Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 207/2015-T
I – RELATÓRIO
1 – A…, residente na Rua … nº … – Funchal, na qualidade de Cabeça de Casal da Herança de B… CF …, apresentou em 23/03/2015 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT , sendo requerida a AT , com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IS , referentes ao ano de 2013 incidente sobre um prédio com andares e divisões com utilização independente sito na Rua … nº …/…,freguesia de Benfica,, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, área …º Serviço de Finanças de Lisboa
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31/03/2015.
3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 01/06/2015 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro
5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS que incidiram sobre o valor patrimonial das partes ou unidades independentes do prédio já identificado com afetação habitacional, tudo como melhor consta a fls. 1 e 2 do pedido.
6- Invoca para o efeito o seguinte:
6.1- Erro nos pressupostos de facto e de direito e falta de fundamento legal dos atos tributários aqui impugnados e contra os quais já havia apresentado reclamação graciosa em 25 de Agosto de 2014 que não mereceu qualquer resposta por parte da AT, presumindo o seu indeferimento tácito em 25/12/2014
6.2 – Que nenhum dos andares ou divisões independentes afetas à habitação tem VPT, igual ou superior a €1 000 000,00,não se verificando por isso o pressuposto legal de incidência previsto na verba 28.1 da TGIS
6.3 – Para efeitos de IMI os imóveis em propriedade vertical com partes suscetíveis de utilização independente obedecem às mesmas regras dos prédios em propriedade horizontal, sendo em ambos os casos o IMI calculado individualmente a cada parte independente ou fração.
6.4 – O IS contestado foi apurado sobre o VPT de cada um dos andares ou divisões independentes com afetação habitacional, individualmente, tal como verdadeiras frações autónomas de propriedade horizontal, não tendo o legislador da verba 28 da TGIS feito qualquer distinção entre os andares ou divisões independentes da propriedade vertical e as frações autónomas da propriedade horizontal.
6.5– A constituição da propriedade horizontal é uma mera alteração jurídico formal que não obriga sequer a nova avaliação e fazer-se uma tributação diferenciada, como pretende a AT, seria violar o princípio da igualdade.
6.6- Um prédio em propriedade vertical ou horizontal não poderá, por si só, ser indicador de capacidade contributiva, decorrendo da lei uma igualdade de tratamento fiscal e assim, se um prédio em propriedade horizontal só pagaria IS pelas frações que tivessem valor patrimonial igual ou superior a €1000000,00, o mesmo deverá acontecer para os prédios em propriedade vertical com andares ou divisões com utilização independente.
6.7 – Cita ainda algumas decisões dos tribunais arbitrais formados que vão neste sentido, para concluir pela evidente violação da alínea c) do nº 1 do artigo 24º do RJAT, por parte da AT ao efetuar as liquidações aqui postas em crise.
7 – Por sua vez a AT entende:
7.1- Que não assiste razão à requerente uma vez que é relevante para a incidência do IS o VPT total do prédio urbano e não o VPT de cada parte que o comportam ainda que suscetíveis de utilização independente
7.2- Refere ainda a AT que, um imóvel em propriedade total e um imóvel em propriedade horizontal, têm diferente valoração e tributação donde decorre diferentes efeitos jurídicos; enquanto na propriedade horizontal há uma divisão da propriedade total e autonomia de cada uma das frações, no prédio em propriedade total há uma única realidade jurídica;
7.3 - Cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, possuindo uma discrição do prédio na sua totalidade;
7-4 – Conclui que a verba 28.1 da TGIS incide sobre os prédios urbanos com afetação habitacional, que o prédio em questão tem valor superior a € 1 000 000,00, pelo que as liquidações aqui postas em crise não sofrem de qualquer ilegalidade e deverão ser mantidas
I – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Em 24/06/2015 a requerente solicitou a ampliação do pedido relativamente às liquidações de IS sobre o mesmo imóvel, do ano de 2014, com os fundamentos já expostos, corrigindo o valor do processo para € 20 236,60.
Em 11/07/2015 o tribunal deferiu o pedido de ampliação e ordenou a notificação da AT para, querendo, em 30 dias se pronunciar sobre mesmo e que a requerente procedesse ao pagamento remanescente da taxa de justiça inicial.
Na sua resposta, a AT, considerou não haver exceções a apreciar e estando a posição das partes definidas, seria inútil a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e a apresentação do processo administrativo, ao que a requerente não se opôs e o tribunal decidiu dispensar bem como a produção de alegações.
Paga a taxa de justiça inicial remanescente e a requerida nada disse sobre a ampliação do pedido, apesar de notificada, o tribunal entendeu estarem reunidas as condições para a prolação da decisão fixando o dia 16 de Novembro de 2015 para o efeito.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – Questão dirimir nos presentes autos
Saber se a verba 28.1 da TGIS se aplica ao somatório dos VPT das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas à habitação quando ele seja igual ou superior a € 1 000 000,00, ou, apenas se aplica, sobre o VPT individual de cada uma delas quando o mesmo seja igual ou superior a € 1 000 000,00, tal como acontece no caso dos prédios em propriedade horizontal.
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A herança requerente é proprietária de um prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente destinadas à habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica sob o artigo … da área do serviço de finanças de Lisboa ….
b) O prédio é constituído, segundo a matriz, por 22 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional cujo VPT total é de € 1 011 830,00.
c) Nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente tem VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 e que se encontra individualmente apurado na respetiva matriz.
d) Em Março de 2014 foi a requerente notificada para o pagamento do IS no montante de € 10 118,30, relativo ao aludido prédio e ano de 2013, apurado individualmente por cada andar ou divisão suscetível de utilização independente.
e) Em Março de 2015 foi notificada para pagamento do IS respeitante ao ano de 2014 incidente sobre o mesmo prédio e de igual montante, o que levou a requerente a solicitar a ampliação do pedido, sem oposição da requerida
f) A AT, em ambos os anos, calculou o IS individualmente a cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, fazendo o seu somatório a final, apurando o IS a pagar
3 – Do Direito
a) A questão a resolver é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1000000,00 ou se deveremos atender ao seu VPT individual.
b) Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão.
c) O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afetação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos.
d) O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
e) No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional.
f) Cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou coletiva, no caso concreto de uma herança.
g) Nos termos do nº 4 do artigo 2º do CIMI cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical relativamente à sua identificação como prédios urbanos habitacionais.
h) A AT ao fazer a tributação em IS fez o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afetação habitacional, só que a final considerou o VPT global e verificando ser superior a €1000000,00,somou os valores de IS apurado unitariamente.
i) Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afetação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artigo 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000000,00, requisito exigível para haver tributação em IS.
j) Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, a legislação aplicável é a mesma.
k) O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fração habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a €1000000,00, igualmente um andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afetação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a €1000000,00.
l) Como já se disse o andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no Código do IMI, tal como as frações autónomas dos prédios em propriedade horizontal.
m) Nesta perspetiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente com destino ou afetação habitacional tem VPT igual ou superior a €1000000,00 forçoso é concluir que os atos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.
n) O critério defendido pela AT ao considerar o somatório dos VPT das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, argumentando que o prédio não está constituído em propriedade horizontal, carece de sustentação legal, sendo o contrário que resulta da aplicação das normas do CIMI, aplicável por remissão.
o) As liquidações aqui postas em crise são ainda ilegais por desrespeito ao preceituado na alínea c) do nº 1do artigo 24º do RJAT, dado já ter havido decisão transitada em julgado no Processo nº 88/2014.
p) Acompanhamos a conclusão do Professor Miguel Patrício no processo 132/2013 ao considerar a interpretação feita pela AT, desconforme com a Lei e a CRP.
V – DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos atos de liquidação do IS aqui impugnados respeitantes anos de 2013 e 2014 no montante global de € 20 236,60
b) Fixar o valor do processo em € 20 236,60, considerando as disposições contidas no artigos 299º nº1 do CPC, 97-A do CPPT e artigo 3º nº 2 do RCPAT .
c) Custa a cargo da requerida, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando o seu montante em € 1 224,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 16 de novembro de 2015
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco