Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2015-T
Data da decisão: 2015-10-22  IRC  
Valor do pedido: € 40.833,78
Tema: IRC - Perda por imparidade créditos incobráveis, requisito do artigo 41º, nº 2 do Código do IRC (ano 2012)
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Decisão Arbitral[1]

 

Requerente – A…, Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 26 de Junho de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

1.1.      A…, Lda. (doravante designada por Requerente), pessoa coletiva nº …, com sede na rua …, nº … e …, …, … ..., matriculada no Conservatória do Registo Comercial de ... sob o nº …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 15 de Abril de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.      A Requerente pretende que a seja anulada a “(…) liquidação de IRC nº 2014 … (…), do ano de 2012, no valor de 40.833,78 €, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral”.

 

1.3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 17 de Abril de 2015 e foi notificado à Requerida em 27 de Abril de 2015.

 

1.4.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 11 de Junho de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.      Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 26 de Junho de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral em 29 de Junho de 2015, no sentido de notificar a Requerida para, “nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.7.      Em 14 de Setembro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.

 

  1. Em 16 de Setembro de 2015 foi proferido despacho arbitral a notificar ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações.

 

  1. Em 21 de Setembro de 2015, quer a Requerente, quer a Requerida, apresentaram resposta ao despacho arbitral referido no ponto anterior no sentido de não se oporem à dispensa da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como no sentido de não se oporem à dispensa de apresentação de alegações.

 

  1. Nestes termos, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, em despacho datado de 24 de Setembro de 2015 (notificado às partes em 25 de Setembro de 2015), em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo, consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, tendo ainda em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC) [aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT], prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 22 de Outubro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

  1. No âmbito do despacho arbitral referido no ponto anterior, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a acontecer em 9 de Outubro de 2015).

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.      A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que seja “anulada a liquidação de IRC do ano de 2012, bem como a respetiva liquidação de juros e a demonstração de acerto de contas”.

 

Da Tempestividade do Presente Pedido

 

2.2.      Neste âmbito, refere a Requerente que “foi notificada da liquidação IRC nº 2014 …, da demonstração de liquidação de juros nº 2014 … e da demonstração de acerto de contas nº 2014 …, no valor de 40.833,78 €, relativa ao ano de 2012 (…)”, cuja “data limite de pagamento (…) era o dia 16-01-2015”.

 

2.3.      Refere ainda a Requerente que “nos termos do disposto no artigo 10°, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (…), e do artigo 102º, nº 1, alínea a) do CPPT, o prazo para a interposição do presente pedido é de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária”.

 

2.4.      Assim, conclui a Requerente que “tendo terminado em 16-01-2015 o prazo para pagamento da liquidação em causa, o prazo de 90 dias iniciou-se a 17-01-2015 e terminará a 16-04-2015”, “pelo que o presente pedido (…) deve considerar-se tempestivamente interposto”.[2]

 

Do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

2.5.      Nesta matéria, no âmbito de uma acção de inspecção realizada na Requerente, esta “foi notificada do relatório de inspeção (…) no qual são efetuadas correções à matéria coletável do IRC do ano de 2012 no montante de 864.278,53 €”, as quais respeitam “à não aceitação como custo fiscal de uma imparidade relativa à incobrabilidade da dívida a receber do cliente B… - ...”, “sociedade (…) que foi declarada insolvente por sentença de 29-08-2012”.[3]

 

2.6.      “Na sequência desta insolvência, a Requerente registou como custo na sua contabilidade uma perda por imparidade em dívidas a receber no valor de 864.278,53 € (…)”, e “regularizou ainda o IVA a seu favor no valor de 129.605,11 € no período 2013 03”.[4]

 

2.7.      Assim, a Requerente “considerou a dívida como incobrável e reconheceu a respetiva imparidade (...)”.

 

  1. Contudo, “a inspeção tributária alega a não dedutibilidade da referida imparidade pelo facto do requerente não ter efetuado a comunicação ao devedor conforme exigia o artigo 41° nº 2 do Código do IRC”, posição com a qual a Requerente não concorda.

 

  1. Com efeito, “a Requerente solicitou a certidão do tribunal para comprovação da insolvência, quer para efeitos de dedutibilidade fiscal em sede de IRC, quer para efeitos de regularização do IVA a seu favor (…)”.[5]

 

  1. Da referida certidão, segundo refere a Requerente, consta que:

 

  1. (…) A sentença de declaração de insolvência foi proferida a 29/08/2012 e transitou em julgado em 24-09-2012 (...)” e,
  2. “O credor A... Lda. (…) reclamou créditos (…) no total de 924.232,61 €, que a (…) Administradora de Insolvência reconheceu (…) como subordinado, aguardando-se (…) a junção da lista de credores (…) bem como a liquidação de bens".

 

  1. Reitera a Requerente que “(…) respeitou todos os formalismos exigidos para efeitos de regularização do IVA (…)” e que “os formalismos para a regularização foram ainda certificados pelo ROC (…)”, “tendo comunicado ao Administrador de Insolvência a regularização do IVA a seu favor (…) através de carta registada com aviso de receção (…)”.

 

  1. Não obstante, “(…) a inspeção tributária considera que não estavam reunidas as condições para a dedutibilidade fiscal da referida imparidade”, posição com a qual a Requerente não concorda porquanto entende que “na comunicação à Administradora de Insolvência, a Requerente juntou a nota de crédito emitida à sociedade insolvente (…)”, a qual “(…) prova o reconhecimento de um gasto na contabilidade da Requerente”, devendo deste modo “(…) considerar-se que a comunicação exigida pelo artigo 41° do CIRC foi efetuada”.

 

  1. Contudo, a Administração Tributária “coloca em causa a inexistência da comunicação expressa ao devedor (…)” dado que “a Administradora de Insolvência, notificada pela AT veio dizer que não recebeu qualquer notificação (…)” o que, segundo a Requerente, “contraria a (…) prova documental” apresentada.

 

  1. Por outro lado, refere ainda a Requerente que “a própria Administração Tributária considera que a aplicação do art. 41° apenas se verifica quando o credor desreconhece do seu ativo a dívida a receber”, “situação que não aconteceu na esfera da Requerente (…)”.[6]

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerente que “(…) deve ser anulada a liquidação de IRC do ano de 2012, assim como a respetiva liquidação de juros e a demonstração de acerto de contas”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.      A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por impugnação nos termos a seguir descritos.

 

DOS FACTOS

 

3.2.      Começa a Requerida por alegar que, de acordo com a “(…) metodologia de acompanhamento permanente levada a cabo pelos serviços inspectivos (…) e com o fito de análise do Dossier Fiscal de 2012, foi instruída, sobre a Requerente, a ordem de serviço autuada com o nº OI2014…, de 2014-01-23 (…), de âmbito parcial, referente a IRC e com incidência no período fiscal de 2012”.

 

3.3.      “No âmbito da referida OI foi possível apurar (…)” que “a Requerente (…) reconheceu em 2012, uma perda por imparidade em dívidas a receber no montante de € 864.278,53, decorrente da insolvência do sujeito passivo (…) B…”, tendo “efectuado os seguintes lançamentos contabilísticos”:

 

3.3.1.   “Valor a débito de 755.042,29 EUR na conta 6511 (…) por contrapartida da conta 21111001 (…)”, conforme documentado no processo administrativo junto);[7]

3.3.2.   “Valor a débito de 109.236,24 EUR na conta 6512 (…) por contrapartida da conta 22111084 (…)”, conforme documentado no processo administrativo junto.[8]

 

3.4.      No âmbito da referida insolvência, “a Requerente procedeu o à regularização de IVA a seu favor no montante de € 129.605,11”.

 

3.5.      Segundo a Requerida, “instada a comprovar os valores contabilisticamente inscritos e a sua conformidade com as regras ínsitas no CIRC, a Requerente enviou aos serviços inspectivos da Direcção de Finanças de ... (…) ofício e aviso de lançamento referente ao IVA dos fornecimentos não pagos pela insolvente, enviados (…) à administradora de insolvência (…), cópia do aviso de recepção assinado na data de 2012-11-11”, “cópia da certidão emitida pela Tribunal Judicial de ... (…) relativa à reclamação dos créditos (…)” e “certificação do Revisor Oficial de Contas de créditos incobráveis para efeitos de regularização do IVA”, tendo a Requerida verificado que “da análise aos documentos (…) aqueles nada referiam relativamente ao reconhecimento do gasto em sede de IRC”.

 

3.6.      Adicionalmente, refere a Requerida que “notificou-se (…) o devedor (…) na pessoa da administradora de insolvência (…) para enviar cópias de todas as comunicações efectuadas pela Requerente no âmbito do processo de insolvência (…)” e, “em resposta, a administradora de insolvência informou que não haver recepcionado qualquer comunicação efectuada (…)” pela Requerente.

 

3.7.      Assim, pelo facto dos procedimentos adoptados “(…) não estarem em conformidade com o disposto no (…) CIRC (…), foi a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, exercer (…) o direito de audição prévia sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção (…)”, tendo exercido este direito “(…) por escrito a
28-10-2014 (…)
”.

 

  1. Dado que, segundo a Requerida, o direito de audição referido no ponto anterior não acrescentou “matéria ou dados novos ou argumentos que obstassem à produção de efeitos e (…) manutenção do teor das conclusões do projecto de relatório (…) o mesmo convolou-se em relatório final, tendo as consequentes correcções, no montante de € 864.278,53, sido notificadas à Requerente (…)”.

 

  1. Em consequência, “foi emitida a liquidação IRC nº 2014…., a demonstração de liquidação de juros nº 2014…. e a demostração de acerto de contas nº 2014…., no valor de € 40.833,78, referente ao ano de 2012”.

 

DO DIREITO

 

  1. Ora, reitera a Requerida que “a Requerente pretende sustentar a sua pretensão com base na regularização de IVA efectuada e respectivos documentos de suporte (…)”, posição com a qual aquela não concorda pois “o acto sindicado prende-se com o acto de liquidação de IRC e juros (…) relativo ao exercício de 2012”.

 

  1. Com efeito, apesar da Requerida não ter posto em causa “(…) a relevância dos factos descritos na certidão do tribunal comprovativa da insolvência para efeitos de proceder à anulação dos créditos”, “a não aceitação da dedução das perdas da Requerente fundamentou-se na inexistência da comunicação expressa ao devedor nos termos previstos no (…) Código do IRC, enquanto condição expressa de admissibilidade de aceitação daquele gasto” (sublinhado nosso).

 

  1. Assim, da análise da documentação disponibilizada pela Requerente, “em virtude da manifesta contradição, a Requerida não atribuiu credibilidade aos documentos apresentados (…) pois é evidente a manipulação (…) de tais documentos (…)”.[9]

 

  1. Adicionalmente, prossegue a Requerida referindo que “mesmo que as notas de lançamento, substituídas no âmbito do exercício de audição, tivessem merecido credibilidade (…), sempre haveria de levar em conta que os referidos créditos foram constituídos nos anos de 2009, 2010 e 2011, e (…) certamente já se teria verificado (…) algum dos pressupostos justificativos da existência de risco de incobrabilidade e (…) por força dos princípios da prudência e da especialização dos exercícios, já deveriam ter sido registadas as correspondentes perdas por imparidade”, o que “como alega a Requerente (…) só (…) teve lugar em 2012 (…)”.[10]

 

DA DOCUMENTAÇÃO JUNTA PELA REQUERENTE

 

  1. Nesta matéria, sustenta a Requerida que, quanto à documentação anexada pela Requerente não pode esta “desconhecer que se tratam de impostos distintos e com procedimentos distintos e cujo cumprimento determinará a sua aceitação em sede fiscal” pelo que “se a legislação fiscal pretendesse o aproveitamento de procedimentos entre impostos diferentes tê-lo-ia feito expressamente (…)”.

 

  1. Por outro lado, refere ainda a Requerida que “é evidente a discrepância contabilística existente entre os documentos apresentados no início da acção inspectiva e aqueles apresentados em sede de direito de audição”, pelo que “concluiu (..) bem a Requerida (…) não ser de aceitar os documentos (notas de lançamento) juntos em direito de audição (…)”.

 

  1. Nestes termos, dada “a conformidade legal do acto tributário objecto do presente pedido arbitral”, conclui a Requerida a sua Resposta no sentido que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido (…) mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação e absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.      O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.      As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e no artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.      O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT, sendo competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.      Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.      Não se verificam nulidades pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.

 

5.         MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

5.1.      Consideram-se como provados os factos a seguir documentados:

 

5.1.1.   A Requerente reconheceu na sua contabilidade, em 2012, uma perda por imparidade em dívidas a receber, no montante de EUR 864.278,53, relativa ao seu cliente B… …, S.A. (B…), conforme notas de lançamento nº 3760 e nº 3762, disponibilizadas pela Requerente na acção inspectiva realizada (e cujas cópias fazem parte do processo administrativo anexado pela Requerida);

5.1.2.   A B… foi declarada insolvente, através de sentença proferida pelo Tribunal Judicial de ... (1º Juízo Cível, processo nº .../12....T...) em 29 de Agosto de 2102 e transitada em julgado em 24 de Setembro de 2012 (conforme doc. nº 5 do pedido);

5.1.3.   Da certidão identificada no ponto anterior consta que “foi nomeado como Administrador de Insolvência C” e que a aqui Requerente reclamou, enquanto credora no processo de insolvência “créditos capital de montante de EUR 884.305,61 e de juros EUR 39.927,00 (…) que a (…) Administradora de Insolvência reconheceu (…) como subordinado (…)”;

5.1.4.   No âmbito da referida insolvência, a Requerente por ter intenção de proceder à regularização do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a seu favor, no montante de EUR 129.605,11, enviou nota de crédito (aviso de lançamento nº 1200006, datado de 19/11/2012) para a Administradora de Insolvência, em 20 de Novembro de 2015, através de carta registada com A/R (conforme doc. nº 6 do pedido), na qual se refere que se remete “a nota de crédito (…), referente ao IVA dos fornecimentos não pagos pela Empresa Insolvente (…) durante o período de 2009, 2010 e 2011” mas nada quanto ao reconhecimento da perda por imparidade relativa à totalidade dos créditos incobráveis (no montante de EUR 864.278,53);

5.1.5.   A Requerente obteve da sociedade de Revisores Oficiais de Contas “D…, SROC” uma declaração, datada de 8 de Maio de 2013, relativa à “Certificação do Revisor Oficial de Contas de Créditos Incobráveis para efeitos de Regularização do IVA” (conforme doc. nº 7 do pedido);

5.1.6.   No âmbito da análise do Dossier Fiscal de 2012, a Requerente foi objecto de uma ordem de serviço autuada com o nº OI2014…, de 23 de Janeiro de 2014, de âmbito parcial referente ao Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2012 (conforme cópia constante do processo administrativo anexado pela Requerida);

5.1.7.   A Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... notificou, através do Ofício nº …-…, de 12 de Junho de 2014, C, na qualidade de Administradora da Insolvência da B…, através de carta registada com A/R (nº … PT), solicitando o envio, “no prazo de 10 dias” de “cópia de todas as comunicações efectuadas pela sociedade” aqui Requerente “no âmbito do processo de insolvência …/12….T…, em que é insolvente a sociedade B…” (conforme cópia constante do processo administrativo anexado pela Requerida);

5.1.8.   A Direcção de Finanças de ... obteve resposta da Administradora da Insolvência identificada no ponto anterior, através de email enviado por E, em 24 de Setembro de 2014, no que se refere que “a Administradora de Insolvência, no âmbito do processo de insolvência, não recepcionou qualquer comunicação” da aqui Requerente, “sendo que se encontra pendente litígio a correr no tribunal judicial de ... relativo aos bens que compunham o imobilizado da sociedade B…” (conforme cópia constante do processo administrativo anexado pela Requerida);

5.1.9.   Na sequência da inspecção realizada na Requerente, foi esta notificada através do Ofício nº …-…, de 15 de Outubro de 2014, para no prazo de 15 dias exercer (querendo) o direito de audição prévia sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção (conforme cópia constante do processo administrativo anexado pela Requerida);

5.1.10. A Requerente exerceu o direito de audição prévia por escrito em 28 de Outubro de 2014 (conforme cópia constante do processo administrativo anexado pela Requerida);

5.1.11. Dado que a Requerida entendeu que o direito de audição referido no ponto anterior não veio “acrescentar matéria ou dados novos ou argumentos que obstassem à produção de efeitos e (…) manutenção do teor das conclusões do projecto de relatório notificado”, o mesmo convolou-se em relatório final, tendo as correcções à matéria tributável, no montante de EUR 864.278,53, sido notificadas à Requerente, através do Ofício
nº ……., de 5 de Novembro de 2014 (conforme doc. nº 4 do pedido).

5.1.12. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC nº 2014 …, relativa ao ano de 2012, no montante no valor total de EUR 40.833,78
(EUR 38.644,29, a título de imposto e EUR 2.149,89, a título de juros compensatórios), bem como da demonstração de liquidação de juros nº 2014 …, calculados desde 1 de Junho de 2013 a 30 de Outubro de 2014 e da demonstração de acerto de contas nº 2014 … (conforme docs. nº 2, 3 e 1 do pedido);

5.1.13. A data limite para pagamento da quantia liquidada, identificada no ponto anterior, foi o dia 16 de Janeiro de 2015 (conforme doc. nº 1 do pedido);

 

5.2.      Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Dos factos não provados

 

5.3.      Não ficou provado que a Requerente tenha pago o montante de IRC
(EUR 38.644,29) e de juros liquidados (EUR 2.189,49), num total de
EUR 40.833,78 (com respeito ao ano de 2012), sem que tal facto tenha implicação directa na apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral.

5.4.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.         MATÉRIA DE DIREITO

 

Regras gerais

 

6.1.      O Código do IRC desde a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1989, acolhe o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

6.2.      Com efeito, no número nº 10 do Preâmbulo daquele Código é referido que “dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável”.

 

6.3.      E prosseguindo-se no referido Preâmbulo, é referido que “embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adoptar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício” foi mantida “a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não reflectidas naquele resultado”.

 

6.4.      “Nas demais regras enunciadas a propósito dos aspectos que se entendeu dever regular reflectiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade”.

 

6.5.      Nestes termos, em conformidade com o disposto no artigo 17º do Código do IRC (em vigor em 2012), “o lucro tributável das pessoas colectivas (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”, sendo que, de modo a permitir o apuramento (…), “a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor (…), sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código, reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se (…)” (sublinhado nosso).

 

6.6.      De acordo com o disposto no artigo 18º, nº 1 do Código do IRC (em vigor em 2012), para efeitos de periodização do lucro tributável, “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica” (sublinhado nosso).

 

6.7.      Por outro lado, na Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística[11][12], são estabelecidos e conceitos que estão subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações financeiras, tendo como propósito, nomeadamente, ajudar os preparadores das demonstrações financeiras na aplicação das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), reconhecendo-se que, nos casos em que haja um conflito entre a Estrutura Conceptual e uma qualquer NCRF, os requisitos da NCRF prevalecem em relação à Estrutura Conceptual.

 

6.8.      Na referida Estrutura Conceptual está consagrado que uma das caraterísticas qualitativas das demonstrações financeiras é a prudência (parágrafo 37), sendo referido, a este propósito que tendo “os preparadores das demonstrações financeiras (…) de lutar com as incertezas que inevitavelmente rodeiam muitos acontecimentos e circunstâncias, tais como a cobrabilidade duvidosa de dívidas a receber (…) tais incertezas são reconhecidas através da divulgação da sua natureza e extensão e pela aplicação de prudência na preparação das demonstrações financeiras” (sublinhado nosso).

 

6.9.      Com efeito, “a prudência é a inclusão de um grau de precaução no exercício dos juízos necessários ao fazer as estimativas necessárias em condições de incerteza, de forma que os activos ou os rendimentos não sejam sobreavaliados e os passivos ou os gastos não sejam subavaliados (…)” porque, caso contrário, “(…) as demonstrações financeiras não seriam neutras e, por isso, não teriam a qualidade de fiabilidade” (sublinhado nosso).

 

6.10. As perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa devem obedecer à NCRF 27 (Instrumentos financeiros), nos termos da qual, à data de cada período de relato financeiro deve avaliar-se a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados e, existindo evidência objectiva de imparidade, deve reconhecer-se a respectiva perda na demonstração dos resultados.

 

6.11.    Para efeito de “evidência objectiva de imparidade”, a NCRF 27 identifica um conjunto de factores, nomeadamente, a significativa dificuldade financeira do devedor, a quebra contratual (tal como o não pagamento ou o incumprimento no pagamento) ou a probabilidade do devedor entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira.

 

6.12.    As perdas por imparidade refletidas na contabilidade deverão ser, para efeitos fiscais, analisadas ao abrigo das disposições do Código do IRC e deverão ser regularizadas, extracontabilisticamente[13], se necessário.

 

6.13.    Neste âmbito, refira-se que, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 23º, nº 1, alínea h), do Código do IRC (em vigor em 2012), “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nomeadamente(…) as perdas por imparidade”.

 

Questões a decidir

 

6.14.    No presente caso, serão duas as questões de direito controvertidas a que importa responder, tendo em consideração a articulação dos factos praticados com as disposições do Código do IRC, em vigor à data dos mesmos (2012), dado que os procedimentos adoptados pela Requerente deram origem a correcções efectuadas pela Requerida e, em consequência, originaram este pedido de pronúncia arbitral:

 

6.14.1. Por um lado, será relevante dar resposta à questão de se saber se a Requerente reuniu todos os requisitos, em matéria fiscal, para o reconhecimento, em 2012, de perda por imparidade fiscalmente dedutível, no montante de EUR 864.278,53, relativa ao seu cliente B…, nomeadamente, se deu ou não cumprimento ao requisito previsto no artigo 41º, nº 2 do Código do IRC (na redação em vigor em 2012), ou seja, se a Requerente comunicou expressamente ao devedor o reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, de modo a que a B… pudesse reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do seu lucro tributável.

6.14.2. Por outro lado, e em consequência da resposta a dar à questão formulada no ponto anterior, concluir se o reconhecimento da referida perda por imparidade pode ou não ser considerada fiscalmente dedutível e, nessa medida, concluir se as correcções efectuadas à matéria tributável, respeitante ao ano 2012 (e a consequente liquidação de IRC, objecto do pedido de pronúncia arbitral) são ou não ilegais, com as consequências daí decorrentes.

 

Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis

 

6.15.    Desde logo, de acordo com o disposto no artigo 35º, nº 1, alínea a) do Código do IRC (em vigor no ano de 2012), podiam ser “deduzidas para efeitos fiscais as (…) perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores”, nomeadamente, “as relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade (…)”.

 

6.16.    Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 36º do Código do IRC (em vigor no ano de 2012), “para efeitos da determinação das perdas por imparidade” previstas na alínea a), do nº 1, do artigo 35º, “consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica”, nomeadamente, no caso de devedor “ter pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas (…)”.

 

6.17.    Adicionalmente, de acordo com o previsto no artigo 41º do Código do IRC (em vigor no ano 2012), “os créditos incobráveis podem ser directamente considerados gastos ou perdas do período de tributação desde que tal resulte de processo de insolvência e de recuperação de empresas (…)”, sendo que “a dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis (…) fica ainda dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável” (sublinhado nosso).

 

6.18.    Assim, face ao acima exposto, podemos concluir que existiam, em 2012, condições gerais para a aceitação fiscal, dos gastos ou perdas por imparidade em créditos, ou seja, que estes fossem derivados da actividade normal da Requerente, que pudessem ser considerados de cobrança duvidosa, fossem evidenciados como tal na contabilidade e que o risco de incobrabilidade estivesse devidamente justificado, o que se verificaria quando o devedor tivesse pendente processo de insolvência (como era o caso da B…).[14] [15]

 

6.19.    Por outro lado, para que os créditos fossem directamente considerados como gastos ou perdas do período de tributação era necessário que tal resultasse de processo de insolvência[16] (como é o caso da B…), não tivesse sido admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostrasse insuficiente e existisse prova da comunicação efectuada pela Requerente à B… do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, devendo a entidade devedora reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do seu lucro tributável.

 

6.20.    No que diz respeito à interpretação dos requisitos previstos no artigo 41º do Código do IRC (em vigor em 2012), tendo em consideração a questão acima colocada no ponto 6.14.1., é ainda fundamental esclarecer se era (ou deveria ser) exigível, uma certeza formal e segura de incobrabilidade do crédito para que este se considerasse incobrável (e, consequentemente, o respetivo valor fosse considerado, para efeitos de liquidação de IRC, gasto ou perda do exercício no respetivo período de tributação em que fosse reconhecido).

 

6.21.    Nesta matéria, não se afigura que o artigo acima referido deva ser interpretado nestes termos porquanto, seria uma inaudita violência exigir que o contribuinte (interessado na dedução), tivesse de esperar vários anos pela liquidação do activo e pagamentos aos credores reclamantes e graduados pelo produto da liquidação.

 

6.22.    Assim, nesta matéria, a interpretação mais razoável e lógica é a que resulta de um juízo de prognose, objetivo e seguro efectuado a partir de indícios de “evidência objectiva de imparidade” (conforme é também recomendado para efeitos contabilísticos – vide ponto 6.11., supra), donde se conclua revelar-se impossível a cobrança do crédito (sendo, por isso, declarado incobrável).[17]

 

6.23.    Assim quando o artigo 41º do Código do IRC referia, em 2012, que “os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do período de tributação desde que tal resulte de processo de insolvência e de recuperação de empresas (…)", tal preceito deve ser interpretado no sentido de que não é o resultado final (formal) do processo (de insolvência) que releva mas sim o que deriva dum conjunto de actos e factos “espelhados” nesse mesmo processo e reveladores inequívocos da incobrabilidade do crédito.[18]

 

6.24.    Nestes termos, em face desta realidade revelada através do processo de insolvência da B…, estava garantido um dos requisitos legalmente previstos para que o crédito da Requerente, sobre aquela entidade, fosse considerado incobrável [porque resultava de um processo de insolvência (vide requisito referido no ponto 6.19., supra)].

 

6.25.    Na verdade, ainda que, formalmente, o crédito objecto de reclamação em processo de insolvência subsista, porquanto não se extinguiu juridicamente pelas formas legalmente previstas, tal circunstância não pode ser impeditiva para a relevância fiscal dum enquadramento que aponta inequivocamente para a sua incobrabilidade, com reflexos na tributação, em IRC, para ambas as Partes do processo de insolvência (devedor e credor).

 

6.26.    Não obstante o acima exposto, será ainda necessário verificar se a Requerente deu ou não cumprimento ao requisito previsto no artigo 41º, nº 2 do Código do IRC (na redacção em vigor em 2012), porquanto nele se exigia mais uma condicionante à declaração de incobrabilidade do crédito (prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais), sendo este o argumento base evocado pela Requerida para efeitos de suporte das correcções efectuadas e, consequentemente, na origem da liquidação de imposto que a Requerente pretende anular.

 

6.27.    Com efeito, a Requerente alegou no seu pedido de pronúncia arbitral que comunicou “ao Administrador de Insolvência a regularização do IVA a seu favor no ano de 2012, através de carta registada com aviso de recepção” (artigo 21º do pedido), facto que se confirma da documentação anexada ao processo (conforme doc. nº 6 do pedido) e se deu como provado no ponto 5.1.4., supra.

 

6.28.    Contudo, não pode este Tribunal Arbitral concordar com a posição defendida pela Requerente quando a esta refere, no seu pedido de pronúncia arbitral, que “a comunicação (…) enviada ao devedor, na pessoa da sua Administradora de Insolvência, cumpre o seu efeito, apesar de se não referir expressamente o artigo 41º do CIRC”, porquanto aquela comunicação destinava-se a dar conhecimento ao devedor do propósito da Requerente proceder à regularização do IVA (relativa a dívida da B…, no montante de EUR 129.605,11) e já não dar conhecimento que iria ser reconhecida uma perda por imparidade, no ano de 2012, relativa a dívida do mesma devedor, no valor de EUR 864.278,53.

 

6.29.    Na verdade, subjacente a esta realidade contabilístico-fiscal estavam dois tipos de impostos (IRC e IVA), de natureza diversa (o primeiro, um imposto sobre o rendimento e, o segundo, um imposto sobre o consumo), cujos lançamentos de regularização contabilística originariam implicações de natureza fiscal distintas.

 

6.30.    Com efeito, em termos gerais, se o IRC é considerado um imposto directo, aplicado ao rendimento das empresas a actuar em território português e incide sobre os rendimentos obtidos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, já o IVA, enquanto imposto indirecto, incide sobre transmissões de bens e prestações de serviços, sobre as importações de bens e sobre as operações intercomunitárias, desde que se considerem como realizadas em território nacional.

 

6.31.    Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, concorda este Tribunal Arbitral com a posição defendida pela Requerida quando afirma que “se tratam de impostos distintos e com procedimentos distintos”, importando clarificar que “se a legislação fiscal pretendesse o aproveitamento de procedimentos entre imposto diferentes tê-lo-ia feito expressamente(…)[19] (sublinhado nosso).

 

6.32.    E tanto assim é que a declaração obtida da sociedade de Revisores Oficiais de ContasD…, SROC”, datada de 8 de Maio de 2013, diz respeito à “Certificação do Revisor Oficial de Contas de Créditos Incobráveis para efeitos de Regularização do IVA”, nos termos e condições previstas no nº 7 do artigo 78º do Código do IVA (conforme doc. nº 7 do pedido, que se deu como provado no ponto 5.1.5., supra), nada referindo quanto ao reconhecimento, para efeitos de IRC, da respectiva perda por imparidade, nos termos do disposto no artigo 41º, nº 2 do Código do IRC (em vigor em 2012).[20]

 

6.33.    Na realidade, em nenhum momento, o texto da declaração referida no ponto anterior se refere ao reconhecimento de uma perda por imparidade, no ano de 2012, sendo apenas referido, a título de “Conclusão” que, “em face da análise desenvolvida, e relativamente (…)” à Requerente, “certificamos que estão reunidas as condições para a regularização do IVA nos termos da alínea b) do nº 7 do artigo 78º do CIVA” (sublinhado nosso).

 

6.34.    Assim, será de concluir que a resposta a dar à questão acima colocada no ponto 6.14.1. deverá ser no sentido de que a Requerente não deu cumprimento a todos os requisitos necessários para reconhecimento, para efeitos fiscais, da perda de imparidade em análise, nomeadamente, no que diz respeito ao requisito previsto no artigo 41º, nº 2 do Código do IRC (na redação em vigor em 2012).

 

6.35.    Em consequência da conclusão assumida no ponto anterior, a resposta a dar à questão colocada no ponto 6.14.2., supra, será a de concluir que o reconhecimento da referida perda por imparidade não pode ser considerada fiscalmente dedutível e, nessa medida, são legais as correcções efectuadas pela Requerida à matéria tributável da Requerente, no exercício de 2012 e, em consequência, não pode ser considerada ilegal a liquidação de IRC (imposto e juros) objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

6.36.    Nestes termos, face ao acima exposto, tendo em consideração as respostas negativas dadas às questões colocadas nos pontos 6.14.1. e 6.14.2., supra, será de concluir que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente deve ser considerado improcedente.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.37.    Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.38.    Neste âmbito, de acordo com o nº 2 do artigo 527º do CPC (acima referido), e segundo o princípio do decaimento, pela expressão “houver dado causadeve entender-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.39.    Nestes termos, face ao acima exposto, e tendo em conta as conclusões da análise efectuada, resulta que deverá ser imputada à Requerente a responsabilidade em matéria de custas arbitrais.

 

7.         DECISÃO

7.1.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.      No caso em análise, tendo em consideração o exposto no capítulo anterior, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerente.

 

7.3.      Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.3.1.   Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente sendo de manter, em consequência, a respectiva liquidação de IRC (imposto e juros) relativo ao ano de 2012;

7.3.2.   Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 306º, nº 2 do CPC, no artigo 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 40.833,78.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Outubro de 2015

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Porque entregue no CAAD a 15 de Abril de 2015.

[3] Transitada em julgado em 24 de Setembro de 2012.

[4] De acordo com a Requerente, esta dívida respeita a facturação emitida ao seu cliente B… em 2009, 2010 e 2011.

[5] A qual foi emitida em 18 de Março de 2013.

[6] Neste âmbito, a Requerente cita uma Informação da Autoridade Tributária (cuja cópia foi anexada aos autos através do processo administrativo), emitida pela Direcção de Serviços do IRC, a pedido da Direcção de Finanças de ..., relativamente ao nº 2, do artigo 41º do Código do IRC, na sequência de procedimento inspectivo efectuado ao período de tributação de 2012, nos termos da qual se escreve que a referência naquela norma “aos créditos considerados incobráveis ao abrigo do artigo 36º do CIRC deve ser entendido no sentido de que se verifica a incobrabilidade dos créditos quanto estes sejam desreconhecidos no ativo nas situações em que a perda por imparidade já foi considerada a 100% e a incobrabilidade se mostre justificada. Assim, deverá ser no período de tributação em que se proceda ao desreconhecimento contabilístico do crédito que o credor deve efectuar a comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, ainda que este tenha sido considerado em períodos de tributação anteriores por via das perdas por imparidade contabilizadas com base na mora e na existência de provas objectivas de imparidade” (sublinhado nosso).

[7] Nota de lançamento nº 3760.

[8] Nota de lançamento nº 3762.

[9] Nesta matéria, a Requerida sustenta que apurou, no decurso da Inspecção Tributária, e a partir dos documentos que suportam os lançamentos efectuados (notas de lançamento nºs 3760 e nº 3762, cujas cópias foram anexadas aos autos por via do processo administrativo), que “a Requerente contabilizou as perdas por imparidade na conta 6511 (…) por contrapartida da conta 2111 (…), no montante de € 755.042,29 e na conta 6512 (…) por contrapartida da conta 2211 (…), no montante de € 109.236,24”.  Notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para exercer o respectivo direito de audição, “a Requerente enviou outras notas de lançamento (ainda que exibindo os mesmos números das anteriores), (…) com a diferença de que as contas movimentadas são diferentes das que constavam das que foram apresentadas durante a acção inspectiva”. Essas “diferenças (…) manifestam-se no facto de, nas últimas, as dívidas de “Clientes” e de “Fornecedores” não serem anuladas, porquanto as contas movimentadas por contrapartidas das contas 6511 e 6512 passaram a ser as contas 219 e 229” (sublinhado nosso).

[10] Neste âmbito, cita a Requerida o Acórdão do TCAS, proferido no âmbito do processo nº 7661/14, de 19.02.2015, nos termos do qual se refere que “não é possível considerar directamente como custo do exercício créditos incobráveis (…) sem demonstrar que relativamente aos mesmos não era admitida a constituição de provisão (…)”.

[11] Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto -Lei nº 158/2009, de 13 de Julho e em vigor desde 1 de Janeiro de 2010.

[12] Homologada pelo Despacho nº 589/2009/MEF do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 14 de Agosto de 2009 (em substituição do Senhor Ministro de Estado e das Finanças) e publicada em Diário da República nº 173 (2ª série) de 7 de Setembro de 2009 (Aviso nº 15652/2009).

[13] Por via de ajustamentos a efectuar ao resultado líquido do exercício, no quadro 07 da declaração de rendimentos do período de tributação em causa (ou seja, na declaração Modelo 22), tendo em vista o apuramento do lucro tributável do respectivo exercício.

[14] A este respeito, apenas se indica o tipo de processo que é aplicável na situação em análise.

[15] Cuja comprovação foi efectuada através de certidão emitida, no âmbito do processo nº …/12…T…) pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... (conforme doc. nº 5 do pedido).

[16] Vide nota de rodapé anterior.

[17] Note-se que, com a Reforma do IRC (Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro), aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2014, é definida expressamente a data do evento gerador da perda por crédito incobrável, em resultado de insolvência (entre outro tipo de processos legalmente previstos), ou seja, “os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação (…) desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente (…)” na sequência de “processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após a homologação de deliberação prevista no artigo 156º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” (conforme teor do artigo 41º, nº 1, alínea b) do Código do IRC em vigor no ano 2014).  Posteriormente, este artigo sofreu mais uma alteração [a que decorreu da Lei nº 82-C/2014, de 31 de Dezembro (OE 2015) em vigor desde 1 de Janeiro de 2015], tendo a alínea b) do nº 1 passado a ter a seguinte redacção: “em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código” (sublinhado nosso).

[18] Neste sentido, cite-se, com as necessárias adaptações, o AC STA nº 782/12, de 10/10/2012, nos termos do qual se refere que “o artigo 39º (41º, em 2012) do Código do IRC (na redacção que lhe foi conferida pela Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho), admitia como custos ou perdas do exercício os créditos que, para além do mais, resultassem incobráveis de processo especial de (…) falência ou insolvência”.  Com efeito, o referido Acórdão defendia que “essa norma não exige que os créditos (…) só possam ser contabilizados como créditos incobráveis mediante sentença com trânsito em julgado que declare a sua incobrabilidade (…)”.

[19] E, como refere a Requerida “a interpretação de normas por analogia está vedada no âmbito do direito fiscal (…)”.

[20] Note-se até que na referida Certificação, no capítulo “Descrição dos Créditos”, se refere que a mesma “respeita a crédito (…) cujo valor total é de EUR 884.305,61, incluindo um valor global de IVA de
EUR 129.605,11 (…)
”, pelo que o valor total do crédito aí indicado não cruza para o valor da imparidade registada, em 2012, relativamente ao devedor B… (EUR 864.278,53) e objecto do pedido de pronúncia arbitral.