Decisão Arbitral
REQUERENTE: A… – …, NIF …, com domicílio fiscal na Rua …, …, … Porto.
REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada AT) representada pela Dr.ª B… e pela Dr.ª C…, conforme despacho de designação do Director Geral da AT, de 14/01/2015.
I – RELATÓRIO
1. A REQUERENTE, apresentou pedido de pronúncia arbitral, visando a anulação do despacho de indeferimento, (parcial), do Recurso Hierárquico, (RH), interposto da decisão da Reclamação Graciosa da liquidação de IRS relativo a retenções na fonte não efectuadas no exercício de 2008, sustentando o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, vindo, a final, a peticionar que este Tribunal Arbitral se pronuncie no sentido de anular integralmente (e não parcialmente, como foi efectuado em Recurso Hierárquico) o acto tributário referido;
2. O pedido enquadra-se, assim, nos termos do previsto na alí. a) do no 1 do artigo 10º do RJAT;
3. A REQUERENTE apresentou Pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a 29-12-2014, o qual aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD 10-03-2015, levou à notificação da AT, em cumprimento do nº 3 do art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT).
4. Tendo a REQUERENTE optado por não designar árbitro, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi o signatário designado árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nomeação tempestivamente aceite, foi notificada às partes a 23-02-2015 que não se opuseram à referida designação.
5. A REQUERIDA não procedeu nos termos previsto no nº 1 do art.º 13º do RJAT à revogação da liquidação objecto de litígio, assim mantendo o acto controvertido.
6. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 10-03-2015, conjugado o disposto na alínea c), do nº 1, com o nº 8 do artigo 11º, do RJAT, pelo que a 13-03-2015 foi notificada a AT para, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 artigo 17º do RJAT, apresentar Resposta e o correspondente processo administrativo o que fez a 24-04-2015, apresentando defesa por impugnação;
7. Tendo a 23-06-2015 sido dispensada a reunião prevista no art.º 18º do RJAT;
8. Foi inquirida a testemunha indicada pela REQUERENTE a 01-10-2015 – Dr. D… - na sede do CAAD, conforme consta da respectiva acta de inquirição;
9. As partes apresentaram alegações, sucessivas, conforme consta dos autos, com datas, respectivamente a 13-10-2015 e a 26-10-2015 para a REQUERENTE e REQUERIDA.
II – SANEAMENTO
10. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º, nº 2 e 6º, nº 1 do RJAT.
11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
12. O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.
III – QUESTÃO CONTROVERTIDA E POSIÇÃO DAS PARTES
III.A – QUESTÃO CONTROVERTIDA
Está em apreciação um acto tributário resultante de correcções efectuadas pela AT referentes a retenção na fonte de IRS, a qual teve por base, no entendimento da REQUERIDA, a existência de movimentos a favor do accionista e administrador único da REQUERENTE, tendo por base a presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS, que determina, em sede de presunções relativas a rendimentos da categoria E que: os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Entendimento que a REQUERENTE não sustenta, salientando que os valores em causa respeitam quer à restituição de pagamentos efectuados pelo accionista e administrador único da REQUERENTE, E…, quer à retirada por conta de suprimentos por este efectuados.
III.B – POSIÇÃO DA REQUERENTE
A REQUERENTE na PETIÇÃO INICIAL sustenta, em substância, com interesse para a apreciação da causa:
Quanto aos FACTOS, que:
13. As transferências monetárias ocorridas da sociedade para a conta de E… [accionista e administrador único da REQUERENTE] num total de € 114.502, 41, não constituem adiantamentos por conta de lucros mas sim:
13.1. Restituição de pagamentos efectuados por E… a F…, filho de E…, no montante de € 19,635,18 respeitantes a vencimentos (8.442,06) e rendas (11.193,12)[1] [§ 7 da PI];mais refere que,
13.1.1. Os pagamentos [a F…] foram efectuados pelo E…, não constando como fluxos financeiros da sociedade, e, como tal fazendo parte integrante das transferências efectuadas para a conta bancária de E….
13.2. Retiradas a favor de E… por conta de suprimentos efectuados, no montante de € 94.867,23, conforme discriminação que refere [§ 8 da PI]. Facto este corroborado pelo facto de:
13.2.1. Os valores transferidos para E… originaram lançamentos contabilísticos a débito na conta corrente de E...;
13.2.2. Esta conta ainda apresenta “saldo credor”, em 31.12.2017, de € 322.851,97 e em 2008, no valor de € 471.319,97, o que por si afasta o enquadramento dos valores lançados a débito na conta de E… como adiantamentos por conta de lucros.
14. Refere ainda que os valores referidos como entregues por E… não foram referidos de “modo genérico e abstracto, sem concretizar”, sendo antes movimentos que constam da contabilidade da empresa desde 1999 sem que houvesse qualquer apontamento divergente de quem quer que fosse.
Em sede de ALEGAÇÕES finais a REQUERENTE tece considerações sobre os factos que importa apreciar:
15. Que a testemunha [Dr. D…, revisor oficial de contas] fez prova do aventado na PI, nomeadamente no que respeita aos suprimentos relativos a 1999, e que E… efectuou os financiamentos referidos no processo, os quais permitiram a compra de equipamentos diversos, estando os valores correctamente contabilizados como suprimentos, pois correspondia a tais financiamentos.
Em matéria de DIREITO
16. Face aos factos e à falta de vontade do accionista em retirar qualquer valor por conta de lucros, o enquadramento legal operado pela REQUERIDA com base na alínea h) do nº 2 do artigo 5º carece de sentido pois não se encontram reunidas as condições para a presunção estatuída no nº 4 do artigo 6º do CIRS, enfermando a liquidação controvertida de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação [§14 da PI].
Em sede de ALEGAÇÕES finais a REQUERENTE tece ainda considerações de direito que importa apreciar:
17. No sentido de que o nº 1 do artigo 74º da LGT, porquanto o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado recai sobre quem os invoque, o que vai ao encontro do nº 1 do artigo 75º da LGT que presume verdadeiros e de boa-fé os registos contabilísticos efectuados pelos contribuintes [§1].
18. Assim, e partindo do pressuposto que já afirmara na PI, de que o registo contabilístico dos movimentos associados às operações mutuárias, nos vários exercícios em causa está realizado e nunca foi posto em causa, sendo certo que as contas foram regularmente certificadas, nos termos do referido artigo 75º nº 1 da LGT, não tendo a contabilidade da REQUERENTE sido, oportunamente, posta em causa, deverá considera-se que a mesma espelha a realidade dos factos.
19. Nestes termos entende que o ónus da prova de que as operações não correspondem à realidade dos factos cabe à REQUERIDA, para referir que a mesma não realizou qualquer prova, pese embora o dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, por força do artigo 58º da LGT [§ 4].
20. Assim, não tem a REQUERENTE de ilidir qualquer presunção, pois para que a AT beneficiasse da presunção de que os referidos lançamentos na conta de E… constituíam adiantamentos por conta de lucros deveria provar ou indiciar minimamente o facto base, ou seja, que eles não resultam da invocada relação creditícia constante da contabilidade, o que não fez [§7], sustentando este mesmo entendimento no Ac. 279/09.2BEPRT de 27-11-2014 do TCAN.
21. Acrescenta ainda [§10] que a referida presunção quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja “causa” jurídica não foi expressamente declarada, pelo que não se refere expressamente às quantias escrituradas nas contas de sócios a título de suprimentos, procurando sustentar este entendimento no Ac. 02268/08, de 07-05-2015, do TCASul.
22. Para concluir que a REQUERIDA não se desonerou das obrigações probatórias que lhe cabiam no sentido de demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação correctiva da matéria tributável declarada.
III.C – POSIÇÃO DA REQUERIDA
A REQUERIDA na RESPOSTA apresenta defesa por impugnação, sustentando em substância e com interesse para a apreciação da causa:
Quanto aos FACTOS, que:
23. Na acção inspectiva efectuada aos anos de 2007 e 2008 constatou-se no RIT que “a contabilidade do sujeito passivo (…) de acordo com o disposto no artigo 17º nº 3 do Código de IRC (CIRC) não está organizada de acordo com os princípios contabilísticos vigentes nem tão pouco reflecte todas as operações realizadas”
24. Que a REQUERENTE é titular de duas contas bancárias através das quais foram movimentadas as referidas importâncias e apenas uma dessas contas se encontra relevada na contabilidade.
25. Que as conclusões da IT se suportaram na contabilidade e nos esclarecimentos prestados pela REQUERENTE, inexistindo quaisquer elementos que comprovem o alegado [conforme consta do Relatório da IT].
26. Especificadamente, quanto aos valores controvertidos, que a REQUERENTE sustenta serem restituição de pagamentos efectuados por E… de vencimentos e rendas de imóvel a F…, filho de E…, no montante de € 19,635,18 respeitantes a vencimentos (8.442,06) e rendas (11.193,12) entende a REQUERIDA:
26.1. Que continua por demonstrar que foi o accionista quem efectuou o pagamento a F… daquelas importâncias a título de remunerações e de rendas do imóvel [§8.12 da RESPOSTA], por duas razões:
26.2. Porque consta da modelo 10 de 2008 que F… recebeu a importância a titulo de remunerações e rendas [§ 16 e 17], mas também,
26.3. Não existe prova de que a mesma tenha sido suportada pelo accionista da REQUERENTE, o que poderia ser comprovado, por exemplo, através de transferência bancária ou cópia de outro meio de pagamento [§ 16 e 17].
27. Especificadamente, quanto aos valores controvertidos, que a REQUERENTE sustenta serem retiradas a favor de E… por conta de suprimentos efectuados, no montante de € 94.867,23, entende a REQUERIDA:
27.1. Que os referidos valores se sustentam [§20] numa folha A4 com as alegadas entregas e restituições efectuadas à REQUERENTE pelo accionista, sem qualquer suporte contabilístico ou prova dos meios de pagamento utilizados ou outra prova documental, o que não permite atestar que o alegado saldo existente a 01/01/2008 na conta corrente do accionista, quer o saldo a final a 31/12/2008.
27.2. Não obstante a certificação de contas (…) a contabilidade omite movimentos financeiros imprescindíveis ao conhecimento da realidade jurídico-tributária da REQUERENTE.
Em matéria de DIREITO
28. Sustenta uma leitura distinta da REQUERENTE quanto à presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS [§ 24] de que não cabe à AT provar que os recebimentos evidenciam adiantamentos por conta de lucros, mas demonstrar que a REQUERENTE não comprovou, como lhe competia, qual a natureza daqueles recebimentos,
Em sede de ALEGAÇÕES finais a REQUERIDA tece ainda considerações de direito que importa apreciar:
29. Além de manter o referido na RESPOSTA quanto ao sentido e alcance da presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS, sustenta que a presunção de veracidade das declarações, com previsão no artigo 75º da LGT tem como condição indispensável que a contabilidade esteja organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, o que não é o caso da REQUERENTE, presunção expressamente afastada quando a contabilidade revele omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
30. Sustenta ainda esta leitura da lei em idêntica decisão arbitral [Proc. Nº 847/2014-T] a qual faz apelo à jurisprudência do Ac do TCA Sul no processo 02371/08, de 15/07/2008, no sentido de que se tivesse de ser a AT a fazer prova de que os lançamentos efectuados na conta do socio não resultam de mútuos, de prestações de trabalho ou do exercício de cargos sociais, seria contrária á finalidade da norma, “uma vez que tal se traduziria, na prática, na exigência de que a AT fizesse prova do facto presumido”.
31. Assim, atento o fim da norma do nº 4 do artigo 6º do CIRS de prevenção da evasão e fraude fiscal é mais fácil ao sujeito passivo fazer prova positiva de que os lançamentos se referem a mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, do que a AT fazer prova negativa dos mesmos.
Extrai-se ainda das conclusões das ALEGAÇÕES finais da REQUERIDA que:
32. Uma conta bancária do administrador e accionista funciona como uma extensão da actividade da REQUERENTE, com entrada e saída de meios financeiros que escapam à contabilidade, a qual
33. Contabilidade omite movimentos financeiros imprescindíveis ao conhecimento da realidade jurídico-tributária da REQUERENTE;
34. Que a REQUERENTE não conseguiu comprovar que o saldo positivo a favor do accionista, resultante da totalidade dos movimentos financeiros registados entre as contas bancárias da REQUERENTE e a conta bancária do accionista, não consubstancia um acréscimo patrimonial deste, com enquadramento no nº 4 do artigo 6º do CIRS [§35],
35. Quer porque, não obstante o saldo devedor da conta suprimentos, a REQUERENTE não apresentou documentos contabilísticos susceptíveis de justificar o saldo desta conta no início do ano de 2008, bem como as alegadas entregas pontuais que referem ter ocorrido ao longo deste ano [§36].
36. Quer porque a REQUERENTE não justificou a totalidade das importâncias recebidas pelo accionista que alegadamente refere como respeitando à restituição de despesas da sociedade pagas pelo accionista [§ 37].
37. Peticionando, por fim, que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente.
IV - MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto dada como provada para a apreciação e decisão subsequente, assenta nos documentos e na inquirição da testemunha apresentada pela REQUERENTE [descrita sobretudo a §§ 49, 50 e 57.2].
IV.A - Factos provados
38. Consideram-se provados os seguintes factos:
38.1. Ao abrigo da ordem de serviço OI2009…, da Direcção de Finanças do …, foi a REQUERENTE objecto de acção inspectiva externa, na qual a Inspecção Tributária (IT) verificou e concluiu o seguinte:
38.2. A REQUERENTE é uma sociedade anónima com capital actual de € 100.000,00, tendo como administrador único e accionista E…, com o NIF …;
38.3. Na acção inspectiva realizada ao ano de 2007 e 2008 constatou-se no RIT que “a contabilidade do sujeito passivo não permite o devido controlo e apuramento do lucro tributável em sede de IRC nos exercícios em apreço de 2007 e 2008, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 17.º n.º 3 do Código do IRC (CIRC), não está organizada de acordo com os princípios contabilísticos vigentes nem tão pouco reflecte todas as operações realizadas” o que originou o recurso a métodos indirectos em sede de IRC e de IVA;
38.4. A REQUERENTE é titular de duas contas bancárias, através das quais foram movimentadas as referidas importâncias, sendo que apenas uma dessas contas se encontra relevada na contabilidade;
38.5. Ocorreram movimentos financeiros ao longo de 2008 entre a REQUERENTE e E…, com entradas a favor da Sociedade no montante de € 180.740,50 e saídas a favor de E… no montante de € 418.616,85, originando um saldo a favor do accionista no montante de € 237.876,50, o qual foi considerado como adiantamento por conta de lucros, nos termos do nº 4 do art.º 6º do CIRS, calculando retenções na fonte de IRS em falta, de acordo com a alínea c) do nº 3 do art.º 71.º do CIRS, na redacção do Decreto-Lei nº 192/2005, de 07/11, no montante de € 47.575,30 (237.876,50 X 20%).
38.6. Relativamente às saídas, ou seja, ao fluxo financeiro a favor de E…, foram as mesmas calculadas pela IT no montante de € 418.616,85: o montante de € 94,584,35 está relevado a débito na conta “… – E…” por contrapartida da conta bancária relevada na contabilidade, e os restante foi movimentado através da conta bancária que não está reflectida na contabilidade;
38.7. Relativamente às entradas, ou seja, ao fluxo financeiro a favor da REQUERENTE, esta procurou comprovar que o mesmo respeita a despesas suas pagas pelo accionista;
38.8. Tendo a REQUERENTE alegado que aquelas transferências respeitam à restituição de despesas da sociedade suportadas pelo administrador e accionista, no montante de € 143.009,27, e a título “resgate” de suprimentos efectuados ao longo dos anos no montante de € 94.867,23, tudo no montante total de € 237.876,50.
38.9. Na sequência da acção inspectiva realizada, a REQUERENTE foi notificada, em 22/12/2011, da liquidação de IRS nº 2011 …, no montante de € 53.044,50, sendo € 47.575,30 de imposto e € 5.469,20 de juros compensatórios;
38.10. Em 18/05/2012 a REQUERENTE apresentou reclamação graciosa, tendo para o efeito invocado que a importância de € 237.876,50 não respeita a adiantamentos por conta de lucros mas antes à restituição ao accionista de encargos da sociedade por ele suportados, no montante total de €143.009,27, e ao reembolso ao accionista de empréstimo com a natureza de suprimentos, no montante de € 94.867,23, assim discriminados:
€ 237.876,50
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€143.009,27
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€123.374,09
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Levantamentos de E… para compensar encargos da sociedade
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€ 8.442,06
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Vencimentos de F…, pagos por E…[2]
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€ 11.193,12
|
Rendas do imóvel, pagas por E…[3]
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€ 94.867,23
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Reembolso de empréstimos à sociedade com a natureza de suprimentos
|
38.11. A reclamação graciosa foi indeferida;
38.12. Em 12/12/2012 a REQUERENTE deduziu recurso hierárquico (RH);
38.13. Por despacho de 21/08/2014, da Subdiretora-Geral por subdelegação de competências, exarado na informação nº …/2014 da DSIRS, foi o mesmo deferido parcialmente, na parte que respeita ao valor imputável a despesas pagas ao fornecedor G…, no montante de € 123.374,90.
38.14. No restante a pretensão da Requerente improcedeu;
38.15. O indeferimento parcial do RH originou a anulação parcial da liquidação controvertida, pelo que a AT considera como adiantamentos por conta de lucros – como tal sujeitos a retenção na fonte a taxa liberatória – o valor de €114.502,42, correspondente a transferências monetárias ocorridas da sociedade para a conta de E…, nos termos a seguir melhor discriminados:
Correcções em sede de Inspecção Tributária
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Correcções mantidas no RH
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Total dos fluxos financeiros
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237.876,50
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114.502,42
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Total do imposto (20%)
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47.575,30
|
22.900,48
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IV.B - Factos não provados
39. Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra; Consideram-se ainda não provados os seguintes factos:
39.1. Não provado que o valor de 19,635,18 referente a vencimentos (8.442,06) e rendas (11.193,12) [§ 7 da PI] respeitem à restituição de pagamentos efectuados por E… a F…, filho de E…, quer pela falta de qualquer documento que permita comprovar que o accionista da REQUERENTE, E…, tenha entregue a F… esses valores, quer pela prova testemunhal que sustentou que não havia fluxo financeiro, isto é, os montantes em causa apenas tinham um movimento contabilístico, por débito dos vencimentos e rendas, valor creditado na conta suprimentos, pois o credor desses montantes nunca os recebia. Obvio é que, se os não recebia, não lhe foram pagos por E….
39.2. Não provado que a totalidade dos valores de € 94.867,23 retirados a favor de E…, tenham por base suprimentos por o mesmo efectuados, por duas ordens de razões: pela falta de documentos que o comprovem, v.g., movimentos bancários; pela “revelação” da testemunha de que havendo suprimentos estes não eram todos prestados pelo accionista E…, mas resultavam, vários deles, de meros movimentos contabilísticos sem suporte financeiro.
V – APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
40. A decisão da situação controvertida implica ter presente o disposto em diversas leis tributárias, em especial no que concerne às obrigações contabilísticas e fiscais e ao ónus da prova, nomeadamente:
40.1. O artigo 74º, nº 1 da LGT, a determinar que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
40.2. O artigo 75º, nº 1 e nº 2 da LGT, a determinar:
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
40.3. A alínea a) do n.º 2 do art.º 123.º do Código do IRC[4], pelo que na execução da contabilidade todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
40.4. O nº 4 do artigo 6º do CIRS, a determinar que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
40.5. O artigo 73º da LGT, a determinar que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
41. Cabe agora verificar se, como sustenta a REQUERENTE, esta não tem de ilidir qualquer presunção, pois para que a AT beneficiasse da presunção de que os referidos lançamentos na conta de E… constituíam adiantamentos por conta de lucros deveria provar ou indiciar minimamente o facto base, ou seja, que eles não resultam da invocada relação creditícia constante da contabilidade, o que não fez [§7], sustentando este mesmo entendimento no Ac. 279/09.2BEPRT de 27-11-2014 do TCAN, ou, ao invés, como sustenta a REQUERIDA, a REQUERENTE não conseguiu comprovar que o saldo positivo a favor do accionista, resultante da totalidade dos movimentos financeiros registados entre as contas bancárias da REQUERENTE e a conta bancária do accionista, não consubstancia um acréscimo patrimonial deste, com enquadramento no nº 4 do artigo 6º do CIRS [§35].
Posto isto, vejamos:
42. A questão subsume-se à determinação do ónus da prova, i.é, saber se ele recai sobre a REQUERENTE ou sobre a REQUERIDA. Neste sentido, adianta-se, não vemos porque divergir da Decisão Arbitral 847/2014-T, de 14-07-2015, mormente porque a prova agora produzida vai nesse mesmo sentido. Com efeito,
43. A REQUERENTE invoca o Ac. 279/09.2BEPRT de 27-11-2014 do TCAN, alegando que a AT teria de provar o “facto base” para se fazer valer da presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS, ou seja, para que a ATA beneficiasse da presunção de que os lançamentos em conta corrente do sócio são feitos a titulo de lucros ou adiantamento dos lucros, deveria provar o facto base, ou seja, que eles não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
44. Ora, a leitura do acórdão referido não pode ser no sentido pretendido pela REQUERENTE, pois, bastar-lhe-ia [ou qualquer outra pessoa colectiva sujeita a IRC] inscrever na contabilidade que dados movimentos respeitavam a suprimentos sem que tivesse de disso fazer prova, pois se a AT tivesse dúvidas teria de provar que o não são, pelo que não o fazendo eles seriam tidos como movimentos da conta suprimentos, ainda que o não fossem e ainda que a totalidade das quantias não tivesse a devida expressão documental.
45. Não pode ter-se esta hipótese como a expressão do Acórdão referido pela REQUERENTE, antes sim, que a AT deve provar que os valores inscritos como restituição de suprimentos o não são. Dito de outro modo, provar o facto base é provar que os movimentos não resultam daquilo que é dito: de mútuos; sendo que tal ocorre quando a AT em IT constata que os movimentos não estão documentados, pois se a prova de que os movimentos resultam de suprimentos deve ser feita por documentos [e só estes provariam esse facto], a ausência de documento prova o facto base, i.é, de que não existe prova dos suprimentos. Ora, não bastando a inscrição como suprimentos de determinados valores, a prova de que não existe prova da totalidade dos suprimentos prova o facto base, até prova em contrário. Se a prova dum facto é um documento [art.º 123º/2-a) do CIRC (anterior 115º)], a prova do não facto [de que não resulta do facto aludido] basta-se pela prova de que o referido facto não está documentado. Assim,
46. Quando a AT refere que os referidos movimentos não têm qualquer prova dos meios de pagamento utilizados ou outra prova documental, o que não permite atestar quer o alegado saldo existente a 01/01/2008 na conta corrente do accionista, quer o saldo a final a 31/12/2008, faz prova do facto base, isto é, que não se trata duma restituição de suprimentos, ou, dito de outro modo, faz prova da inexistência de elementos que comprovem a totalidade das entradas na conta de suprimentos.
47. Ou seja, não poderia pedir-se à AT que viesse provar que os valores não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, fazendo prova de quaisquer outros factos que não lhe cabe conhecer. Apenas lhe cabe, face às normas contabilísticas e fiscais, aferir se os factos são corroborados pelos movimentos e documentos, como a lei impõe à REQUERENTE, ex. vi, alínea a) do n.º 2 do art.º 123.º [anterior 115º] do Código do IRC, pelo qual na execução da contabilidade todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário; condição esta necessária para que se presumam verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes [artigo 75º, nº 1 da LGT], pelo que [artigo 75º, nº 2 da LGT], a qual não se verifica quando: a) as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
48. Não pode pois confundir-se fazer prova do facto base no sentido de que a AT tem de fazer prova de que não é restituição de suprimentos, mas eventualmente duma outra realidade. Esse não poderá ter sido o sentido querido pelo legislador, pois estar-se-ia a exigir, por vezes, o impossível. Fazer prova que não é restituição de suprimentos é comprovar que não há justificação documental dos mesmos, pelo que caberia à REQUERENTE demonstrar a falta de razão da AT, o que só poderia fazer se viesse comprovar que os documentos existem. Acresce que,
49. A prova produzida vai no sentido da interpretação da REQUERIDA, por duas ordens de razões:
49.1. Porque a REQUERENTE não conseguiu provar, como lhe cabia, documentalmente, que a totalidade do valor respeita ao por si sustentado;
49.2. Porque a prova testemunhal se afastou do sustentado pela REQUERENTE ao afirmar que alguns dos movimentos contabilísticos controvertidos não reflectem fluxos financeiros, como deixou claro que a análise da contabilidade não é susceptível, per se, de explicar o sustentado pela REQUERENTE, nos seguintes termos:
49.3. Quanto ao alegado a § 7 da PI, de que o valor de 19,635,18 [de vencimentos (8.442,06) e rendas (11.193,12)] respeita à restituição de pagamentos efectuados por E… a F…, filho de E…, accionista e administrador único da REQUERENTE, que alega estar a reavê-los por ter sido ele a suportá-los, pois ficou claro que o filho não recebia quaisquer quantias, pelo que o sustentado não tem correspondência com a realidade. Efectivamente a testemunha referiu que “o filho tinha direito a um salário e nunca o recebia”, pelo que “o movimento financeiro não existia”, já que os valores do filho [referindo-se a vencimentos e rendas, pois a testemunha respondia à questão da REQUERENTE quanto ao conhecimento dos factos sobre vencimentos e rendas] não saiam da empresa e eram registados na conta suprimentos do pai [leia-se, E…]. Decai, assim, o referido a § 7 da PI;
49.3.1. Inquirida por este Tribunal Arbitral a testemunha apresentada pela REQUERENTE sobre os movimentos por si descritos, se, “atendendo à sua profissão de ROC entendia ser normal esse tipo de movimentos”, a mesma respondeu, sem hesitar: “não, não é normal”.
49.3.2. Indagada a testemunha, pelo Tribunal Arbitral, se em tal caso entendia ser possível a AT fazer a interpretação dos factos e a aplicação da lei que faz”, a mesma testemunha respondeu, igualmente sem hesitar, “sim, mas, para isso estou aqui a esclarecer”.
49.4. Cumpre assim apreciar estas declarações, produzidas em sede de prova pela REQUERENTE, pois as mesmas ajudam a perceber se o ónus da prova recai sobre esta ou sobre a REQUERIDA. Ora,
49.4.1. Quando inquirida a testemunha, por este Tribunal Arbitral, se era possível a AT fazer a interpretação que apresenta, respondeu positivamente, mas que por isso estava a testemunhar para o cabal esclarecimento. Tal facto, per se, é demonstrativo de que os movimentos controvertidos não foram processados de acordo com as normas e princípios contabilísticos, como a lei impõe; mais ainda,
49.4.2. Se os movimentos contabilísticos, tal como referido pela testemunha não são normais [resposta sua à primeira questão do Tribunal Arbitral] tal deve-se exclusivamente à REQUERENTE, que, assim, afasta o disposto no artigo 75º nº 1 da LGT, isto é, a presunção de veracidade e boa-fé das declarações dos contribuintes.
49.4.3. Dito de outro modo, ganha alicerce a possibilidade de a AT lançar mão da presunção contida no nº 4 do artigo 6º do CIRS.
50. Assim, não só não há documentos que comprovem:
50.1. Que o valor de 19,635,18 [§ 7 da PI] respeitantes a vencimentos (8.442,06) e rendas (11.193,12) respeitem à restituição de pagamentos efectuados por E… a F…, filho de E…, accionista e administrador único da REQUERENTE, que alega estar a reavê-los por ter sido ele a suportá-los, pois não há qualquer documento que o comprove, v.g., um documento bancário;
50.2. A entrada de valores que, como sustenta a REQUERIDA, perfaçam a totalidade dos movimentos da conta suprimentos, de forma a aferir-se que o montante de € 94.867,23, referido como valores retirados por restituição de empréstimos efectuados pelo accionista e administrador único da REQUERENTE, desde 1999, corresponde à devolução de empréstimos,
50.3. Como a prova testemunhal veio comprovar a não veracidade do afirmado a § 7 da PI, ao referir que o filho era um rapaz novo que vivia com os pais que pagavam todas as despesas razão pela qual os valores [em referência aos vencimentos e rendas] eram transferidos para a conta de suprimentos do pai, pelo que o filho tinha direito a salário que nunca recebia, acrescentando que o gasto existia, pois existe movimento contabilístico, mas o movimento financeiro não existia.
51. Uma referência deve ser feita ao sustentado pela REQUERENTE, em particular, a § 14 das Alegações finais, de que apesar de não possuir ao fim de tantos anos o suporte documental dos movimentos [nem a empresa está obrigada a isso pois a fiscalização foi em 2011, 12 anos após 1999), isso não releva pois a AT nunca pôs em causa esta contabilização ao longo dos anos.
52. Ora, em verdade, atenta a necessidade de conservação de documentos por um prazo de 10 anos [art.º 123º/4 (anterior 115º) do CIRC], não pode as AT concluir que a REQUERENTE não fez prova de que os montantes anteriores [aos dez anos] constantes da conta suprimentos não estão devidamente justificados. Assim,
53. Se a Administração Fiscal não fizer a demonstração da incorrecção da fixação do valor contabilístico, não é legítimo, uma vez decorrido o prazo [de dez anos] exigir ao contribuinte a prova do mesmo. Cfr. neste sentido Ac. Do Pleno do STA, de 08-11-2006[5].
54. Sucede que no caso em apreço, porque nos reportamos ao ano de 2008, a obrigação de conservação dos documentos comprovativos dos movimentos desse ano existe, devendo a REQUERENTE exibi-los de forma a provar que a totalidade dos valores que refere [€94.867,23] respeita ao reembolso de suprimentos. Todavia,
55. Não resulta a totalidade desse montante devidamente documentada, como ademais se percebeu pela prova testemunhal não poderia estar, por ter sido afirmado que parte dos movimentos não tinha um correspondente fluxo financeiro.
56. Assim, não é devido à falta de prova do facto base por parte da AT que este Tribunal Arbitral não consegue aferir a totalidade dos movimentos respeitantes à conta suprimentos de 2008, mas devido à REQUERENTE que, em tempo chamada pela AT a fazer prova documental o não fez, e apresenta a este Tribunal Arbitral prova testemunhal que não corrobora o por si sustentado.
57. Ora, assim sendo, a REQUERENTE não conseguiu fazer prova:
57.1. De que o valor de 19,635,18 respeitava à restituição de pagamentos efectuados por E… de vencimentos (8.442,06) e rendas de imóvel (11.193,12) a F…, filho de E… [§ 7 da PI];
57.2. Que a totalidade do montante de € 94.867,23, referido como valores retirados por restituição de empréstimos efectuados pelo accionista e administrador único da REQUERENTE, corresponde à devolução de empréstimos por si efectuados desde 1999, pois não só não há qualquer suporte documental que permita comprovar os saldos existentes a 01/01/2008 e a 31/12/2008, de forma a aferir os respectivos movimentos, como a prova testemunhal veio comprovar que algum daquele valor [pelo menos, no ano em apreço, € 19,635,18] não corresponde a efectivas entradas do accionista e administrador único da REQUERENTE, E…, ao que acrescerá, noutros anos, os vencimentos da própria mulher, como referido pela testemunha, ao afirmar que antes [por referência à esposa de E…] também iam para a conta suprimentos de E...
VI - DECISÃO
Em face do que antecede, e com os fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o pedido de anulação do acto de liquidação impugnado, assim mantendo na ordem jurídica a decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico, com as legais consequências.
VII - VALOR DO PROCESSO
Em face do requerido, dado que a pretensão incidiu tão só sobre o acto tributário parcialmente anulado, na parte em que o não fora, procede-se à correcção do valor do processo, sendo assim desconsiderado o valor proposto pela REQUERENTE [de € 47.575,39 (Quarenta e sete mil quinhentos e setenta e cinco euros e trinta cêntimos)], tendo-se o valor do processo de € 22.900,48 (vinte de dois mil, novecentos euros e quarenta e oito cêntimos).
VIII – CUSTAS
Conforme o disposto no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se as custas em € 1.224,00, a suportar pela REQUERENTE.
Lisboa, 05 de Janeiro de 2016
O Árbitro[6]
Henrique Curado
[1] Estes valores foram apresentados quer pela REQUERENTE quer pela REQUERIDA, na PI e Resposta trocados, sendo então referido como valor de vencimentos 11.193,12 e de rendas 8.442,06. Questionadas as partes pelo Tribunal Arbitral, face à compatibilização com a documentação anexa aos autos, vieram ambas a corrigir em sede de alegações, para o sentido que se expressa agora no texto.
[4] Corresponde ao artigo 115.º, na redacção do CIRC em vigor previamente à produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, que republicou aquele Código.
[5] Citado em LGT Anotada e Comentada, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Almedina, 2012, em anotação ao art.º 74, pg. 661.
[6] Texto elaborado em computador, nos termos do art.º 131º, nº 5 do CPC, ex vi, artº. 29º nº 1 alínea e) do RJAT, com verso em branco de cada folha, sendo a ortografia anterior ao último acordo ortográfico.