Decisão Arbitral[1]
IVA, créditos incobráveis (insolvência), indemnização por prestação indevida de garantia
Requerente – A…, Lda.
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 6 de Julho de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
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RELATÓRIO
1.1. A…, Lda., Pessoa Colectiva nº …, com sede em …, … …, (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 30 de Abril de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).
1.2. A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que seja declarada “(…) a ilegalidade, e consequente anulação, dos actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios emitidos sob os números … e … (…) referentes ao período de Outubro de 2010, no valor global de € 30.645,67 (€ 26.526,44 de IVA e
€ 4.119,23 de juros compensatórios) (…) bem como a condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 4 de Maio de 2015 e foi notificado à Requerida na mesma data.
1.4. Em 5 de Maio de 2015, a Requerente apresentou Requerimento no sentido de anexar aos autos a procuração forense (a qual não havia ainda sido junta “(…) por falta de suporte da plataforma informática”).
1.5. Em 18 de Junho de 2015, a Requerida apresentou Requerimento nos termos do disposto no artigo 13º, nº 1 do RJAT no sentido de manter “(…) nos seus previsos termos, o acto tributário indicado como objecto do pedido”, ou seja, as liquidações de IVA e de juros compensatórios identificadas no ponto 1.2., supra.
1.6. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 19 de Junho de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.7. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 6 de Julho de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral, em 8 de Julho de 2015, no sentido de notificar a Requerida para, “nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional”.
1.9. Em 28 de Setembro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, e, dessa forma, serem mantidas as liquidações (…) com todas as legais consequências”.
1.10. A 30 de Setembro de 2015, a Requerida remeteu ao CAAD o processo administrativo.
1.11. Em 2 de Outubro de 2015 foi proferido despacho arbitral a notificar ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como da dispensa da apresentação de alegações.
1.12. Em 7 de Outubro de 2015, a Requerente apresentou resposta ao despacho arbitral referido no ponto anterior no sentido de “que dispensa a reunião (…) e a apresentação de alegações, no caso de ser este também o entendimento da Requerida (…)”.
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Em 8 de Outubro de 2015, a Requerida apresentou resposta ao despacho arbitral referido no ponto 1.11., supra, no sentido de que:
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“Nada tem a opor à dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT, incluindo a dispensa da inquirição da prova testemunhal indicada (…) visto a posição das partes quanto à matéria de facto (…) estar devidamente suportada pelos documentos que se encontram juntos aos autos”;
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“(…) nada tem a opor a uma eventual não apresentação” de alegações” “desde que a requerente também acorde em não as apresentar”.
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Nestes termos, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, em despacho datado de 12 de Outubro de 2015, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT, tendo ainda em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC) [aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT], prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 5 de Novembro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
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No âmbito do despacho arbitral referido no ponto anterior, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 14 de Outubro de 2015).
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CAUSA DE PEDIR
Dos Factos
2.1. “A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio de carnes por grosso no mercado nacional, enquadrando-se como sujeito passivo de IVA no regime normal de periodicidade mensal”.
2.2. Refere a Requerente que “no exercício da sua actividade comercial (…) realizou diversos fornecimentos de carnes frescas e congelados à B…, Lda., no valor global de € 557.198,79”, dos quais “esta não pagou a importância de € 540.756,72”, sendo “€ 26.526,44 referente a IVA liquidado (…)”.
2.3. “A B…, Lda. (…) foi decretada insolvente pelo Tribunal Judicial de ..., por sentença proferida em 1 de Setembro de 2010, a qual transitou em julgado em 13 de Outubro de 2010”.
2.4. A Requerente “tendo tomado conhecimento de que a sua cliente (…) havia entrado em insolvência (…), em 19 de Outubro de 2010, reclamou os seus créditos no processo de insolvência que corria termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., sob o nº .../10....T...”.
2.5. “Face ao decretamento da insolvência da B… (…) cujo trânsito em julgado havia ocorrido em 13 de Outubro de 2010, e a manifesta incobrabilidade do crédito - sendo nula a expectativa de qualquer recebimento (…), quer por inexistência de património (…), quer pelo facto de o crédito da Requerente não beneficiar de qualquer garantia ou privilégio creditório (…) – a Requerente procedeu à regularização do IVA relativo ao crédito reclamado, no citado montante de € 26.526,44”.
2.6. Assim, refere a Requerente que “comunicou por carta registada datada 09 de Dezembro de 2010, dirigida a sociedade devedora, na pessoa do Administrador da Insolvência, a rectificação do IVA na importância de € 26.526,44 (…) a qual foi recepcionada (…) ainda em Dezembro de 2010 (…) e procedeu à inscrição deste valor no campo 40 da declaração periódica de IVA referente ao mês de Outubro de 2010 (…)”.
2.7. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) estavam reunidas as condições formais e substantivas necessárias para a rectificação do IVA (…)” a seu favor.
2.8. “Em 11 de Fevereiro de 2014 teve início uma acção inspectiva à Requerente (…) de âmbito geral e abrangendo o exercício (…) de 2010”, tendo esta sido “prorrogada por 3 meses”, pelo que “em 19 de Junho de 2014, no decurso da acção inspectiva (…) o administrador da insolvência (…) enviou carta de esclarecimentos (…) confirmando designadamente, a recepção da reclamação de créditos da Requerente no valor de € 540.756,72, acrescida de juros de mora, a recepção da comunicação relativa à regularização de IVA no valor de € 26.526,44 (…) respeitante ao crédito reclamado e informando que apesar de ainda não ter sido junta ao processo de insolvência a relação de créditos (…), em princípio, o crédito da Requerente será reconhecido pelo valor de € 595.983,56, correspondente ao valor inicialmente reclamado deduzido da regularização do IVA (…)”.
2.9. “Em resultado da referida acção inspectiva, foi a Requerente notificada do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, do qual consta uma proposta de correcção ao IVA regularizado pela Requerente no valor de € 26.526,44” mas “não concordando com a proposta de correcção do IVA, por não vislumbrar a falta de qualquer requisito legal para a regularização de IVA (…) a Requerente exerceu o direito de audição em 20 de Outubro de 2014, tendo procedido à junção da certidão do tribunal que atesta a sentença de insolvência da sociedade devedora e a data do respectivo transito em julgado”.
2.10. Não obstante, a Requerente “foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária que manteve a proposta de correcção de IVA no valor de € 26.526,44” com base, nomeadamente, no entendimento que, para que o “sujeito passivo credor possa exercer o seu direito à dedução/regularização, deve ter em seu poder uma certidão emitida pelo tribunal competente, que deve mencionar a declaração de insolvência por meio de sentença, que o credor tenha reclamado créditos e estes tenham sido reconhecidos, que sentença tenha transitado em julgado e ainda que seja comunicada ao devedor a regularização para que este proceda a rectificação do IVA inicialmente deduzido” (sublinhado nosso).
2.11. E mais refere a Requerente, citando o Relatório de Inspecção Tributária que “nesta data e de acordo com a resposta obtida do administrador de insolvência, ainda não foram juntas ao processo de insolvência as relações de créditos (…) não dispondo aquele de extractos da contabilidade da sociedade insolvente” pelo que “da consulta ao processo de insolvência verificou-se que os créditos reclamados ainda não foram reconhecidos, encontrando-se o processo na fase de "Lista provisória de credores (…)”.
2.12. E, “conclui o Relatório de Inspecção que relativamente aos créditos reclamados (não reconhecidos), o SP não pode proceder a regularização do IVA (…) porquanto o sujeito passivo não tem na sua posse certidão judicial (…) onde conste que a empresa da qual é credora, foi declarada insolvente, com sentença já transitada em julgado, os créditos reclamados ainda não foram reconhecidos (pelo administrador da insolvência) e muito menos verificados (pelo tribunal), não existe certeza de que os créditos reclamados venham a ser reconhecidos, pois o administrador da insolvência não dispõe de conta corrente do insolvente relativamente ao SP e, não obstante o SP ter comunicado ao insolvente que procedeu à regularização do imposto o devedor (insolvente) não procedeu em conformidade com o previsto no (…) código do IVA (…) pelo que a regularização efectuada a favor do SP (…) de imposto no valor de € 26.526,44 (…) não pode ser considerada, para efeitos fiscais, por incumprimento (…) do disposto na legislação aplicável (…)”
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Em consequência, “foram emitidas as liquidações de IVA e juros compensatórios (…) no valor global de € 30.645,67 (€ 26.526,44 de IVA e € 4.119,23 de juros compensatórios), com termo para pagamento voluntário fixado em 31 de Janeiro de 2015”.
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Porque não pagou dentro do prazo acima referido, “a Requerente foi citada do processo de execução fiscal nº …2015… relativo às liquidações adicionais de IVA e juros acima identificadas e, para evitar o prosseguimento do aludido processo e da previsível realização de penhoras de bens e direitos existentes no seu património, apresentou/prestou a correspondente garantia bancária, bem como o requerimento solicitando a suspensão da execução”, tendo a Requerente incorrido até à data da instauração do pedido de pronúncia arbitral “em custos de
€ 476,46”.
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Nestes termos, porque não concorda a Requerente com as referidas liquidações de IVA e de juros, “(…) por as mesmas assentarem em ostensivo erro sobre os pressupostos de facto e de direito” apresentou o pedido de pronúncia arbitral em análise.
Do Direito
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Refere a Requerente que à data dos factos, em 2010, “como condição formal ou procedimental de recuperabilidade do IVA regia (…)” o nº 11 do artigo 78º, segundo o qual deveria ser “comunicada ao adquirente do bem (…) que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada”.
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Assim, para a Requerente eram “exigidas por lei duas condições (…) e não mais, para efeitos da regularização do IVA”, sendo que a primeira “respeita à insolvência do devedor [o legislador escolheu como critério e momento relevantes o decretamento da insolvência e a data específica em que esta ocorra (quando a mesma seja decretada), naturalmente sendo-o através de uma pronúncia judicial – sentença]”.
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E, continua a Requerente, a lei “não exige quanta à segunda condição, de natureza procedimental, que a mesma ocorra antes da regularização, como condição sine qua non desta (…)”.
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Em síntese, entende a Requerente que face à legislação aplicável “a regularização de IVA relativa a créditos incobráveis sobre insolventes pode efectivar-se se se verificar o decretamento da insolvência do devedor, quando se verificar esse decretamento (…) e tendo de ser comunicada ao devedor (sujeito passivo) a anulação do IVA por parte do credor, não sendo exigido um meio de prova específico, devendo (…) considerar-se todos os meios de prova admissíveis em direito”.
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Entendendo a Requerente ter cumprido com todas as condições legalmente previstas, “confrontada com a inesperada posição da AT” “conclui que o acto tributário de liquidação de IVA e, em consequência dos respectivos juros compensatórios (…) padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, de facto e de direito, pelo que é anulável (…)”.
Pedido de indemnização por garantia indevida
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Nesta matéria, “tendo a Requerente começado agora a incorrer em custos com a prestação de garantia bancária efectuada no âmbito do processo de execução fiscal associado aos actos de liquidação controvertidos (…) e demonstrando-se (…) a verificação de erro (nos pressupostos) imputável à AT na liquidação (…) em crise, a Requerente pretende ser ressarcida dos encargos suportados com a prestação de garantia peticionando desde já uma indemnização por prestação de garantia indevida (…)”.
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E conclui a Requerente que o seu pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos actos tributários de IVA e de juros compensatórios deve “ser considerado inteiramente procedente e, em consequência serem anuladas a liquidação de IVA e (…) de juros (…) no montante global de € 30.645,67, ser a AT condenada no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida (…) tudo com as legais consequências”.
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RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por impugnação nos termos a seguir descritos.
Dos Factos
3.2. Começa a Requerida por esclarecer que “a Requerente (…) foi alvo de uma análise inspectiva efectuada ao abrigo da ordem de serviço nº OI2014…, com início em 11/02/14, tendo por motivo o controlo declarativo e incindindo, temporalmente, no ano de 2010”, tendo sido constatado, “no âmbito da referida acção inspectiva”, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., “que a Requerente havia registado na subconta 243462 – IVA – regularizações (…) o valor de €26.526,44, o qual foi declarado no campo 40 da DP do mês de Outubro de 2010”.
3.3. Segundo a Requerida, “tal regularização terá sido feita na sequência de sentença de declaração de insolvência da B… (…) proferida em 1/09/10, pelo Tribunal Judicial de..., 3º Juízo Cível, Proc. nº .../10....T...” e “como suporte à referida regularização a requerente apresentou uma carta datada de 09/12/10 que diz ter enviado a C…, na qualidade de administrador de insolvência (…)”
3.4. A Requerida refere ainda que a Requerente, “no processo de insolvência, reclamou créditos no valor de €540.757,20, acrescido de juros de mora no montante de €81.754”, tendo os Serviços da AT verificado, “por consulta ao processo de insolvência, que os créditos reclamados pela requerente relativamente ao cliente (…) ainda não tinham sido reconhecidos, e que o processo encontrava-se na fase de Lista provisória de credores (…)”.
3.5. Com efeito, segundo a Requerida, “na sequência de um pedido de informações formulado pelos Serviços da AT foi obtida (…) resposta, datada de 19/06/14, junto do administrador de insolvência (…)” no sentido que:
3.5.1. “Em 19/10/10, a sociedade A… (…) reclamou (…) um crédito sobre a insolvência no valor total de € 622.510,00, dos quais € 540.756,72 correspondem a capital e o restante a juros de mora (…)”;
3.5.2. “Por carta recepcionada neste escritório em 31/12/10, este mesmo credor comunicou que procedeu à regularização de IVA no montante de
€ 265.26,44 (…)”;
3.5.3. “Nesta data ainda não foram juntas ao processo de insolvência as relações de créditos (…)”;
3.5.4. “Não foi incluída numa qualquer declaração periódica, a rectificação de IVA comunicada pelo credor ao insolvente, pois tal consubstanciaria (…) uma violação grosseira de várias disposições legais do CIRE bem como o benefício de um credor em detrimento de outros (…)”;
3.5.5. “(…) o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado (…) pelo que o pagamento desse crédito apenas pode acontecer nos termos previstos no art. 173º do CIRE, não podendo o mesmo ser pago pela sociedade insolvente/massa insolvente em moldes distintos, o que aconteceria se aquela regularização de IVA fosse incluída numa declaração periódica de IVA (…)”.
3.6. “Foi também na mesma data e, pelo referido administrador, remetida cópia da reclamação de créditos apresentada pela requerente, e informado que não se dispunha de extractos de contabilidade da sociedade insolvente”.
3.7. Nesta sequência, refere a Requerida que “os Serviços de Inspecção Tributária da DF de ... (…) entenderam que a regularização efectuada pela requerente de imposto no valor de € 26.526,44, incluída na DP de Outubro de 2010, não pode ser considerada, para efeitos fiscais, por incumprimento do disposto na legislação aplicável (…)”, considerando que:
3.7.1. “O sujeito passivo não tem na sua posse certidão judicial (…) onde conste que a empresa da qual é credora, foi declarada insolvente, com sentença já transitada em julgado”;
3.7.2. “Os créditos reclamados ainda não foram reconhecidos (pelo administrador da insolvência) e muito menos verificados (pelo Tribunal)”;
3.7.3. “Não existe certeza que o crédito reclamado venha a ser reconhecido, pois o administrador da insolvência não dispõe de conta corrente do insolvente relativamente ao sujeito passivo”;
3.7.4. “Não obstante o sujeito passivo ter comunicado ao insolvente que procedeu à regularização do imposto o devedor (insolvente) não procedeu em conformidade com o previsto no (…) CIVA, ou seja, à regularização (a favor do Estado) do imposto inicialmente deduzido, pois ainda não estão (…) reunidas as condições para o fazer”.
3.8. Em consequência, foi proposta “a correcção de IVA no montante regularizado pela requerente de € 26.526,44”, tendo a Requerente sido notificada “do projecto de RIT (…) por ofício de 03/10/2014, para no prazo de 15 dias (…) exercer o direito de audição”, e tendo exercido tal direito em 20/10/14.
3.9. Refere a Requerida que “apreciado tal direito de audição foi considerado que os argumentos apresentados pelo sujeito passivo não trazem qualquer elemento novo ou desconhecido à data da elaboração do projecto de relatório”, pelo que foi mantido “tudo quanto constava do projecto do RIT e (…) mantidas, na íntegra, as correcções propostas em sede de IVA (…)”.
3.10. Assim, segundo a Requerida, a Requerente foi “(…) notificada, por ofício de 30/10/14, do Relatório Final de Inspecção Tributária e das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta” mais se informando que “a breve prazo, os serviços da AT procederiam à notificação da liquidação respectiva”.
Do Direito
Do regime do IVA relativo às regularizações de imposto
3.11. Alega a Requerida que contesta a posição assumida pela Requerente e “(…) todos os (…) factos que estejam (…) em oposição (…)” com a posição que defende, porquanto:
3.11.1. “(…) a lei permitia, de facto, que o sujeito passivo deduzisse o imposto respeitante a créditos incobráveis em processo de insolvência quando a mesma fosse decretada”;
3.11.2. “(…) há que concluir que o legislador (…) tem sentido a necessidade de clarificar e expressamente indicar (…) os requisitos que permitem considerar tais regularizações (…)” e “como se retira da lei, hoje é claro concluir que, para que o sujeito passivo possa deduzir o crédito considerado incobrável, decorrente de processo de insolvência, só o poderá fazer, designadamente e entre outros requisitos, quando a mesma for decretada de carácter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objecto da deliberação prevista no artigo 156º do mesmo Código”, sendo que “anteriormente às alterações produzidas pela Lei 66-B/2012, de 31/12, também é legítimo concluir que para que o crédito fosse considerado como incobrável, relativamente ao processo de insolvência era necessário ao sujeito passivo não só provar o decretamento da insolvência do devedor, mas também, provar o reconhecimento do crédito nesse mesmo processo de insolvência”.
Dos requisitos da incobrabilidade do crédito (Processo de insolvência)
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Neste âmbito, refere a Requerida que “considerar que à data do crédito que a requerente detinha sobre o devedor (…) a lei só exigia como prova da insolvência, a sentença, transitada em julgado, que a decretava é fazer uma interpretação demasiado restritiva e não consentida, da lei” pois “(…) o processo de insolvência está longe de findar com a sentença de declaração de insolvência (…)” e “tal sentença apenas marca o início do procedimento destinado à administração da massa insolvente e à reclamação e verificação de créditos tendo em vista o seu pagamento, de acordo com a vontade dos credores colocados em plano de igualdade”.
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Assim, defende a Requerida que “não vemos como é que o reconhecimento da incobrabilidade de um crédito, na sequência de o devedor ter sido declarado insolvente, possa prescindir da reclamação e verificação do crédito, nesse mesmo processo” pois, “pese embora, à data dos factos, o (…) CIVA permitisse aos sujeitos passivos deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando a mesma fosse decretada”, “uma vez que é sempre requisito para a referida dedução a existência do crédito e a sua incobrabilidade, deve entender-se que, porque a lei à data nada dizia sobre a forma pela qual se comprovavam os requisitos formais dos quais dependia o direito à regularização de IVA por créditos considerados incobráveis, a AT podia (…) dispor sobre a matéria e exigir a prova da incobrabilidade do crédito (…)”.
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Nestes termos, entende a Requerida que “a melhor forma de ser interpretada a lei, à data, era considerar, que o nº 7 do art. 78º do CIVA, ao permitir aos sujeitos passivos deduzir um crédito incobrável em processo de insolvência quando a mesma fosse decretada, por sentença transitada em julgado, apenas marcava essa situação como a data do início do prazo para o sujeito passivo proceder à regularização”, sendo que era “a partir do trânsito em julgado da sentença que decretava a insolvência que se contava o prazo para o sujeito passivo proceder à regularização”.
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Em consequência, entende a Requerida que “no caso em concreto, não padece de qualquer vício a decisão da AT, plasmada no RIT que originou a correcção da regularização de IVA efectuada pela requerente na DP do mês de Outubro de 2010” ao considerar que “o valor exacto do crédito e do imposto nele incluído ainda não era conhecido à data em que a empresa efectuou a regularização do imposto, uma vez que os créditos reclamados ainda não tinham sido reconhecidos nem pelo administrador da insolvência nem verificados pelo tribunal” e, assim, para a Requerida “não se encontrava provada, sequer, a existência do crédito, quanto mais a sua incobrabilidade”.
Do requisito de regularização de IVA – comunicação ao adquirente do bem ou serviço da anulação de IVA efectuada
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Neste âmbito, refere a Requerida que “relativamente ao direito à regularização (…) era indispensável que fosse comunicado ao adquirente dos bens ou serviços a anulação do imposto para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada”, ficando “(…) o sujeito passivo obrigado a proceder à entrega do imposto, no caso em que se verificasse a recuperação dos créditos, total ou parcialmente, no período em que se verificar o seu recebimento (…)”.[2]
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Ora, “à data em que a requerente efectuou a regularização do imposto ainda não tinha comunicado ao administrador da insolvência a anulação do imposto para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada” pelo que “(…) só aparentemente parece a requerente ter cumprido” com o requisito enunciado no ponto anterior pois “(…) não só tal comunicação não foi atempadamente efectuada como falta o vínculo sinalagmático que justifica e permite a rectificação (…), o que significa, que não foi feita a correspondente e sinalagmática correcção por parte do devedor do imposto por ele deduzido”.
Da alegada violação do direito comunitário
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Nesta matéria, não concorda a Requerida com a posição da Requerente no sentido que “na medida em que as condições definidas no (…) CIVA inviabilizem ou tornem excessivamente difícil e morosa a (…) regularização a favor do sujeito passivo, em situações de definitiva e comprovada incobrabilidade, os sujeitos passivos podem invocar directamente o art. 90º nº 1 da Directiva” porquanto, entende a Requerida que, contemplando este artigo “(…) um princípio fundamental em matéria de IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contrapartida efectivamente recebida, que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo”, “no caso em concreto não se vislumbra que haja qualquer violação de tal princípio, não só porque houve uma (…) transmissão de bens (…) onde foi feito um cálculo correcto do imposto devido tendo, pois, ocorrido o facto tributário”, “como também, a jurisprudência comunitária não impõe aos Estados membros os ajustamentos às liquidações de imposto em razão do não pagamento total ou parcial e aqui não está em causa qualquer exercício de um direito à dedução de IVA, mas antes a anulação de um imposto já liquidado e pago pela existência de uma (…) transmissão de bens (…)”.
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Assim, conclui a Requerida que “a consideração da ilegalidade da rectificação, por incumprimento das formalidades ad substantiam para a efectivação da mesma, é uma consequência adequada, não desproporcionada nem inesperada e não violadora do direito comunitário”.[3]
Do pedido de indemnização por garantia indevida
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No que se refere ao pedido de indemnização por garantia indevida, entende a Requerida que não enfermam “(…) os actos de liquidação de qualquer vício que deva ditar a sua anulação” e que “(…) para haver lugar ao direito de ser indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária, é necessário ou que esta tenha sido mantida por período superior a três anos, sendo paga em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida ou que se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Da Prova Testemunhal
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Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) a prova testemunhal apresentada pela Requerente é um acto inútil e, nessa medida (…) deve ser indeferido”.
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SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4.4. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o disposto no artigo 3º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.[4]
4.5. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.
4.6. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
5. MATÉRIA DE FACTO
Dos factos provados
5.1. Consideram-se como provados os factos a seguir documentados:
5.1.1. A Requerente dedica-se ao comércio de carnes, por grosso, no mercado nacional, nomeadamente, de borrego, cabrito, coelho, porco, frango e peru, geralmente frescas e, excepcionalmente, congeladas, as quais adquire principalmente em Espanha, Argentina, Chile e Polónia (conforme cópia do relatório de inspecção que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida);
5.1.2. No âmbito da sua actividade, nos anos de 2008 a 2010, a Requerente efectuou diversos fornecimentos de carnes frescas e congeladas, no montante global de EUR 557.198,79, à B…, Lda. (B…), tendo os mesmos sido objecto da respectiva facturação (conforme cópia de extracto que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida);
5.1.3. Do valor total facturado pela Requerente à B… (EUR 557.198,79), esta não pagou EUR 540.756,72, dos quais fazem parte os EUR 26.526,44 relativos a IVA liquidado, objecto da regularização de imposto que está na origem das liquidações subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral (conforme cópia do relatório de inspecção que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida);
5.1.4. A B… foi declarada insolvente por sentença proferida, em 1 de Setembro de 2010, proferida pelo Tribunal Judicial de ... (processo nº …/10….T…) e transitada em julgado em 13 de Outubro de 2010 [conforme cópia da certidão (emitida em 13 de Março de 2014 pelo Tribunal competente), junta aos autos pela Requerente (doc. nº 4 do pedido) e pela Requerida (processo administrativo)];
5.1.5. A Requerente reclamou créditos, junto do Processo identificado no ponto anterior, a 19 de Outubro de 2010, no montante de EUR 540.756,72, acrescidos de EUR 81.754,00, a título de juros de mora, através do envio da referida reclamação ao Administrador da Insolvência, requerendo que “V. Exa. se digne, nos termos do nº 1 do art. 128º do CIRE julgar verificado o aludido crédito, graduando-o no lugar que de direito lhe competir” [(conforme cópia da reclamação de créditos junta aos autos pela Requerente (doc. nº 6 do pedido) e pela Requerida (processo administrativo)];
5.1.6. Na certidão identificada no ponto 5.1.4., supra é referido que “pelo A.I., Srº Drº C… (…) foi junta relação provisória de créditos na qual consta como credora A… Lda. (…), com o valor relacionado de €491.233,99” e que “os autos aguardam encerramento da liquidação do activo/prestação de contas”
5.1.7. A Requerente comunicou ao Administrador da Insolvência, por carta registada datada de 9 de Dezembro de 2010 (e recepcionada por este a 31 de Dezembro de 2010) que, “nos termos do nº 11 do artigo 78º do Código do IVA (…) procedemos à regularização do IVA no montante de 26.526,44 euros respeitante ao crédito reclamado” [conforme cópia da referida carta e cópia de esclarecimentos enviados pelo Administrador da Insolvência à Direcção de Finanças de ..., juntas aos autos pela Requerente (doc. nº 3 e doc. nº 5 do pedido) e pela Requerida (processo administrativo)];
5.1.8. Foi realizado procedimento inspectivo à Requerente, por motivos de controlo declarativo, devidamente credenciado com a ordem de inspecção interna nº OI2014…, de âmbito geral e abrangendo o exercício de 2010, a qual teve início em 11 de Fevereiro de 2014 e fim a 22 de Setembro de 2014, tendo a mesma sido prorrogada por 3 meses através do Ofício nº 2014…, de 30 de Julho de 2014 (conforme cópia do relatório de inspecção que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida);
5.1.9. Do procedimento inspectivo desenvolvido junto da Requerente, os serviços de inspecção tributária concluíram que, em sede de IVA, “a regularização efectuada a favor do SP (dedução) de imposto no valor de €26.526,44, incluída na DP de Outubro de 2010, não pode ser considerada, para efeitos fiscais, por incumprimento (…) do disposto na legislação aplicável ao caso concreto, nº 7, do artigo 78º, do CIVA” pelo que, de acordo com a análise daqueles serviços, o imposto resultante daquela regularização (indevida, no entender dos serviços de inspecção) ascende a EUR 26.526,44 (conforme cópia do relatório de inspecção que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida) (sublinhado nosso);
5.1.10. A Requerente foi notificada, através do Ofício nº 2014…, de 3 de Outubro de 2014, do projecto de correcções do relatório de inspecção tributária acima identificado para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o direito de audição sobre o mesmo [conforme cópia junta aos autos pela Requerente (doc. nº 8) e cópia que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida];
5.1.11. A Requerente exerceu o direito de audição por escrito em 20 de Outubro de 2014, no sentido de manifestar a sua discordância com o projecto de correcções referido no ponto anterior, porquanto entende que “face às circunstâncias descritas encontram-se preenchidos os pressupostos previstos no artigo 78º, nº 7 alínea b) e nº 11 do Código do IVA, na redacção aplicável à data dos factos, para a regularização deste imposto, considerando que foi decretada a insolvência do devedor e que foi oportunamente efectuada a comunicação da regularização ao Administrador da Insolvência” [conforme cópia junta aos autos pela Requerente (doc. nº 9) e cópia que consta do processo administrativo, junto aos autos, pela Requerida];
5.1.12. Na sequência do direito de audição referido no ponto anterior, os serviços de inspecção tributária entenderam que “o SP não trouxe (…) ao conhecimento da Autoridade Tributária, qualquer elemento novo, nem em termos de facto nem de direito que não fosse conhecido pela inspecção tributária no momento da elaboração do projecto de relatório, pelo que se mantém na integra as correcções propostas no referido relatório” (conforme cópia que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida);
5.1.13. Nestes termos, os serviços de inspecção tributária mantiveram no relatório final as correcções propostas em matéria de IVA [tendo em consideração o despacho do Chefe de Divisão (em regime de substituição), datado de 29 de Outubro de 2014, no sentido de que “não foram respeitadas normas técnicas estatuídas no Código do IVA, com reflexo no apuramento do imposto devido a final, apurado por métodos directos, derivando a consequente liquidação adicional, nos termos e fundamentos do diploma referido, bem como nos artigo 81º a 84º da LGT, no seguinte montante de IVA em falta: €26.526,44”), [conforme cópia do relatório final de inspecção junto aos autos pela Requerente (doc. nº 7 do pedido) e pela Requerida (processo administrativo)];
5.1.14. Assim, a Requerente foi notificada das correcções resultantes da acção de inspecção através de Ofício nº 2014…, de 30 de Outubro de 2014, enviado por carta registada a 31 de Outubro de 2014 (conforme cópia que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida).
5.1.15 Em consequência, foram emitidas as notas de liquidação nº … e … relativas ao período de Outubro de 2010, no valor de, respectivamente, EUR 26.526,44 (IVA) e EUR 4.119,23 (juros compensatórios), no montante de total de EUR 30.645,67, com prazo para pagamento voluntário até 31 de Janeiro de 2015 (conforme cópia dos doc. nº 1 e nº 2 anexados ao pedido);
5.1.16. A Requerente não efectuou o pagamento das quantias referidas no ponto anterior dentro do prazo para pagamento voluntário, tendo sido notificada da dívida em cobrança coerciva de EUR 30.829,15, no âmbito do processo nº …2015…, de 24 de Fevereiro de 2015 e referindo valor para efeitos de garantia de EUR 39.123,28 (conforme cópia do doc. nº 10 anexado ao pedido);
5.1.17. Assim, a Requerente prestou garantia bancária no âmbito do processo identificado no ponto anterior (garantia nº … do Banco BIC), tendo sido debitados, em 18 de Março de 2015, custos de abertura de conta da garantia prestada no montante de EUR 296,24 e custos de prémio para o período de 18-03-2015 a 18-06-2015 no montante de EUR 180,22, num total de EUR 476,46 (conforme cópia do doc. nº 11 anexado ao pedido).
5.2. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Dos factos não provados
5.3. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber, com referência à regularização de IVA efectuada pela Requerente, na DP de Outubro de 2010, relativamente a imposto liquidado (mas não pago pela sua cliente B…), no montante de EUR 26.526,44, se a Requerente cumpriu com os requisitos previstos na legislação aplicável para poder proceder à regularização (do referido valor) a seu favor, com base na incobrabilidade do crédito, em resultado da declaração de insolvência da sua cliente.
6.2. Para dar resposta à questão enunciada no ponto anterior será necessário analisar os requisitos que deveriam estar reunidos, de acordo com a legislação aplicável à data dos factos, de modo a aferir se era ou não possível efectuar a dedução do imposto através da referida regularização.
6.3. Preliminarmente, será necessário analisar o disposto no Preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, na versão alterada pelo Decreto-Lei nº 185/2009, de 12 de Agosto (redacção em vigor no ano 2010), nos termos do qual se verifica que “o objectivo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.
6.4. Assim, de acordo com o artigo 1º do CIRE “processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (…)”, estabelecendo o artigo 3º do CIRE que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
6.5. Por outro lado, de acordo com as regras subjacentes ao CIRE, a supremacia dos credores no processo de insolvência é acompanhada da intensificação da desjudicialização do processo porquanto é reconhecido, por toda a parte, a indispensabilidade da intervenção do juiz no processo, sendo aquela compatível com a redução da intervenção do juiz ao que estritamente releva do exercício da função jurisdicional, permitindo a atribuição da competência para tudo o que com ela não colida aos demais sujeitos processuais.
6.6. É assim que ao juiz cabe apenas declarar ou não a insolvência, sem que para tal tenha de se pronunciar quanto à recuperabilidade financeira da empresa, o que permite obter ganhos do ponto de vista da celeridade do processo, justificando a previsão de que a declaração de insolvência deva ter lugar, no caso de apresentação à insolvência ou de não oposição do devedor a pedido formulado por terceiro, no próprio dia da distribuição (ou nos três dias úteis subsequentes), ou no dia seguinte ao termo do prazo para a oposição, respectivamente.
6.7. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 4º do CIRE, “sempre que a precisão possa assumir relevância, as referências que (…) se fazem à data da declaração de insolvência devem interpretar-se como visando a hora a que a respectiva sentença foi proferida”, sendo que “todos os prazos que (…) têm como termo final o início do processo de insolvência abrangem igualmente o período compreendido entre esta data e a da declaração de insolvência” (sublinhado nosso).
6.8. Nestes termos, a sentença de declaração de insolvência representa um momento fulcral do processo pois não se limita a essa declaração mas é intensamente prospectiva, conformando boa parte da tramitação posterior e despoletando um vasto leque de consequências, nomeadamente, efeitos sobre o devedor e outras pessoas, efeitos processuais, efeitos sobre os créditos e efeitos sobre os negócios em curso.
6.9. Sendo um dos objectivos do diploma que aprovou o CIRE o da simplificação dos procedimentos administrativos inerentes ao processo, é na fase da reclamação de créditos que aquele avulta de forma particular, nomeadamente, quando se prevê que que as reclamações de créditos são endereçadas ao Administrador da Insolvência e entregues ou remetidas para o seu domicílio profissional.[5][6]
6.10. De acordo com o disposto no artigo 128º, nº 1 do CIRE (em vigor à data dos factos), “dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros, as condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas, a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável, a existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes, a taxa de juros moratórios aplicável” (sublinhado nosso).
6.11. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 129º do CIRE, “nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos (…) relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento” (sublinhado nosso).[7]
6.12. Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado (ou, em termos diversos dos da respectiva reclamação), devem ser (…) avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada.[8]
Do requisito previsto no artigo 78º, nº 7 do Código do IVA
6.13. Neste âmbito, nos termos do disposto no n° 7, do artigo 78° do Código do IVA, na redacção em vigor à data dos factos, “os sujeitos passivos podem deduzir (…) o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em (…) processo de insolvência quando a mesma seja decretada”, o que pressupõe a possibilidade do sujeito passivo recorrer ao mecanismo da dedução quando existe uma decisão judicial, nomeadamente, proferida em processo de insolvência.
6.14. Logo, para que possa ser recuperado o imposto liquidado e entregue ao Estado, respeitante a créditos incobráveis, é condição necessária que a sua incobrabilidade resulte, nomeadamente, de processo de insolvência, quando a mesma seja decretada.[9]
6.15. Nestes termos, o disposto no n° 7, do artigo 78° do Código do IVA impede, desde logo, que os destinatários da norma possam obter a dedução do IVA incidente sobre os créditos incobráveis sem que haja recurso à via judicial.
6.16. Contudo, o preceito referido no ponto anterior, ao dispor que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis quando for decretada a insolvência, onera o sujeito passivo com a prova de que fez tudo o que estava ao seu alcance para efectuar a cobrança da dívida, não o tendo conseguido.[10]
6.17. Não obstante, entende a mais recente jurisprudência do STA nesta matéria (Acórdão nº 0288/14, de 25 de Junho de 2015) que “o artigo 78.º do Código do IVA, na redacção aplicável, (…) não impõe como requisito da regularização de imposto a favor do credor o trânsito em julgado da sentença de reclamação de créditos na qual tenha sido graduado o crédito incobrável reclamado como (…) também não impõe que a prova do decretamento da insolvência do devedor tenha de ser feita por certidão do Tribunal, como exige a Administração fiscal” (sublinhado nosso).
6.18. Com efeito, refere o Acórdão acima identificado que “a lei nada diz sobre a forma pela qual se comprovam os requisitos formais dos quais depende o direito à regularização do IVA por créditos considerados incobráveis, deixando espaço à Administração fiscal para, por via infra-legal, dispor sobre a matéria (…) designadamente por via de informações vinculativas”.
6.19. E, neste âmbito, atente-se no que a Requerida refere nos artigos 45º e 46º da Resposta apresentada, no sentido que “pese embora, à data dos factos, o art. 78º nº 7 do CIVA permitisse aos sujeitos passivos deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando a mesma fosse decretada”, “uma vez que é sempre requisito para a referida dedução a existência do crédito e a sua incobrabilidade, deve entender-se que, porque a lei à data nada dizia sobre a forma pela qual se comprovavam os requisitos formais dos quais dependia o direito à regularização de IVA por créditos considerados incobráveis, a AT podia, por via infra-legal, dispor sobre a matéria e exigir a prova da incobrabilidade do crédito [que (…) não resulta de uma mera sentença que decreta a insolvência (…)]” (sublinhado nosso).
6.20. Como se vê, para além da posição defendida no Acórdão do STA referido no ponto 6.17., supra, a própria Requerida confirma que “porque a lei à data nada dizia sobre a forma pela qual se comprovavam os requisitos formais dos quais dependia o direito à regularização de IVA por créditos considerados incobráveis”, ela própria dispunha sobre a matéria, criando requisitos de prova que a lei não exigia.
6.21. Em reforço deste entendimento, cite-se Guilherme de Oliveira Martins[11], quando afirmou que “apesar da clareza límpida da lei, era entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, como tal vertido em diversas instruções administrativas e respostas e pedidos de informação vinculativa, que as exigências quanto à qualificação de incobrável de um crédito no âmbito de um processo de insolvência, (…) para efeitos de IVA, passavam não só pelo trânsito em julgado da sentença de insolvência (único requisito explicitado pela lei), mas também pela reclamação de créditos por parte do devedor” (sublinhado nosso), requisito este não contemplado, à data na letra da lei.
6.22. Nascendo o direito à regularização, nos termos do disposto no n° 7, do artigo 78° do Código do IVA, o sujeito passivo pode exercer tal direito (regularizar o IVA incluído nas facturas ou parte delas, não pagas, relativas ao crédito que deverá ser reclamado no caso de insolvência) em qualquer declaração posterior, mediante a inscrição do respectivo valor no campo 40 da declaração periódica, tendo em conta o disposto no n° 2, do artigo 98° do Código do IVA que refere o prazo de quatro anos para o exercício desse direito.[12][13]
Do requisito previsto no artigo 78º, nº 11 do Código do IVA
6.23. Em todo o caso, atendendo ao disposto no n° 11, do artigo 78° do Código do IVA, torna-se indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens a anulação do imposto para efeito de rectificação da dedução inicialmente efectuada.
6.24. Nesta matéria, refere o Acórdão do STA proferido no âmbito do processo nº 0288/14, de 25 de Junho de 2015 (e acima já citado) que “no que que respeita à comunicação ao adquirente do bem (…) da intenção de proceder à regularização do IVA por via da respectiva anulação, para que aquele possa proceder à rectificação da dedução inicialmente efectuada (operação simétrica à efectuada pelo credor), tal dever tem expressa consagração legal (…), não apenas para os casos de créditos incobráveis em processo de insolvência (…), não tendo por fonte o direito circulatório (…) mas a própria lei, que a todos obriga” (sublinhado nosso).
6.25. Assim, “tal dever de comunicação ao adquirente que seja sujeito passivo de IVA terá de fazer-se, caso este seja pessoa colectiva, a quem legalmente a represente, sendo que, em caso de insolvência (…) a representação da sociedade insolvente cabe ao administrador da insolvência que tenha sido nomeado (…) para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (…)” (sublinhado nosso).
6.26. Ora, no caso em análise nos autos deu-se como provado (vide ponto 5.1.4. a ponto 5.1.7., supra) que a Requerente desenvolveu as diligências necessárias, no âmbito do processo de insolvência da sua cliente, para regularizar o IVA subjacente ao crédito reclamado.
6.27. Com efeito, tendo a B… sido declarada falida por sentença datada de 1 de Setembro de 2010 (transitada em julgado em 13 de Outubro de 2010) a Requerente não só reclamou o seu crédito sobre aquela sociedade no processo falimentar (conforme ponto 5.1.5. supra), a 19 de Outubro de 2010, estando referido na certidão emitida pelo Tribunal competente (identificado no ponto 5.1.4., supra) que “foi junta relação provisória de créditos na qual consta como credora (…)” a Requerente, “com o valor relacionado de EUR 491.233,99”, como também procedeu à comunicação, ao Administrador da Insolvência, por carta registada datada de 9 de Dezembro de 2010 que “nos termos do nº 11 do artigo 78º do Código do IVA (…) procedemos à regularização do IVA no montante de 26.526,44 euros respeitante ao crédito reclamado” (conforme se deu como provado no ponto 5.1.7., supra).
6.28. Assim, a legalidade da regularização de IVA efectuada, foi devidamente cumprida, face ao teor do texto da lei (em vigor à data dos factos) porquanto:
6.28.1. A comunicação efectuada pela Requerente (identificada no ponto anterior), e da qual dependia, nos termos da lei, a regularização em causa, foi enviada por carta registada, datada de 9 de Dezembro de 2010 (contudo, com carimbo de data ilegível), sendo irrelevante, face ao teor da lei, a data em que o Administrador da Insolvência alega ter recepcionado a mesma;
6.28.2. A regularização do imposto a favor da Requerente foi incluída na DP de Outubro de 2010 (que tinha como data limite para entrega o dia 10, do 2º mês seguinte ao das operações, ou seja, o dia 10 de Dezembro de 2010), permitindo assim que a sua cliente (na pessoa do Administrador da Insolvência) tomasse conhecimento da regularização e pudesse efectuar o “acerto simétrico” postulado pela anulação do IVA efectuada pelo credor (ou seja, a rectificação da dedução inicialmente efectuada).[14]
6.29. Nestes termos, não pode este Tribunal concordar com a posição defendida pela Requerida na sua Resposta ao referir que “à data em que a requerente efectuou a regularização do imposto ainda não tinha comunicado ao administrador da insolvência a anulação do imposto para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada”, concluindo a Requerida que “não só tal comunicação não foi atempadamente efectuada como falta o vínculo sinalagmático que justifica e permite a rectificação (…)”.[15]
6.30. Assim, entendendo-se que foram cumpridas as formalidades legais, nada impede que a regularização do IVA, efectuada pela Requerente, seja considerada para efeitos fiscais, sendo assim positiva a resposta a dar à questão formulada no ponto 6.1., supra.[16]
Pedido de indemnização por garantia indevida
6.31. A Requerente apresenta igualmente um pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia.
6.32. Com efeito, a Requerente, no que diz respeito ao pedido de ressarcimento “dos encargos suportados com a prestação de garantia”, peticiona “uma indemnização por prestação de garantia indevida, ao abrigo do disposto nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT”, concluindo no sentido de “ser a AT condenada no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida pelos respectivos custos que foram sendo comprovadamente suportados (…)” e que, à data de instauração do pedido de pronúncia arbitral, ascendiam, segundo a Requerente, “a €476,46”:
6.33 Preliminarmente, refira-se que este Tribunal Arbitral entende ser competente para poder conhecer deste pedido, porquanto, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do RJAT, deve “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação (…), nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.[17][18]
6.34. O regime do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada consta, como refere a Requerente, do artigo 53º da Lei Geral Tributária (LGT) que consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo essa indemnização ser formulada tanto nesse procedimento ou processo tributário, como autonomamente.[19]
6.35. Assim, do disposto no artigo 53° da LGT acima referido resulta que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n° 1 do referido artigo, depende da verificação dos seguintes pressupostos de facto: (i) a prestação da garantia bancária ou equivalente, com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objecto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada (ainda que a execução fiscal seja questionada através de oposição); (ii) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia e (iii) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços.[20]
6.36. Por outro lado, o artigo 171º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), também referido pela Requerente, visou regulamentar o modo de requer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, e não regulamentar o modo de a requerer através do meio processual autónomo (principal ou acessório) adequado para o efeito.[21][22]
6.37. O prejuízo consagrado no artigo 53º, nº1, da LGT pode englobar não só o custo da garantia prestada, como qualquer outro lucro cessante ou dano emergente, tudo dentro dos limites previstos no nº 3 do mesmo preceito.[23]
6.38. Assim, para que se conceda o ressarcimento por dano material, “é necessário prova de que o autor tenha experimentado prejuízo real ou concreto, não sendo indemnizáveis danos futuros” (excepto quanto aos previsíveis em que a legislação confere a possibilidade de ressarcimento desde que enquadráveis à luz do disposto no artigo 564º do Código Civil.[24]
6.39. No caso sub judice, como acima se referiu, os actos de liquidação controvertidos devem ser declarados ilegais, havendo assim erro imputável à Requerida já que as ditas liquidações são da sua exclusiva iniciativa e responsabilidade.
6.40. A Requerente ao peticionar ser ressarcida dos encargos suportados com a prestação de garantia, alega e documenta custos que, à data do pedido, ascendiam a
EUR 476,46 (conforme se deu como provado no ponto 5.1.17., supra), desconhecendo-se, contudo, o montante da comissão paga/a pagar sobre o valor garantido (EUR 39.123,28, conforme se deu como provado no ponto 5.1.16., supra).
6.41. Assim, não havendo elementos suficientes que permitam determinar o montante da indemnização (nem podendo apurar se o mesmo é inferior ou superior ao limite máximo previsto na lei), a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC artigo 565º do Código Civil, aplicáveis nos termos do disposto no artigo 2º, alínea d) da LGT.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.42. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.43. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.44. Nestes termos, face ao acima exposto, da análise efectuada resulta que deverá ser imputada à Requerida a responsabilidade em matéria de custas arbitrais.
7. DECISÃO
7.1. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.2. No caso em análise, tendo em consideração o exposto no capítulo anterior, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.
7.3. Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:
7.3.1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, sendo de anular as liquidações de IVA objecto do pedido;
7.3.2. Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Requerida a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução da presente decisão arbitral, atentos os limites fixados no artigo 53º, nº 3 da LGT;
7.3.3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 30.645,67.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.836,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 5 de Novembro de 2015
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.
[2] Neste âmbito, cita a Requerida o Ofício Circulado nº 33129/1993, de 02/04, nos termos do qual “para efeitos do nº 5 do art. 71º são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos aí enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador de serviço: a) qualquer um dos meios de comunicação escrita – carta, ofício, telex, telefax, telegrama – com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA, b) nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA, c) fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar. (…) Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes, de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no nº 5 do art.º 71º do CIVA, tornando-se indevida a respectiva regularização do imposto”.
[3] Neste sentido, cita a Requerida o Acórdão proferido pelo TJUE, no âmbito do Proc. nº C-588/10, de 26 de Janeiro de 2012, que “considera que uma exigência nacional que sujeita a redução do valor tributável, como o que resulta de uma factura inicial, à posse, pelo sujeito passivo, de um comprovativo de recepção de uma factura rectificada entregue pelo adquirente dos bens e serviços enquadra-se no conceito de condição referido no artigo 90º, nº 1 da Directiva IVA. E que os princípios da neutralidade do imposto e da proporcionalidade não se opõem, em princípio, a essa exigência”.
[4] Neste sentido, vide Decisão Arbitral nº 21/2015-T, de 14 de Julho de 2015.
[5] Do apenso respeitante à reclamação e verificação de créditos constam assim apenas a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, as impugnações e as respectivas respostas.
[6] De acordo com o disposto no nº 2, do artigo 128º do CIRE, “o requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado no seu domicílio profissional ou para aí remetido por via postal registada, devendo o administrador, respectivamente, assinar no acto de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias, comprovativo do recebimento”. Nos termos do disposto no nº 3 do mesmo artigo, “a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.
[7] Estabelece o artigo 19º, nº 2 do CIRE que “da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas”.
[8] Neste âmbito, refira-se que, de acordo com o disposto no artigo 129º, nº 3 do CIRE, “a lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento”.
[9] Com a publicação do Decreto-Lei n° 53/2004, de 18 de Março, foi aprovado o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em vigor desde 18 de Setembro de 2004.
[10] Neste âmbito, vide Acórdão do TCAS nº 01290/06, de 19 de Setembro 2006 e Acórdão do TCA Norte nº 106/04, de 7 de Outubro de 2014, nos termos do qual "(…) o nº 8 do artigo 71º do CIVA tem de
interpretar-se no sentido de que o sujeito passivo só poderá efectuar a dedução referente a créditos incobráveis, desde que demonstre ter realizado as diligências necessárias à satisfação do crédito sem o ter conseguido, por motivos que lhe não são imputáveis. (…)” (sublinhado nosso).
[11] In “Regularizações de IVA: Pistas para Auditoria e Contabilidade”, CADERNOS IVA 2014, Almedina, Coimbra, 2014, p. 172.
[12] De acordo com referido no Acórdão do STA nº 888/03, de 23 de Fevereiro de 2005, “o direito à dedução ou reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente. Assim, diferindo a lei, nestes casos, expressamente, o nascimento do direito à dedução ou reembolso do imposto, à declaração da falência ou insolvência (quando for decretada) não poderá deixar de entender-se, tal como vem julgado, que é com o trânsito em julgado da sentença que decreta a falência ou insolvência que se inicia aquele prazo pois só nessa altura aquela sentença e a consequente declaração assume força obrigatória no processo respectivo e fora dele”.
[13] Quanto ao valor da regularização, este deve ser o valor do IVA, incluído nas facturas ou parte delas que se tornaram incobráveis nos termos do disposto no referido n° 7, do artigo 78° do Código do IVA.
[14] Note-se que, o artigo 78º nº 11 do Código do IVA, em vigor à data dos factos, referia a necessidade de comunicar a regularização ao adquirente dos bens, nada referindo quanto ao momento temporal (antes ou depois da regularização efectuada pelo credor) em que essa comunicação deveria ser feita.
[15] Uma vez mais, se entende que a Requerida, na falta de exigências formais legalmente previstas, utiliza a via infra-legal para dispor sobre a matéria, nomeadamente, através do Ofício-Circulado nº 33129/1993, de 12 de Abril.
[16] E ficando prejudicada a análise dos restantes argumentos invocados, pela Requerente, relativos ao “Direito Comunitário”.
[17] Neste âmbito, não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril (na base da qual foi aprovado o RJAT), nos termos da qual se determina que o processo arbitral tributário constitui um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Assim, afigura-se razoável “o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, sejam eles relativos a juros indemnizatórios ou à prestação indevida de garantias” (vide Decisão Arbitral nº 21/2015-T, de 14 de Julho de 2015).
[18] Também a Decisão Arbitral n- 24/2015-T, de Agosto de 2015 estabelece que “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação” (sublinhado nosso). “O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso daquele nº 1 do (…) artigo 171º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida. Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3º do RJAT, ao falar em cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos, o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo nº 2 do artigo 9º do Código Civil” (sublinhado nosso).
[19] Neste sentido, vide Acórdão do STA nº 0216/11, de 22 de Junho de 2011.
[20] Neste sentido, vide Acórdão do STA nº 0332/14, de 9 de Abril de 2014.
[21] Neste sentido, vide Acórdão referido na nota de rodapé nº 15.
[22] Neste sentido, vide Acórdão referido na nota de rodapé nº 16, no qual é citado também Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, volume III, 6ª edição, 2011, pág. 237, no sentido de esclarecer que “como se vê pela epígrafe e pelo nº 1 deste artigo 171º, o regime nele previsto aplica-se aos casos de garantia indevida, de garantia indevidamente prestada e esses são os casos previstos no artigo 53º da LGT, em que veio a ser reconhecida razão ao contribuinte total ou parcialmente, na sua impugnação administrativa ou judicial ou oposição à execução fiscal. Com efeito, para além da manifesta correspondência das referidas expressões e das utilizadas naquele artigo 53º da LGT é nesses casos em que o contribuinte tinha total ou parcialmente razão e prestou garantia para suspender a execução fiscal é que se poderá falar com alguma propriedade, em prestação indevida da garantia, por esta prestação só se ter tornada necessária, total ou parcialmente, por ter sido praticado um acto ilegal, um acto indevido, um acto que não deveria ter sido praticado à face da lei, sendo o montante da indemnização apurado em função do vencimento obtido, nos termos do n° 1, do artigo 53° da LGT” (sublinhado nosso).
[23] Nesta matéria, vide Acórdão do STA nº 08086/14, de 18 de Dezembro de 2014.
[24] No mesmo sentido, cite-se o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo nº 41751, de 7 de Maio de 1998, nos termos do qual "os danos a ressarcir terão de ser certos e não apenas prováveis, não sendo susceptíveis de indemnização, como danos patrimoniais, os danos potenciais ou hipotéticos", os quais, refere também o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo nº 45899A, de 17 de Março de 2010, “não são indemnizáveis” (sublinhado nosso).