Processo arbitral n.º 19/2013-T
Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”)
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dr. Arlindo José Francisco e Dra. Conceição Pinto Rosa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Abril de 2013, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. …Imóveis, S.A., pessoa colectiva número …, com sede na …, doravante “Requerente”, vem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, adiante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo para pronúncia sobre a ilegalidade da liquidação oficiosa de IMT e de juros compensatórios da Autoridade Tributária e Aduaneira, sucessora da anterior Direcção-Geral dos Impostos.
A Requerente visa a anulação do acto tributário de liquidação de IMT e de juros compensatórios, notificado sob o Ofício n.º …, de 5 de Junho de 2012, do Serviço de Finanças de … e “consequente revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquela liquidação oficiosa (…) e à condenação da Administração Tributária e Aduaneira no reembolso da quantia de € 64.683,37”, dos quais € 55.250,00 respeitam a IMT e € 9.433,37 a juros compensatórios. Peticiona ainda a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de mora se a eles houver lugar.
Segundo a Requerente, não ocorreu a caducidade da isenção de compra para revenda relativa ao prédio por si adquirido em 9 de Agosto de 2006, pois não lhe foi dado destino diferente do de revenda. Apesar de a escritura de aquisição do imóvel mencionar apenas que se tratava de um terreno para construção, já se encontrava nele edificado um prédio urbano, pelo que se limitou a concluir alguns trabalhos não estruturais e a solicitar a constituição de propriedade horizontal.
Assim, considera a Requerente que, ao contrário do preconizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não ocorreu modificação substancial e estrutural do prédio, mantendo-se a isenção de IMT.
Alega adicionalmente o vício de falta de fundamentação e invoca litigância de má fé por actuação contra orientações firmadas da própria Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 104.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
1.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu por impugnação. Sustenta a legalidade da liquidação oficiosa e a ausência de fundamento da pretensão da Requerente, assente em factos contrários aos constantes de documentos autênticos que não conseguiu infirmar, e pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
1.3. No dia 3 de Junho de 2013 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT determinando-se a realização da inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, que teve lugar em 28 de Junho de 2013. Prestaram depoimento, que foi objecto de gravação em sistema sonoro, as testemunhas … e … (cf. Actas das Reuniões do Tribunal Arbitral Colectivo).
As partes apresentaram alegações escritas mantendo no essencial as respectivas posições.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. FUNDAMENTAÇÃO
Discute-se na presente acção a caducidade da isenção de IMT pela aquisição de prédios para revenda prevista no artigo 7.º do Código deste imposto.
A principal questão suscitada é de facto e prende-se com saber se ocorreu uma alteração substancial do imóvel, cuja aquisição foi objecto de isenção de IMT, que tenha determinado o desvio do respectivo fim, originando a caducidade da isenção nos termos do artigo 11.º, n.º 5 do Código do IMT.
Especificamente importa aferir se o imóvel que a Requerente adquiriu, em Agosto de 2006, foi um prédio edificado, construído e concluído (sobre o qual as obras que foram subsequentemente levadas a efeito se teriam limitado a “pequenas obras de recuperação do edifício”, sem modificações estruturais que alterassem o seu “estado”, caso em que não seriam de qualificar como afectação a fim diverso do da simples revenda), ou, diversamente, um edifício em construção e inacabado que foi em momento ulterior objecto de obras transformação substanciais e/ou de ampliação na sua esfera, consubstanciando alterações estruturais e um destino diferente do da revenda.
3.1. Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos constantes do processo é a seguinte:
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Em 13 de Maio de 2004, o Tribunal Judicial de Valongo, no âmbito do processo de execução ordinária n.º …/2001, adjudicou a …. um imóvel sito na …., freguesia de …., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo … – cf. despacho judicial, de fls. 54 a 56 do Processo Administrativo (“PA”); elementos referentes aos artigos matriciais … e …, de fls. 70 a 75 do PA, e certidão do registo predial junta com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No referido imóvel tinha estado implantado um edifício que, à data da referida adjudicação (2004), já havia sido demolido e ao qual havia correspondido o artigo matricial …, entretanto eliminado e substituído em 2001 pelo artigo matricial … – cf. despacho judicial, de fls. 54 a 56 do Processo Administrativo (“PA”) e elementos referentes aos artigos matriciais … e …, de fls. 70 a 75 do PA.
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Da declaração para inscrição de prédio na matriz relativa ao artigo matricial … consta a seguinte descrição sumária dos elementos do prédio: “parcela de terreno destinada à construção - onde se encontra em construção um prédio com área de construção de 2.026,30 m2 com 04 pisos, sendo 03 acima da cota de soleira e 01 abaixo da mesma cota com 12 fogos destinados à habitação”, sendo que na ficha da Conservatória do Registo Predial de … a descrição do prédio em causa era a seguinte: “Terreno e nele em construção edifício de cave, rés-do-chão e 2 andares - Coberta: 506,5 m2; - Descoberta: 190,5 m2”, com o valor tributável de 132.281,19 Euros – cf. declaração de inscrição de prédio na matriz (artigo …), de fls. 72 a 75 do PA; matriz predial urbana junta como documento 1 em conjunto com o PA; cópia do termo de declaração de Sisa n.º …/…/2003, a fls. 57 do PA e certidão do registo predial junta com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Em 18 de Julho de 2005, o então proprietário, …, em virtude de a mencionada construção do edifício ter sido interrompida e ter ocorrido a caducidade da correspondente licença camarária, solicitou nova licença – “Licença Especial para Conclusão de Obras” – junto da Câmara Municipal de …, com fundamento no facto de o “edifício se encontrar de momento em estado de degradação, e necessitar de obras de recuperação para que seja possível pedir as vistorias e a respectiva licença de utilização” – cf. requerimento e Alvará N.º …/2005, Processo N.º …-OC/90, constantes de fls. 58 e 59 do PA.
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Em 6 de Setembro de 2005, a Câmara Municipal de … emitiu o “Alvará de Obras de Construção Especial para Conclusão de Obras Inacabadas N.º …/2005”, segundo o qual: “As obras aprovadas por Despacho, do Exmº. Sr. Vereador, de 12 de Agosto de 2005, respeitam o disposto no Plano Director Municipal e apresenta as seguintes características:
AMPLIAÇÃO E REMODELAÇÃO DE EDIFÍCIO MULTIFAMILIAR”
PRAZO DE VALIDADE DO ALVARÁ: Inicio: 06/09/2005.
Termo: 05/09/2006.”
– cf. Alvará N.º …/2005, Processo N.º …-OC/90, a fls. 59 do PA.
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Estas obras foram iniciadas no final de 2005 e consubstanciaram-se nas seguintes intervenções:
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Limpeza geral ao edifício;
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Verificação geral do estado de conservação do edifício, nomeadamente das redes de infraestruturas: água, saneamento, águas pluviais, electricidade, telefone e gás, incluindo ensaios de funcionamento de todas as tubagens;
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Eliminação das infiltrações de águas no telhado e no terraço de cobertura, com aplicação de chapas termolacadas e isolamento térmico e acústico em lã de rocha sobre a cobertura inclinada, reparação e substituição de caleiras e rufos onde necessário e impermeabilização de terraços e coberturas planas com telas de P.V.C.;
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Remoção de vãos exteriores e interiores para posterior substituição e dos madeiramentos que se encontram bichados e deteriorados e levantamento das louças sanitárias;
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Demolição de paredes interiores para adaptação ao projecto aprovado e remoção dos pavimentos dos quartos de banho e varandas;
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Construção na cave de divisões/compartimentos de arrumos individuais com cerca de 2 m2 para cada uma das fracções autónomas, incluindo a pavimentação da cave e a colocação de paredes (alvenaria);
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Vazado e acabamento a reboco areado;
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Fecho da caixa de escada da cave para o rés-do-chão;
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Colocação de material cerâmico nos pavimentos dos quartos de banho e de tijoleira nas varandas exteriores;
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Execução da iluminação da garagem e enfiamento para iluminação e tomadas;
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Limpeza e reparação de paredes interiores e pintura a tinta plástica;
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Colocação das esquadrias exteriores das marquises e da restante serralharia e colocação de janelas;
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Picagem de revestimentos exteriores e tratamento de fissuras onde necessário e revestimento das fachadas com reboco delgado armado do tipo “viero”;
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Colocação de todas as carpintarias em falta e reparação dos móveis de cozinha;
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Acabamento do terraço acessível com lajetas de betão e colocação de pavimentos interiores em madeira do tipo “flutuante”;
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Colocação de louças sanitárias e acabamento dos restantes trabalhos de pichelaria;
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Colocação de quadros eléctricos e aparelhagem;
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Pintura geral do edifício: pintura final de paredes, tectos e madeiramentos;
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Execução dos arranjos exteriores de acordo com as indicações da Câmara Municipal de Valongo relativas à colocação de uma baia de estacionamento e passeio em frente ao prédio;
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Limpeza final da obra,
cf. cópia do livro de obra junto pela Requerente, complementado com os depoimentos das duas testemunhas inquiridas, em particular da segunda testemunha, …, técnico responsável pela obra, que identificou um conjunto de trabalhos adicionais aos que constam do livro de obra.
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Em 9 de Agosto de 2006, no decurso das obras, a Requerente adquiriu com isenção de IMT, pelo preço de € 850.000,00, ao seu Administrador Único, …, o imóvel identificado na escritura de compra e venda como “terreno para construção com a área de seiscentos e noventa e sete metros quadrados, situado na freguesia de …, concelho de …, à Rua …., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … (…) inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …”– cf. cópia da correspondente escritura notarial, de fls. 76 a 79 do PA.
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Encontrava-se implantado no referido “terreno para construção” o edifício sobre o qual continuaram a decorrer as obras melhor descritas no ponto 6.º supra, realizadas ao abrigo do “Alvará de Obras de Construção Especial para Conclusão de Obras Inacabadas N.º …/2005”, a cargo do empreiteiro …, Lda. – cf. de acordo com os depoimentos das duas testemunhas inquiridas e cópia do livro de obra junto pela Requerente.
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Em 23 de Novembro de 2007, a Requerente solicitou junto da Câmara Municipal de … a consideração do prédio em regime de propriedade horizontal, sobre o que a Câmara se pronunciou no sentido de não encontrar inconveniente no fraccionamento proposto – cf. requerimento constante de fls. 89 a 96 do PA e Informação n.º …/…/2007, sobre a qual recaiu despacho concordante de 7 de Dezembro de 2007, junto como doc. 12 à p.i..
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Em 5 de Dezembro de 2007, a Requerente apresentou na Conservatória do Registo Predial um pedido de rectificação da descrição … – …, pretendendo “averbar a construção efectuada no referido prédio” e solicitando a rectificação da área do prédio para a área total de 1.117 m2, sendo 694 m2 de área coberta e 423 m2 de área descoberta, o que deu origem ao respectivo averbamento e à fixação do valor venal de 150.000,00 Euros – cf. cópia do requerimento junto com as Alegações da Requerente e certidão do registo predial junta com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Em 21 de Dezembro de 2007, foi outorgada pela Requerente a escritura de constituição de propriedade horizontal na qual declarou que “está a ser edificado e já em fase de conclusão um edifício de cave, rés-do-chão, e dois andares, com a superfície coberta de seiscentos e oitenta e quatro metros quadrados e área descoberta de quatrocentos e trinta e três metros quadrados, a que atribuem o valor de trezentos e quarenta mil euros” com quinze fracções autónomas – cf. cópia da escritura constante do PA, de fls. 81 a 88.
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Em 2 de Janeiro de 2008 a Requerente apresentou a declaração Modelo 1 de IMI e inscreveu a construção de prédio novo em regime de propriedade horizontal, composto por 15 fracções autónomas – fracções A a O – o que deu origem à substituição do artigo matricial … por um novo artigo matricial: o …, cuja área total corresponde a 1.117m2, e relativamente ao qual tinham sido alienadas 8 fracções – cf. Informação do Serviço de Finanças de … constante do PA, a fls. 97, e também junto à p.i. (doc. 4).
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Ao novo artigo matricial … (em 2008) foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 883.080,00 (correspondente à soma das várias fracções autónomas de que o prédio é composto), em substituição do anterior valor patrimonial tributário relativo ao artigo …, que era de € 333.690,00 – cf. matriz predial urbana junta como documento 1 em conjunto com o PA.
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A certidão da Conservatória do Registo Predial de … contém o averbamento de alteração relativo ao prédio descrito sob o número …, com data de 11 de Janeiro de 2008, tendo passado a constar os seguintes elementos:
“ÁREA COBERTA: 684 M2
ÁREA DESCOBERTA: 433 M2
VALOR VENAL: 340.000,00 Euros
Edifício de cave, rés-do-chão e dois andares - Artº. P 10.254
– cf. certidão do registo predial junta com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Na sequência da emissão, pela Direcção de Finanças do …, da credencial n.º OI2010…, de 9 de Fevereiro de 2010, foi realizada uma acção inspectiva parcial ao exercício de 2006 da Requerente, que incidiu sobre IMT, “para análise da situação tributária (…) por se verificar que tendo adquirido imóveis para revenda no ano de 2006, com isenção nos termos do nº 1 do artº 7º do CIMIT, não foram revendidos nos 3 anos seguintes, encontrando-se na sua posse.” – cf. ponto 2.2 do Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 33 a 40 do PA.
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Em resultado da acção inspectiva, a Requerente foi notificada, em Julho de 2010, do Projecto de Correcções relativamente ao qual exerceu o Direito de Audição – cf. ponto 6 do Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 33 a 40 do PA.
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O Relatório definitivo – “Relatório de Inspecção Tributária” –, sobre o qual recaiu despacho concordante da Chefe de Divisão, em 24 de Setembro de 2010, foi notificado à Requerente pelo Ofício n.º …, de 27 de Setembro de 2010, dos Serviços de Inspecção Tributária, Direcção de Finanças do Porto. Este Relatório não acolheu os argumentos do Direito de Audição e efectuou correcções aritméticas à matéria colectável de IMT do ano 2009, no valor de € 850.000,00 – cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 33 a 40 do PA.
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Como fundamentos das correcções à matéria colectável de IMT constam do Relatório de Inspecção Tributária os seguintes:
“3 – Descrição dos factos e fundamentos das correcções quantitativas à matéria tributável
Da base de dados constantes da aplicação do Património verificou-se que adquiriu em 2006 os imóveis que a seguir se identificam, sem que tenha apresentado a guia de pagamento para liquidação do IMT, pelo facto de, exercendo a actividade de compra e venda de bens imobiliários, a aquisição ter sido efectuada com destino a revenda, beneficiando da isenção prevista no nº 1 do art.º 7.º do C.M.T.
No entanto, verifica-se que lhe foi dado destino diferente, porquanto o referido imóvel – terreno para construção, foi transformado no prédio urbano artigo nº 10254, fracções A a O. com inscrição na matriz em 02/01/2008.
Deixou, assim, de beneficiar da referida isenção conforme o disposto no nº 5 do art.º 11 do CIMT que refere que “A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar da isenção logo que se verifique… foi dado destino diferente....”
(…)
6 – Direito de audição
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Tendo sido notificado, através do ofício nº …/… de 21/07/2010, para exercer o direito a que se referem os art.ºs 60ºs da L.G.T. e R.C.P.I.T., veio efectuá-lo em 10/08/2010, entrada nº …, com os seguintes argumentos:
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Que a escritura pública relativa à aquisição do imóvel, não está completa, por não se tratar de apenas terreno, antes deveria ser a que consta do documento de posse e da guia de pagamento de Sisa, onde é referido que o prédio é composto por terreno onde se encontra em construção um edifício de cave, rés-do-chão e 2 andares.
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Que o referido prédio não seria comercializável daquela maneira, tendo a empresa completado a construção, transformando-o em 15 fracções, tendo algumas delas sido já vendidas, pelo que o destino a que aquela se propôs não foi alterado.
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Junta documentos: - Termo de penhora em imóvel de 26/03/2002, auto de abertura de aceitação de propostas 10/07/2003, título de transmissão de 07/06/2004, todos emitidos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo.
- Guia de liquidação de sisa nº … de 08/08/2003, no valor de 50.700,00€.
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Todos os citados documentos se reportam à aquisição do prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de …, sob o nº …, por execução em que o executado é … e outros, e o exequente …, NIF: ….
Do alegado temos a referir o seguinte:
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Os documentos que junta não se reportam ao mesmo imóvel, quer na identificação quer na data de aquisição, o imóvel agora em questão é o art.º …, adquirido em 09/08/2006.
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Refere que o imóvel não era comercializável no estado em que o adquiriu (em construção). No entanto foi adquirido com destino a revenda, beneficiando da isenção prevista no nº 1 do art.º 7.º do C.M.T, sabendo já dos condicionalismos que esta isenção impunha, neste caso o não ser dado destino diferente.
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O imóvel adquirido está identificado na matriz como terreno para construção, mas ao que indica o sujeito passivo tinha benfeitorias (prédio em construção). Aí foi construído o prédio urbano com o art.º nº …, constituído em propriedade horizontal, pelas fracções A a O.
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Pretende o sujeito passivo que a referida aquisição sejam objecto de isenção parcial, porquanto que as fracções F,G,H,I e L foram vendidas em 2008 e as D e J em 2009.
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Sobre o conceito de “destino diferente”, versam os ofícios-circulares D-2/91 de 17/06 e D-2/93 09/07, em que referem que se perde o benefício da isenção sempre haja desvio do requisito da mesma: a revenda dos prédios. Também a decisão do acórdão nº 016153 de 27/05/1970, do STA, foi no sentido da perda da isenção em que refere que “a compra de lote de terreno onde estava em construção um prédio urbano acaba a construção e procede à sua venda no prazo de 2 anos….deixou de beneficiar da isenção concedida, por não ter revendido no estado em que se encontrava”
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Assim, será de manter a perda de isenção, cuja data se reporta a 02/01/2008, data em que apresentou a dec. mod. 1 para inscrição na matriz do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº nº ….”
– cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 33 a 40 do PA (pontos 3 a 6).
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A Requerente foi notificada da liquidação oficiosa de IMT e de juros compensatórios na importância de € 64.683,37, sendo € 55.250,00 referentes a imposto e € 9.433,37 a juros compensatórios, através do Ofício N.º …, de 5 de Junho de 2012, do Serviço de Finanças de … – cf. Ofício de notificação, a fls. 32 do PA.
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Consta da notificação do acto tributário de liquidação de IMT e de juros compensatórios que o imposto é “devido pela aquisição do prédio urbano da freguesia de Ermesinde, inscrito na respectiva matriz predial com o artigo …, através de escritura de compra celebrada no Cartório Notarial de … em 09/08/2008, e ter mudado o destino a partir de 02/01/2008, deixando de beneficiar da redução nos termos do nº 5 do artigo 11º do CIMT” – cf. Ofício de notificação a fls. 32 do PA.
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A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação oficiosa vertente, no valor total de € 64.683,37, em 5 de Julho de 2012 – cf. guia de pagamento, a fls. 65 do PA.
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Em 13 de Agosto de 2012 a Requerente deduziu reclamação graciosa do acto de liquidação oficiosa acima identificado, a qual foi indeferida por despacho de 24 de Janeiro de 2013 – cf. reclamação, de fls. 2 a 31 do PA, e informações oficiais e despacho de indeferimento, de fls. 97 a 105 do PA.
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Em 7 de Fevereiro de 2013 a Requerente deduziu pedido de constituição do Tribunal Arbitral – cf. requerimento electrónico ao CAAD.
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No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos juízos probatórios dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, os quais foram complementados, no que se refere à natureza e execução das obras realizadas no edifício (ponto 6.º supra), com o depoimento da segunda testemunha apresentada pela Requerente, funcionário da sociedade …., Lda., técnico responsável pela obra e signatário do livro de obra, ….
Com efeito, nesta matéria a testemunha revelou-se idónea, identificando um conjunto de intervenções no edifício que não se encontram descritas no livro de obra (mesmo na versão completa deste, junta posteriormente com as Alegações finais).
3.2. Factos não provados
Não se provou que:
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As obras autorizadas pela Câmara Municipal de … fossem apenas pequenas obras de recuperação traduzidas essencialmente em pinturas, trabalhos de recuperação e isolamento, para eliminação de humidades
Pelo contrário, ficou demonstrado da análise conjugada do teor do Alvará, do livro de obra e do depoimento das testemunhas (em particular da segunda testemunha) que foram realizados trabalhos de construção civil substanciais (vide pontos 4.º a 6.º dos factos provados).
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A Requerente se tenha limitado a concluir os trabalhos autorizados pelo Alvará de Obras Especial e listados no livro de obra, nem que as obras de recuperação tenham terminado em Novembro de 2006
Resultou do depoimento segunda testemunha, …, que foram realizados diversos trabalhos não listados no livro de obra, não se recordando da data da sua conclusão efectiva.
Neste ponto, é de salientar que a primeira testemunha, …, sócio da sociedade …, Lda., que realiza obras para o Sr. … desde os anos 80 até hoje, chegou a afirmar que a obra havia terminado em “Agosto de 2006” e que a Requerente surgiu depois das obras, contrariamente às próprias alegações da Requerente (apesar de depois de confrontada reconhecer que tal não correspondia aos registos no livro de obra).
Acresce, por outro lado, que resulta do depoimento das duas testemunhas terem ocorrido diversas obras, algumas derivadas de exigência camarária que não só não constam do livro de obra, como se reportam a momento posterior ao mencionado neste livro como data de conclusão dos trabalhos (2 de Novembro de 2006). Neste ponto a segunda testemunha refere ser possível que as divisões de arrumos na cave tenham sido feitas quando da constituição da propriedade horizontal.
De realçar também o facto de somente em 23 de Novembro de 2007 a Requerente ter requerido junto da Câmara Municipal de … o fraccionamento em regime de propriedade horizontal, cuja escritura de constituição outorgou em 21 de Dezembro de 2007. Ora, não se justificaria que a Requerente aguardasse quinze meses entre o alegado fim das obras (02.11.2006) e o pedido à Câmara de consideração do prédio em propriedade horizontal (23.11.2007) que lhe permitiria comercializar as fracções. É legítimo inferir que terá aguardado porque simplesmente o edifício ainda não estava concluído.
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As obras levadas a efeito pela Requerente tenham consistido apenas em colocações de algumas louças, pinturas e pouco mais
Sabe-se que as obras efectuadas no edifício são (pelo menos) as que constam do ponto 6.º supra e ultrapassam amplamente “louças, pinturas e pouco mais”.
Ficou, no entanto, por esclarecer a temporalidade da conclusão das obras e o respectivo status ou progresso à data da aquisição do edifício pela Requerente, embora se saiba que tiveram início, em momento anterior, no final de 2005.
Mesmo que se tivessem em conta as datas constantes do livro de obra, o que não se afigura determinante, atendendo às contradições e incertezas das testemunhas nesta matéria e à ausência de elementos que o corroborem, sempre ficariam de fora outros trabalhos realizados e que não constam do mencionado livro, como o fecho da caixa de escada da cave para o rés-do-chão.
Aliás, neste âmbito, cabe assinalar o facto de não terem sido trazidos ao processo diversos elementos existentes e referidos pela primeira testemunha, tais como o projecto de arquitectura, orçamentos, facturas e demais documentos com origem externa relativos à obra em causa e com aptidão para comprovar a materialidade das obras, sua dimensão – quer qualitativa (natureza), quer quantitativa (valor) – e momento de concretização.
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A Requerente tenha adquirido um edifício concluído
Nesta matéria, os depoimentos das testemunhas não foram consistentes.
A primeira testemunha, para além de afirmar que as obras tinham acabado antes de o prédio ter sido adquirido pela Requerente, o que seguramente não se verificou, contradiz-se, pois na mesma frase refere que o prédio estava concluído e, depois, (…) inacabado.
A segunda testemunha afirma que o prédio estava “praticamente acabado”, portanto, não estava efectivamente terminado. Acresce que as obras e trabalhos que descreveu não eram as de um edifício acabado o que aliado à incerteza do momento da sua realização – antes ou depois da sua aquisição pela Requerente – não permite comprovar esta alegação.
3.3. Do Direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que a Requerente adquiriu em Agosto de 2006 um terreno para construção e lhe deu destino diferente (do da mera revenda), ao não ter procedido à sua revenda no estado em que se encontrava, desenvolvendo obras estruturais que culminaram na conclusão de um prédio distinto, com 15 fracções autónomas, inscrito na matriz em 2 de Janeiro de 2008.
A Requerente contrapõe que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fundamentou o acto tributário, pois não cumpriu ónus que lhe competia de demonstrar a realização de obras de estrutura.
Ainda segundo a Requerente, apenas foram realizadas pequenas obras de recuperação e constituída a propriedade horizontal, circunstâncias que não são passíveis de configurar um destino diferente, em conformidade com os entendimentos sancionados pelos próprios serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo procedimento adoptado representa uma violação dos princípios da boa fé, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade e é enquadrável como litigância de má fé, ao abrigo do artigo 104.º, n.º 1 da LGT.
Vejamos por partes.
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Falta de fundamentação do acto tributário
O artigo 77.º da LGT consagra o dever de fundamentação dos actos tributários conforme determinam os seus números 1 e 2:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Tal dever impõe-se - mesmo que realizado forma sumária - relativamente a todos os actos lesivos, impositivos e constitutivos de deveres ou encargos nos quais se incluem, naturalmente, os actos tributários. Desempenha três funções primordiais: sustentáculo da legalidade da actuação administrativa, do princípio da imparcialidade (na sua vertente de necessária ponderação dos interesses em jogo) e instrumento de acesso à garantia contenciosa.
O princípio da fundamentação dos actos lesivos reveste importância acrescida no Estado Fiscal, cuja actuação é cada vez mais agressiva, e beneficia hoje da protecção constitucional concedida pelo artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), constituindo uma garantia específica dos contribuintes e um dever geral de toda a actividade administrativa (cf. artigos 124.º a 126.º do Código do Procedimento Administrativo “CPA”, em desenvolvimento do que nesta matéria já dispunha o Decreto-Lei n.º 256-A/77).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro[2].
A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, nos termos expressamente previstos pelo artigo 77.º da LGT, n.ºs 1 e 2 e pelo artigo 125.º do CPA, desde que se encontre garantida a função primordial de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do acto.
A este respeito, considera-se que um acto está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o acto em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, processo n.º 42180, de 20 de Novembro de 2002). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o acto que, directamente e por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, processo n.º 46796, de 14 de Março de 2001).
Na situação concreta constata-se que o Relatório de Inspecção, em tempo notificado à Requerente, é suficientemente detalhado na enumeração das razões que subjazem à proposta de correcção do IMT, relatando que a Requerente adquiriu um imóvel “beneficiando da isenção prevista no nº 1 do art.º 7.º do C.M.T.“ e que se verifica que ao imóvel foi dado destino diferente, porquanto foi transformado de terreno para construção em “prédio urbano artigo nº …, fracções A a O com inscrição na matriz em 02/01/2008”, pelo que deixou de “beneficiar da referida isenção conforme o disposto no nº 5 do art.º 11 do CIMT”.
De igual modo a notificação da liquidação, embora de forma sumária, também refere que o imposto é devido por ter sido “mudado o destino a partir de 02/01/2008, deixando de beneficiar da redução nos termos do nº 5 do artigo 11º do CIMT”.
Assim, afigura-se que o acto tributário de liquidação de IMT observa os parâmetros mínimos de fundamentação: descreve os pressupostos que determinam a tributação, identifica as normas de incidência e apresenta uma motivação coesa e perceptível. Difícil de compreender é a alegação, por parte da Requerente, de que a Autoridade Tributária e Aduaneira não invocou as disposições legais que suportam a emissão da liquidação quando, quer o Relatório de Inspecção, quer o próprio acto de notificação da liquidação contêm uma referência expressa aos preceitos do Código do IMT, designadamente aos seus artigos 7.º e 11.º, n.º 5.
Deste modo, improcede a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente, relativamente à liquidação de IMT.
Questão independente é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de facto e de direito nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do acto tributário[3], adiante aferida.
Diversa é, todavia, a conclusão que se retira no que se refere aos juros compensatórios. De acordo com o artigo 35.º, n.º 1 da LGT, estes são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária” e o acto de liquidação deve explicar “com clareza o respectivo cálculo” (cf. n.º 9 do mesmo artigo).
Importa assinalar que os juros compensatórios fazem parte integrante da própria dívida de imposto, com o qual são conjuntamente liquidados, e se encontram abrangidos pelo dever de fundamentação, quanto às razões da respectiva existência e à forma de cálculo (base de incidência, taxa de juro aplicada, período de contagem).
Constitui jurisprudência reiterada do STA que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação, a título de dolo ou negligência (cf. Acórdão do STA, processo n.º 0587/10, de 16 de Dezembro de 2010).
Na situação vertente, o Relatório de Inspecção é omisso quanto aos juros compensatórios e a notificação da liquidação limita-se a enunciar: “Juros Compensatórios € 9.433,37”, pelo que se conclui, sem mais, pela falta de fundamentação do acto de liquidação relativamente aos juros.
Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o dever de fundamentar a liquidação dos juros compensatórios, desconhecendo-se o raciocínio decisório subjacente e as respectivas causas, quer quanto aos seus requisitos essenciais – retardamento da liquidação do imposto e nexo de causalidade entre o atraso na liquidação e a actuação culposa do contribuinte (imputabilidade do atraso) – quer no tocante à sua forma de cálculo, pelo que se acolhe o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente, com a consequente declaração de ilegalidade e anulação parcial do acto de liquidação no segmento correspondente aos juros compensatórios, no valor de € 9.433,37.
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Vício de violação de lei do acto tributário
A liquidação sindicada assenta na caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT, sob a epígrafe “Isenção pela aquisição de prédios para revenda”, que dispõe no seu número 1:
“São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.”
Esta isenção caduca nos moldes do preceituado no artigo 11.º, n.º 5 do mesmo Código: “A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente (…)”.
O regime descrito já se encontrava previsto com idênticos contornos no artigo 11.º, ponto 3.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (“Código da Sisa”), segundo o qual: “Ficam isentas de sisa: (…) 3.º As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”. Previa também o Código da Sisa (artigo 16.º, ponto 1.º) que a isenção caducava logo que se verificasse que “aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente (…)”.
Sobre a acepção de “destino diferente” a jurisprudência do STA pronunciou-se no quadro da vigência do Código da Sisa (que não diverge do actual Código do IMT no que a esta matéria respeita) no sentido de considerar como tal o acabamento da construção de um prédio urbano: “Comete a transgressão (…) se, tendo comprado, com isenção de sisa, um lote de terreno onde estava em construção um prédio urbano, acaba a construção deste e precede a sua venda, ainda que dentro do prazo de dois anos, sem pagar a sisa correspondente à compra do terreno, dado que a arguida deixara de beneficiar da isenção concedida, por não ter revendido o terreno no estado em que o adquirira.” – cf. Acórdão do STA, processo n.º 016153, de 27 de Maio de 1970[4].
Num outro aresto, preconiza o STA que “a isenção de sisa concedida às aquisições de prédios para revenda caduca quando os imóveis não forem revendidos no estado em que foram adquiridos”, não importando, “porém, modificação desse estado as obras feitas pelo comprador de que não resulte alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna das divisões dos edifícios” – cf. Acórdão do STA, processo n.º 016253, de 16 de Maio de 1973[5].
Entendemos que na procura da determinação do sentido da expressão “destino diferente” não pode deixar de considerar-se a noção de revenda que subjaz à ratio da isenção. E revenda pressupõe a transmissão do bem no estado em que o mesmo foi adquirido, i.é, a comercialização do mesmo sem que este tenha sofrido uma transformação significativa ou substancial. Com efeito, uma actividade transformadora não deve ser caracterizada como de “revenda”.
Também se afigura ser este o critério seguido pela jurisprudência a que acima se aludiu e ao qual faz apelo JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES ao referir que: “O conceito de revenda, tendo o sentido de alienação do imóvel no estado em que foi adquirido, de mera intermediação, impede que se enquadrem neste regime de isenção as situações de empresas (…) que adquirem bens imóveis para esse fim, mas que depois os transformam. Falamos, por exemplo, das aquisições de prédios degradados que são reabilitados por essas empresas e posteriormente revendidos (…)” – cf. Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2.ª edição, Almedina, 2013, p. 486.
No entanto, as obras de mera reparação ou manutenção não alteram a natureza do bem adquirido e não devem ser qualificadas como operações de transformação, pelo que nesses casos mantém-se aplicável o regime de isenção (cf. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2.ª edição, Almedina, 2013, p. 487).
Igualmente, de acordo com J. SILVÉRIO MATEUS E L. CORVELO DE FREITAS “o benefício [da isenção] (…) só actua desde que, para além da verificação das condições formais exigidas no artigo 7.º, os prédios adquiridos para revenda sejam objecto desse destino no prazo de três anos a contar da data da aquisição, nas condições em que se encontravam no momento em que foram adquiridos pela empresa revendedora” (cf. Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, 1.ª edição, Engifisco, 2005, p. 404).
Em concreto, no caso de obras realizadas em prédio adquirido para revenda a isenção caduca “se os prédios não forem revendidos no estado em que foram adquiridos. No entanto, é entendimento da administração tributária que a realização de simples obras de conservação e beneficiação dos prédios adquiridos para revenda não determina, por si só, a caducidade do direito à isenção. Porém, quaisquer ampliações ou melhoramentos que não caibam no conceito de simples reparações ou beneficiações indispensáveis à sua conservação determinam, desde logo, a perda do benefício. No mesmo sentido se têm pronunciado os tribunais, considerando que, no caso de prédios que sejam constituídos por edifícios o seu estado se mantém se não for substancialmente alterada a estrutura externa nem a disposição interna das divisões (…)” – cf. J. SILVÉRIO MATEUS E L. CORVELO DE FREITAS, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, 1.ª edição, Engifisco, 2005, p. 405.
Por último, no que se refere à constituição de propriedade horizontal e subsequente venda por fracções autónomas entendem os mencionados autores que estas não determinam “só por si, a perda da isenção” (cf. J. SILVÉRIO MATEUS E L. CORVELO DE FREITAS, Anotação citada, p. 405).
Resulta do exposto que a afectação a “destino diferente” implica uma alteração substancial e física do prédio. Dito de outro modo, a formalização jurídica de situações preexistentes à aquisição ou a constituição de propriedade horizontal, sempre que surjam desacompanhadas de alterações materiais no prédio, não configuram um desvio da finalidade de revenda, pois não há uma alteração prática do conteúdo do direito de propriedade, continuando o prédio, fisicamente, no estado em que se encontrava[6].
Ficando assim delineados os traços essenciais do regime jurídico-tributário aplicável, importa proceder ao enquadramento da situação submetida à apreciação deste tribunal arbitral, atentos os elementos factuais adquiridos processualmente e constantes da matéria de facto fixada.
Coloca-se, em primeira linha, a questão de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrou, como lhe competia à face do artigo 74.º, n.º 1 da LGT[7], os pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação, fundados na caducidade da isenção de IMT por afectação do prédio a “destino diferente” da revenda.
Relembra-se que é a Requerente que, na escritura de compra e venda do imóvel, outorgada em 9 de Agosto de 2006, declara adquirir um terreno para construção, o qual estava assim identificado, quer na matriz predial urbana (artigo 9357), quer na Conservatória do Registo Predial de Valongo (descrição número 2315).
Posteriormente, em 2 de Janeiro de 2008, é novamente a Requerente que apresenta junto do Serviço de Finanças a declaração Modelo 1 de IMI, inscrevendo na matriz a construção de um prédio novo em regime de propriedade horizontal, composto por 15 fracções autónomas.
Foi, pois, com base nas declarações da própria Requerente que a Autoridade Tributária e Aduaneira assentou no pressuposto de que o terreno para construção adquirido em 2006 tinha sido, entretanto, transformado num prédio edificado em regime de propriedade horizontal (prédio urbano com o artigo matricial 10254) e, por conseguinte, tendo-lhe sido dado destino diferente da revenda. Declarações estas que beneficiam da presunção de veracidade contemplada no artigo 75.º, n.º 1 da LGT[8].
Deste modo, a Autoridade Tributária e Aduaneira deu cumprimento ao ónus de demonstração dos pressupostos constitutivos da incidência tributária, retirando, e bem, as naturais consequências dos elementos declarados pela Requerente, ou seja, que esta tinha adquirido um terreno para construção em 2006 no qual foi construído um edifício com 15 fracções autónomas concluído em 2008.
Era sobre a Requerente que impendia, por conseguinte, o ónus de evidenciar que as declarações por si efectuadas (sibi imputet) não correspondiam à realidade existente à data da aquisição do imóvel objecto de isenção de IMT e não, como alega, que caberia à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a alteração substancial do imóvel e a realização de obras de estrutura.
Com efeito, estando preenchidos os pressupostos constitutivos da incidência tributária, à Requerente competia fazer a prova dos factos “impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado” pelo credor tributário (cf. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil), designadamente que sobre o terreno (já) se encontrava implantado (à data da respectiva aquisição) um edifício concluído sobre o qual esta apenas realizou pequenas obras de recuperação.
A este propósito, não colhe o argumento da Requerente de que na data da celebração da escritura pública ainda não tinha sido emitida a licença de habitação do edifício construído, pelo que não poderia constar da matriz, do registo predial e, finalmente, da própria escritura pública outra referência se não a de terreno para construção.
Assinala-se desde logo, que nada impedia a Requerente de ter feito constar na escritura que o terreno continha benfeitorias, em concreto, um edifício construído, o que aliás reforçaria a segurança jurídica da transacção. Depois, o facto de não ter sido emitida a licença de habitação é irrelevante como causa explicativa, não constando dos autos quaisquer indícios de que houvesse sido pedida ou de que o edifício reunisse as condições materiais mínimas de acabamento para que a referida licença fosse pedida/concedida.
E apenas seria de afastar tal posição se a Requerente fizesse prova (que não fez) de que, apesar de não ter licença de habitação, no terreno estava implantado um edifício acabado.
O que a Requerente conseguiu demonstrar foi que no momento da aquisição do “terreno para construção” sobre o mesmo já se encontrava implantado um edifício no qual decorriam obras. Contudo, essa demonstração não se estendeu ao facto de esse edifício estar concluído e acabado, ou quanto à pretensa natureza ligeira das respectivas obras.
Aliás, é bem diferente o que se retira do ponto 6 dos factos provados: as obras que estavam em curso sobre o edifício abrangeram trabalhos como a demolição de paredes interiores para adaptação ao projecto, a construção de novas divisões na cave (arrumos) com colocação de paredes, o fecho da caixa de escada da cave para o rés-do-chão, a colocação de uma baia de estacionamento no exterior, para além da colocação ou substituição de praticamente todos os elementos de acabamento de um prédio: tubagens; carpintaria; serralharia, marquises e janelas; pavimentos; louças sanitárias; quadros eléctricos, aparelhagem, enfiamento para iluminação e tomadas; reboco e pinturas, entre outros.
Descrição que se enquadra num trabalho de reabilitação profundo de edifício degradado que ultrapassa claramente a noção de “meras reparações”, a que acresce a circunstância de o edifício ter sido modificado na disposição interna das divisões e na parte externa, onde foi colocada a baia de estacionamento.
Dúvidas não restam de que tais trabalhos são enquadráveis como “alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna das divisões dos edifícios”, como vem referindo a jurisprudência do STA, e constituem uma transformação assinalável da edificação implantada.
A Requerente sustenta nas suas alegações finais que mesmo na hipótese de as obras consubstanciarem uma modificação substancial do edifício (como aqui se entende ser o caso), a execução das mesmas se situaria em fase anterior à da sua aquisição e portanto fora do período relevante. Porém, não logrou comprovar tal asserção.
Sabe-se que as obras em referência se iniciaram no final de 2005 e que a aquisição do imóvel pela Requerente ocorreu em Agosto de 2006. No entanto, desconhece-se o ponto de situação das obras no momento do seu ingresso na esfera jurídica da Requerente, designadamente no que se refere às alterações estruturais acima referidas, como sejam a construção de novas divisões na cave, a colocação de paredes e o fecho da caixa de escada da cave para o rés-do-chão, sendo que apenas em Novembro de 2007, i.é, volvidos quinze meses sobre a aquisição a Requerente solicitou junto da Câmara Municipal de … a consideração do prédio em regime de propriedade horizontal.
Em conclusão, a Requerente não conseguiu demonstrar, como lhe competia, que quando da aquisição do terreno para construção, que foi objecto de isenção de IMT, o edifício implantado nesse terreno já se encontrava concluído/acabado e que as obras realizadas na sua esfera (após a aquisição) consubstanciaram tão-só pequenas obras de recuperação do edifício.
Nestes termos, improcede o vício de erro nos pressupostos suscitado pela Requerente.
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Litigância de má-fé
Segundo a Requerente o acto tributário de liquidação do IMT viola o entendimento administrativo oficial firmado no Parecer n.º 119/1995, do Centro de Estudos Fiscais, de 13 de Setembro de 1995, segundo o qual “a ultimação da construção de um prédio urbano já construído em tosco e posterior constituição da respectiva propriedade horizontal e posterior revenda em fracções autónomas, também não pode conduzir à perda da referida isenção”[9].
Por esta razão, entende a Requerente que a Autoridade Tributária e Aduaneira infringiu os princípios da boa fé, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. Neste contexto, suscita a litigância de má-fé, ao abrigo do artigo 104.º, n.º 1 da LGT[10].
Dispõe esta norma que: “a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé[11] em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.
À face do acima exposto, não se encontram preenchidos os requisitos de aplicação do regime da litigância de má fé, uma vez que, por um lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não agiu contra o teor de informações vinculativas e, por outro, na situação sub judice não se comprovou que o seu procedimento tivesse divergido do habitualmente adoptado em situações similares.
Acresce salientar que as circunstâncias do caso concreto não são enquadráveis na previsão do Parecer do CEF. Com efeito, está em causa não a ultimação de uma construção, mas sim a realização de obras de transformação substanciais que configuram uma “alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna das divisões dos edifícios”, pelo que se afigura não ter ocorrido qualquer violação dos princípios invocados, nem é de convocar, por inaplicabilidade, o instituto da litigância de má-fé.
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Juros indemnizatórios e de mora
Estatui o artigo 43.º, n.º 1 da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se verifique o pagamento indevido de prestação tributária e se determine que houve erro imputável aos serviços.
Na situação vertente, verificou-se que a liquidação de IMT é válida e o respectivo pagamento devido, apenas tendo ocorrido pagamento em excesso na parte referente aos juros compensatórios, por falta de fundamentação, na importância de € 9.433,37.
A anulação parcial do acto tributário no segmento dos juros compensatórios ficou, assim, a dever-se a vício formal. Ora, a anulação de um acto tributário por vício de forma não significa que ele não deva ou não possa ser reeditado nos mesmos termos, se expurgado do apontado vício, nem “implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve prejuízo que mereça reparação” (JORGE LOPES DE SOUSA, “Sobre a Responsabilidade da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, 2010, p. 44).
Concretizando, a falta de fundamentação que se reconheceu relativamente à liquidação de juros compensatórios, não equivale a dizer que essa liquidação não era materialmente devida. À partida, tal liquidação pode ser renovada[12].
O ressarcimento do contribuinte, nestas circunstâncias, não segue parâmetros idênticos aos que seriam de aplicar se o vício procedente fosse substantivo, de violação de lei por erro nos pressupostos, conforme resulta da jurisprudência constante do STA[13].
Após a decisão aqui em causa fica a saber-se, apenas, que há um vício formal do acto de liquidação de juros compensatórios que o torna ilegal e, portanto, anulável. Mas não se fica a conhecer se o mesmo acto definiu mal – com erro – a situação jurídica tributária da Requerente e “se esta, ao pagar o que pagou, pagou o que não devia ter pago, merecendo ser indemnizada por ter ficado desprovida da quantia satisfeita em resultado da liquidação”.
Permitindo a ilegalidade inerente aos vícios formais a emissão de um novo acto tributário de sentido decisório idêntico, aquela (ilegalidade) não constitui um índice seguro de violação de um interesse ou direito de natureza substantiva da Requerente. Em tais casos, apesar de estarmos perante um acto ilícito, este não é necessariamente gerador de responsabilidade[14] [15].
Tal silogismo não foi infirmado pela Requerente, a quem sempre incumbia a prova (não a tendo feito) dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar, através de processo próprio para o qual este Tribunal Arbitral não tem jurisdição, atento o artigo 2.º do RJAT[16].
Assim sendo, tratando-se de ilegalidade por vício formal não é aplicável o regime de juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º da LGT, pelo que improcede a pretensão deduzida pela Requerente.
No tocante ao pedido de condenação ao pagamento de juros de mora (previstos no artigo 102.º, n.º 2 da LGT), importa notar que o correspondente direito apenas nasce a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão, dependendo de factos cuja ocorrência é futura e incerta e que se situam numa fase ulterior – a fase executiva decisão – sobre a qual o tribunal arbitral não tem jurisdição (cf. artigo 2.º do RJAT), improcedendo, também nesta parte, o pedido da Requerente.
4. DISPOSITIVO
À face do exposto, acorda o colectivo de árbitros em julgar:
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Parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto de liquidação oficiosa, na parte relativa aos juros compensatórios, no valor de € 9.433,37, improcedendo no segmento referente a IMT no montante de € 55.250,00;
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Parcialmente procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso do montante pago, na parte referente aos juros compensatórios no valor de € 9.433,37, improcedendo no que respeita ao valor do IMT remanescente, de € 55.250,00;
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Improcedente o pedido de juros indemnizatórios e de mora.
Tudo com as legais consequências, incluindo a revogação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na medida do vencimento.
* * *
Valor do processo: fixa-se em € 64.683,37, de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), no artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Custas no montante de € 2.448,00 a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira na proporção do respectivo decaimento, ou seja, de € 2.091,08 (para a Requerente) e de € 356,92 (para a Autoridade Tributária e Aduaneira), em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique. Lisboa, 3 de Outubro de 2013
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Arlindo José Francisco
Conceição Pinto Rosa
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2] Seguimos o Acórdão do STA, processo n.º 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006.
[3] Veja-se sobre esta matéria o Acórdão proferido no processo arbitral n.º 86/2012-T CAAD de que se retira o seguinte excerto ilustrativo: “o vício de falta de fundamentação ocorre apenas quando não é possível para um destinatário normal aperceber-se das razões pelas quais quem decidiu tomou a decisão que tomou e não quando o entendimento adoptado é errado, pois, neste último caso, se ocorrer efectivamente o erro, estar-se-á perante vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de erro sobre os pressupostos de direito”.
[4] Cujo resumo se encontra disponível no endereço www.dgsi.pt.
[5] Veja-se o resumo disponível no endereço www.dgsi.pt. No mesmo sentido vide o Acórdão do STA (Pleno), processo n.º 001730, de 10 de Novembro de 1982.
[6] Sobre este ponto veja-se o Acórdão do Tribunal Arbitral Colectivo, de 16 de Novembro de 2012, no Processo n.º 86/2012-T, CAAD, que a propósito da tributação de mais-valias para efeitos de IRS, caracteriza como alterações relevantes do conteúdo do direito de propriedade aquelas que revelam uma manifestação prática e física e não apenas a mera alteração jurídica.
[7] Dispõe este preceito que: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, excepto nas situações de não sujeição, em que recai sempre sobre os contribuintes”, concretizando o princípio geral do ónus da prova que o artigo 342.º do Código Civil encerra: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
[8] Segundo o número 1 deste artigo: “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.
[9] Aproveitamos para fazer uma breve referência ao entendimento vertido no Ofício-Circular D-2/91, de 17 de Junho, da Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, mencionado neste parecer do Centro de Estudos Fiscais, e bem assim no Relatório de Inspecção e na petição da Requerente. Segundo entendemos, este ofício contempla uma situação diversa daquela que está em discussão neste processo respeitando a operações de loteamento (“O loteamento de prédio rústico, adquirido com isenção de sisa nos termos do artº 11º nº 3, com a sua posterior venda por lotes, não conduz à perda da referida isenção”), pelo que não será objecto de aprofundamento.
[10] De notar que nos termos da Constituição da República Portuguesa os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (cf. artigo 203.º).
[11] Nos termos previstos nos artigos 542.º e seguintes do Código de Processo Civil.
[12] Excepto se, entretanto, tiver decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação.
[13] Vejam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do STA de 22 de Maio de 2013, Processo n.º 0245/13; de 7 de Setembro de 2011, Processo n.º 0416/11; de 17 de Novembro de 2004, Processo n.º 0772/04, e de 25 de Fevereiro de 2003, Processo n.º 01992/02.
[14] A este respeito compulsamos o sumário do Acórdão do STA, de 25 de Fevereiro de 2003, Processo n.º 01992/02:
“I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos prevista no artº 483º nº1 do CC.
II - A responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos de gestão pública depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) facto; b) a ilicitude; c) a culpa; d) dano; e) o nexo de causalidade.
III - Nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios.
IV - Há ilegalidades veniais, como o vício de forma, que não abrem, em princípio, direito a indemnização.”.
[15] Em discordância deste entendimento veja-se o comentário de JOÃO TABORDA DA GAMA, “Erros, serviços e vícios na atribuição de juros indemnizatórios”, Fiscalidade 23, ISG, 2006.
[16] Isto significa que o contribuinte pode exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, desde que comprove os pressupostos da responsabilidade civil, devendo fazê-lo, se for o caso, através do meio processual adequado. A este respeito veja-se JORGE LOPES DE SOUSA, “Sobre a Responsabilidade da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, 2010, pp. 127 e seguintes.