REQUERENTE: a…
REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão Arbitral
I RELATÓRIO
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As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. a.., NIF…, residente no …, nº … – …º, …-…, Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto nos artigos 95º da Lei Geral Tributária, 99º, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, artigo 10º e na alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, para apreciar a demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a declaração de ilegalidade, com a consequente anulação, dos atos de liquidação de imposto de selo, verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), no valor de €3.920,58, referente ao ano de 2012 e ao prédio urbano constituído em regime de propriedade total, afeto a habitação, composto de 12 frações, inscrito na matriz urbana sob o nº … da freguesia de …, Lisboa, do qual é usufrutuária. (Cfr. Doc.1 junto ao pedido arbitral)
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 14 de maio de 2015, foi aceite pelo Exmo. Sr. Presidente do CAAD em 18.05.2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 13.07.2015, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28.07.2015.
A Requerida “AT” foi notificada em 5.08.2015 para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 29 de Setembro a AT apresentou a sua Resposta e, simultaneamente, requerimento solicitando a dispensa de marcação da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dado não haver excepções nem produção de prova a realizar nos autos, estando em causa apenas matéria de direito, podendo assim avançar para a decisão final.
No dia 5 de outubro de 2015 foi proferido despacho arbitral para a Requerente se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. A Requerente pronunciou-se favoravelmente à proposta de dispensa de reunião, pelo que foi proferido, em 19 de outubro de 2014, despacho arbitral dispensando a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e fixando data para proferir decisão final até 16 de novembro de 2015.
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Dos Pressupostos Processuais
3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. Artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.
C) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE
4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e inconstitucionalidade dos atos de liquidação de imposto de selo impugnados e sua consequente anulação, referentes ao ano de 2012, no montante global de €3.920,58, com referência ao prédio urbano sito na Rua …, nº…, na freguesia de …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia, descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, como resulta da caderneta predial junta pela Requerente como documentos nº 3, em anexo ao pedido arbitral, que se dá por integralmente reproduzida.
Fundamenta o seu pedido na ilegalidade das liquidações de imposto, alegando em síntese o seguinte:
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A Requerente tem o usufruto do prédio supra descrito, situado na Rua …, nº …, …, Lisboa, o qual está constituído em propriedade vertical, com 6 pavimentos e 12 andares ou divisões com utilização independente, com destino a habitação;
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Este prédio, composto por vários andares, com divisões ou fracções susceptíveis de utilização independente, não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal;
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O valor patrimonial tributário (VPT), atribuído nos termos previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para cada uma das divisões independentes não ultrapassa o valor de €1.000.000,00;
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Porém segundo o critério utilizado pela AT, subjacente à liquidação de IS impugnada, o VPT de cada uma das divisões independentes supra descritos é o correspondente ao somatório dos valores individuais atribuídos a cada uma das divisões independentes, o que, considerando os VPT atribuídos pela avaliação realizada em 2013, tem como resultado a determinação de um VPT global do prédio superior a €1.000.000,00.
5. A fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral assenta, sumariamente, na alegação de que o VPT das divisões independentes que integram prédios em propriedade vertical serem determinadas nos termos previstos no artigo 7º, nº2, alínea b) do CIMI, ou seja, separadamente. Em relação a um prédio em propriedade total, cada andar ou divisão susceptível de utilização independente é considerado, nos termos do nº3, do artigo 12º do CIMI, separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT, não existindo qualquer disposição legal que faça corresponder ao valor patrimonial tributário do prédio em propriedade total, com vários andares e divisões independentes, à soma das suas partes. “Sendo certo que o registo matricial desse prédio é elaborado tal e qual o registo dos prédios constituídos em propriedade total ou vertical porque em ambos os casos existem ou frações ou partes ou andares suscetíveis de utilização autónoma”
A Requerente entende, por isso que são ilegais e inconstitucionais os mencionados atos de liquidação de IS e a norma constante da verba 28 da TGIS com o sentido interpretativo que lhe atribui a AT, ou seja, aferindo a sua incidência pelo VPT global do prédio, somando os valores atribuídos às suas divisões independentes, é ilegal porque tal leitura da norma contida na Verba 28 da TGIS não legitima a liquidação impugnada (assente na soma das partes) mas ainda porque, a aceitar-se tal entendimento, tal configuraria violação do princípio da igualdade tributária, logo seria inconstitucional.
Termina peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação, dos actos de liquidação impugnados, bem assim como o reembolso das importâncias indevidamente pagas, por enfermarem de vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito e ofensa do princípio da igualdade perante a lei tributária, e ainda por inexistência de facto tributário, acrescidas dos juros indemnizatórios a calcular desde a data do pagamento até à data do reembolso.
D) – A RESPOSTA DA REQUERIDA
6. A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão à Requerente, apenas e só, porque o entendimento que a AT preconiza para a aplicação ao caso concreto do disposto na Verba 28 da TGIS é a de que nos prédios em propriedade total o Valor relevante para a determinação da incidência é o correspondente à soma dos VPT de cada fração, divisão ou andar suscetível de utilização independente. Em suma, entende que para efeitos de Imposto de Selo (IS) releva o prédio na sua totalidade, pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o disposto nº 4 do artigo 2º do CIMI.
A entrada em vigor do regime da propriedade horizontal (Código Civil de 1966), e a sua referência expressa na delimitação do conceito de “prédio” previsto no artigo 2º, nº 4 do CIMI determinam a relevância de tal figura, em matéria tributária. O que expressamente resulta da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 da TGIS os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária. A constituição da propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária. A razão para a inscrição matricial de cada andar suscetível de utilização independente é outra, que a AT expõe no artigo 21º da Resposta, rematando que a autonomia das partes no prédio em propriedade vertical, se justifica porque “o facto do prédio estar ou não arrendado, o que continua a ter relevância para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, quer para o IMI, quer para o IMT.”
Entende, em síntese, que não há violação do princípio da igualdade nem qualquer outra ilegalidade ou inconstitucionalidade que fundamente o pedido arbitral, pelo que, devem os vícios de falta de incidência e inconstitucionalidade ser julgados improcedentes, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas, por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos. Conclui ainda pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.
II. QUESTÕES A DECIDIR
7. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados ao Tribunal, a questão essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios em propriedade total ou vertical (não constituídos em regime de propriedade horizontal) integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, com afetação habitacional, como se determina o VPT relevante para definição de incidência do IS, nos termos previstos na verba 28.
A questão prática que se coloca é, pois, a de saber se o VPT relevante como critério de incidência do IS é o correspondente ao somatório do VPT atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Factos Provados
8.Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:
8.1. A Requerente é usufrutuária do prédio urbano sito à rua …, nº …, freguesia de …, Lisboa, descrito conforme certidão junta aos autos em anexo ao pedido arbitral como documento nºs 3 e 4, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
8.2. Trata-se de um prédio urbano, em propriedade vertical, composto por seis pavimentos e 12 andares com divisões de utilização independente, com afetação habitacional.
8.3. O prédio urbano em causa nos autos compreende um total de doze divisões com utilização independente, sendo que o VPT atribuído individualmente a cada divisão ou fração está compreendido entre o valor de €54.289,00 (VPT mínimo atribuído às frações do 4º Dtº e 4º Esqº) e €109.730,00 (VPT máximo atribuído à fração do R/CH Esqº), após a avaliação e atualização do valor efetuada pela AT em 4/02/2013;
8.4. O VPT correspondente à soma de todas as partes ou divisões independentes, após a supra referida avaliação, perfaz um valor de €1.176.160,00, mas nenhuma das suas partes ou divisões independentes tem um valor superior a €1.000.000,00;
8.5. A supra referida avaliação da AT efetuou-se por cada fração independente, com tratamento autónomo, com fichas de avaliação separadas, com VPT atribuído autonomamente por fração independente, as quais foram notificadas à Requerente autonomamente para efeitos de reclamação sobre o VPT unitário fixado, como resulta da caderneta predial junta como doc.3, em anexo ao pedido arbitral;
8.6 Em conformidade com o procedimento descrito a AT liquidou IMI, por cada fração independente, emitindo notas de cobrança autónomas;
8.7 Em conformidade com o teor do documento nº5 junto em anexo ao pedido arbitral, o VPT de cada uma das frações ou divisões independentes era, em 2012, compreendido entre o valor mínimo de €2.688,75 (4º Esqº) e €85.357,47 (1º Esqº), e o VPT total correspondente ao somatório de todos os VPT das diferentes frações independentes, era de €258.225,33, logo não ultrapassava então o valor global de €1.000.000,00.
8.8 Sobre o VPT total deste prédio, resultante do valor atribuído pela avaliação realizada em 4 de fevereiro de 2013, foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documento nº 4 em anexo ao pedido arbitral, num valor total de € 3.920,58, correspondente à 1ª prestação, liquidada para ser paga em Abril de 2013, tendo como ano de referência o ano de 2012, como consta do documento nº 4 junto em anexo ao pedido arbitral;
8.9 A Requerente procedeu ao pagamento de todos os valores de Imposto de Selo constante das liquidações impugnadas, conforme consta dos documentos comprovativos juntos aos autos com o documento nº4 em anexo ao pedido arbitral.
8.10 A Requerente deduziu, em tempo, Reclamação Graciosa, que correu termos com o nº … 2013 …, pugnando pela ilegalidade e anulação das liquidações em causa nos autos, a qual teve decisão desfavorável; seguiu-se o Recurso Hierárquico, com o nº … 2013…, o qual foi igualmente considerado improcedente, mantendo as liquidações emitidas.
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FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
9. A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos pela Requerente (docs. nºs 1 a 5 juntos ao pedido arbitral), ao que acresce a aceitação mútua das partes sobre os mesmos e a sua confirmação através da análise do PA junto aos autos pela Requerida.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
10. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito, enunciada nos autos, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade e inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.
Do quadro alegatório exposto pelas partes processuais conclui-se que para a AT, o critério de determinação da incidência do IS, previsto na verba 28.1 da TGIS, dos prédios em propriedade vertical com andares e divisões com utilização independente com afectação habitacional, corresponde ao somatório dos respectivos VPT atribuídos às partes ou divisões, nos termos previstos no CIMI. Foi este entendimento que conduziu às liquidações de imposto aqui impugnadas.
Acresce, ainda, que para a AT se afigura legitimo a liquidação de IS, referente ao ano de 2012, mas determinado com base nos VPT resultantes da avaliação ocorrida apenas em 2013.
11. Para a Requerente, tais entendimentos são totalmente ilegais, já que, a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28 da TGIS, é determinado pela conjugação de dois pressupostos, a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00. Tratando-se de um prédio em propriedade vertical, com as características do descrito nos presentes autos a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT total do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões. Mas, ainda, porque segundo a Requerente, mesmo que outro fosse o entendimento, a verdade é que no caso concreto, reportado ao ano de 2012, nem sequer existe facto tributário que legitimasse a emissão das liquidações impugnadas, por força do disposto no artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, que introduziu a Verba 28 da TGIS e fixou o regime transitório para o ano de 2012.
Cumpre decidir.
12. A questão essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, com afectação habitacional, qual o VPT relevante para efeitos de incidência de IS.
A resposta a esta questão impõe a análise do quadro jurídico aplicável e dos princípios de referência de modo a determinar qual a interpretação conforme à Lei e à Constituição, com a cautela que impõe aferir de um pressuposto de incidência de imposto, por força do princípio da legalidade fiscal resultante do disposto no artigo 103º, nº2 da CRP.
13. Sobre esta matéria, em concreto, é já numerosa a jurisprudência arbitral, decorrente de diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, versando sobre a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, todas no sentido de considerar que para os prédios em regime de propriedade total ou vertical o valor de referência para efeitos de incidência de IS, Verba 28 da TGIS, tem de ser o valor correspondente ao de cada parte ou divisão independente, nos mesmos termos previstos para efeitos de IMI. – (Neste sentido vd. Decisão arbitral nº 30/2014-T, de 20/06/2014 e Decisões Arbitrais nº 48/2013-T, 49/2013-T, 50/2013-T de 29/10/2013; ainda no mesmo sentido, vd. Decisões Arbitrais proferidas nos processos nºs 132/2013, 181/2013, 183/2013-T, 248/2013-T e 280/2013-T, entre outras)
No mesmo sentido se pronunciou recentemente o Supremo tribunal Administrativo, em Acórdão proferido no processo nº 047/15, de 09.09.2015, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Francisco Rothes, no qual se decidiu que:
“I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” (vd. Acórdão citado, disponível in www.dgsi.pt)
14. Não obstante o supra exposto, a Requerida AT tem vindo a manter o entendimento plasmado nos presentes autos, pugnando por uma interpretação assente em conceitos formais, nomeadamente no que respeita ao conceito de prédio para efeito de incidência do IS, tal qual vem previsto na verba 28 da TGIS.
Sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, mas não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da ratio legis subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.
Nesta conformidade, a questão centra-se na interpretação da norma de incidência, tal como se encontra expressa na previsão legal das verbas 28 e 28.1 da TGIS, referindo-se à “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afetação habitacional (28.1) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.
Ora, parece que tal disposição legal não acolhe o entendimento perfilhado pela AT, insistente e recorrentemente, segundo o qual quanto aos prédios “com afetação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de imposto de selo, deve ser o VPT total, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos individualmente a cada fração, parte ou divisão independente. Tal entendimento é, desde logo, contrariado pela própria letra da lei, quando inequivocamente remete para a aplicação dos princípios vigentes em sede de IMI, o que significa que a incidência para efeitos de IS – Verba 28 e 28.1 – deverá incidir sobre cada andar ou divisão suscetível de utilização independente (à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal), tal qual sucede em sede de IMI.
Senão Vejamos:
15. Uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o nº 7 do artigo 23º do CIS permite concluir quanto à determinação da matéria coletável e sequente operação de liquidação do imposto que: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”
Dispõe, ainda, o nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
No caso em apreço, deve atender-se à “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, para a adequada apreciação da matéria de direito em discussão.
Posto isto, a delimitação do alcance da norma de incidência deste novo tributo deve seguir a orientação da letra e do espirito da lei. Num primeiro plano, deve atender-se, pois, ao disposto expressamente nas verbas 28 e 28-1 da TGIS, com as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, como resulta do disposto no nº 7, do artigo 23º, do CIS.
16. Importa, assim, ter em conta que a sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares e sejam residentes em país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
17. A Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.” Mas, dispõe o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código. Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º, apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Dos normativos referidos podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que efectivamente se destina o prédio.
Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Idêntica conclusão se extrai da remissão que o legislador introduziu em matéria de IS para o CIMI.
Ora, este imposto estabelece como critério para os prédios em propriedade vertical a atribuição de um VPT a cada uma das partes ou divisões independentes. O que releva é, pois, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização, ou seja, “com afectação habitacional”.
18. Posto isto, há que resolver a questão que tem a ver com a determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, como sucede nos presentes autos, que a AT considera pelo valor do somatórios dos VPT de todas as partes ou divisões e, desta forma, facilmente ultrapassam o valor de referência, ou seja um milhão de euros.
Pois bem, este critério de oportunidade adoptado pela AT não se afigura aceitável, nem conforme ao princípio da legalidade fiscal.
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
Do disposto no nº 4 do artigo 2º do CIMI, resulta que: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Acrescentando ainda o nº 3 do artigo 12º do CIMI que: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
19. Assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto deve ser o mesmo.
Pelo que, se o critério legal em sede de IMI impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto de selo contido na verba 28 da TGIS.
É o próprio legislador que na letra da lei nos diz ser este o critério quando faz uma remissão inequívoca para o CIMI para efeitos de aplicação da já referida verba 28 do IS.
Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio (VPT total), quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.
Dito isto, afigura-se claro que só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não sucede nos presentes autos em relação a nenhuma das partes ou divisões independentes do prédio em causa.
20. O critério utilizado pela AT, ao considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS, pelo que se afigura ilegal, por manifesta violação de lei, já que assenta em pressupostos de facto e de direito contrários aos legalmente consagrados: é a própria lei que estabelece expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.” (sublinhado nosso)
Assim, a interpretação defendida pela AT viola o princípio da legalidade fiscal, além do que, a sua aplicação ao caso concreto violaria, também, os princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, todos consagrados na Constituição da República Portuguesa. O seu resultado prático conduziria, por exemplo, à tributação de um prédio em propriedade vertical por foça do somatório dos valores individuais das suas partes ou divisões independentes (como sucede no caso dos autos) e à não tributação das frações de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, ainda que cada fração tivesse um VPT de €999.999,00. Acresce ainda que, pelo critério da AT, muitos dos prédios urbanos existentes em propriedade vertical, apesar de mais antigos, facilmente podem alcançar o valor de referência para a incidência do IS, enquanto prédios de construção recente e, por vezes, luxuosa, em regime de propriedade horizontal, mas cujo VPT por fração não iguale ou ultrapasse o valor de €1.000.000,00 não fica sujeito ao novo imposto. Ora, fere a sensibilidade e o mínimo ético fundamental subjacente à interpretação e aplicação da norma jurídica que conduzisse a tal solução.
O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Se o prédio em causa nos presentes autos se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.
De resto, o pensamento do legislador expresso na norma de incidência, ao remeter para a aplicação do CIMI, foi claro e inequívoco, seguindo o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
21. A questão da conformidade da previsão da norma de incidência, face ao texto constitucional, porém, só se colocaria se o intérprete chegasse à conclusão que determinada e inequívoca leitura da lei, aplicada a um caso concreto, feria um ou vários princípios constitucionais. Porém, no caso em apreço do que se trata é de uma interpretação da AT que a conduziu a uma aplicação da lei sem enquadramento nos preceitos legais em vigor, padecendo de erro sobre os pressupostos de direito subjacentes à sua correta aplicação e, em consequência, de vício de violação de lei.
O critério uniforme, único compatível com a letra da lei e com a ratio legis subjacente à introdução da tributação das “habitações de luxo” definidas como sendo aquelas cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00, não acolhe a entendimento perfilhado pela AT. No caso dos prédios em propriedade vertical com fracções ou divisões independentes, não subsiste dúvida que a lei impõe que se atenda ao valor de cada uma das fracções ou divisões, tal como sucede para efeitos de IMI.
O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.
Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.
Só no caso de alguma dessas partes ou divisões independentes apresentar um VPT superior a €1.000.000,00, é que estaria preenchido o pressuposto legal de incidência, o que não se verifica no caso dos presentes autos.
22. Seguindo estes considerandos, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material. Assim, apenas a existência, num prédio constituído por frações habitacionais independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00. pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fração.
Assim, não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
Por isso mesmo é que o artigo 12º, nº3, do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”
Do disposto neste normativo resulta (à semelhança do que era previsto no artigo 232º, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola) que releva para efeitos de inscrição na matriz predial a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes. O que não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio, introduzindo um critério totalmente contrário ao que resulta previsto na lei, ou seja, no CIS e no CIMI, por remissão expressa do legislador nesta matéria.
Acresce que, a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, a qual para efeitos tributários não impõe sequer uma nova avaliação do prédio. A forma de constituição do prédio em regime de propriedade total ou horizontal não foi considerada na introdução do novo imposto, tal como não foi no próprio CIMI, certamente porque o legislador bem atendeu à injustiça que resultaria de tal discriminação. A verdade material resultando do valor imputado a cada uma das partes ou divisões independentes, expressa no VPT que é atribuída a cada uma delas para efeitos de IMI e a afetação efetiva do prédio a habitação, é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico- formal do prédio se encontrar ou não constituído em regime de propriedade horizontal ou vertical.
23. No caso dos presentes autos o prédio em causa encontra-se em propriedade vertical e contém andares e divisões com utilização independente, destinados a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.
Em conformidade, as liquidações impugnadas são ilegais porquanto assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que consubstancia o vício de violação de lei, pelo que se impõe a sua anulação.
24. Por último, cabe referir que as liquidações impugnadas são ainda ilegais por violarem as regras do regime transitório estabelecido pela Lei, configurando a interpretação e aplicação preconizadas pela AT, um caso de retroatividade inaceitável, violadora do regime transitório estabelecido. É que, a acrescer às ilegalidades supra mencionadas, a AT procedeu às liquidações em causa, com referência ao ano de 2012, ignorando o VPT fixado à data de 31 de dezembro de 2012, mas antes aplicando o VPT que resultou da avaliação do prédio e das suas partes ou divisões independentes, ocorrido em Fevereiro de 2013. Ora, a este propósito alega e bem a Requerente que, mesmo que se aceitasse, por mera hipótese, como referência para a incidência do IS o VPT global, nem assim as liquidações poderiam subsistir, porquanto, com referência ao ano de 2012, esse VPT global era muito inferior a €1.000.000,00. Efetivamente, a requerente tem razão no que alega a este propósito.
A Lei 55-A/2012, de 29/10, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012. Das normas transitórias constantes do seu artigo 6º resulta que o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012 e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011.
Ora, estando em causa liquidação de Imposto de Selo prevista na verba 28 da TGIS relativa ao ano de 2012 haverá que observar as regras transitórias do nº 1 do artigo 6.° da Lei 55-A/2012, pelo que a AT também não estava habilitada a proceder à liquidação de IS com base no VPT resultante da avaliação efetuada em 2013.
A este propósito, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão proferido em 19-11-2014, no processo nº8777/14, no qual se afirma que: “Decorre das al. a) e c) do referido artº 6º (regime transitório para 2012) que o facto tributário se deve ter como verificado em 31 de Outubro de 2012, e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011.” (vd. Acórdão citado, disponível in www.dgsi.pt).
Também por esta razão as liquidações impugnadas se afiguram ilegais por violação de lei.
25. Por tudo o que se deixa exposto, as liquidações impugnadas são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos, e devem ser anuladas e devolvidas à Requerente todas as quantias pagas.
V – Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
26. Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.
Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
27. Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível inferir que a AT tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correta liquidação do imposto.
Com a notificação do pedido arbitral apresentado e dos meios de prova juntos em anexo ao pedido a AT teve a possibilidade de revogar os atos travando os seus efeitos, o que não sucedeu. Não o tendo feito e mantendo as liquidações inquinadas de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegais, está obrigada a indemnizar.
Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €3.920,58 a contar da data em que foi efetuado o pagamento até ao seu integral reembolso, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
28. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.
VI - DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas nos presentes autos, por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;
B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso das quantias indevidamente pagas, no montante de €3.920,58, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em €3.920,58, nos termos do disposto artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29º do RJAT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €612,00 a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 12 de novembro de 2015
O Árbitro singular,
(Maria do Rosário Anjos)