Processo n.º 132/2012
Os Árbitros Jorge Lopes de Sousa, Conceição Gamito e Rogério Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-1-2013 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, inserido no sistema informático do CAAD), acordam no seguinte:
I – Relatório
…, LDA, sociedade comercial por quotas com sede na Rua …, pessoa colectiva n.º …, formulou pedido pronúncia arbitral tendo em vista a declaração da ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2008 e 2009, no montante global de € 435.876,86, havendo requerido a constituição de tribunal arbitral.
A Autoridade Tributaria e Aduaneira respondeu, suscitando a questão prévia da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
Por requerimento de 14-3-2013, a Requerente veio informar que a reclamação graciosa que apresentara foi julgada procedente, na parte referente às ilegalidades que imputou às liquidações no presente processo, pedindo que seja declarada a inutilidade superveniente da lide.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1 do RJAT (DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Suscitando-se questões prévias da intempestividade e da inutilidade superveniente da lide, serão apreciadas prioritariamente.
II – Matéria de facto
A matéria relevante para apreciar esta excepção e a questão da inutilidade superveniente da lide é a seguinte:
a) No dia 28-02-2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2008 e 2009, no montante global de € 435.876,86 (documentos juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral).
b) A reclamação graciosa não foi apreciada até 23-11-2012.
c) Em 23-11-2012, deu entrada o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
d) Por despacho de 31-1-2013, proferido pela Senhora Chefe (em regime de substituição) da Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Castelo Branco, a reclamação graciosa veio a ser deferida quanto às questões que a Requerente coloca no pedido de pronúncia arbitral (fls. 42 a 45, 47 a 49 e 51 do Processo de reclamação graciosa).
Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo e acordo das partes, não tendo sido questionada a sua correspondência com a realidade.
Não existem factos com relevância para a decisão das questões prévias que não tenham sido dados como provados.
III – Questões prévias
Apreciar-se-ão as duas questões suscitadas, pois, apesar de a solução da questão da intempestividade, a ser nesse sentido, levar a concluir pela perda do direito de pedir a pronúncia arbitral, a questão suscitada pela Requerente, da inutilidade superveniente da lide, pode relevar para efeitos de determinar a responsabilidade dos encargos do processo.
IV – Questão prévia da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral
A reclamação graciosa que precede o presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada num momento já posterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que veio alterar a redacção do art. 57.º, n.º 1 da LGT, encurtando o prazo de decisão expressa da Administração Tributária de seis para quatro meses, findos os quais, conforme determina o art. 57.º, n.º 5, da LGT, ocorre o indeferimento tácito do pedido.
Pese embora os factos tributários serem anteriores à entrada em vigor dessa Lei, é o momento da entrada da reclamação graciosa que releva para a aferição das normas procedimentais aplicáveis, em função do disposto no art. 12.º, n.º 3, da LGT, que determina a "aplicação imediata" dessas normas, "sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos”.
Por conseguinte, volvidos quatro meses após a apresentação da reclamação graciosa, presume-se o indeferimento tácito da reclamação graciosa, momento esse, por sua vez, relevante para o cálculo e início da contagem do prazo de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial, segundo o disposto no art. 57.º, n.º 5, da LGT e 106.º do CPPT.
Em caso indeferimento tácito, o prazo para formular o pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, de acordo com o art. 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
Nos termos do art. 57.º, n.º 3, da LGT, "no procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil".
Ainda nos termos do art. 20.º, n.º 1, do CPPT, "os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do art. 279.º do Código Civil", assim deixando clara a natureza procedimental destes prazos, para efeito da sua contagem.
Tendo a reclamação graciosa entrado no serviço competente no dia 28-02-2012, o cômputo do termo – 4 meses – fixa-se a 28-06-2012, de acordo com o art. 279.º, alínea d) do Código Civil.
O subsequente prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral, de 90 dias, terminou em 26-09-2012.
Por conseguinte, o pedido de constituição do tribunal arbitral é intempestivo, uma vez que este apenas deu entrada no dia 23-11-2012.
A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, constitui uma excepção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância [artigo 288.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil]. ( 1 )
A solução desta questão prévia prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. ( 2 )
V – Questão da inutilidade superveniente da lide
A Requerente vem suscitar a questão da inutilidade superveniente da lide, por, na pendência do presente processo, ter sido decidida favoravelmente a sua pretensão, no referido processo de reclamação graciosa.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para se pronunciar, nada veio dizer, no prazo que foi fixado.
A revogação das liquidações impugnadas torna inútil apreciar a sua legalidade e leva a concluir que ocorre inutilidade superveniente da lide, com defende a Requerente.
A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
VI – Encargos do processo
De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral».
Pelo que se referiu ocorrem duas causas de extinção da instância, uma imputável à Requerente, que apresentou intempestivamente o pedido de pronúncia arbitral, e outra imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou actos de liquidação que veio a revogar pelas razões invocadas pela Requerente e não deferiu tempestivamente a reclamação graciosa, que esta apresentou.
A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, ocorrem duas causas de extinção da instância, uma imputável a Requerente (a intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral) e outra imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (inutilidade superveniente da lide, por revogação dos actos impugnados).
Neste contexto de concausalidade, o princípio da proporcionalidade impõe que seja repartida pelas partes a responsabilidade por custas.
VII – Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 435.876,86.
VIII – Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira, em partes iguais.
IX – Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar extinta a instância por intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e inutilidade superveniente da lide;
– absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
– condenar ambas as Partes no pagamento dos encargos do processo, em partes iguais.
Lisboa, 11-4-2013
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Conceição Gamito)
(Rogério Fernandes Ferreira)