Decisão Arbitral
RELATÓRIO
1. Em 27 de janeiro de 2015, A…, Lda, NIPC n.º…, adiante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr…, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr.ª … e Dr… .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 28 de janeiro de 2015.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2014…, de 03.09.2014, respeitante ao mês de Novembro de 2014, no montante de € 6.492,20 (seis mil, quatrocentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos).
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
6. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 16 de Março de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. A Requerida, no dia 11 de Maio de 2015, apresentou a resposta à petição inicial, tendo arrolado uma testemunha.
8. O Tribunal designou o dia 11 de Setembro de 2015 para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo, por economia processual, e face à prova testemunhal indicada pelas partes, entendido proceder-se, nesse mesmo dia, à inquirição das testemunhas.
9. Contudo, face à indisponibilidade de agenda por parte do mandatário da Requerente, foi a reunião reagendada para o dia 6 de outubro de 2015, prorrogando-se, em consequência, o prazo de 6 meses previsto no artigo 21.º do RJAT, pelo período de 2 meses, por despacho de 9 de Setembro de 2015.
10. No âmbito da reunião do artigo 18.º do RJAT, depois de produzida a prova testemunhal, foram as partes notificadas, pelo Tribunal, por um lado, para virem juntar aos autos diversos documentos em falta devidamente identificados na respectiva acta, os quais, encontrando-se alguns em língua estrangeira, por acordo das partes, foi dispensada a sua tradução para português, por outro, para apresentarem alegações escritas de forma sucessiva, no prazo de 10 dias, iniciando-se o prazo para a Requerente com a junção aos autos, pela Requerida, dos documentos ínsitos.
11. A Requerente apresentou as suas alegações no dia 23 de outubro de 2015, e a Requerida, no dia 2 de novembro de 2015.
12. Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, o Tribunal designou o dia 16 de novembro de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente, de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2014…, de 03.09.2014, respeitante ao mês de Novembro de 2013, no montante de € 6.492,20 (seis mil, quatrocentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos), por ilegal, da seguinte forma:
a) Em Julho de 2014, os Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida), na sequência de um procedimento inspectivo externo aos elementos de escrita da Requerente, procederam a correcções em sede de IVA, relativas ao ano de 2013, no montante global de € 6.395,49 (seis mil, trezentos e noventa e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), «em virtude de o transporte de mercadorias relacionadas com transacções intracomunitárias com o cliente de Espanha “B…, SL” …não terá sido realizado para fora de Portugal…” de acordo com os factos» contantes do Relatório da Inspecção Tributária;
b) Contrariando a tese sustentada pela Requerida no aludido Relatório, quanto à questão dos cheques emitidos pela sociedade C…, Lda à B.., SL, endossados à Requerente, para pagamento de facturas emitidas pela B…a esta, alega que «pode legitimamente entender-se tratar-se, de entre muitas hipóteses possíveis, de empréstimos de “C…, Lda” à “B…” destinadas a pagamento de facturas emitidas pela Impugnante», não vendo qualquer ilegalidade neste procedimento, na medida em que, «o pagamento de fornecimentos de mercadorias por meio de endosso de cheques é prática corrente nos negócios.»
c) No que toca à matéria do exercício de atividade por parte da B…, afirma a Requerente que «em 2013, um colaborador da Impugnante, de nome …, por diversas vezes se deslocou ao armazém da B…, em Porriño e constatou o seu funcionamento. Verificou que ali se encontrava a trabalhar como empregada da B…, pelo menos, uma funcionária de nome … (…) cuja antiguidade como empregada da B… teve início no dia 4 de Março de 2013(…); verificou, ainda que o armazém estava dotado de energia eléctrica(…) além disso, a Impugnante obteve conhecimento de que a B… pagava renda pela utilização do armazém em Porriño (…); inclusivamente, a B… utilizava serviços de telecomunicações espanhóis (…).»Acrescenta que «quando iniciou os fornecimentos à sociedade “B…, SL” verificou que se encontrava legalmente constituída e fiscalmente registada. Com início de actividade em 24.9.1997, actualizada em 18.10.2012 no que diz respeito à gerência(…) E, no ano económico de 2013, a B…exerceu, normalmente, a sua actividade durante o ano, como se demonstra pela “Declaración recapitulativa de operaciones intracomunitárias” da Agência Tributária Espanhola, referente ao quarto trimestre desse ano de 2013.».
d) Continua, a Requerente, aludindo que «Por essa declaração recapitulativa se pode ver que, neste quarto trimestre de 2013, a B… efectuou compras à Impugnante no valor de 68.380,70 euros, como demonstra pelo impresso “Modelo 349 Resumen operaciones com la Unión Europea –Relación de Operaciones Intracomunitárias”», ou seja, «esta empresa adquiriu à Impugnante mercadorias no valor de 68.380,70€ montante este que coincide (…) com os valores que a Impugnante declarou como transmissões intracomunitárias à B…durante os meses de Outubro, Novembro e Dezembro do mesmo ano de 2013.»
e) Mais refere, no que à transportadora diz respeito, que esta «tem em seu poder um exemplar das declarações de expedição pela Impugnante e do transporte pela Transportadora D… para a destinatária B…, em Espanha, e sua recepção por esta destinatária, das mercadorias constantes das facturas que originaram esta liquidação adicional».
f) Friza, ainda, a Requerente que «antes de efectuar vendas à B…, teve o cuidado de recolher as informações necessárias com vista a confirmar que o registo, para efeitos de IVA, se encontrava em vigor, solicitando o seu número de identificação, e, ainda, a informação de se tratar de sujeito passivo deste imposto abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, para o qual utilizou o seu número de identificação de IVA para efectuar as aquisições. A impugnante assegurou-se também, de que à data das transmissões os registos para efeitos de IVA, em Espanha, se encontravam válidos.»
g) Concluindo, assim, no sentido de que «as mercadorias foram expedidas da sede da Impugnante, em Portugal e recepcionadas pelo destinatário em Espanha, as respectivas transacções beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea a) do art.º 14.º do regime do IVA nas transacções intracomunitárias-RITI».
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
A Requerida, na resposta que apresentou, impugna e contrapõe os argumentos aduzidos pela Requerente, da seguinte forma:
a) Quanto à questão da emissão de cheques pela sociedade C…, Lda à B…, SL, endossados à Requerente, para pagamento de facturas emitidas pela B… a esta, poderem consubstanciar-se em empréstimos, refere a Requerida que: « os cheques emitidos pela C…, Lda serviram para pagar à A…, Lda os bens facturados à B…, SL e de que entre as muitas hipóteses possíveis pode legitimamente tratar-se de empréstimos da C…, Lda à B…destinados a pagamento de facturas emitidas por si, (…) mas para tal e como resulta dos artigo 74.º da LGT e 342.º do CC, teria de apresentar prova da existência dos mesmos. Mais, durante a inspecção não se apurou, sequer qualquer indício de que as sociedades tivessem qualquer relacionamento, comercial ou outro. Aliás, se a impugnante(…) tivesse feito o empréstimo o mesmo estaria registado na contabilidade e existiria, eventualmente um contrato escrito de mútuo. Não sendo esse o caso, teremos que concluir pela inexistência de qualquer empréstimo e, face aos elementos disponíveis, sem outras evidências fornecidas pela Autora, só se pode concluir que os bens tinham como destino final a sociedade C…, Lda, uma vez que é esta que está a suportar a aquisição.». Continuando no sentido de que «somos levados a crer que as mercadorias se destinavam à C…, Lda e não à B…, tendo esta sido utilizada apenas como veículo documental de uma operação comercial localizada em território nacional.»
b) No que toca à questão da actividade da B… em 2013, adianta que «em termos meramente formais nunca foi posto em causa a existência da sociedade B…, SL,» no entanto, considera a Requerida que «não pode a Autora basear tal conclusão [existência de actividade da B…, SL] apenas no facto de ter emitido diversas facturas para esta sociedade, já que, tal como temos vindo a fazer referência não existiam indícios de actividade.», porquanto, por um lado, «quanto à deslocação do trabalhador … ao armazém da B… e que encontrou ali uma trabalhadora com o nome …, não podemos deixar de afirmar que tal está dissociado da realidade é que a AT espanhola encontrou um vazio declarativo, na sua base de dados, no que concerne a trabalhadores associados à sociedade». Com efeito, «no ano de 2013, aquela trabalhadora, declarou rendimentos da categoria A pagos pela sociedade transportadora de bens D…, Lda.» «Também não deixa de ser estranho que uma empregada ganhe apenas os montantes descritos (…), repare-se que no documento 3 junto à PI a trabalhadora ganhou apenas 702,53 Euros e no documento 4 a mesma trabalhadora ganhou apenas 330,84 Euros. Acresce que, conforme se retira daqueles documentos, a morada da Sr.ª … era (…)a Rua…, n.º … -… Esquerdo, no Porto (…) ».
c) Por outro lado, no que diz respeito ao consumo de energia, entende a Requerida que, «após uma análise atenta daqueles documentos, o armazém em causa não tinha qualquer actividade, ou a ter seria muito baixa já que a experiência diz-nos que os armazéns têm consumos de energia muito elevados, ou seja, exactamente o oposto do que ali se retira.» (…) «Com alguma facilidade vemos que o uso de electricidade naquele armazém era praticamente nula, tendo em conta aos montantes pagos.», por outro lado, ainda, relativamente ao arrendamento do armazém pela B…, alude a Requerida que «não foi apresentado nenhum contrato de arrendamento.» «Entre os elementos enviados, pelo gabinete de contabilidade “…”, [à AT espanhola]também não consta qualquer contrato de arrendamento comprovativo do pagamento de rendas, tendo sido enviada apenas duas facturas de arrendamento com data de 01/11/2013 e 02/02/2014. Nessas facturas consta retenção na fonte, (…) mas na verdade os pagamentos não foram efectuados até ao terminus do prazo (…)».«Nas facturas entregues à AT espanhola não podemos deixar de referir que uma delas é referente a Fevereiro de 2014, ou eventualmente, Janeiro de 2014, período em que as instalações se encontravam fechadas (comprovadas no local pelos serviços de inspecção da AT espanhola).» Assim sendo, entende a Requerida que «a conclusão que se pode tirar, face aos elementos disponíveis, é que em termos formais quis-se dar a aparência da ocupação de umas instalações para o exercício de uma actividade, mas na realidade essas instalações encontravam-se vazias e fechadas, tendo inclusive um cartaz informativo que se encontravam disponíveis para serem arrendadas.»
d) Mais refere a Requerida que diz respeito à questão do transporte dos bens para fora do território nacional «que em termos formais e documentais cumprem todos os requisitos exigidos pelas leis fiscais. Não fossem os indícios encontrados pela AT espanhola de que a B…, SL não exerceu qualquer actividade, aliado ao facto de as empresas suas vizinhas desconhecerem o nome B…, S.L e afirmarem que nunca viram pessoal a trabalhar no local da sede». Ademais, «foram encontrados indícios, em anos anteriores, de que era prática os bens com origem em território nacional terem como destino um local na zona industrial do Porto. Tendo-se comprovado que a sociedade a quem se destinavam os bens não exerceu qualquer actividade, (…) pelo que, a AT espanhola «cessou a sua actividade oficiosamente.» Acrescentando que «a existência de CMRS (Declarações de Expedição Internacionais de Mercadoria por Estrada) não é suficiente para atestar que a mercadoria saiu do território nacional, uma vez que o destinatário dos bens é uma sociedade cuja existência é meramente formal.» .
e) Concluindo no sentido de que «fica demonstrada a violação das normas relativas ao RITI, pelo que é devida a liquidação adicional de IVA.»
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, e a prova testemunhal produzida, tendo sido apresentadas duas testemunhas, pela Requerente e uma, pela Requerida, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados.
De referir que a prova testemunhal apresentada pela Requerente mostrou-se pouco credível e contraditória.
a. Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas registada, para efeito de classificação portuguesa de actividades económicas (CAE) com o código … – Agentes do comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro, que se dedica ao agenciamento de clientes e à comercialização de têxteis e vestuário, «principalmente para o mercado intracomunitário, com maior volume de facturação emitida para clientes de Itália, França e do Reino Unido. - cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial e por acordo;
B. A Requerente é um sujeito passivo residente em Portugal, que se encontra enquadrada no regime normal mensal para efeitos de IVA, desde 2009.05.05. - cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial;
C. No quarto trimestre de novembro de 2013, a Requerente vendeu mercadoria, no montante de € 68.380,70, a uma sociedade espanhola, denominada B…, SL, – cfr. Docs. n.º 22, 23, 24, 25 e 26 juntos com a petição inicial;
D. A sociedade B…, SL foi registada no Registro Mercantil de Pontevedra, com início de actividade a 24.09.1997, com sede na … … …, Vigo, … Pontevedra, com o objecto social de “albañileria y construccion comercio têxtil de todo o tipo”, com um só sócio e administrador único de nome …. – cfr. Doc. n.º 21 junto com a petição inicial;
E. A sociedade B…, SL encontrava-se registada para efeitos de VIES, à data dos factos, tendo sido cessada para estes efeitos, a 18.04.2014. (cfr. processo administrativo);
F. A B… pagava o consumo de energia eléctrica do imóvel sito na Calle …, … …- cfr. Docs n.º 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial;
G. A B… SL, nos meses julho, Setembro e novembro de 2013 pagou renda a … a …, S.A., no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pelo arrendamento de imóvel sito na … n.º … interior, …Vigo-Pontevedra – cfr. Docs. n.º 13, 14 e 15 juntos com a petição inicial), sem, que contudo tenha procedido à entrega da retenção na fonte que fez, junto das Autoridades espanhola – cfr. processo administrativo;
H. Nos meses de Junho, Agosto, Setembro e Outubro de 2013, foram cobrados serviços de telecomunicação espanhóis à sociedade B… S.L – cfr. Doc. n.º 16, 17, 18, 19 e 20 juntos com a petição inicial ;
I. A mercadoria expedida pela Requerente com destino a Espanha, à sociedade B…, SL, foi transportada pela transportadora D…, Lda, com sede na Rua… , …/…, …-… …, Portugal. – cfr. Doc. n.º 26 e 27 juntos com a petição inicial;
J. Os elementos de escrita da Requerente foram objecto de um procedimento inspectivo externo, iniciado a 23.07.2014 e terminado em 29.07.2014, levado a cabo pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);
K. Em 18.09.2014, como resultado desse procedimento inspectivo, foi a Requerente notificada para proceder ao pagamento da quantia de € 6.395,49 de IVA, correspondente ao estorno da liquidação de IVA relativa ao período de Novembro de 2013. (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial);
L. A Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 6.395,49 por compensação com o reembolso do IVA referente ao mês de Julho de 2014. (cfr. Doc. n.º 1 e 1 A juntos com a petição inicial);
b. Factos dados como não provados
No entanto, mostram-se como não provados, os seguintes factos, com relevância para o caso em apreço:
A. Não se provou que a sociedade B…, S.L exercia actividade comercial, em Espanha.
B. Não se provou que a sociedade B…, S.L tivesse relações comerciais com a sociedade C.., Lda sediada no Porto;
C. Não se provou que a mercadoria expedida pela Requerente saiu fisicamente do território nacional.
VI. Fundamentos de direito
1. No presente caso, existe apenas uma questão de direito controvertida e prende-se com o facto de saber se as vendas efectuadas pela Requerente à empresa “B…, SL”, sujeito passivo registado para efeitos de IVA em Espanha, no quarto trimestre do ano de 2013, cumprem com os pressupostos previstos na alínea a) do artigo 14° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, podendo as mesmas ser qualificadas como Transacções Intracomunitárias de Bens e, logo, isentas de IVA em Portugal?
Vejamos,
2. Primeiramente, e com pertinência para a determinação do conceito de Transacções Intracomunitárias de Bens, o qual não se encontra definido no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitário (RITI), importa, desde logo, determinar o que se entende por transmissão de bens para efeitos de IVA, dado que ambos os conceitos se encontram interligados, podendo este servir de base àquele.
3. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), considera-se “transmissão de bens, a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.”
4. Resulta, assim, desta norma legal que apenas são consideradas transmissão de bens, para efeitos de IVA, as transações que cumpram os seguintes requisitos:
a) Que sejam onerosas, uma vez que, em princípio, as transmissões efectuadas a título gratuito são excluídas do âmbito de incidência do IVA;
b) Que tenham como objecto bens corpóreos, móveis ou imóveis, ficando excluídas deste conceito as transferências onerosas de bens incorpóreos, uma vez que estas são tributadas como prestações de serviços;
c) Que sejam realizadas por forma correspondente ao direito de propriedade. «Não é necessário que o transmitente seja proprietário do bem transmitido. Assim, temos como operações tributáveis transmissões de bens efetuadas por possuidores ou meros detentores do bem, que tenham a disponibilidade económica do bem».[1]
5. Posto isto, e como pretendemos alcançar o conceito de Transacção Intracomunitária de Bens, torna-se útil compulsar o RITI quanto ao conceito de “aquisição intracomunitária de bens”, por ser corolário daquele e o mais próximo que encontramos neste diploma, não obstante termos que fazer uma interpretação a contrario do mesmo.
6. Na verdade, a noção de “aquisição intracomunitária de bens” encontra a sua previsão no artigo 3.º RITI dispondo que: “considera-se, em geral, aquisição intracomunitária a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para o território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha início noutro Estado membro.”
7. Assim sendo, será seguro considerar, como foi feito no Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 323/2014-T, que uma transacção intracomunitária de bens (TIB) corresponde «à transmissão do poder de dispor, por forma correspondente ao direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para o território de outro Estado-membro, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início no território nacional.»
8. Complementarmente, consultando o RITI, constatamos que o artigo 7.º, sob a epígrafe “operações assimiladas a transmissão de bens a título oneroso” assume especial importância na delimitação das operações enquadráveis no conceito de TIB, na medida em que, por um lado, assimila ao conceito de transmissão intracomunitária de bens, outras operações e, por outro, procede a uma delimitação negativa de algumas operações não enquadráveis no conceito.
9. Assim, a delimitação positiva do conceito, encontra a sua previsão no n.º 1 daquela norma, que é uma norma geral de assimilação, segundo o qual: “considera-se transmissão de bens efectuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do Código do IVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado membro, para as necessidades da sua empresa.”
10. No entanto, e considerando a extensão demasiado abrangente desta norma quanto às assimilações que engloba, entendeu o legislador que deveria limitar (negativamente) o tipo de operações compreendidas pelo conceito de TIB, o que o fez, no n.º 2 do artigo 7.º do RITI, o qual prevê que:
«Não são, no entanto, consideradas transmissões de bens, nos termos do número anterior, as seguintes operações:
a) Transferência de bens para serem objecto de instalação ou montagem noutro Estado membro nos termos do n.º 1 do artigo 9.º ou de bens cuja transmissão não é tributável no território nacional nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 10.º;
b) Transferência de bens para serem objecto de transmissão a bordo de um navio, de um avião ou de um comboio, durante um transporte em que os lugares de partida e de chegada se situem na Comunidade;
c) Transferência de bens que consista em operações de exportação e operações assimiladas previstas no artigo 14.º do Código do IVA ou em transmissões isentas nos termos do artigo 14.º;
d) Transferência de gás, através de uma rede de gás natural ou de qualquer rede a ela ligada, e transferência de electricidade, de calor ou de frio através de redes de aquecimento ou arrefecimento;
e) Transferência de bens para serem objecto de peritagens ou quaisquer trabalhos que consistam em prestações de serviços a efectuar ao sujeito passivo, materialmente executadas no Estado membro de chegada da expedição ou transporte dos bens, desde que, após a execução dos referidos trabalhos, os bens sejam reexpedidos para o território nacional com destino ao sujeito passivo;
f) Transferência de bens para serem temporariamente utilizados em prestações de serviços a efectuar pelo sujeito passivo no Estado membro de chegada da expedição ou transporte dos bens;
g) Transferência de bens para serem temporariamente utilizados pelo sujeito passivo, por um período que não exceda 24 meses, no território de outro Estado membro no interior do qual a importação do mesmo bem proveniente de um país terceiro, com vista a uma utilização temporária, beneficiaria do regime de importação temporária com isenção total de direitos.»
11. «Nestas situações temos simples movimentos de bens que não dão lugar a transações intra-EU de bens, podendo, quanto muito, em alguns casos, dar lugar a tributação a título de transmissões de bens internas ou prestações de serviços.»[2]
12. Na verdade, e como é referido no Acórdão do CAAD supra citado, «a principal consequência da qualificação de uma operação como TIB é que esta, à semelhança das operações de exportação, será, em princípio, isenta de IVA no Estado-membro de origem (i.e., no Estado-membro onde teve início a expedição ou transporte do bem com destino a um outro Estado-membro), conferindo ao transmitente o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização, evitando-se, desta forma, a dupla tributação de uma operação que do ponto de vista económico constitui um todo e garantindo-se a neutralidade do imposto»,
13. Contudo, ter-se-á que ter em consideração que, para uma operação se poder qualificar como TIB, e para poder beneficiar de isenção de IVA é necessário que a mesma reúna cumulativamente[3] os pressupostos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI.
Assim,
14. Prevê o artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do RITI, que se encontram isentas de IVA «as transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado-membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de IVA noutro Estado-membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.»
15. Significa isto que, para que possa operara a isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI, é necessário que se encontrem reunidos os seguintes pressupostos:
a) Que a transmissão, em causa, tenha como objecto bens móveis ou imóveis, por forma correspondente ao direito de propriedade, e que a mesma seja feita a título oneroso;
b) Que esta transmissão seja efectuada por uma pessoa singular ou colectiva que efectue operações que conferem, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA, i.e., que seja efectuada, por um sujeito passivo de IVA dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA;
c) Que a mercadoria objecto da transmissão seja expedida pelo vendedor/transmitente, pelo adquirente ou por conta deste, a partir do território nacional para outro Estado-membro com destino ao adquirente, e
d) Que o adquirente/comprador seja um sujeito passivo registado para efeitos de IVA no Estado-membro de destino das mercadorias; que tenha utilizado o respectivo n.º de identificação para efeitos de aquisição da mercadoria e tem se encontre abrangido no Estado de destino por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
16. Ora, considerando que há conceitos utilizados que revelam alguma complexidade, nomeadamente nas alíneas c) e d) supra, propomo-nos clarificá-los, o que o fazemos da seguinte forma:
17. No que toca à alínea c) supra, é mencionado o conceito de expedição. Na verdade, este é um conceito que não se encontra legalmente definido, mas que o TJUE tem vindo a interpretar atribuindo-lhe os seguintes contornos: «a aquisição intracomunitária de um bem só se verifica e a isenção da entrega intracomunitária só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado‑Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do Estado‑Membro de entrega.»[4]
18. Assim sendo e consequentemente, para que se verifique a “aquisição intracomunitária de um bem e a isenção da entrega intracomunitária” é necessário:
a) por um lado, que o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e,
b) por outro, que o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-membro, e
c) por outro que, na sequência dessa expedição ou transporte, o bem saia física e efectivamente do território do Estado Membro de entrega, ou seja, no caso em apreço, do território nacional para Espanha.
19. Complementarmente, compulsando o CIVA constatamos que a alínea e) do n.º 2 do artigo 1.º define o conceito de “transporte intracomunitário de bens”, no âmbito do IVA, revelando-o como «o transporte de bens cujos lugares de partida e de chegada se situem no território de Estados-membros diferentes.» Ademais, e com interesse, o CIVA define “lugar de partida”, e “lugar de chegada” nas suas alíneas f) e g) do mesmo n.º 2 do artigo 1.º, como «lugar onde se inicia efetivamente o transporte, não considerando os trajetos efetuados para chegar ao lugar onde se encontram os bens» e, «o lugar onde termina efetivamente o transporte dos bens.», respectivamente.
20. Assim sendo, poder-se-á considerar que o conceito de expedição pressupõe a deslocação física de um bem de um Estado membro para outro. Com efeito, esta condição estabelece a diferença entre uma operação intracomunitária e uma operação nacional/interna, «pois, só assim é possível a aplicação do princípio da atribuição da receita fiscal ao Estado membro onde ocorre o consumo final, ou seja, o princípio da tributação no destino, aplicável ao comércio intracomunitário. Daí a relevância dada à expressão “a partir do território nacional para outro Estado-membro”.[5]
21. Com efeito, o transporte de bens deverá ter, segundo o artigo 14.º do RITI, como “destino o seu adquirente”, relevando-se aqui a importância do conceito de “lugar de chegada”, ou seja, o lugar onde efectivamente termina o transporte dos bens. O qual terá que coincidir com a localização do adquirente, mencionada na factura, nos termos do artigo 27.º, n.º 5, do RITI.
22. Significa isto que, para além dos elementos previstos no artigo 36.º do CIVA, nomeadamente: “ a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso; f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura», as faturas relativas a transmissões intracomunitárias de bens devem ainda conter «o número de identificação fiscal do sujeito passivo precedido do prefixo PT, o número de identificação para efeitos de IVA do destinatário ou adquirente com o prefixo do Estado membro que o atribuiu e o local de destino dos bens.»[6]
23. Ademais, e já no que respeita à alínea d), quanto à clarificação dos conceitos aí utilizados, para que se possa qualificar uma transacção intracomunitária de bens como tal, é necessário, e imprescindível, que o adquirente seja uma entidade registada para efeitos de IVA no Estado-membro de destino, pelo que, e nessa medida, o transmitente deverá recolher, em momento prévio à consumação da venda dos bens, as informações necessárias que lhe permitam confirmar que o registo para efeitos de IVA se encontra em vigor, solicitando-lhe o seu número de identificação de IVA. Caso o adquirente não forneça o referido número e o transmitente não o consiga obter por outros meios, este deverá presumir que a entidade não se encontra registada, liquidando o imposto devido, uma vez que a Transacção intracomunitária de bens em causa não preenche as condições impostas para que seja considerada como isenta.
24. Ora, como referido, a indicação do número de identificação fiscal / número de IVA é um elemento fundamental nas transacções efectuadas entre sujeitos passivos de diferentes Estados membros, permitindo, no âmbito do sistema VIES, dar a conhecer à administração fiscal do país de destino dos bens o valor das aquisições intracomunitárias sujeitas a tributação e a identificação dos adquirentes nele registados para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado.
25. Assim sendo, a obtenção da confirmação da validade do número de IVA de um sujeito passivo de um outro Estado-membro pode ser feita através do sistema VIES (Sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA). Por uma questão de segurança, deverá ser feito o arquivo do comprovativo de consulta da validade do número. O VIES consiste num meio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA das empresas registadas na EU, ou seja, é um sistema actualizado pelas administrações fiscais de cada Estado-membro, que, por vezes, regista erros e omissões que podem fazer com que alguns operadores válidos apareçam como inválidos no sistema e vice-versa. Além disso, as informações relativas às TIB são igualmente transmitidas, através do sistema VIES, entre as administrações dos Estados-Membros.
26. Ademais, e na eventualidade de o adquirente se encontrar registado, para efeitos de IVA, em mais do que um Estado-membro, é necessário que o transmitente se certifique que o número de IVA fornecido pelo adquirente pertence ao Estado-membro de destino da TIB, e que este se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. Com efeito, esta condição permite que a aquisição intracomunitária do bem, pelo adquirente, seja tributada no Estado-membro de destino, salvo algumas excepções, como seja o adquirente estar abrangido por uma eventual isenção subjectiva de imposto. Neste caso, a transacção intracomunitária não estará isenta, pelo que o transmitente deverá fazer incidir o IVA correspondente.
27. Não obstante, relativamente a todas as condicionantes acima descritas, nomeadamente quanto à condição do sujeito passivo adquirente, e quanto ao transporte das mercadorias, com a sua saída física do território nacional, a verdade é que o ónus de prova destes pressupostos compete ao transmitente, como defende o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01680/03, de 29.04.2004, que acompanhamos, de acordo com o qual:
“I - Na falta de regras especiais, compete à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo a prova da existência dos factos tributários em que assentou a liquidação adicional impugnada.
II - Assim sendo, tendo a Administração verificado, através do exame à escrita, a existência de inexactidões ou omissões na declaração do impugnante, tem que ter-se por fundada a liquidação adicional, já que àquela apenas cumpria fazer a prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, isto é, dos pressupostos legais da sua actuação.
III - Tendo efectuado uma transacção intracomunitária que beneficia de isenção, cabia à impugnante provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a existência da alegada transmissão intracomunitária.”
28. Resulta daqui, que a comprovação e demonstração de que houve uma transmissão de bens e que estes foram expedidos ou transportados a partir do território nacional pelo vendedor, pelo adquirente ou por sua conta, com destino a um outro Estado-membro, é crucial para que aquele possa beneficiar da isenção de IVA prevista no artigo 14.º do RITI, incumbindo ao transmitente, sublinhe-se, fazer essa prova.
29. Mas, considerando que a legislação do IVA não prevê, nem indica os meios considerados idóneos para fazer essa prova, então, como fazê-la?
30. A Direcção de Serviços do IVA, respondeu a esta matéria, através do Ofício Circulado n.º 30009/99, de 10.12.1999, sufragando o entendimento de que:
“(…)
4. Perante a falta de norma que, na legislação do IVA, indique expressamente os meios considerados idóneos para comprovar a verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI, será de admitir que a prova da saída dos bens do território nacional possa ser efectuada recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente através das seguintes possibilidades alternativas:
-os documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respectivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte ("Airwaybil I"-AWB) ou o conhecimento de embarque ("Bill of landing"-B/L);
-os contratos de transporte celebrados;
-as facturas das empresas transportadoras;
-as guias de remessa; ou
-a declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respectivo adquirente, de aí ter efectuado a correspondente aquisição intracomunitária.”
31. No que diz respeito às TIB, em que o transporte dos bens é efectuado pelo adquirente ou por conta deste, poderão colocar-se alguns problemas específicos em matéria de prova do transporte ou expedição, como sucede no caso em apreço.
32. O Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 323/2014 T dá exemplos de situações em que a prova do transporte ou expedição se torna complicada para o transmitente. Como exemplo “o adquirente efectua o levantamento dos bens directamente no estabelecimento do vendedor, com o seu próprio meio de transporte ou contratando um terceiro para o efeito, as transmissões de bens ao abrigo dos Incoterms FOB (“free on board”) e FOT (“free on truck”) e, entre outras, os casos em que os bens, após terem abandonado as instalações do vendedor, são transportados para uma plataforma logística situada no mesmo território, partindo mais tarde para o Estado-membro de destino sem que o vendedor tenha a possibilidade de confirmar a sua partida do território nacional e chegada ao território de destino. São as chamadas transacções “takeaway”.
33. Com efeito, numa situação em que o transporte das mercadorias é realizado pelo adquirente, pelos seus próprios meios, o vendedor não se pode satisfazer unicamente com a simples indicação que os bens vão efectivamente ser transportados com destino a um outro Estado-membro, porquanto, uma guia de transporte ou um documento equivalente apresentado aquando da saída da mercadoria não estabelecem a realidade completa do transporte. Nestas situações, os transmitentes acabam por ver a sua responsabilidade posta em causa e a isenção da transmissão rejeitada por ocasião de um controlo.
34. Em concreto, no caso sub judice, é premente verificar se a transação comercial efectuada pela Requerente à B…, objecto da liquidação adicional de IVA de novembro de 2013, aqui controvertida, é passível ou não de ser considerada uma «as transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado-membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de IVA noutro Estado-membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.» e consequentemente, susceptível de beneficiar da isenção de IVA, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI.
Vejamos,
I) Quanto ao 1.º Pressuposto: considera-se assente que «a Requerente, no quarto trimestre de novembro de 2013, vendeu mercadoria, no montante de € 68.380,70, a uma sociedade espanhola, denominada B…, SL,» (Alínea c) dos factos dados como provados), pelo que podemos concluir que, há uma transmissão de bens, porquanto foi:
a) efectuada a título oneroso, pelo montante de € 68.380,70;
b) os bens transmitidos eram móveis, tratando-se de têxteis;
c) e foi realizada por forma correspondente ao direito de propriedade.
II) Quanto ao 2.º Pressuposto: considera-se assente que «a Requerente é uma sociedade comercial, sob a forma unipessoal por quotas, que se encontra enquadrada no regime normal mensal para efeitos de IVA, desde 2009.05.05» (Alínea B dos factos dados como provados), pelo que se encontra preenchido o pressuposto relativo ao transmitente, enquanto pessoa colectiva que efectua operações que conferem, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA;
III) Relativamente ao 3.º pressuposto: considera-se assente que a Requerente diz ter confirmado através do sistema VIES que a sociedade espanhola se encontrava registada, em novembro de 2013, para efeitos de IVA em Espanha, (Alínea E) dos factos dados como provados), pelo que se encontra preenchido o pressuposto de «o adquirente ser um sujeito passivo registado para efeitos de IVA no Estado-membro de destino das mercadorias; que tenha utilizado o respectivo n.º de identificação para efeitos de aquisição da mercadoria e tem se encontre abrangido no Estado de destino por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.»
d) No tocante ao 4.º pressuposto: a Requerente logrou provar que a mercadoria foi expedida por conta do adquirente, a partir do território nacional, não tendo contudo, conseguido provar, como lhe cabia, que a mercadoria tenha saído fisicamente do território nacional com destino a Espanha, porquanto, não conseguiu contrariar as informações constantes dos relatórios elaborados pela AT espanhola e a prova carreada para o processo administrativo apresentado pela Requerida.
Retenha-se o facto de os pagamentos das facturas emitidas pela Requerente, terem sido pagas por endosso de cheques emitidos por uma sociedade portuguesa, denominada C…, Lda, sediada em território nacional, sem que se tivesse apurado qualquer relação comercial entre esta sociedade e a B…; não foi provado que a sociedade espanhola tivesse qualquer actividade comercial, uma vez que não é conhecida por empresas vizinhas, e por estas nunca terem visto pessoal a trabalhar no local indicado pela Requerente como sendo o armazém da sociedade espanhola; porque a única pessoa indicada pela Requerente como sendo trabalhadora da sociedade espanhola, uma contribuinte portuguesa que apresentou a sua declaração de IRS referente ao ano de 2013, como trabalhadora da sociedade D…, Lda, e não da B... . Tudo isto, entre outros factos acima enunciados, permitiu formar a convicção do Tribunal no sentido de não assistir razão à Requerente, por não ter sido produzida prova suficiente da saída de mercadoria do território nacional.
Não estamos, portanto, perante uma transmissão intracomunitária de bens, logo não pode a operação em causa beneficiar de isenção de IVA.
Nestes termos, e na medida em que faz uma aplicação conforme do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do RIT, deverá ser mantida a liquidação adicional de IVA controvertida,
DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
1. Considerar improcedente, por não provado o pedido apresentado pela Requerente.
2. Manter o acto de liquidação adicional de IVA, respeitante a novembro de 2013 impugnado pela Requerente, por não estarmos perante uma transacção intracomunitária de bens passível de isenção de IVA, nos termos do disposto no artigo 14.º do RITI.
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 6.395,49 (seis mil, trezentos e noventa e cinco euros e quarenta e nove cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerente de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Outubro de 2015
***
O Árbitro
(Jorge Carita)
[1] Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, coordenação e organização de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina 2014, pág. 58.
[2] Obra citada, pág. 575
[3] Vide Acórdão do TCA Sul proferido no processo n.º 04434/10, de 07.06.2011, segundo o qual:
«1. São de verificação cumulativa os pressupostos previstos no art.º 14.º do RITI para o sujeito passivo português beneficiar do direito à isenção do imposto, no âmbito das transacções intracomunitárias;
2. Fundando-se a liquidação adicional de IVA em dois pressupostos, cada um deles de per si suficiente para a alicerçar, infirmado que foi um deles, a liquidação efectuada continua a manter-se válida, fundada apenas no outro que foi mantido;
3. Não provando o contribuinte, por qualquer meio de prova em direito admitidos, a efectiva expedição e entrega das mercadorias vendidas a um outro sujeito passivo de IVA situado em outro Estado membro, não podem as mesmas beneficiar do regime de isenção do imposto como transacções intracomunitárias.»
[4] Acórdão TJUE proferido no processo C-409/04, de 29.09.2007
[5] Acórdão do CAAD supra citado
[6] Obra citada, pág. 644