Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 205/2015-T
Data da decisão: 2015-11-10  IRC  
Valor do pedido: € 17.406,36
Tema: IRC - Não inclusão de juros indemnizatórios na liquidação de IRC
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 205/2015-T

 

 

Requerente: A…, S.A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 02 de Junho de 2015, decide o seguinte.

 

I. RELATÓRIO

I.1

1.         Em 20 de Março de 2015 a A…, S.A., sociedade com sede na Avenida …, n.º …, em Lisboa (…), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva n.º … requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.         O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 23 de Março de 2015.

3.         A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.         A AT apresentou a sua resposta em 06 de Julho de 2015.

5.         Em 08 de Setembro de 2015 a Requerente respondeu à exceção invocada pela AT.

6.         Por despacho de 09.09.2015, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

7.         Em 18 de Setembro de 2015 a Requerente apresentou as suas alegações de direito.

8.         Em 02 de Outubro de 2015 a Requerente apresentou as suas alegações de direito.

9.         Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2014 …, de 05.06.2014 e a demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, de 11.06.2014, referente ao exercício de 2012.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.         A administração tributária exige o pagamento do montante de € 17.407,36, expurgando do apuramento do exercício o montante dos juros indemnizatórios anteriormente pagos, sem apresentar qualquer fundamento para essa desconsideração.

2.         Deste modo o ato padece de falta de fundamentação (art. 268.º, n.º 3, da CRP, arts. 36.º e 99.º, alínea c), do CPPT, art. 77.º, n.º 2, da LGT, art. 62.º do RCPIT e art. 125.º do CPA.).

3.         Quando a declaração de rendimentos Modelo 22 for submetida no prazo legal e não contenha “erros de preenchimento”, a administração tributária tem de efetuar o reembolso do contribuinte até ao terminus do terceiro mês seguinte ao da submissão da declaração.

4.         Não procedendo a administração tributária ao reembolso do contribuinte naquele prazo são pois devidos juros indemnizatórios.

5.         Ora, no caso vertente, verificou-se um atraso no processamento do reembolso que, nos termos do artigo 104.º, n.º 3 e n.º 6, do Código do IRC impunha o pagamento de juros indemnizatórios.

6.         Apesar de a Requerente ter apresentado uma declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição o que é certo, é que, na primeira declaração de rendimento Modelo 22 apresentada a Requerente não incorreu em qualquer “erro de preenchimento” suscetível de desobrigar a administração tributária de reembolsar o imposto no prazo previsto no artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC.

7.         Ainda que admitindo no caso em apreço a existência de um “erro de preenchimento”, o que apenas por mera cautela se concebe, sem conceder, deve considerar-se que o reembolso concretizado após o decurso daquele prazo total de sete meses (quatro + três) sempre constitui a administração tributária na obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.         Por exceção, a AT alegou que o pedido formulado pela Requerente encontra-se fora do âmbito material da arbitragem tributária nos termos moldados pelo legislador do RJAT.

2.         Note-se, o pedido formulado pela Requerente dirige-se à condenação da Administração Tributária ao reconhecimento e ao pagamento do direito a juros indemnizatórios.

3.         O reconhecimento de direitos em matéria tributária e a apreciação de questões tributárias que não impliquem a apreciação da legalidade de um ato de liquidação não estão contemplados no RJAT.

4.         A Requerente apresentou uma Declaração de Substituição, tendo corrigido o valor referente a encargos com viaturas sujeitos a tributação autónoma.

5.         A Requerente alterou a base de incidência da tributação autónoma para o exercício de 2012.

6.         Ao efetuar tal alteração, a Requerente alterou direta e necessariamente o valor da tributação autónoma.

7.         Assim, não se pode deixar de considerar que existiu um erro no preenchimento da DRM22 imputável apenas à Requerente.

8.         O erro que constava da Declaração de Rendimentos originária é imputável apenas à Requerente.

9.         Deste modo, não se verificando uma das condições cumulativas previstas no nº 3 do artigo 104º do CIRC, não existia a obrigação de proceder ao reembolso de IRC no prazo aí determinado.

 

I.C A requerida respondeu à exceção da seguinte forma:

 

1.         A questão decidenda não reside no reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

2.         Aquilo que a Requerente pretende obter é a anulação do ato tributário, i.e. a eliminação da ordem jurídica do ato tributário sindicado, e não o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

3.         As questões sobre as quais o Tribunal Arbitral é chamado a pronunciar-se circunscrevem-se à legalidade do ato tributário sub judice.

4.         Não prejudica esta conclusão o facto de a anulação do ato tributário em crise ter como consequência a restituição à Requerente de um montante, a título de juros indemnizatórios, que foi desconsiderado neste ato tributário, e cujo direito já havia sido reconhecido pela administração tributária, isto porque, tal restituição é uma mera decorrência da procedência do pedido formulado nos autos.

5.         Em momento algum se peticionou o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios.

 

II. SANEAMENTO

 

É invocada uma excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral que cumpre apreciar previamente.

Alega a Requerida que a este Tribunal não compete apreciar este litígio, estando este fora do âmbito da competência material da arbitragem. No entender da AT, o pedido formulado pela requerente dirige-se à condenação da AT ao reconhecimento e sua condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Quid Juris?

Analisando a p.i. da requerente constata-se que o pedido consiste, tão só, na anulação do ato tributário sindicado.

A requerente não formulou qualquer pedido de condenação da AT em juros indemnizatórios, o que resulta da sua p.i. e é confirmado em sede de resposta à exceção, onde é referido: “Em momento algum se peticionou o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios.”

A Requerente alega alguns vícios de que, na sua opinião, o ato tributário (liquidação de IRC de 2012) padece, os quais deverão conduzir à sua anulação.

Deste modo sendo solicitada a apreciação do ato tributário e estando em causa a sua legalidade, tal matéria está incluída na competência material desta arbitragem.

Face ao exposto, nos termos do art. 2º, n.º1, al. a) do D.L. n.º10/2011 de 20 de Janeiro, o Tribunal conclui que é materialmente competente, improcedendo, portanto, a invocada exceção.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

As questões a apreciar são as seguintes:

 

a) O ato tributário padece de falta de fundamentação?

b) A não inclusão de juros indemnizatórios na liquidação de IRC deve conduzir à sua anulação?

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.         Em 28.05.2013, a Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2012, na qual apurou um valor a reembolsar de € 1.475.456,19.

2.         Naquela declaração a Requerente relevou, a título de encargos com viaturas sujeitos a tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 88.º, n.ºs 3 e 4, do Código do IRC, os valores de € 558.634,88 e de € 89.293,36, respetivamente.

3.         Em 20.02.2014 a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2014 …, de 22.01.2014, referente àquele exercício, na qual se apura um valor a reembolsar de € 1.492.863,57.

4.         A aludida liquidação reflete, por um lado, uma correção ao valor da tributação autónoma declarado no montante de € 8.949,58 (correspondente à diferença entre o montante corrigido de € 81.552,30 e o montante declarado de € 72.602,72) e, por outro lado, o pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso no processamento do reembolso no valor de € 26.356,94.

5.         Posteriormente, em 28.05.2014, a Requerente submeteu declaração de substituição Modelo 22, referente ao mesmo exercício de 2012, na qual apurou idêntico valor a reembolsar de €1.475.456,19, alterando, todavia, os valores relevados a título de encargos com viaturas sujeitos a tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 88.º, n.ºs 3 e 4, do Código do IRC para €488.561,06 e € 79.582,38, respetivamente.

6.         A Requerente foi notificada em 08.07.2014 do ato tributário sub judice (liquidação n.º 2014 …).

7.         No ato tributário sub judice (liquidação n.º 2014 …) emitido na sequência da submissão daquela declaração de substituição, a administração tributária repôs o valor declarado a título de tributação autónoma na declaração periódica de rendimentos do exercício, no montante de € 72.602,72, eliminando a correção anterior de € 8.949,58.

8.         Não obstante, expurgou do apuramento do mesmo exercício o montante anteriormente pago a título de juros indemnizatórios, no valor de € 26.356,94.

9.         Em virtude destas correções, aquele ato tributário exige à Requerente o pagamento de um montante de € 17.407,36 (correspondente à diferença entre o valor de € 26.356,94 e o de €8.949,58).

10.       Não se conformando com o ato tributário em apreço, em Setembro de 2014 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o mesmo.

11.       Em 24.01.2014, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

12.       Refere a administração tributária que, por força do atraso ocorrido no processamento do reembolso do imposto, foram atribuídos à ora Requerente juros indemnizatórios nos termos do artigo 104.º, n.º 6, do Código do IRC, porquanto “(…) apesar de existir efetivamente um erro no cálculo da tributação autónoma devida, de acordo com a base tributável declarada, esse erro não será imputável à Reclamante, exatamente pela validação que é feita pelos serviços das declarações submetidas pelos contribuintes, pelo que a declaração considerar-se-ia isenta de erros de preenchimento.”

13.       No entanto, entende a administração tributária que, com a apresentação da declaração de substituição Modelo 22, tornou-se evidente que a Requerente incorreu em erro no preenchimento da primeira declaração e, por essa razão, não são devidos juros indemnizatórios.

14.       Assim, conclui a administração tributária que “(…) foram anulados os juros indemnizatórios previamente atribuídos, porque a declaração inicial não se encontra isenta de erros.”

15.       Tendo a Requerente optado por não exercer o correspondente direito de audição prévia, em 26.12.2014, foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a qual converteu em definitivo o aludido projeto.

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 15 são dados por assentes por acordo das partes, por análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 8 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

a)         Falta de fundamentação

 

A requerida alega que a liquidação padece de falta de fundamentação, porque na liquidação em apreço não está indicado o motivo da não inclusão dos juros indemnizatórios. Deste modo, a requerida alega que a liquidação viola o disposto nos arts. 268º, n.º3 da CRP, 36º do CPPT, 77º, n.º2 da LGT, 124º e 125º do CPA.

Importa desde logo referir que nos atos de liquidação de IRC, atenta sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração Fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”.

O dever de fundamentação pode ser cumprido pela Administração Tributária de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da moderna gestão dos impostos. (Cfr. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297, no mesmo sentido Cfr. Ac. do STA de 06-03-2014, proc. n.º 0178/13).

Cumpre-nos referir que a liquidação notificada foi efetuada de acordo com a declaração da contribuinte. Deste modo, a contribuinte tem perfeito conhecimento de todos os elementos que compõem a liquidação. Neste sentido Cfr. Ac. do TCA do Sul, proc. N.º 01815/07, de 17.07.2007

Nos termos do art. 77º, n.º2 da LGT a fundamentação dos atos tributários deve conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável do tributo. Nenhum destes elementos está em falta.

É verdade que não é feita qualquer referência aos juros indemnizatórios. Contudo, o art. 77º, n.º2 da LGT não exige que na liquidação, caso sejam devidos juros indemnizatórios, esteja indicado o valor dos mesmos.

O ato que reconhece, ou não, o direito a juros indemnizatórios é distinto do ato tributário. Esta distinção ocorre desde logo porque a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, visando compensar os contribuintes por atos ilegais. Embora integre a relação jurídica tributária (art. 30º, n.º1, al. e) da LGT), a natureza desta obrigação é distinta da obrigação decorrente da ocorrência do fato tributário.

Apelando à distinção feita pelo Ilustre Prof. José Casalta Nabais, atos tributários em sentido estrito são os atos de liquidação dos tributos. Por oposição, os atos em matéria tributária são os demais atos praticados em sede das relações jurídicas tributárias, onde se inclui o reconhecimento, ou não, do direito a juros indemnizatórios (Cfr. Direito Fiscal, 5º Ed., Almedina, pág. 383). Os juros indemnizatórios são atos em matéria tributária distintos dos atos tributários, ou seja distintos da liquidação em apreço.

Por isso: “A concretização da indemnização ínsita nos juros indemnizatórios é objeto de liquidação autónoma, diferentemente do que acontece com os juros compensatórios que são englobados na liquidação da dívida tributária (artigo 35.º n.º 3 da LGT).” Ac. do STA de 03.03.2010, proc. N.º 1065/09

A dívida decorrente dos juros indemnizatórios não integra a própria dívida tributária nem existe a obrigatoriedade legal de ser liquidada em conjunto. Neste sentido Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Áreas Editora, 2011, pág. 529.

Porquanto, por esta via, não se nos afigura existir falta de fundamentação do ato tributário sindicado (liquidação).

Acresce que, como vêm entendendo os tribunais superiores, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa. Cfr. Ac. do TCAS, 30.10.2012, proc. n.º 03896/10 e Ac. do STA, 15.04.2009, proc. n.º 065/09.

Para ser atingido tal objetivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

Assim, fora de situações especiais em que são exigidos acrescidos deveres de fundamentação (como, por exemplo, sucede nas situações previstas nos n.ºs 3 e 4 do art. 77.º da LGT), o ato considera-se suficientemente fundamentado quando é atingido aquele objetivo.

No caso em apreço é patente do pedido de pronúncia arbitral que a Requerente compreendeu, na íntegra, os diversos motivos fácticos que determinaram a liquidação.

Na verdade, as divergências existentes entre a AT e a contribuinte são, como resulta do processo, questões de direito.

Desta feita, não ocorre, quanto à liquidação, vício de falta de fundamentação, tendo a AT expresso, de forma clara, o percurso lógico, fáctico e jurídico, que determinou a elaboração da liquidação em apreço.

Improcede, pois, este argumento aduzido pela contribuinte.

 

b)         A não inclusão de juros indemnizatórios na liquidação de IRC

 

Tal como foi referido atrás, a não inclusão, em si, dos juros indemnizatórios na liquidação sindicada não afeta a legalidade da mesma. A liquidação sindicada é estranha à concretização da indemnização ínsita nos juros indemnizatórios. Neste sentido cfr. Ac. do STA de 03.03.2010, proc. n.º 1065/09

Mais, a sua não inclusão nunca conduziria à anulação da liquidação. A liquidação não padece de qualquer vício por não indicar o valor dos juros indemnizatórios, caso sejam devidos. Quanto muito, poderia levar à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios (art. 104º, n.º6 do CIRC, art. 43º, n.º3 da LGT e 61º, n.º1, al. c) do CPPT).

Contudo, tal como a requerente referiu em sede de resposta às exceções, esse pedido não foi formulado:

“Na verdade, aquilo que a Requerente pretende obter é a anulação do ato tributário, i.e.a eliminação da ordem jurídica do ato tributário sindicado, e não o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.”

Caso tivesse sido formulado teríamos, obrigatoriamente, de aferir previamente a competência material, ou não, deste Tribunal para o efeito.

Não obstante, não tendo sido formulado esse pedido, importa referir que neste contencioso aplica-se o princípio do dispositivo, impondo-se às partes a delimitação do pedido (art. 10º, n.º2, al. c) do RJAT).

Assim, existe uma limitação quantitativa e qualitativa do juiz pelo pedido. “(…) a limitação do juiz pelo pedido é uma regra de aplicação generalizada no nosso direito processual, em que se dá às partes o direito de disporem do objeto do processo, não se justificando que as exceções ao mesmo não estejam expressamente previstas» (In Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 13 ao art. 125.º, pág. 367.).

            Porquanto, uma vez que o pedido não foi formulado está impedido este Tribunal de se debruçar sobre esta questão (direito a juros indemnizatórios).         

Acresce que, o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios, no caso em apreço, caso fosse reconhecido, não seria uma mera decorrência da anulação do ato tributário. Ao invés, no caso sub judice pretende a requerente que a não consideração do direito a juros indemnizatórios, supostamente reconhecidos a montante, inquine o ato tributário a jusante. Não tendo sido formulado qualquer pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios não pode este Tribunal ordenar a anulação de um ato com base num suposto vício, o qual não pode ser conhecido por este Tribunal, nem é de conhecimento oficioso.

Ora, reiterando a conclusão supra exposta, a não inclusão dos juros indemnizatórios não põem em causa a legalidade do ato tributário. A requerente para além desta questão, não imputa qualquer outro vício à liquidação.

Não tendo a Requerente deduzido qualquer pedido (autónomo) de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios, não se verifica erro parcial na forma de processo em sentido próprio, mas antes uma questão situada no âmbito da viabilidade do pedido, qual seja a de saber se no requerimento inicial foram invocados fundamentos válidos face ao meio processual escolhido e ao pedido efetivamente formulado (Em sentido semelhante, mutatis mutandis Cfr. Acs. do STA de 28.03.2012, proc. n.º 1145/11, e de 18.06.2014, proc. n.º 1549/13).

Não há dúvida que o pedido formulado nos autos (anulação da liquidação) é adequado ao meio processual previsto nos arts. 2º, n.º1, al. a), 10º, n.º1, al. a), 15º e ss. do RJAT. No entanto, a causa de pedir (não inclusão dos juros indemnizatórios na liquidação) é incapaz de produzir o propósito visado na presente ação (anulação da liquidação).    

Não podendo este Tribunal apreciar o direito da requerente a juros indemnizatórios (porque a contribuinte não formulou esse pedido) e não constituindo a sua não inclusão na liquidação qualquer ilegalidade, concluímos pela improcedência do pedido de anulação do ato tributário.

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a)         Julgar improcedente a arguida excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)         Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se a liquidação impugnada.

 

Fixa-se o valor do processo em €17.406,36 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente indeferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 10 de Novembro de 2015  

 

 

André Festas da Silva