curiosamente, a Requerida reconhece que a casa-mãe da Requerente recebeu, em 27 de Fevereiro de 2014, precisamente o dia de permeio entre a data em que o mútuo é concedido (26) e o seu retorno (28), a quantia de € 140.000.000,00, referente à venda ao Banco … em Espanha, de 51% da sociedade Financeira A…, da qual a casa-mãe era a principal acionista.

 

73.              No presente caso, é jurisprudência pacífica de que os factos constitutivos do direito do reconhecimento da isenção do imposto do selo da Verba 17.1 da TGIS, cabe à Requerente, que esse reconhecimento invoca.

 

E, recordemos, foi a própria Requerente que na sequência do empréstimo em causa, liquidou e pagou o imposto, o debitou a casa-mãe, a qual aceitou assumir o seu encargo.

 

Esta situação, se foi invertida, foi porque estava em causa a ilegitimidade da Requerente para viabilizar a prossecução do processo de reclamação da liquidação do imposto.

 

O Tribunal constata que não há qualquer referência em todo o processo, a que a transferência de fundos tenha decorrido no contexto de qualquer outra relação societária.

 

Não existe qualquer movimento da filha em relação à casa-mãe, no que toca, por exemplo, à devolução de obrigações de prestações acessórias ou outras, porque os fluxos financeiro tiveram retorno.

 

Nem tão pouco há vestígios de que a Requerente tenha procedido ao pagamento de dividendos à casa-mãe (antecipados, porque pagos antes do fecho do ano), porquanto se assim fosse, outro enquadramento fiscal estaria em causa, obrigando a vultuosas retenções na fonte, que sempre mereceriam outro tratamento por parte das autoridades fiscais portuguesas.

 

Também não podia estar em causa o pagamento de dívidas da responsabilidade da filha perante a casa-mãe, porque há retorno dos fluxos financeiros em sentido inverso.

 

Então, para que terão sido utilizados os 15 milhões de euros pela casa-mãe?

 

Para pagar dívidas a terceiros, para pagar aos seus fornecedores, empregados, para amortizar dívida bancária, para compra de participações sociais, etc.

 

Esta última hipótese não parece crível, porque as operações sobre participações sociais foram realizadas, mas precisamente em sentido inverso (alienação).

 

E, então, caberia perguntar porque é que a casa-mãe não teria, por si só, pago e honrado os seus hipotéticos compromissos? E porque é que teve que se socorrer da empresa portuguesa?

 

Porque a sua filha possui excessos de tesouraria, porque o custo da operação era reduzido (taxa de 3,6085 %), porque a transferência era rápida e imediata, porque era por prazo muito curto, porque estavam para entrar os € 140 milhões da venda de uma participada, mas ainda não tinham entrado, o que só aconteceu no dia seguinte, porque seria mais demorado e complicado o recurso à banca ou aos seus accionistas quando se processava uma reestruturação financeira do grupo?

 

Porquê?

 

Seja porque razão for, o que é facto é que não deixou de ser um apoio pontual, de curta duração, com uma tramitação necessariamente rápida, sem qualquer oposição ou mínimo entrave colocado pela administração e responsáveis da sociedade portuguesa, dada a proveniência da ordem de transferência.

 

Se não fosse, entre outras hipóteses, para suprir carências de tesouraria, para que serviria o empréstimo assim obtido?

 

Para investimento, para pagamento de dívidas a terceiros, para compra de bens ou outros activos?

 

Não há vislumbre concreto de tais destinos, nem o movimento – restituição – parece o mais adequado a esse efeito.

 

Operação de final do ano?

 

Efectivamente, o ano fiscal da casa-mãe (e consequentemente da Requerente) acabou em 28 de Fevereiro e o empréstimo foi contraído a 26 e devolvido a 28, antes do fecho.

 

74.              Mas dúvidas não parecem restar de que, não tendo sido nada diferente disso, terão sido as carências de tesouraria da casa-mãe – apesar de nunca invocadas – que terão conduzido à necessidade de efectuar o pedido à Requerente.

 

E até aqui o Tribunal pode ir.

 

75.              Só que a lei vai mais longe, porque a lei exige que a operação em causa se destine exclusivamente a suprir carências de tesouraria.

 

E que essa tenha sido a finalidade exclusiva do financiamento, a Requerente não conseguiu, como lhe competia, provar.

 

76.              Razão pela qual vai indeferida a sua pretensão.

 

 

DECISÃO

 

77.              De harmonia com o exposto, decide-se:

 

1.      Considerar improcedente, por não provado o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.

2.      Manter na ordem jurídica o acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, pago na Declaração de Retenção na Fonte – IRS/IRC/Imposto do Selo – com o n.º…, relativa ao ano de 2014, no valor de € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros), absolvendo-se, em consequência a Requerida do pedido.

 

Valor do Processo

 

78.              Fixa-se o valor do processo em € 6.200,00 (seis mil e duzentos euros) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

 

79.              Custas a cargo da Requerente de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de janeiro de 2016

***

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Jorge Carita)



[1]              Jorge Lopes de Sousa, comentário ao Regime Jurídico de Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp 105-108.

[2]              António Campos Laires e Jorge Belchior Laires, in Código do Imposto de Selo, Anotado e Comentado, 2000 Alda Editores, página 39, citado no art.º 30.º da Resposta da AT.

[3]              “Nestas circunstâncias, (…) parece-nos lícito entender que nos casos em que o credor seja uma entidade residente, financeira ou não, e o utilizador seja uma entidade não residente, não é devido IS pelas utilizações de crédito, ao abrigo das regras de territorialidade do IS. Partindo da base territorial do imposto a sujeição das utilizações de crédito encontra-se condicionada pelo grau de conexão que a mesma situação apresenta com o território português, sendo essa conexão determinada pelo local em que se verifica a utilização de crédito. Assim, entendemos que nos casos em que a utilização de crédito seja efectuada fora do território nacional por entidades não residentes, então não seria devido IS. Parece-nos legítimo que quem suporta o imposto tenha com o Estado um vínculo político e económico que justifique o seu interesse pela prossecução dos fins que o Estado desenvolve com as receitas fiscais.” (Sara Liberal Abrantes, “Incidência de Imposto do Selo na cessão de créditos: desconformidades normativas e limites da territorialidade”, UCP, p.28)